A Ignorância da Sabedoria
Cid Sabelli[1]
Prezado leitor! De início o próprio título já sugere uma contradição.
Como poderia a sabedoria que compreende o acúmulo de conhecimento, ser ignorante a ponto de não ter esse mesmo conhecimento?
Embora pareça que a ignorância não possa sobressair ou mesmo existir ante a sabedoria, e que, igualmente, à sabedoria não tenha como se creditar ignorância, as coisas nem sempre são do modo como permitimo-nos enxergá-las, mas isso é fruto da pura vaidade.
O poder da vaidade é tamanho que, neste exato momento, você deve estar sopesando (numa aparente consciência) se deve arriscar continuar e desvendar os objetivos deste texto ou acreditar saber o suficiente e parar.
Se você conseguiu chegar até este ponto, é possível que reconheça que sua necessidade (de saber) busca superar eventual manifestação da ignorância (de não saber), mas está em conflito com sua vaidade e acredite: – você irá recursar-se a aceitar tal afirmação!
Mas qual é o papel da vaidade senão proteger-nos de uma sabedoria que, se atingida, nos dará a capacidade para reconhecê-la, transferindo para nosso consciente o saber reconhecer atitudes de pura vaidade (nossas e das outras pessoas).
Não subestime sua vaidade! Na maior parte do tempo acreditamos que a controlamos ou mesmo que não a possuímos. Mas o que é isso senão a vaidade de não nos vermos como pessoas soberbas.
Quando somos obrigados a abandonar algo, que reconhecemos como fonte de algum prazer, alegando, por exemplo, que não temos interesse, é a vaidade novamente salvando-nos, satisfazendo o inconsciente com a falsa percepção de que não carecemos desse prazer, e não continuamos adiante. Nesse momento, a vaidade troca a batalha da sabedoria que nos impulsionaria a encontrar formas para atingir aquele prazer, direcionando-nos diretamente para as glórias da ignorância que nos permite “imaginar saber” como seria desfrutar daquele prazer.
Por vezes, acreditamos que aquilo que nos impulsiona a exercitar a razão (conhecimento) não nos trará a satisfação que poderemos obter recusando acumular mais conhecimento (sabedoria).
Ter sabedoria é bem diferente de obter informação, pois, enquanto esta resume-se em quanto conteúdo alguém pode assimilar sobre um determinado assunto, mesmo que fruto da sabedoria de outrem; aquela (a sabedoria) representa o acúmulo de conhecimento adquirido num processo psíquico que organiza de forma racional qualquer fato, acontecimento, informação ou pensamento, permitindo que nós mesmos reconheçamos seu conteúdo, sem a necessidade de intervenção alheia no processo de aprender e não apenas enquanto participante desse processo.
Por sua vez, a ignorância é bem diferente de desconhecimento, pois, enquanto este representa apenas tudo aquilo que ainda não foi vivenciado ou apreciado por nossa razão, incorporando-se ao nosso inconsciente como conhecimento ou enquanto forma de saber; aquela (ignorância) é a consciência que temos da ausência do conhecimento.
Nesse momento, acredito que o leitor esteja buscando “conhecer” o que a vaidade, citada no início, tem a ver com tudo isso.
Se, ao contrário, você não havia notado a aparente neutralidade dessa “astuta senhora”, então esse é o momento de adquirir sabedoria para transformar as experiências da vida em conhecimento e vencer a ignorância e desfrutar de todo prazer que puder obter.
Mas não desista ainda, pois se você chegou até aqui é porque seu inconsciente (sabedoria) está interessado em evoluir e, assim, poder tirar suas próprias conclusões com base no conhecimento (do saber) vencendo a ignorância (do desconhecimento).
A vaidade surge em nossas vidas ainda na infância, quando passamos a ter a percepção de nós mesmos e, com o tempo, enquanto evoluímos, evolui também nossa vaidade.
O problema é que a vaidade pode evoluir mais, ou menos, que nós mesmos evoluímos enquanto seres humanos e de forma “independente”, posto que a vaidade é fruto de nossa psiquê. Evoluindo mais que nós, seremos pessoas soberbas, se menos, cretinos.
Você não está confuso! É isso mesmo! A vaidade evoluindo mais ou menos que nossa personalidade (nós mesmos), sempre influenciará nossas atitudes e, por ser “independente”, subjuga nossa sabedoria ou desperta nossa ignorância, evitando, assim, que atinjamos o saber, e passamos a barganhar com nós mesmos ofertas de um pouco de conhecimento ou algo que nos dê prazer.
Assim, a vaidade é a prisão da sabedoria e a ignorância sua fiel sentinela.
Mas transformando esse emaranhado em exemplos práticos, tente reconhecer alguma semelhança entre o saber, enquanto fonte de conhecimento, com fatos que você tenha vivenciado.
Tomemos um interlocutor que discursa acerca de um tema qualquer, mas passa todo o tempo trabalhando conceitos, fatos e hipóteses, sem conseguir demonstrar seu raciocínio acerca de tudo aquilo que expõe.
Com certeza o ouvinte poderá captar as informações, mas não as transformará em conhecimento, a menos que já possua desenvolvido o próprio raciocínio enquanto método para formação (do saber).
Por outro lado, tomemos um interlocutor que discusa acerca de como pensar um tema qualquer, questionando o processo de raciocínio para se chegar aos conceitos, hipóteses e situações que compõem um fato concreto, sem demonstrar suas conclusões.
Acredito que neste momento você já esteja conseguindo identificar a diferença entre possuir informação e ter conhecimento.
Quando o interlocutor transmite apenas informação, basta um simples questionamento em sentido contrário às suas premissas (desconhecimento), para que a vaidade assuma a cena.
Desse momento em diante, se quem fez o questionamento também não souber como trabalhar o objeto do questionamento para obter uma conclusão, surgirá a “guerra das vaidades”, pois, tanto um quanto outro, buscarão justificar seus pontos de vista, sem entrar no processo racional da solução do problema.
Quem nunca presenciou debates onde os participantes buscam defender seus ponto de vista de modo a sobressair ao do outro! Onde está o debate em busca da solução?
O que vemos é apenas a vaidade de cada um que, escondendo a ignorância, luta com os mais ardentes argumentos para que suas informações (desconhecimentos) não sejam aceitas como inverdades (ignorância).
Criamos o hábito de valorizar, por pura vaidade, aqueles que, de alguma forma, mesmo que reprováveis, conseguiram posição ou prestígio social, cultural, financeiro, etc.
Quando fazemos isso, não nos damos conta de que nosso próprio esforço, conhecimento, realizações, etc, somente terão o reconhecimento merecido quando, de alguma forma, estivermos de outro lado (em igual situação).
Devemos valorizar o saber, a sabedoria, o conhecimento mesmo que presentes em alguém que não tenha sido aceito entre os “bem informados” por suas puras vaidades.
Quando a vaidade nos permite participar como espectadores do cenário do conhecimento está habilmente ressaltando nossa ignorância, mas alentando nosso ego para que tenhamos a impressão que parecemos sábios.
Não acredita? Tente trocar de papel!
Imagine-se aplaudindo um modesto sábio, que expõe a lógica de seu raciocínio (conhecimento) sem revelar as conclusões que você espera receber. Agora imagine-se aplaudindo um vaidoso ignorante, que apresenta apenas uma certa quantidade de informação acumulada sobre determinado assunto, mas que reflete exatamente o que você já conhece e, após, reflita quanto sua satisfação pessoal. Você consegue se a vaidade não o enganar!
O sábio frusta-o ao obrigar que você pense para chegar às suas próprias conclusões, assumindo o risco de fracassar (perda), ao passo que o ignorante apenas afirma o que você já sabe, dando-lhe a falsa impressão de possuir tanto saber quanto ele, não lhe acrescenta nada, mas você sente-se valorizado (ganho). Vaidade, vaidade, vaidade…tudo é vaidade!
[1] Formado em Direito pela Universidade de Guarulhos – UnG. Pós-Graduado