A ausência de advogado no Processo Administrativo gera nulidade?
Patrícia Fuck Haveroht *
A Expressão Processo Administrativo, na linguagem corrente, é utilizada em sentidos diferentes:
1. Num primeiro sentido, designa o conjunto de papéis e documentos organizados numa pasta e referente a dado ou assunto de interesse do funcionário ou da administração;
2. É ainda usada como sinônimo de processo disciplinar, pelo qual se apuram as infrações administrativas e se punem os infratores;
3. Em sentido mais amplo, designa o conjunto de coordenadas para a solução de uma controvérsia no âmbito administrativo;
4. Em sentido ainda mais amplo, de modo a abranger a série de atos preparatórios de uma decisão final da Administração.
Não se deve confundir processo com procedimento. O primeiro existe sempre como instrumento indispensável para o exercício da função administrativa; tudo o que a Administração Pública faz, fica documentado em um processo. O procedimento é o conjunto de formalidades que devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos; equivale a forma de proceder; o procedimento se desenvolve dentro de um processo administrativo.
Nem sempre a lei estabelece procedimentos a serem observados necessariamente pela Administração, facultando a escolha da forma de atingir seus objetivos. Em regra, o procedimento é imposto com maior rigidez quando envolve não só o interesse público, mas também os direitos dos administrados, como ocorrem na licitação, nos concursos públicos e nos processos disciplinares.
No direito brasileiro, os meios de apuração de ilícitos administrativos são o processo administrativo disciplinar e os meio sumários, que compreendem a sindicância e a verdade sabida.
Tomando por base a Lei nº. 8.112/90, estatuto do servidor público no âmbito federal, o art. 127 prevê as penalidades disciplinares que podem ser aplicadas aos servidores estatutários: advertência; suspensão; demissão; cassação de aposentadoria ou disponibilidade; destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada. O art. 130, § 2º, desta lei, ainda prevê a possibilidade da pena de suspensão ser convertida em multa, na base de 50% por dia de vencimento ou remuneração, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço. Cabe à autoridade competente decidir por essa conversão, quando houver conveniência para o serviço.
As fases do processo administrativo disciplinar de procedimento ordinário são no sistema federal: a) instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão; b) inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; c) julgamento (art. 151 da Lei nº 8.112/90).
A instauração do processo administrativo disciplinar tem início com a publicação da portaria que constituiu a comissão processante, composta de três servidores estáveis designados pela autoridade competente (art. 149 da Lei nº 8.112/90).
Na Lei nº. 9.784, os princípios da ampla defesa e do contraditório estão mencionados no artigo 2º, entre os princípios a que se sujeita a Administração Pública.
O Princípio da ampla defesa é aplicável em qualquer processo que envolva situações de litígio ou o poder sancionatáriosancionador do Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas. É o que decorre do artigo 5º, LV da Constituição e está também expresso no artigo 2º, parágrafo único, inciso X, da Lei nº 9.784, que impõe que nos processos administrativos, sejam assegurados os “direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos que possam resultar sanções e nas situações de litígio”.
O Princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega uma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-lhe oportunidade de resposta.
Foi com o intuito de garantir princípios constitucionais imprescindíveis, como a ampla defesa e o contraditório, que o STJ, reiterando o que já vinha sendo amplamente difundido entre a grande maioria dos tribunais do nosso país, aprovou no dia 14 de setembro de 2007, o enunciado nº. 343 da súmula da jurisprudência predominante na Terceira Seção daquela Corte. A Súmula tem a seguinte redação: “é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”.
Dos próprios julgados do STJ, se colhe que a súmula, inclui no âmbito de aplicação da obrigatoriedade de presença do advogado também a fase da sindicância, desde que dela possa resultar punição.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que, em observância ao princípio da ampla defesa, é indispensável a presença de advogado ou de defensor dativo realizando a defesa de acusado em processo administrativo disciplinar, inclusive na fase instrutória.
A ausência de defesa técnica no processo administrativo disciplinar é causa de nulidade relativa, necessitando de demonstração do efetivo prejuízo sofrido pela defesa para, só então, justificar a anulação do processo.
A jurisprudência do STJ, ao exigir a presença de advogado como requisito de validade do processo disciplinar formou-se à margem da lei nº 8.112/90, que em momento algum faz tal exigência. Fica claro que o entendimento do Superior Tribunal se encontra em norma constitucional, mais especificamente naquela que assegura aos acusados em geral “o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV).
A própria Constituição Federal prevê que o advogado é figura essencial à administração da justiça (art. 133). Porém, há que se atentar para o fato de que a ampla defesa não precisa ser exercida apenas por advogado.
Embora a súmula não ostente eficácia vinculante, não se ignora que, na prática, esta orientação jurisprudencial acabará sendo seguida pelos demais Órgãos do Poder Judiciário de Jurisdições inferiores.
Sua aprovação causou tumulto no âmbito jurídico e uma enorme sensação de insegurança jurídica, uma vez que a afirmação de que a falta de um advogado pode gerar a anulação de milhões de processos administrativos já encerrados e causar uma corrida maluca rumo ao judiciário no intuito de contestá-las.
A aplicação da Súmula deve ser feita com cautela, o que torna necessário que se estabelecem normas para a sua aplicação: como por exemplo, a partir de qual instante o preceito contido na Súmula STJ n° 343, estaria apto a ter eficácia. Quais seriam os parâmetros de contenção para a irradiação dos seus respectivos efeitos e por razões de coerência concedê-la eficácia ex nunc (desde agora). Evitando assim que todos os procedimentos administrativos sejam considerados nulos e gerem irreparáveis prejuízos à estabilidade jurídica da administração pública.
Vale ressaltar que o termo Súmula advém do latin “summula”, sendo a Súmula, um extrato, um resumo das reiteradas decisões exaradas, não sendo estas as de 1º grau. A Súmula, explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Na verdade, súmula é o conjunto de decisões proferidas por um Tribunal. Assim, é o conjunto de, no mínimo, três acórdãos, que adotam uma mesma interpretação acerca de um determinado assunto. São usadas, no direito brasileiro, como forma de uniformizar o entendimento dos Tribunais, aumentando a segurança jurídica do sistema.
Com o intuito de finalizar a polêmica gerada pela Súmula do STJ no dia 7 de maio de 2008, o Supremo Tribunal Federal editou sua quinta Súmula Vinculante, em sentido diametralmente contrário à Súmula 343 do STJ (é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar). A Súmula Vinculante 5 afirma: “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.
O instituto da Súmula Vinculante, criado pela Emenda Constitucional (EC) 45/04, tem o intuito de pacificar a discussão de questões examinadas nas instâncias inferiores do Judiciário. Após sua aprovação – por no mínimo oito ministros, e a publicação no Diário de Justiça Eletrônico (DJe) – , a Súmula Vinculante permite que agentes públicos, tanto do Poder Judiciário quanto do Executivo, passem a adotar a jurisprudência fixada pelo STF.
Tal súmula vem sendo festejada por parte da comunidade jurídica por assegurar a manutenção de milhares de decisões proferidas em processos administrativos (aplicando sanções) trazendo, como afirmam, uma suposta “segurança jurídica”.
A OAB vem se manifestando contrariamente a referida súmula, alegando sua inconstitucionalidade, por violar os artigos 5º, inciso LV, e 133 da Constituição da República, que asseguram o direito de um defensor ao cidadão, que atue com competência na defesa dos seus direitos. Afirma que a defesa técnica e a participação de um advogado não é uma necessidade corporativa de uma instituição como a Ordem dos Advogados, mas sim uma garantia ao cidadão.
O Tribunal de Justiça do Paraná vem sistematicamente entendendo não ser obrigatória a intervenção de advogado em processos e procedimentos administrativos.
No Acórdão nº 14.109 da 3ª Câmara Civil do Egrário Tribunal de Justiça do Estado asseverou: “O Estatuto do Advogado (Lei 8906/94), em seu Art. 1º dispões que são atividades privativas da advocacia ‘a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais e ainda às atividades de consultoria, assessoria e direção jurídica’. Como se vê, o Estatuto é omisso quanto a obrigatoriedade de intervenção em processos administrativos.”
A este respeito, Rubens Approbato Machado, Presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo reconheceu que: “exclui-se, assim, a obrigatoriedade do advogado na postulação perante a Administração Pública, em processos administrativos, especialmente nos chamados contenciosos tributários, desportivos e previdenciários” 1
Portanto, nada há que obrigue a representação do acusado por advogado no processo administrativo. Também não há disposição de lei que impeça a defesa por advogados. Por conta de tal fato, atualmente se verificam três possibilidades: o acusado formulando ele próprio sua defesa; o acusado sendo defendido por um defensor técnico e finalmente o acusado sendo defendido por um advogado.
Referência Bibliográficas:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 17 ed. Editora Malheiros. São Paulo, 2004.
BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa, Manual de Direito Administrativo. 1ª ed. Editora Fórum, 2005.
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Lei nº 8.112/90 Comentada Artigo por Artigo. Brasília: João Trindade Cavalcante Filho, 2007.
CUNHA, Irineu Ozires, Conselhos de Disciplina e Justificação. 1ª ed. Editora AVM, 2005.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17 ed. Editora Atlas. São Paulo, 2004.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2004.
MATTOS. Mauro Roberto Gomes de. Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2007.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 29 ed. Editora Malheiros; São Paulo, 2004.
www.marcusbittencourt.com.br acessado em 08 de junho de 2008
www.stf.gov.br acessado em 18 de maio de 2008
www.stj.gov.br acessado em 18 de maio de 2008
Notas
1 A respeito: Inexigência de defensor inscrito na OAB nos procedimentos administrativos disciplinares, Rui Stoco; RT – 708 pp. 271-274
* Bacharelanda do curso de direito da UNICURITIBA (PR
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