Walter Marquezan Augusto
Schiefler Advocacia
É de conhecimento geral que licitações são procedimentos que demandam muita atenção dos seus participantes. Neste ramo do direito administrativo, os detalhes fazem toda a diferença, e, por isso, não cometer erros que prejudiquem a análise da proposta é fundamental para o licitante que deseja ter chances de vitória.
Os erros, no entanto, acontecem, e até mesmo entre as empresas com larga experiência na área. As causas são diversas, mas na maior parte das vezes remetem a problemas que poderiam ser evitados.
Este texto traz os 3 erros que consideramos como os mais comuns em licitações para nunca mais cometer. São descuidos simples, que dão origem a pequenas falhas, que vistas individualmente podem ser consideradas como “aleatórias”, mas no fundo remetem justamente a esses erros mais comuns. Vejamos, então, que erros são esses.
1) NÃO COMPREENDER CORRETAMENTE O EDITAL
Empresas acostumadas a licitações conhecem o “ditado” segundo o qual o Edital é a Lei do certame. É, portanto, uma obviedade dizer que a leitura completa do Edital é indispensável a qualquer licitante.
Mas, muito mais importante que ler é compreender o Edital, tarefa essa que não é tão simples quanto parece. Em geral, os editais de licitação não são textos lineares e muito menos aprazíveis. É por isso que, metaforicamente falando, a leitura de um Edital deve ser encarada como a decifração de um mapa. Isto é, no Edital estão as coordenadas da “localização” e do “tempo” em que cada fase deve ocorrer, somadas às regras e aos requisitos que os licitantes e a Administração necessariamente devem seguir. Logo, compreender corretamente o Edital é saber conscientemente as regras que dão causa à forma como cada ato deve ocorrer em uma determinada licitação.
Para tanto, todos aqueles que desejam participar de licitações devem consentir que a compreensão correta de um Edital demanda tempo. Ou seja, é preciso dedicar tempo para a(s) leitura(s) do Edital, para a discussão dos pontos de atenção e para o planejamento de todas as fases da participação no certame. Assim, não dedicar tempo para a compreensão do Edital é uma falha que não pode ocorrer, especialmente nas fases que antecedem a apresentação de propostas.
Não raro, a leitura e discussão do Edital não é suficiente para a sua compreensão. Nesses casos é de suma importância a apresentação de pedidos de esclarecimentos, que devem ser protocolados em até três dias úteis antes da abertura do certame (conforme art. 164 da Lei nº 14.133/2021). Em geral, os Editais trazem a previsão da forma como tais pedidos devem ser elaborados e processados, no entanto, caso não haja previsão detalhada, o ideal é que as solicitações sejam pormenorizadas, culminando em perguntas objetivas e precisas sobre as dúvidas. Uma vez prestados, os esclarecimentos passam a produzir efeitos sobre a condução do certame, sendo, portanto, peças-chave para a compreensão de qualquer Edital.
Por fim, outro fator importante para afastar a incompreensão do Edital é a elaboração de checklists com os requisitos das propostas e demais documentos a serem apresentados em cada uma das fases do certame. O método de checklists não apenas é indispensável para a organização de documentos como também auxilia a mapear a sequência lógica de cada licitação, facilitando a visão geral do procedimento. O ideal é que os itens do checklist sejam agrupados por fases, com a indicação dos dispositivos a que se referem no Edital, bem como os seus respectivos prazos. Checklists completos funcionam como o caminho a ser trilhado durante o certame.
Temos, então, que a correta compreensão do Edital é indispensável para qualquer licitante que deseja alcançar a contratação. Assim, a incompreensão do Edital é um erro que embora comum, deve ser evitado a todo custo.
2) NÃO OBEDECER ESTRITAMENTE ÀS FORMALIDADES DO EDITAL
Em licitações, a forma é uma garantia. Isto é, as formalidades integram o núcleo jurídico material do procedimento, vinculando-se diretamente aos princípios que regem os certames públicos (art. 5º da Lei nº 14.133/2021).
Em primeiro plano, as formalidades distinguem-se legalmente entre as diferentes modalidades de licitação. Em um segundo plano, as formalidades se fazem presentes nas peculiaridades de cada Edital. Assim, uma vez compreendidas as regras de cada certame, é preciso colocar em prática os requisitos exigidos.
Segundo a atual Lei de Licitações, o não cumprimento de exigências do Edital pode acarretar a desclassificação da proposta (art. 59 da Lei nº 14.133/2021). Para a referida lei, a avaliação da formalidade descumprida deverá ser observada sob o prisma de sua sanabilidade (art. 59, §2º, e art. 64, §1º, da Lei nº 14.133/2021). Ou seja, é impossível convalidar o descumprimento de formalidade que constitui vício insanável, ou que torna a proposta inexequível, ou ainda cujo saneamento altere a substância de documentos e/ou sua validade jurídica.
Em que pese a jurisprudência tenha pacificado o entendimento que afasta a aplicação de formalismo excessivo, é inegável que é um erro relegar à “compreensão” dos julgadores o descumprimento de formalidades, mínimas que sejam. Por mais que se discorde ou se duvide da utilidade de certos preceitos editalícios, o cumprimento estrito das formalidades é o único modo seguro de garantir o julgamento de mérito de uma proposta em licitação.
Exposto esse “padrão”, muitas são as maneiras como esse erro se apresenta. A título ilustrativo, podemos elencar casos como a identificação de licitante em via não-identificada (como prevê o inciso XII, art. 6º, da Lei nº 12.232/2010), nas licitações de serviços de publicidade, ou erros de formatação que violam a isonomia entre as propostas, ou a não apresentação de certidões (de capacidade técnica, por exemplo) ou a apresentação de certidões desatualizadas (como regularidade fiscal e trabalhista), ou ainda erros no teor de documentos apresentados, seja por desconhecimento ou mesmo de modo intencional (hipótese essa que extrapola a esfera do “erro” e pode culminar em sanções administrativas, como o impedimento de licitar e contratar, ou até mesmo configurar crime em licitação).
Todas essas “falhas” são aptas a criar vícios que serão julgados sanáveis ou insanáveis. O erro, no entanto, é não observar estritamente as formalidades exigidas pelo Edital. Essa é a razão pela qual esse é mais um erro comum para nunca mais cometer.
3) NÃO UTILIZAR A VIA RECURSAL, QUANDO NECESSÁRIA
Por vezes o erro não está do lado do licitante, mas sim do lado do órgão da Administração que conduz o processo licitatório. Nesses casos é indispensável recorrer.
O recurso em licitação está previsto no art. 165 e seguintes da Lei nº 14.133/2021. Trata-se de previsão que, no fundo, decorre da garantia constitucional ao devido processo administrativo (art. 5º, incisos LIV e LV, da CF 1988).
O exercício do direito ao recurso é, portanto, uma forma legítima e desejável, quando necessária, na participação em qualquer certame licitatório. O erro, no caso, é deixar de recorrer quando se percebe um defeito na condução de uma licitação. Isto é, nesses casos, deixar de recorrer é anuir com o erro, logo, significa errar também.
Vários são os atos administrativos que podem ensejar recurso ou pedido de reconsideração em licitação, conforme o rol elencado nos incisos I e II do caput do art. 165 da Lei de Licitações. Embora o pedido de reconsideração não seja recurso em sentido estrito, é uma forma de interpor um pleito de reapreciação de ato decisório. Em ambos os casos a lei atribui efeito suspensivo até que sobrevenha decisão final da autoridade competente (art. 168 do mesmo diploma).
É importante notar que em licitações os recursos podem se direcionar contra os atos administrativos que julgam tanto as propostas dos próprios licitantes-recorrentes quanto as propostas de outros licitantes. Essa característica é o que torna os certames licitatórios, em alguns casos, verdadeiros campos de batalhas jurídicas. Esse acirramento das disputas é corolário de um sistema que valoriza a competição aberta para a demonstração de qual é a proposta mais vantajosa. Trata-se, portanto, de prática benéfica ao certame, quando exercida de forma legítima e não-protelatória.
Como se sabe, a reapreciação de decisões pode conduzir a resultados completamente diversos daqueles proferidos inicialmente. Isso significa que, às vezes, a decisão de interpor um recurso é a decisão que separa um licitante de uma vitória em uma licitação. Assim, reconhecer que a falha pode estar do lado do julgamento da Administração é também uma forma de não errar na sua participação nos certames.
Este artigo foi originalmente publicado em: https://schiefler.adv.br/erros-comuns-na-licitacao/