Direito Administrativo

A Psicopatia no Serviço Público

A Psicopatia no Serviço Público

 

 

Léo da Silva Alves *

 

 

Escândalos em imponentes nichos do Poder reabrem a discussão sobre os efeitos da psicopatia no serviço público: como psicopatas e doentes morais ocupam relevantes espaços, colocando em risco a regularidade dos ofícios, a legalidade dos procedimentos, os direitos de terceiros e a ordem interna das instituições.

 

 

A questão foi apresentada na Academia Nacional de Polícia, durante Seminário que reuniu delegados da Policia Federal que atuam nas corregedorias em todos os Estados[1]. Sustentamos, na ocasião, que os psicopatas estão dentro do serviço público ocupando, não raramente, postos sensíveis inclusive de chefia e comando. E a questão não é estranha. A Universidade de British Columbia – Canadá tem estudos claros e relevantes sobre o que se denomina “psicopatas corporativos”. Eles estão instalados nas grandes organizações, públicas e privadas, tramando o tempo todo na busca insaciável de poder. São indivíduos invariavelmente inteligentes e charmosos, mas que não se constrangem em assumir méritos de colegas, assediar sexualmente subordinados e impor condições imorais a quem lhes aparece à frente.

 

O psicopata não é necessariamente, como se pensa na comunidade leiga, o autor de crimes brutais. Nem todo psicopata é violento, embora a sua imagem esteja associada a crimes em série. Afinal, as barbáries chocam o grande público porque ganham, pelos contornos de sangue, grandes espaços na mídia. O que se sabe com segurança, entretanto, é que todo serial killer é um psicopata, mas nem todo psicopata é um criminoso em série (ou mesmo autor de crime com componentes de violência física). Estima-se que 1% da população mundial seja constituída de psicopatas. Assim, os Estados Unidos da América teriam três milhões de psicopatas, embora os registros policiais naquele país tenham indicativos da existência de 50 assassinos  na linha de serial killers.

 

A grande maioria dos psicopatas está nas ruas, nas empresas, em lares bem postos. E, evidentemente, dentro do serviço público. Aqui, inclusive, por uma questão muito especial: o psicopata vive do poder. Acomodados em bons ofícios, experimentam a oportunidade singular de manipular pessoas e obter vantagens de toda espécie.

 

Nem sempre – como já se disse – o indivíduo acometido desse distúrbio pratica a maldade por ser este o resultado que quer. A regra é outra: é uma pessoa extremamente individualista que procura facilitar as coisas para si, sem se importar se isso vai causar tristeza ou prejuízo a alguém. Às vezes, causa; às vezes não. Em prejudicando terceiros, todavia, em levando colegas ao prejuízo e à desgraça, em nada se importa porque absolutamente desprovido de sentimentos.

 

Sabe-se que há psicopatas sádicos. Udai Hussein, morto em 2003, filho do ditador Saddan Hussein tinha o sadismo como característica. Dirigente de time de futebol no Iraque, exercitava o estranho prazer de torturar fisicamente os atletas nas ocasiões em que o desempenho em campo não estava à altura da vitória esperada. E, assim, tanto a história quanto a literatura policial tem relatos de indivíduos de elevada perversividade. Mas estes representam a minoria. A maioria leva uma vida “normal”, sem matar, sem agredir fisicamente, mas atropelando os outros, ignorando regras, disputando espaço a qualquer custo, semeando intrigas para afastar concorrentes, mentindo, fraudando, ganhando ou tentando ganhar dinheiro à custa alheia.

 

Superficialmente, o psicopata é, assim, uma pessoa normal no dia a dia. Mas, ao conhecê-lo melhor, veremos que é um indivíduo problemático. Ignora os filhos, mente sistematicamente, manipula pessoas, tem ausência de remorso e de gratidão. E o principal: está sempre pronto para levar vantagem – ainda que, para isso, precise “pisar na cabeça” da pessoa mais íntima. Como explicam os estudos da Universidade de British Columbia, eles tramam o tempo todo visando subir na carreira.

 

De acordo com Robert Hare, a psicopatia não é uma categoria, como homem ou mulher, mas é uma medida, como altura ou peso, que varia para mais ou para menos. Nessa conclusão, o psicólogo canadense propôs uma tabela, que varia até o índice 40.

 

O psicopata não sente amor. O amor do psicopata é por coisas, por bens, por conquistas, por status. Pergunte-se a um psicopata “Por que ama essa mulher?” e ele dará respostas: Por que é bonita. Por que tem uma boa renda. Está sempre lá quando eu preciso. Avaliemos as respostas:

 

·         Por que é bonitaPossuir a mulher bonita, para alguns homens, é sinal de status, de poder.

·         Por que tem uma boa renda – É uma forma de tirar proveito.

·         Está sempre lá quando eu preciso – Isso é conveniente.

 

Note-se que todas as respostas estão associadas a algum proveito.

 

 

Estudos médicos

 

Nos estudos médicos sobre psicopatia são usados como sinônimo as denominações de sociopatia e transtorno de personalidade anti-social (TPA). Esta última denominação é a mais empregada nos textos científicos.

 

De acordo com Patrick Valas[2], o conceito atual de psicopatia refere-se a um transtorno caracterizado por atos anti-sociais contínuos. Entra aqui a inabilidade de seguir normas sociais em muitos aspectos do desenvolvimento da adolescência e da vida adulta. Os portadores deste transtorno não apresentam quaisquer sinais de anormalidade mental (alucinações, delírios, ansiedade excessiva etc.) o que torna o reconhecimento desta condição muito difícil.

 

Em 1896, Pinel observou que existiam indivíduos que se comportavam de modo irracional ou inapropriado. Publicou na ocasião um trabalho descrevendo essa forma de “loucura” e usou a denominação manie sans delire (insanidade sem delírio).

 

Prichard, médico inglês, em 1835 introduziu o conceito de insanidade moral. Depois estudiosos alemães trouxeram a noção de “inferioridade constitucional” dos psicopatas. Nas décadas de 30 e 40 do século passado os clínicos estudaram o transtorno e, a partir de então, surgiu a denominação sociopata.

 

A evolução da ciência médica permitiu, em tempos recentes, exames precisos de imagens e avaliações funcionais do sistema nervoso. Testes altamente sofisticados permitiram chegar ao conceito atual, mais neutro, de transtorno de personalidade anti-social (TPA).

 

 

Na Administração Pública

 

Os meios de controle da Administração Pública precisam estar atentos ao fenômeno. O número de portadores deste transtorno cresce vertiginosamente nas suas entranhas. Os psicopatas – ou sociopatas – se infiltram em todos os âmbitos do tecido social, do direito à medicina, da polícia ao mundo dos negócios e principalmente na política. Escândalos que se sucedem nas Casas do Congresso Nacional e em prédios de Parlamentos e de Governos país afora podem ter, na origem, indivíduos acometidos de doença moral.

 

Saulo Ramos, que ocupou os relevantes cargos de Consultor-Geral da República e ministro da Justiça, descreve em seu livro “Código da Vida”[3] um episódio que pode ser associado ao fenômeno. Conta que, após a edição do Plano Cruzado, em 1986, a área fazendária do Governo Federal precisou editar medidas para corrigir estragos nas contas públicas. Vieram, aí, os famigerados empréstimos compulsórios pela aquisição de carro novo e até pela compra de gasolina. Muitos desses atos eram ilegais. Mas os astutos burocratas de plantão apresentaram um “estudo” com o qual concluíam que as suas ilegalidades não deveriam tolher as ações. Isso porque:

 

l       Contra atos da Fazenda Nacional, apenas ingressam em juízo cerca de 30% dos prejudicados. A maioria, portanto não reclama.

 

l       Pode haver alterações para mais ou para menos, dependendo de dois fatores principais: 1) se a imprensa der destaque à ilegalidade; 2) se as quantias envolvidas não forem individualmente expressivas.

 

l       Os que entram com ações, levam dez anos para receber, o que adia o problema para governos posteriores.

 

Esses argumentos, portanto, autorizavam aqueles agentes do Poder Público a praticar arbítrios, a atropelar a ordem jurídica, a ignorar os direitos dos cidadãos.

 

Na mesma linha, conhecemos uma eminente figura da República que insistia em baixar atos contra a segurança jurídica. Advertido da ilegalidade, ria sarcasticamente e dizia que um mandado de segurança a mais ou a menos não mudaria a sua vida. Era um doente moral!

 

Assim como os psicopatas dentro de grandes empresas quebram a confiança de acionistas e investidores – que não acreditam nos dados fornecidos pelas empresas e em seus auditores – os indivíduos acometidos do mesmo mal, que tomam assento nos palácios ou em postos de relevo no serviço público, representam um grande perigo para a sociedade. Deveriam ser identificados e banidos pelos instrumentos de controle.

 

Torna-se aqui irrelevante a questão da responsabilidade sob a ótica penal. Neste particular, a propósito, há duas correntes:

 

l       Uma corrente sustenta que o psicopata não entende as conseqüências dos seus atos. A explicação é de que, quando tomamos uma decisão, fazemos ponderações intelectuais e emocionais para decidir. O psicopata decide apenas intelectualmente, porque não experimenta as emoções morais. Logo, não tem a plena consciência dos seus atos.

 

l       Outra corrente sustenta que o psicopata entende e sabe que a sociedade considera errada aquela conduta, mas decide fazer mesmo assim. Então, ele tem capacidade de escolha e, por isso, deve ser responsabilizado.

 

Nenhuma corrente prevalece. A matéria ainda está no plano das opiniões. Mas isso pouco importa fora do terreno da medicina, da psicologia e do Direito Criminal. O controle da Administração Pública não pode se limitar à suposta ordem nas contas públicas e ao seguimento das rotinas da burocracia: está vinculado, também, à regularidade dos serviços, à garantia da paz interna, ao cumprimento das normas, à lealdade às instituições, ao respeito à cidadania e aos direitos dos administrados. Logo, quem não se ajusta a esse formato é, sob a ótica do interesse público, um corpo estranho, perverso, nocivo, que deve ser retirado do meio.

 

Registre-se que é a ação dos psicopatas no mundo da política e da Administração Pública que tornou o mundo mais empobrecido e sem perspectivas para bilhões de seres humanos. Entra nessa lista, por certo, Robert Mugare que, na presidência do Zimbabwe, fez o seu povo experimentar níveis insuportáveis de pobreza, com escassez de comida e combustíveis e com uma taxa de inflação de 165.000%. Apesar disso, ao ser derrotado em eleições em 2008, manipulou a divulgação de resultados com o sentido de prolongar a permanência no poder, que já se estendia por 28 anos.

 

Saddan Hussein era psicopata, como Joseph Stálin. De Adolf Hitler, diz-se que não era “apenas” psicopata. Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier, que na década de 70 assumiu a condição de presidente vitalício do Haiti (no Caribe), é outro exemplo. Proprietário de luxuosas mansões na França, a custa de corrupção, foi um governante absolutamente indiferente ao flagelo de seis milhões de haitianos a quem competia proteger. Em linha similar, esteve Idi Amin, em Uganda. A sua ditadura foi caracterizada por genocídios e requintes de crueldade utilizados nas execuções, daí as alcunhas de “o talhante (açougueiro) de Kampala” e “senhor do horror”, atribuídas a ele pelo povo ugandense.

 

É do contingente dos portadores deste transtorno que saem, portanto, os autores dos piores crimes contra a humanidade, embora muitos deles permaneçam desconhecidos porque, sem terem rastros de sangue, não ganham visibilidade. São crimes que, muitas vezes, não fazem vítimas individuais e que são perpetuados por indivíduos “acima de qualquer suspeita”. Entram aqui, senão crimes (ou crimes ditos de pequeno potencial ofensivo), condutas que não resistem a um confronto com a moralidade. É o político que acha natural emprestar bens públicos para uso particular de familiares; ou ter empregada doméstica oficialmente lotada em gabinete às custas do erário. É o agente público, a nível de ministro de Estado, que considera legal pagar despesas particulares com cartões corporativos; é o gestor que, sob pretexto de terceirizar serviços, acha normal impor à empresa contratada que coloque na sua folha de pagamentos parentes e apaniguados; é o administrador que troca profissionais do serviço jurídico para obter pareceres de encomenda; é o servidor que semeia intrigas para afastar concorrência e galgar espaço nas funções gratificadas. Todos, com grau maior ou menor de perversividade, são danosos ao interesse público, são pragas que infestam as estruturas originalmente formatadas para prestar serviço à sociedade.

 

Não adianta punir

 

Os psicopatas são seres atormentados e que fazem sofrer outros seres humanos muito mais do que eles próprios sofrem.  São criaturas humanas muito destrutivas em suas relações com o ambiente, com eles próprios e principalmente com as pessoas com quem se relacionam ou a quem, nos ofícios públicos, devem servir. Não é exagero dizer que a conduta predatória desses indivíduos os transforma no maior inimigo do ser humano.

 

Acredita-se que o transtorno de que são acometidos tem a sua origem em dano no cérebro, no córtex frontal. Sendo algo fisiológico, não adianta punir ou ameaçar um psicopata. Se tiver oportunidade, ele fará tudo de novo. A mídia brasileira deu destaque à prisão de um rapaz que aplicava golpes fazendo-se passar por filho de um magnata da aviação brasileira. Preso, chegou a ser colocado em uma viatura na qual um policial (possivelmente também psicopata) andou com ele um bom tempo, apontando sua arma para a cabeça e fazendo roleta russa. Qualquer indivíduo normal nunca mais pensaria em se fazer passar por outra pessoa, mas o golpista já saiu do susto pensando na próxima vítima que faria. Em seguida, escreveu um livro, contando com detalhes – e com orgulho – os golpes que aplicou[4].

 

Apesar da inteligência acima da média, o psicopata não consegue aprender com seus erros. Nenhuma punição é passível de fazer com que o psicopata mude as suas maneiras, embora as práticas punitivas, de ordem médica e jurídica, sejam as que mais recaiam sobre ele.

 

Não temos dificuldade em identificar ações de psicopatas instalados nos mais nobres espaços do poder, na República e demais entes da federação. Flagrados pela imprensa em condutas nocivas, imorais e perversas, esses indivíduos têm desculpa para tudo, enquadrando-se no perfil descrito por Hervey Cleckley (1903-1984). Para o autor, o psicopata não se sente culpado pelos vários importunos causados a outrem, em função de suas ações irresponsáveis. Geralmente, ele se exime de qualquer responsabilidade e acusa diretamente outras pessoas. Outras vezes, numa espécie de encenação, ele diz que seus problemas são devidos aos seus erros, porém, quando questionado sobre quais problemas e quais erros estariam em questão, a incoerência de suas respostas demonstra que sua noção de culpa é apenas aparente. É certo que o psicopata comete toda espécie de atos desonestos, colocando-se constantemente em situações de alto risco – inclusive, como sustentamos nesta matéria, dentro dos mais nobres espaços públicos.

 

 

As características do psicopata

 

Hervey Cleckley agrupa as principais características do psicopata em dezesseis itens[5]:

 

1 – Aparência sedutora e boa inteligência.

2 – Ausência de delírios e de outras alterações patológicas do pensamento.

3 – Ausência de “nervosidade” ou manifestações psiconeuróticas.

4 – Não confiabilidade.

5 – Desprezo para com a verdade.

6 – Falta de remorso ou culpa.

7 – Conduta anti-social não motivada pelas contingências.

8 – Julgamento pobre e falha em aprender através da experiência.

9 – Egocentrismo patológico e incapacidade para amar.

10 – Pobreza geral na maioria das reações afetivas.

11 – Perda específica de insight (compreensão interna).

12 – Não reatividade afetiva nas relações interpessoais em geral.

13 – Comportamento extravagante e inconveniente, algumas vezes sob a ação de bebidas.

14 – Suicídio raramente praticado.

15 – Vida sexual impessoal, trivial e mal integrada.

16 – Falha em seguir qualquer plano de vida.

 

 

Na Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10, os critérios diagnósticos para psicopatia são:

 

a)       indiferença insensível pelos sentimentos alheios;

b)      atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito por normas, regras e obrigações sociais;

c)       incapacidade de manter relacionamentos, embora não haja dificuldade em estabelecê-los;

d)      muito baixa tolerância à frustração e um baixo limiar para descarga de agressão, incluindo violência;

e)       incapacidade de experimentar culpa ou de aprender com a experiência, particularmente punição;

f)        propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer racionalizações plausíveis para o comportamento que levou o paciente a conflito com a sociedade.

 

Já os critérios diagnósticos da psicopatia no DSM-IV-TR[6] são:

 

a)       incapacidade de adequar-se às normas sociais com relação a comportamentos lícitos, indicada pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção;

b)      propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer;

c)       impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro;

d)      irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas;

e)       desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia

f)        irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou de honrar obrigações financeiras;

g)      ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado alguém.

 

Servidores públicos

 

A Administração Pública abriga, seguramente, psicopatas muito bem postados em gabinetes de luxo, ocupando mesas de mogno e despachando com ares de autoridade. Mas também abriga servidores, em todos os níveis, com características nítidas de psicopatia. A página virtual “Direito e Chips”[7] traz um exemplo:

 

João tem um histórico funcional complicado.

 

Há um registro de que, enquanto estava dirigindo um carro do Município, proferiu palavras de conotação sexual para uma pedestre. A vítima registrou queixa e o processo administrativo está em andamento. Em sua defesa, disse que a mulher era uma amiga sua.

 

Outra vez, João, sabe-se por que, resolveu dirigir em círculos em alta velocidade dentro do estacionamento da Prefeitura e dar cavalinhos de pau. Abriu-se novo processo administrativo. Afirmou que estava testando os freios do veículo.

 

Noutra ocasião, ao desembarcar um grupo de passageiros numa kombi, foi pedido por um passageiro para dar ré, pois no local que iam desembarcar havia muito barro. João recuou a Kombi em alta velocidade e bateu num carro que estava atrás. Disse que foi sem querer.

 

            A matéria relata, por fim, que João, ao ser acionado em processo disciplinar, ao invés de se concentrar objetivamente na sua defesa ou compreender o sentido temerário da sua conduta, passou a questionar os prejuízos que estava tendo por lhe terem sido cortadas as horas-extras.

 

Aqui estão, seguramente, sinais de psicopatia. Destacam-se a ausência de culpa: falta de arrependimento ou dor na consciência; a facilidade em atribuir a culpa aos outros; tem certeza que nunca erra. Acrescentam-se a habilidade para mentir ou distorcer os fatos; a capacidade de contar qualquer lorota como se fosse a verdade mais cristalina; o egoísmo, fazendo as suas próprias leis. Em suma, se estiver tudo bom para ele, não interessa como está para o resto do mundo.

 

De elementos assim, os órgãos da Administração Pública estão abarrotados no Brasil. E estes devem constituir a clientela dos processos disciplinares. Espertos, todavia, manipulam, articulam e escapam. Sobram nas teias do controle da disciplina servidores honrados que, por um ato infeliz, cometem um erro e acabam atropelados pelo rolo compressor de uma reação desproporcional.

 

O controle da disciplina de servidores tem dupla finalidade: melhorar o funcionário e melhorar o serviço. O psicopata nunca será melhorado, daí a necessidade de se preparar o caminho para demiti-lo. Com essa medida, pelo menos melhora-se o serviço.

 

 

 

“Os psicopatas – ou sociopatas – se infiltram em todos os âmbitos do tecido social, do direito à medicina, da polícia ao mundo dos negócios e principalmente na política. Escândalos que se sucedem nas Casas do Congresso Nacional e em prédios de Parlamentos e de Governos país afora podem ter, na origem, indivíduos acometidos de doença moral.”

 

 

“O controle da Administração Pública não pode se limitar à suposta ordem nas contas públicas e ao seguimento das rotinas da burocracia: está vinculado, também, à regularidade dos serviços, à garantia da paz interna, ao cumprimento das normas, à lealdade à instituição, ao respeito à cidadania e aos direitos dos administrados. Logo, quem não se ajusta a esse formato é, sob a ótica do interesse público, um corpo estranho, perverso, nocivo, que deve ser retirado do meio.”

 

 

* Léo da Silva Alves é conferencista especializado em Direito Disciplinar, com trabalhos no Brasil e na Europa. Autor de 35 livros



[1] VI Curso de Atualização em Procedimentos Administrativos Disciplinares – conferência proferida pelo autor dia 13 de abril de 2009.

[2] Patrick Valas – “Freud e a perversão” – Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1990.

 

[3] Saulo Ramos – “Código da Vida”. Ed. Planeta – pág. 297

 

[4] “VIPs – Histórias reais de um mentiroso”.

 

[5] Hervey M. Cleckley“The Mask of Sanity”— An Attempt to Clarify Some Issues About the So-Called Psychopathic Personality. Fifth Edition. Augusta, Georgia: Emily S. Cleckley, 1988 – p. 337-338.

 

 

485 p. [Scanned facsimile]

 

[6] Critérios Diagnósticos para 301.7 Transtorno da Personalidade Anti-Social.

 

[7] “Traços de psicopatia” – 12 de julho de 2006. Disponível na web.

Como citar e referenciar este artigo:
ALVES, Léo da Silva. A Psicopatia no Serviço Público. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/a-psicopatia-no-servico-publico/ Acesso em: 15 fev. 2025