(Dom, 4 Nov 2012, 06:00)
De acordo com o ranking anual elaborado e divulgado recentemente pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil saltou de 82º para 62º lugar em se tratando de redução de desigualdade de gêneros. Tanto a Constituição Federal brasileira quanto a legislação infraconstitucional – trabalhista, eleitoral, civil e penal – trazem diversos dispositivos de proteção à mulher.
Mas será que nosso conjunto de leis tem sido suficiente para impedir que milhares de mulheres que vêm conquistando mais espaço no mundo do trabalho sejam tratadas de forma discriminatória, humilhante e muitas vezes doentia?
Diariamente juízes do Trabalho de todo o país julgam processos com pedidos de indenização por dano moral decorrente de assédio a mulheres. Os casos vão para as páginas oficiais dos tribunais, muitos ganham destaque nos jornais de repercussão nacional. Mas segundo os magistrados, esses processos representam apenas a ponta do iceberg do grande problema trabalhista contemporâneo: o assédio.
Um fato isolado não é suficiente para a caracterização do assédio moral, como uma situação de humilhação imposta ao empregado, mas que tenha ocorrido uma única vez. Para ser caracterizado como assédio moral é preciso que ocorra de forma constante e repetitiva, com o intuito de humilhar, diminuir, acarretando o isolamento do empregado e ainda redução na sua autoestima. Para a desembargadora, jurista e professora Alice Monteiro de Barros, o que caracteriza o assédio moral é a intensidade da violência psicológica, o prolongamento no tempo, o objetivo de ocasionar dano psíquico ou moral com o intuito de marginalizar o assediado, e que se produzam efetivamente os danos psíquicos.
“Como violência psicológica que é, o assédio moral atenta contra a honra, a vida privada, a imagem e a intimidade do agredido, e outros direitos fundamentais, bens imateriais protegidos pela Constituição Federal”, afirma Dorotéia Silva de Azevedo, juíza titular da Vara do Trabalho de Santo Amaro da Purificação. E ressalta que o assédio confronta o disposto no artigo 5º, X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Prova
De acordo com a vice-presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministra Maria Cristina Peduzzi, a prova não é tão difícil de ser construída, pois ao contrário do assédio sexual, ele se constitui necessariamente de atividades continuadas. “Como é uma repetição de atos praticados no ambiente de trabalho, eu diria, é muito simples qualquer colega poder comprová-lo”.
A ministra ressalta que o assédio pode ser um ato concreto ou uma omissão, quando por exemplo se despreza o empregado, sem lhe passar atribuições. “Ele chega no local de trabalho e fica desestimulado, sentindo-se improdutivo, ignorante, porque ninguém lhe dá atribuições. Também pode ocorrer quando se passa atribuições desnecessárias e estranhas ao contratado.”
Humilhações
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a condenação do Banco Bradesco S/A e outros para pagarem indenização de R$ 5 mil por danos morais, pelo assédio moral sofrido por uma funcionária que era chamada de “imprestável” pelo supervisor.
Com base nos depoimentos das testemunhas, comprovou-se o assédio sofrido pela trabalhadora, sendo, portanto, devida a indenização por danos morais. O direito à indenização por dano moral encontra respaldo no artigo 186 do Código Civil e art. 5º, X, da CF, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, principalmente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º da CR/88), observou o ministro Maurício Godinho Delgado, relator do recurso na Turma.
Em outro caso que chegou ao TST, o Banco ABN AMRO Real S/A foi condenado porque o superior humilhava e ofendia uma funcionária perante seus colegas ao cobrar o cumprimento das metas estabelecidas pelo banco, chamando-a de “burra”, tratamento ofensivo à dignidade inerente à trabalhadora.
Legislação
Pelo Direito brasileiro, assédio moral que causa dano à vítima gera a obrigação de indenizar, tendo o agressor o dever de reparar o prejuízo causado, por meio de pagamento em dinheiro, a ser fixado pelo juiz, destinado a reparar as consequências do ato ilícito.
Referida obrigação está prevista no artigo 927, do Código Civil (aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo). Contudo, essa obrigação não exclui o pagamento, pelo empregador, das verbas trabalhistas ao empregado, quando o demitir sem justa causa.
Embora ainda não exista uma lei específica para punir a prática do assédio moral, existem atualmente 11 projetos de lei tramitando no Congresso Nacional sobre o tema. Um deles é o Projeto de Lei nº 2369/2003, apensado ao PL nº 6757/2010, que define, proíbe o assédio moral, impõe o dever de indenizar e estabelece medidas preventivas e multas. Existem ainda, leis municipais proibindo a prática do assédio moral, aplicáveis aos servidores da administração pública local, leis estaduais como a nº 3.921/2002 do Rio de Janeiro.
Também existem cláusulas em convenções e acordos coletivos de trabalho dispondo sobre prevenção à prática de assédio moral nas dependências das empresas.
Para Sônia Mascaro se o assédio moral se caracteriza pela conduta abusiva, de natureza psicológica, feita de forma repetida e prolongada expondo o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, gerando dano emocional e profissional, seu principal meio de prova são as testemunhas, que podem descrever e comprovar o comportamento hostil do agressor ou as situações que presenciaram, onde a trabalhadora foi humilhada.
Reparação
No assédio moral, existem várias formas de punição, podendo recair tanto para o assediador, quanto para a empresa empregadora que permitiu o ocorrido, ou até mesmo incentivou o assédio, como, por exemplo, no assédio moral organizacional, decorrente de políticas corporativas, explica a advogada.
O empregador responde pelos danos morais causados à vítima que sofreu assédio em seu estabelecimento, nos termos do artigo 932 do Código Civil. Se condenado, a Justiça do Trabalho fixará um valor de indenização com o objetivo de reparar o dano.
Já o assediador poderá ser responsabilizado em diferentes esferas: na penal, estará sujeito à condenação por crimes de injúria e difamação, constrangimento e ameaça (artigos 139, 140, 146 e 147 do Código Penal); na trabalhista correrá o risco de ser dispensado por justa causa, artigo 482 da CLT, e ainda por mau procedimento e ato lesivo à honra e à boa fama de qualquer pessoa.
Por fim, na esfera cível, poderá sofrer ação regressiva, movida pelo empregador que for condenado na Justiça do Trabalho ao pagamento de indenização por danos morais, em virtude de atos cometidos pela pessoa do empregado.
Sônia Mascaro, advogada, é grande defensora da conscientização tanto de trabalhadores quanto de empregadores sobre o assédio moral e sexual no ambiente de trabalho, pela convicção de que o melhor combate desse tipo de prática não deve se dar pela via punitiva, mas pela preventiva.
Seja por meio de campanhas publicitárias de esclarecimentos dos trabalhadores, promovidas por entidades como o Ministério Público ou a Ordem dos advogados do Brasil (OAB) ou ainda por meio de palestras oferecidas pelas empresas para seus empregados. “Campanhas nesse sentido possibilitam que os trabalhadores tenham conhecimento do que é o assédio e sejam capazes de identificar situações de abuso as quais estejam expostos, tendo a consciência de que não devem tolerá-la, mas sim denunciá-la”, enfatiza Sônia Mascaro.
Para a advogada a conscientização também é importante nas esferas de comando da empresa, pois seus dirigentes precisam estar atentos à existência de condutas que possam vir a ser consideradas assédio, “Principalmente estimulando sua sensibilidade para perceber se seus subordinados sofrem abuso ou agem de maneira abusiva, identificando o problema e buscando sua correção”, pontua.
Como inexiste legislação específica no Brasil versando sobre o assédio moral e sexual no trabalho e, principalmente, pelas proporções do tema na última década e o grande número de processos na Justiça do Trabalho, Sônia acha fundamental a regulamentação da matéria pelo meio legal. A seu ver, a indenização é um dos pontos mais importantes que precisa ser delineado, ante a atual discrepância em relação às condenações realizadas pelas Varas do Trabalho e Tribunais Trabalhistas.
“Acho fundamental que esse instrumento não seja banalizado e que os valores fixados a título de dano moral sejam não apenas reparatórios e punitivos, mas que tenham um caráter pedagógico forte objetivando que a empresa seja compelida a promover melhorias em seu ambiente de trabalho para extirpar qualquer forma de assédio”, conclui.
Entrevista ministra Peduzzi
Daqui a pouco, leia a entrevista com a vice-presidente do TST, ministra Maria Cristina Peduzzi. A magistrada revela como a Justiça idenfica os casos de assédio, porque eles ocorrem entre os desiguais, e ainda, como punir o assediador com base no Código Penal.
(Lourdes Cortes/RA, colaboração Mauro Burlamaqui)
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Fonte: TST