O presidente da Associação dos Juizes Federais do Brasil (Ajufe), desembargador Nino Toldo, não vive no momento uma relação das mais harmoniosas com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa. Na última vez em que estiveram juntos, no mês passado, os dois protagonizaram um tenso encontro no qual Joaquim Barbosa atacou duramente a criação de novos tribunais regionais federais defendida por Nino Toldo. Apesar das divergências públicas, Nino e Joaquim convergem quando o assunto é o julgamento do mensalão. Para Nino, a admissão dos chamados embargos infringentes, além de ilegal, vai pôr em xeque a credibilidade da Justiça brasileira: “A sociedade não conseguirá entender uma mudança no julgamento”. Em entrevista ao repórter Robson Bonin, o presidente da Ajufe defendeu a rejeição dos recursos dos réus e o imediato cumprimento da sentença. Nino Toldo também pregou mudanças no sistema de escolha de ministros para o STF e reafirmou a necessidade da criação de novos tribunais.
O país viveu, no ano passado, um momento de celebração da justiça por causa do julgamento do mensalão. O que mudou desde então?
Quando o julgamento se iniciou, era comum ouvir a expressão popular de que o caso acabaria em pizza. E não acabou. Houve condenações significativas de pessoas com altos cargos na República, tidas até então como intocáveis. Então, essa resposta que o Supremo deu aos clamores da sociedade contra a impunidade tem uma importância significativa, mas só será marcante quando a condenação for executada.
O STF está começando a analisar os recursos que podem levar a um novo julgamento. O senhor acredita nessa hipótese?
Na minha avaliação pessoal, não cabem os embargos infringentes. Eles estavam previstos no regimento interno do Supremo, que tinha força de lei até a Constituição de 1988. Agora, o que vale é o texto constitucional. Além disso, o julgamento dos recursos põe em jogo toda a credibilidade da Justiça brasileira. A sociedade não conseguirá entender uma mudança no julgamento. Será uma descrença muito grande. A Justiça corre o risco de sair desmoralizada.
O que o senhor pensa sobre o atual modelo de escolha dos ministros do STF?
Hoje cabe ao presidente da República indicar e ao Senado sabatinar o escolhido para o tribunal. O sistema garante o equilíbrio de forças, mas precisa ser aprimorado. O problema é que não há um procedimento claro para a indicação de um ministro ao Supremo. Isso força os candidatos a buscar apoio. É um processo que envolve muitas vezes a influência de políticos. O desembargador, por exemplo, entra numa lista tríplice e, para ser escolhido, tem de sair pedindo apoio a governador, parlamentar ou amigo de quem está no poder. Como esse campo de influências é muito aberto, o juiz acaba exposto. Isso é constrangedor.
Qual é a alternativa a este modelo?
Penso que uma saída seria estabelecer a proporcionalidade entre os membros do Supremo como uma corte constitucional pura, seguindo o modelo europeu. O STF poderia ter um terço de magistrados de carreira indicados pelo Judiciário, outra parte como indicação do presidente da República e uma outra parte de ministros indicada pelo Parlamento, porque uma corte constitucional também tem uma natureza política. Aí teríamos um sistema mais resistente a pressões.
Como a magistratura interpreta a proposta do PT que tenta tirar poderes do STF?
Medidas como essa, que tentam diminuir as garantias de atuação da magistratura, não podem sequer ser conhecidas. A independência é fundamental para a magistratura. Sem independência, sem que os juizes possam julgar livremente, a democracia corre sérios riscos. Não creio que essa proposta vá progredir, mas, se progredir, certamente a sociedade vai reagir. A independência judicial está no mesmo nível de importância constitucional da liberdade de expressão e de imprensa. Quando uma dessas garantias é afetada, toda a sociedade deve reagir.
A criação de novos tribunais federais, tema polêmico no próprio Judiciário, é mesmo necessária?
A criação desses tribunais é extremamente necessária. Veja o caso do TRF da 1ª Região, em Brasília. Ele tem jurisdição sobre treze estados mais o Distrito Federal. São apenas 27 desembargadores para decidir tudo isso. Algumas turmas têm perto de 30.000 recursos para julgamento. Os desembargadores federais têm muito mais volume de trabalho. Nada justifica que um cidadão do Acre tenha de se deslocar até Brasília para recorrer em um processo. É uma irracionalidade total. Os novos tribunais têm o objetivo de desafogar a Justiça e aproximá-la do cidadão.
Esse tema gerou uma discussão entre o senhor e o presidente do STF.
O presidente Joaquim teve um papel fundamental como relator do mensalão. Mas precisa ter o cuidado de não usar essa credibilidade conquistada contra a própria Justiça. Ele tem um temperamento forte e, por vezes, esse estilo o coloca em confronto com outras pessoas e instituições. O que penso é que, acima das pessoas, devem estar as instituições. É preciso que se tenha muita consciência do que representa o Supremo para o país, do que representam os juizes para o país.
O ministro Joaquim disse que existe conluio entre juizes e advogados.
O problema não está na crítica. O problema ocorre quando situações específicas são levadas para um plano genérico. Se um juiz é denunciado ou flagrado em atos ilícitos, ele deve ser investigado em uma apuração rigorosa, com ampla defesa, contraditório. A Ajufe defende isso. Se for culpado, que seja punido. O que não aceitamos são as generalizações. Elas não ajudam o Judiciário.
O juiz federal se sente valorizado na sua função?
Como qualquer cidadão, o juiz federal também tem obrigações familiares e precisa ser bem remunerado para exercer sua função. Não se trata de uma questão corporativa. Os salários da Justiça Federal estão extremamente defasados em relação aos de outras categorias. Essa falta de valorização da carreira tem gerado um desânimo preocupante. Uma evasão de juízes que voltam a advogar ou que seguem para outras carreiras. A Justiça precisa de pessoas bem vocacionadas e estimuladas.
Fonte: Revista Veja
Fonte: AJUFE