A descabida exigência de termo com o compromisso de dizer a verdade no processo disciplinar
Luiz Cláudio Barreto Silva*
Não é admitida a exigência de termo com o compromisso do acusado de dizer a verdade em processo disciplinar. É que a Constituiçãoda República[1] concede aos acusados em geral a prerrogativa contra a autoincriminação[2]. Essa prática afronta, ainda, os princípios da ampla defesa e do contraditório. Por isso, nos processos disciplinares, presente exigência da espécie o caso é de nulidade.
Poderia se objetar com o argumento de que em numerosos processos disciplinares são identificados termos com essa exigência. É certo, também, que na Administração são identificados Manuais para as Comissões Processantes com orientações nessa linha e modelos.
No entanto, não é a trilha interpretativa mais adequada consoante a jurisprudência. Nas decisões proferidas pelos Tribunais – e a matéria não se limita ao processo disciplinar – o anteparo do privilégio contra a autoincriminação é identificado com frequencia.
Nessa linha de entendimento, precedente do Supremo Tribunal Federal, da relatoria do Ministro Celso de Melo, com a seguinte ementa:
“COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO – PRIVILÉGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO – DIREITO QUE ASSISTE A QUALQUER INDICIADO OU TESTEMUNHA – IMPOSSIBILIDADE DE O PODER PÚBLICO IMPOR MEDIDAS RESTRITIVAS A QUEM EXERCE, REGULARMENTE, ESSA PRERROGATIVA – PEDIDO DE HABEAS CORPUS DEFERIDO.
– O privilégio contra a auto-incriminação – que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito – traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa, que, na condição de testemunha, de indiciado ou de réu, deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.
– O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes. O direito ao silêncio – enquanto poder jurídico reconhecido a qualquer pessoa relativamente a perguntas cujas respostas possam incriminá-la (nemo tenetur se detegere) – impede, quando concretamente exercido, que aquele que o invocou venha, por tal específica razão, a ser preso, ou ameaçado de prisão, pelos agentes ou pelas autoridades do Estado.
– Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. Precedentes”. [3]
Em igual sentido, precedente do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, com fragmento de ementa nos seguintes termos:
“De outra parte, no caso em comento, a servidora foi interrogada por duas vezes durante o processo administrativo disciplinar, e, em ambas as oportunidades, ela se comprometeu “a dizer a verdade das perguntas formuladas”.
Ao assim proceder, a comissão processante feriu de morte a regra do art. 5º, LXIII, da CF/88, que confere aos acusados o privilégio contra a auto-incriminação, bem como as garantias do devido processo legal e da ampla defesa. Com efeito, em vez de constranger a servidora a falar apenas a verdade, deveria ter-lhe avisado do direito de ficar em silêncio”.[4]
Portanto, e sem desmerecer os posicionamentos em sentido diverso, não é concebível a exigência de termo com compromisso de dizer a verdade, assinado pelo acusado em processo disciplinar, uma vez que a referida prática afronta o sagrado direito ao silêncio.
Notas e referências bibliográficas
[1] Brasil. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/ . Acesso em: 24 ago. 2007.
[2] Art. 5º, LXIII, da Constituição da República de 1988.
[3] STF. HC 79.812. Plenário. Relator: Min. Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(HC$.SCLA.%20E%2079812.NUME.)%20OU%20(HC.ACMS.%20ADJ2%2079812.ACMS.)&base=baseAcordaos> . Acesso em 9 jul. 2009.
[4] STJ. RMS 14901. Relatora: Min. Maria Thereza de Assis Moura. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200200632726&dt_publicacao=10/11/2008> . Acesso em: 9 jul. 2009. (Destacou-se).
* Advogado, escritor, pós-graduado em Direito do Trabalho e Legislação Social, ex-Diretor Geral da Escola Superior de Advocacia da 12ª Subseção de Campos dos Goytacazes e Professor Universitário.