Direito Administrativo

A Crise Financeira e a Dispensa de Licitações

A Crise Financeira e a Dispensa de Licitações

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Com a edição de duas medidas provisórias, o Governo Lula pretende, sem licitação, adquirir não apenas bancos em dificuldades, mas também outros empreendimentos bancários que não passam por dificuldades, apresentando, ao contrário, “performance” admirável, como é o caso da Caixa Econômica Estadual de São Paulo (Nossa Caixa).

 

O argumento que os intérpretes oficiais apresentam é de que o inciso XXI, do artigo 37, da CF, assim redigido: “XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”, permitiria afastar a exigência de certame licitatório, desde que a exceção esteja especificada em lei. Acrescentam que a crise mundial, que já atinge a economia real, justificaria a edição de tais medidas e a dispensa de licitações.

 

Pessoalmente, admito o argumento, com duas ressalvas.

 

A primeira delas é que não há necessidade nem razoabilidade em intervir para adquirir bancos em plena expansão, como é o caso da Nossa Caixa, não podendo, de outro lado, o Governo do Estado alienar seu patrimônio, sem lançar mão do meio adequado à obtenção do melhor preço, que é a licitação.

 

É que o princípio da eficiência, plasmado no “caput” do art. 37 da Lei Suprema, bem como a norma do seu inciso XXI estabelecem a obrigatoriedade de competição, para que a venda se dê pela proposta mais vantajosa, pela mais alta cotação possível, sob pena de lesão ao interesse e ao patrimônio públicos.

 

Assim, não poderão nem o governo federal, via Banco do Brasil, nem o governo estadual, sem licitação, alienar, dispor da Nossa Caixa, que integra o patrimônio de São Paulo.

 

Se isto ocorresse, poderia dar ensejo à aplicação do § 4º, do artigo 173, da Constituição Federal, que proíbe a dominação dos mercados e a eliminação da concorrência, sobre não permitir lucros arbitrários.

 

A MPs editadas não são, portanto, prestantes para atender ao interesse, já demonstrado pelo Governo Federal, de adquirir a Nossa Caixa, diretamente, ou seja, sem licitação.

 

A segunda ressalva diz respeito à necessidade de constar das MPs, com maior clareza, que, tão logo superada a crise, as instituições onde tiver havido intervenção ou aquisição de controle acionário deverão ser devolvidas ao setor privado, também pelo processo ético e legal das licitações.Feitas essas duas ressalvas, entendo que atribuir ao Estado instrumentos para atuar com maior agilidade, numa crise da dimensão daquela que vivemos, é algo de relevante interesse, razão pela qual entendo que o Chefe do Executivo agiu bem e oportunamente.

 

 

* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br

 

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Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Crise Financeira e a Dispensa de Licitações. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/a-crise-financeira-e-a-dispensa-de-licitacoes/ Acesso em: 20 set. 2024