Direito Penal

A Pena de Morte: Discussão em pleno século XXI

A pena de morte é muito bem tratada por Bobbio. Menciona esse renomado autor, sobre a validade e eficácia da pena de morte. Durante séculos a discussão sobre essa pena, levou a vários e grandes pensadores a debater sua validade.

Durante séculos, o problema de se era ou não licito (ou justo) condenar um culpado à morte sequer foi colocado. Jamais se pôs em dúvida que, entre as penas a infligir a quem violou as leis da tribo, ou da cidade, ou do povo, ou do Estado, estivesse também a pena de morte, ou mesmo que a pena de morte fosse a rainha das penas, aquela que satisfazia ao mesmo tempo as necessidades de vingança, de justiça e de segurança do corpo coletivo diante de um dos seus membros que se havia corrompido.

Já na Grécia antiga de Platão, se tratava sobre a função da pena: “a pena deve ter a finalidade de tornar melhor”; mas aduz que, “se se demonstrar que o delinqüente é incurável, a morte será para ele o menor dos males”.

Assim,a pena de morte foi considerada não só perfeitamente legítima, mas até mesmo “natural”, desde as origens de nossa civilização, bem como do fato de que aceitá-la como pena jamais constituiu um problema.

Beccari, diz que: “a finalidade da pena não é senão impedir o réu de causar novos danos aos seus concidadãos e demover os demais de fazerem o mesmo.”

Bobbio como belíssima explanação, menciona que para não se cometer o delito, o importante não é tanto a severidade da pena, mas sim quanto à certeza de que haverá uma justa sanção.

A intimidação nasce não da intensidade e crueldade da pena, mas sim da sua coerção, e da sua eficácia. A pena de morte é muito intensa, ao passo que a prisão perpétua é muito extensa. Portanto, a perda perpétua total da própria liberdade tem mais força intimidatória do que a pena de morte, para alguns.

Kant — partindo da concepção retributiva da pena, diz que o crime e o castigo (trata-se da justiça como igualdade, daquela espécie de igualdade que os antigos chamavam de “igualdade corretiva”) — afirma que o dever da pena de morte cabe ao Estado e é um imperativo categórico, não um imperativo hipotético, fundado na relação meio-fim.

Outrossim, Bobbio relata que mesmo nos países onde há tempos existe a pena de morte, ocorre certo tipo de resistência a tal pena:

O fato de que uma condenação à morte tenha suscitado tantas discussões e reanimado as associaçõe abolicionistas mostra que, mesmo nos paises onde ainda existe a pena capital, há uma opinião pública vigilante e sensível, que obstaculiza sua aplicação.

Embora sejam muitas as teorias da pena, as duas predominantes são as que chamaram de ética e de utilitarista (Bentham).

Outra ideia bem formulada por Bobbio é, se existe pena de morte, inocentes serão mortos, pois a justiça é falha e sempre esses irão pagar pela generalidade imposta pelo Estado.

Surge a inquietadora questão: se a condenação à morte tivesse sido executada, uma ou mais vidas humanas teriam sido poupadas. E a conclusão: para poupar a vida de um delinqüente, a sociedade sacrificou a vida de um inocente. O Leitmotiv do autor é o seguinte: enquanto os abolicionistas se poem do ângulo do criminoso, os antiabolicionistas, se situam no das vítimas.

Apesar disso, acreditamos firmemente que o desaparecimento total da pena de morte do teatro da história estará destinado a representar um sinal indiscutível do progresso civil. Esse conceito foi muito bem expresso por John Stuart Mill:

“Toda a história do progresso humano foi uma série de transições através das quais costumes e instituições, umas após outras, foram deixando de ser consideradas necessárias à existência social e passaram para a categoria de injustiças universalmente condenadas.”

Bobbio sintetiza a pena de morte como forma de retrocesso social, e que a história demonstra que somente em países autoritários é utilizada.

Ademais, vale ressaltar que onde ela é utilizada acabará atingido inocentes, e via de regra sempre serão aqueles em que o direito penal seletivo acaba atingido da sua forma mais nefasta e cruel.

Pena de morte na Pós-Modernidade.

O debate já hoje secular sobre a pena de morte refere-se à questão de saber se é moral e/ou juridicamente lícito, por parte do Estado, matar para punir, ainda que respeitando todas as garantias processuais próprias do Estado de direito, ou em outras palavras, de saber se o direito que tem o Estado de punir, o qual em geral não é contestado, vai até o direito de tirar a vida de uma pessoa, ainda que nas formas de um processo penal.

É saber quais são os limites do Estado, até onde ele pode atuar, sobretudo no enfoque de ter discricionariedade em arbitrar a pena de morte a um ser por ter infligido algum ilícito penal.

Para constatar o processo gradual de deslegitimação da pena de morte, devem-se ainda considerar três dados reais:

a) restringe-se cada vez mais o número dos crimes para os quais a pena de morte é obrigatória, ao mesmo tempo em que se amplia o de crimes nos quais a aplicação da pena de morte é deixada à decisão discricional dos juízes e dos jurados;

b) nem em todos os Estados nos quais a pena de morte é ainda admitida, ela é efetivamente aplicada, tanto que, em quase todos os relatórios sobre a pena de morte no mundo, costuma-se acrescentar, ao elenco dos Estados onde ela está abolida de fato.;

c) mesmo onde a pena de morte não só está prevista, mas a sentença capital foi emanada, manifestou-se a tendência a sua suspensão sine die, bem como ao seu perdão em consequência do indulto.

Diante do problema da pena de morte — como, de resto, diante de qualquer outra medida que o Estado deva tomar para cumprir suas tarefas —, podem-se propor duas diferentes questões: a) se é eticamente lícita; b) se é politicamente oportuna. As duas questões devem ser bem diferenciadas, já que podem levar a respostas diversas: uma medida eticamente justa pode ser politicamente inoportuna e vice-versa. O contraste secular entre ética e política tem sua fonte principal nessa divergência.

Para os que põem o problema da pena de morte como problema de justiça, trata-se de demonstrar que a pena de morte é justa com base nos princípios da justiça retributiva (que é uma subespécie da justiça geral, tal como a comutativa ou aritmética), independentemente de qualquer referência a motivos de utilidade social.

Dito de outro modo e sinteticamente: para os primeiros, a pena de morte poderia também ser útil, mas o que importa é que seja justa; para os segundos, poderia também ser justa, mas o que importa é que seja útil. já que, para esses, ela não é útil, deve ser recusada como um mal não necessário, ao passo que, para aqueles, na medida em que satisfaz uma exigência de justiça, deve ser aprovada por ser eticamente boa, independentemente do fato de ser ou não útil.

Quando Kant afirma que quem mata deve morrer (e trata-se de um dever não hipotético, mas categórico), comenta: “Não há nenhum sucedâneo, nenhuma comutação de pena, que possa satisfazer a justiça. Não há nenhuma comparação possível entre uma vida, ainda que penosa, e a morte; e, por conseguinte, nenhuma outra compensação entre o delito e a punição, salvo a morte.” 

Trata-se, de resto, do problema já posto acima por Beccaria: “é mais dissuasória a gravidade da pena ou a certeza de sua aplicação? Somente se a certeza permanecer estável nos dois momentos do “antes” e do “depois” é que a comparação se torna possível”.

É tão grande a dúvida sobre a força de intimidação da pena de morte em relação à pena de prisão prolongada, que por exemplo EUA, em alguns dos seus Estados há possibilidade da aplicação das duas sanções como forma de não deixar escapatória.

Tudo isso leva a concluir que os que querem implantar a tese da abolição sobre uma sólida base não podem se limitar a recorrer ao argumento da intimidação, já que — se se conseguisse demonstrar, de modo irrefutável, e nada exclui essa possibilidade, que a pena de morte tem um poder de intimidação maior do que o de outras penas, pelo menos em determinadas situações e para certos crimes — eles deveriam reconhecer ter perdido a sua batalha.

Será que vale a máxima que “não importa que um inocente morra, contanto que um criminoso não se salve?”

John Stuart Mill pronunciou no Parlamento inglês um discurso favorável à manutenção da pena capital nos casos mais graves, afirmando que a abolição estaria destinada a produzir an enervation, an effeminacy in the general mind of the country”, ou seja, a desencorajar o desprezo pela morte, com o qual uma sociedade deve contar como uma virtude social necessária.` “Matar quem matou é um castigo incomparavelmente maior do que o próprio crime. O assassinato legal é incomparavelmente mais horrendo do que o assassinato criminoso.

Da constatação de que violência chama violência numa cadeia sem fim. A abolição da pena de morte é apenas um pequeno começo. Preciso mudar a ideia que para punir é preciso crueldade, mas sim o correto é uma sanção digna que recupera aquele cidadão para o bem da sociedade. Dessa forma, a pena de morte não detém lugar em uma democracia.

Como citar e referenciar este artigo:
SANTOS, André Alvino Pereira. A Pena de Morte: Discussão em pleno século XXI. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/a-pena-de-morte-discussao-em-pleno-seculo-xxi/ Acesso em: 30 abr. 2024