Filipe A. B. Siviero*
1- O que é o direito?
O direito confia nos sinais para trazer uma eficaz comunicação. Tem caráter imaterial. O direito para o homem de hoje mostra
-se como o poder de comandar, são mandamentos que estão longe da consciência comum.
A Europa Continental nos últimos duzentos anos consolidou o vinculo entre o poder político e o direito. O poder político transformado no Estado moderno controlador das manifestações sociais e, com interesse para com o Direito. O Direito como o alicerce do poder. Criou-se o mito da lei como resultado da vontade geral.
Assim o processo de evolução foi definido: “a lei é um comando, um comando com autoridade e autoritário, um comando geral, um comando indiscutível, com sua vocação essencial de ser silenciosamente obedecido” (p.5)
Desse processo resultou o distanciamento do homem comum pelo direito, em temê-lo, por desconfiar de sua arbitrariedade.
O objetivo do texto é delinear os traços mal compreendidos da realidade. O direito foi criado do homem e para o homem (humanidade do direito). Além disso, provém das relações entre os homens (socialidade). Esse é um passo, mas procura-se ir além, pois nem todas as manifestações sociais são por si mesmas jurídicas. Se fosse assim o direito se extinguiria na sociologia.
O ponto de partida do direito é a sociedade. É a partir dela que tudo é organizado, que se produzem normas jurídicas. O produtor das normas tem como limite a vontade e o respeito da complexidade social. Organização pressupõe coexistência de sujeitos diferentes. Ela procura o bem de todos os indivíduos envolvidos através do controle social. Portanto, o direito não é patologia é fisiologia.
O absolutismo trouxe leis repugnantes ao convívio social porque apesar de refutadas na consciência foram acatadas no real. A ordem jurídica atinge os valores de uma comunidade. O valor é um princípio ou comportamento importante consciência coletiva. O valor é o patrimônio de uma comunidade. Assim os ethnos encontravam sua unidade naquilo que se convencionou chamar de costume. Os valores são sempre realidade radical.
O costume é não “furar” a fila, mas se ela for “furada” por uma pessoa, não há nada que o direito possa fazer.
O direito é uma regra imperativa, determina comandos através das regras. Ele não se origina delas, e sim de uma sociedade que se auto-ordena. Trata-se aqui de diminuir a importância normativa e não de renegá-la. O direito vira comando quando se insere num aparato de poder.
O texto sempre busca a substituição do termo observância em vez de obediência. Assim não se pretende aceitar passivamente a imposição de regras, mas também de tomar consciência para interpretação. A linguagem fará essa ligação, procurando a maior efetividade.
No decorrer da história o Direito passou a perder seu caráter privado, passando a ser absolutamente público e sob o monopólio do poder político que se utiliza deste para alcançar o controle social.
O combalimento do poder político estatal que determina a produção das leis traz consigo a crise do legalismo, surgindo novas fontes do direito para a produção jurídica. Na tentativa de preponderar o público sobre o privado, nesse universo jurídico, perdeu-se a essência do direito. O direito está desfigurado de suas funções originárias. Diz-se que o Estado quer adentrar os lares cada vez mais, numa tarefa de trazer a obediência de toda a sociedade.
O mundo está demarcado pela pluralidade de ordenamentos jurídicos. Há comunidades que se auto-ordenam em razão de valores, regras e até códigos. Mas todos têm um ponto em comum: para que esses ordenamentos sejam válidos, devem respeitar a complexidade social.
2- A Vida do Direito
O direito está inserido no tecido social, econômico e político, obtendo variações no tempo e no espaço. Faz-se então uma evolução histórica do direito, pois este é velho como o mundo.
A idade antiga revela manifestações jurídicas de civilizações culturalmente refinadas, com o surgimento de institutos com certa organicidade, com destaque para o direito romano. Este penetrou nas civilizações jurídicas ocidentais. Juristas romanos elaboraram técnicas de leitura e um estilo de análise que foi consolidando conceitos. A realidade socioeconômica já estava num contexto do pensamento jurídico. Os juristas romanos já estavam inseridos no tecido político.
Dentre as contribuições científicas trouxe o direito romano a terminologia, os formulários e os conceitos, além de um rigor argumentativo buscando a perfeição formal, ganhando o status de clássico. Era um direito civilista privilegiando a propriedade e os direitos reais, contratos e obrigações. Portanto, trata-se de um direito para a conservação social.
Numa nova fase, já no direito medieval, originou-se dum vazio estatal resultante da queda do império romano e, por conseguinte o direito romano. O novo direito é pluralista, consuetudinário. Apesar de se afirmar que ele perdeu seu caráter controlador há controvérsias. Sabe-se que a produção jurídica estava limitada a Igreja. Assim, essa instituição sob o seu império cultural controlava a mente da população da Idade Média.
A segunda Idade Média é marcada pela mesma monotonia. Surgem as primeiras universidades que assumem antigas fontes romanas acrescentando as fontes da Igreja. Na Alta Idade Média o direito se manifesta como o “Direito Comum” (direito obra de doutrinadores e só secundariamente de juízes).
A marca da modernidade é a presença cada vez maior de um novo ator: o Estado. Ente que surge com uma nova faceta e um novo comando, o Príncipe. O Príncipe se torna um novo legislador visto que o direito se torna sempre mais legislativo. Ele incorpora o direito à visão política com o intuito controlador como corolário da atividade soberana. Reconhece-se cedo o instrumento de controle: a lei. Antes da Revolução, o Príncipe tinha a incumbência de interpretá-la para o bem de seus súditos. Com a Revolução, cria-se a ficção da lei como expressão da vontade geral. A conseqüência negativa foi a forte vinculação do interesse político e do direito. Nesse contexto histórico cabe salientar a formulação do Código Civil Napoleônico.
O princípio da legalidade é o âmago da sociedade. Impede os arbítrios contra a administração pública. Aos poucos se tem a constituição do Estado Democrático de Direito ao qual toda manifestação jurídica está sob o império da lei. É a partir daí que se forma a civil law, comum aos países da Europa Continental e suas colônias.
Com common law se faz referência aos Estados anglo-saxões. Ela tem traços diferentes da continental e é fruto de uma história jurídica inglesa. Seu traço peculiar provém de uma raiz medieval, pois cabe aos juristas garantir o desenvolvimento do direito e da sociedade. A visão inglesa incorpora a primazia do aplicador do direito. Assim, até hoje, o Reino Unido, não possui códigos, nem sequer uma Constituição escrita.
Nessa linha evolutiva cabe analisar a era moderna do direito até a sua globalização jurídica. A civilização moderna tem como pressupostos uma civilização de massa, marcada por lutas sociais. A ordem jurídica elitizada pela burguesia não suporta a pressão. Os Estados sofrem pela incapacidade de ordenar a tudo e pelo crescimento e amontoamento de leis improvisadas e malfeitas, os Códigos já não satisfazem a globalidade atual e distanciam o poder político da sociedade. A Constituição do século XX vincula os cidadãos como também os próprios órgãos do Estado. O parlamento traduz a vontade dos constituintes de maneira imediata e direta.
A globalização também tem seu aspecto jurídico com os fenômenos da privatização e da fragmentação das fontes de produção do direito.
O Estado é a conjunção de um povo, um território e um poder político. A estatalidade do Direito exige a sua territorialidade. E a expressão do poder político deve atuar num âmbito geográfico, o qual exercita sua soberania, dominação, e tudo isso se perfaz pela sua intervenção jurídica. Assim sendo, um Estado, um território, um direito.
O direito atinge um prospecto maior, uma dimensão imaterial. O seu objeto torna-se complexo. Ao mesmo tempo a globalização preconiza a mundialização da economia o direito passa a resguardar suas técnicas. “O direito é realidade radical, ou seja, atinente às raízes de uma sociedade que ainda que, na vida cotidiana, manifestam-se em usos de populações, leis dos detentores do poder político, atos da administração pública, sentenças de juízes, praxe de operadores econômicos e assim por diante”. (p.69)
O Direito sendo parte da história se manifesta de tempos em tempos e em espaços e com a observância e a organização social o direito é formado. A idéia de direito natural deve ser confrontada com a de direito positivo, estabelecendo uma relação dialética. O direito positivo é um direito posto, entendido como o único possível no mundo moderno. Há uma preocupação sobre sua formalidade, quem emana a lei, e não um controle sobre os seus conteúdos. O direito natural é apenas uma forma de preencher lacunas. Na Alemanha, nazista e pós-nazista, cria-se a mentalidade que uma lei positiva que contrarie o direito natural pertence ao anti-direito. O direito natural é um direito superior que conduz à validade do direito posto. A idéia de direito natural faz parte do eterno problema humano na busca do direito justo.
As constituições são manifestações do século XX. As até então constituições demarcadas pelo século XVIII, como a francesa, de matriz liberal, mas não popular, porque impediam o verdadeiro poder constituinte do acesso ao princípios norteadores da sociedade. Assim o Estado de direito, constituído pelo ao longo ao longo do século XIX, com o reconhecimento dos direitos de liberdade ao cidadão, com a correta aplicação das leis pelo Estado. A Constituição coordena a sociedade civil com seus princípios e regras de validade absoluta, sendo instrumento de identificação dos valores. Ela cria vínculos e estabelece sua superioridade perante outras normas.
Logo, a Constituição no estado constitucional é rígida podendo sofrer modificações somente com um procedimento especial e tem um valor superior a lei ordinária ao qual não pode violar os padrões estabelecidos por ela. Dessa lei que surge o modelo do Estado marcado pelo seu protagonismo absoluto, com o principio da legalidade.
O Estado de Direito é um Estado soberano (munido de soberania), é um Estado parlamentar, pois confere ao parlamento o caráter representativo do povo. É um Estado com suporte na divisão dos poderes, na garantia dos direitos fundamentais. Cabe ao Parlamento, esse ser “onisciente e onipotente” a produção do direito que se traduz na formulação de leis. O Estado de Direito é um Estado legalista e tem como estrutura o princípio da legalidade, garantia de certeza da lei para o cidadão. Em contrapartida, supervaloriza-se o papel do juiz, ser que torna o direito vivo e engrandece a função da ciência jurídica.
Dentre as encarnações do Direito apresentam-se o costume e a interpretação. Aquele, fonte jurídica, consiste na reiteração de atos pela coletividade durante uma situação de normalidade e na observância e, consequentemente no respeito por esta. O costume é a fonte genuína do direito. Savigny diria que exprime o espírito do povo. Já a interpretação revela o caráter da efetividade do direito que se consubstancializa nas palavras do juiz. Cabe aos interpretadores dar a tenacidade e vida ao direito, de forma que, esteja ao alcance de toda a sociedade. Não é pedir nada demais, visto que, sem atuação para ela não há razão da existência do direito.
GROSSI, Paolo. Primeira Lição Sobre Direito. Tradutor: Ricardo Marcelo Fonseca. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006.
* Acadêmico de Direito da UFSC
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