O Ministério Público Federal em Joinville encaminhou ao procurador-geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, em Brasília, Representação para que ingresse com processo de intervenção federal pontual, a fim de que o Estado seja obrigado a proceder às adequações a Lei Complementar que cria Defensoria Pública de Santa Catarina, sob pena de consumação de crime de responsabilidade.
Para os cinco procuradores da República que assinam a representação, o governo do Estado ao publicar a Lei Complementar nº 575/12 não só ignorou a Recomendação do PGR, como violou a determinação do próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Conforme a LC nº 575/12 foi aprovada a criação de apenas 60 cargos de Defensores Públicos Estaduais para as 111 comarcas do Estado, sendo que no primeiro concurso só seria autorizada a contratação de apenas 30 profissionais. Atualmente, o governo do estado tem convênio com a OAB/SC para a contratação de cerca de sete mil advogados, com previsão de pagamento de 10% sobre os valores globais, a título de administração.
Além disso, o governo insistiu em colocar na chefia da Defensoria Pública alguém alheio à instituição, apontado pelo chefe do Executivo; e manteve a previsão do convênio com a OAB, para que, mediante novo ajuste, continuassem a ser contratados os mesmos quase 7 mil advogados, subtraindo apenas os poucos cargos de Defensor Público Estadual. Ou seja, a quase totalidade dos atendimentos dos serviços de assistência judiciária continuarão sendo feitos por meio de convênio remunerado com a OAB/SC. Atualmente, o convênio firmado entre o Estado e a OAB ultrapassa a cifra de 30 milhões de reais ao ano. Para o MPF, causa estranheza o Estado argumentar obstáculos de ordem financeira para a implantação da Defensoria Pública, mesmo com o prazo de 12 meses dado pelo STF, lapso temporal suficiente para adequações de ordem orçamentária.
Em relação às instalações, o MPF argumenta que em diversas comarcas o atendimento é realizado em salas cedidas pela Justiça e não entende o porquê de não se manter, inicialmente, os atendimentos pelos Defensores Públicos concursados nestas estruturas. Conforme o texto da Representação, “nem se espera uma ‘superestrutura’, mas apenas estrutura mínima, necessária e suficiente a atender a demanda dos assistidos em todas as Comarcas do Estado de Santa Catarina, por profissionais concursados e nomeados, comprometidos com o cargo que ocupam, e não por aqueles que encontram nesse ofício apenas uma forma de obter renda extra”.
Para o MPF o número de 60 defensores públicos se mostra muito aquém do mínimo necessário. Além disso, o MPF ressalta que uma das maiores violações da nova legislação é em relação à escolha dos cargos de Defensor Público-Geral, Subdefensor Público-Geral e Corregedor-Geral da nova Defensoria, no momento em que a instituição é implantada. Com o texto da LC, a chefia da instituição está nas mãos de pessoas estranhas ao quadro de concursados, sendo escolhida ao alvitre do Governador de Estado.
No documento – assinado pelos procuradores da República em Joinville Davy Lincoln Rocha, Flávio Pavlov da Silveira, Mário Sérgio Ghannagé Barbosa, Rodrigo Joaquim Lima e Tiago Alzuguir Gutierrez -, o MPF refuta todos as justificativas do governo do estado para o descumprimento à Recomendação encaminhada pelo PGR. Segundo eles, a não observância da Constituição da República e das decisões do Supremo autorizam a intervenção federal pontual no Estado.
Santa Catarina é o único estado do país a não contar com o serviço de Defensoria Pública Estadual. Confira na íntegra teor da Representação encaminhada ao PGR.
Confira na íntegra teor da Representação encaminhada ao PGR.
Cronologia do desrespeito à Constituição Federal e à decisão do STF
1) Em 1997, o Estado edita a Lei Complementar nº 155, pela qual entrega aos cuidados da OAB/SC a assistência jurídica aos necessitados. Além do pagamento aos advogados escolhidos pela presidência da Ordem, o Estado paga 10% dos valores globais à autarquia a título de administração;
2) Em 2007 e 2009, respectivamente, a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (ANADEF) e a Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP) ajuizam Ações Diretas de Inconstitucionalidade junto ao STF, questionando o modelo implantado em Santa Catarina;
3) Em março de 2012, por unanimidade, o STF julga as ADIS nº 4.270 e nº3.892 e determina que Estado edite legislação que crie a Defensoria Pública nos moldes estabelecidos pela Constituição Federal, no prazo de 12 meses a contar da data do julgamento. No julgamento, o STF exige que se altere o modelo catarinense, onde há “substituição do interesse público pelo interesse corporativo dos membros da OAB”;
4) Em julho de 2012, o MPF encaminha Representação ao PGR questionando o projeto de LC nº 575/12;
5) PGR expede Recomendação para que o Governo do Estado se adeque à legislação e cumpra decisão do STF;
6) Governo do estado sanciona respectivo projeto e encaminha ofício justificando descumprimento da Recomendação e da decisão do Supremo;
7) Procuradores da República em Joinville refutam justificativas e encaminham nova representação ao PGR, Roberto Gurgel
Fonte: MPF/SC