A Reforma do Código de Processo Penal
Rômulo de Andrade Moreira*
O então Ministro da Justiça, Dr. José Carlos Dias, ao assumir o Ministério, editou o Aviso nº. 1.151/99, convidando o Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, do qual somos membros, a apresentar uma proposta de reforma do nosso Código de Processo Penal. Este mesmo Ministro, agora por via da Portaria nº. 61/00, constituiu uma Comissão para o trabalho de reforma, tendo como membros os juristas Ada Pellegrini Grinover (Presidente), Petrônio Calmon Filho (Secretário), Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti (que mais tarde saiu, sendo substituído por Rui Stoco), Rogério Lauria Tucci e Sidnei Beneti.
Com a inesperada e lamentável saída do Ministro Dias, o novo titular da Pasta, Dr. José Gregori, pela Portaria nº. 371/00 confirmou a Comissão anteriormente formada, com a substituição já referida.
Ao final dos trabalhos, a Comissão de juristas entregou ao Ministério da Justiça, no dia 06 de dezembro de 2000, sete anteprojetos (todos acompanhados de uma exposição de motivos) que, por sua vez, originaram os seguintes projetos de lei:
1º.) Projeto de lei nº. 4.209/01: investigação criminal;
2º.) Projeto de lei nº. 4.207/01: suspensão do processo/procedimentos;
3º.) Projeto de lei nº. 4.205/01: provas;
4º.) Projeto de lei nº. 4.204/01: interrogatório/defesa legítima;
5º.) Projeto de lei nº. 4.208/01: prisão/medidas cautelares e liberdade;
6º.) Projeto de lei nº. 4.203/01: júri;
7º.) Projeto de lei nº. 4.206/01: recursos e ações de impugnação.
Tais projetos continuam no
O nosso Código de Processo Penal é do ano de 1941 e ao longo desse período poucas alterações sofreu em que pese serem evidentes as mudanças sociais ocorridas no País e tendo em vista a nova ordem constitucional vigente.
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Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, “a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (…) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara do regime (…) ”[4]
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“Ce système procédural se retrouve à l’origine des diverses civilisations méditerranéennes et occidentales: en Grèce, à Rome
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Ademais, a reforma está
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Aliás, “el Derecho procesal penal de los países latinoamericanos, observado como conjunto, ingresó, a partir de la década del’80, en un período de reformas totales, que, para el lector europeo, puede compararse con la transformación que sufrió el Derecho procesal penal de Europa continental durante el siglo XIX. No se trata, así, de modificaciones parciales a un sistema ya adquirido y vigente, sino, por lo contrario, de una modificación del sistema según otra concepción del proceso penal. Descrito sintéticamente, se puede decir que este proceso de reformas consiste en derogar los códigos antiguos, todavía tributarios de los últimos ejemplos de
Pode-se, portanto, inferir que as reformas processuais penais já levadas a cabo em vários países da América Latina e por virem em tantos outros, são frutos, na verdade, de modificações no sistema político destes países que foram, paulatinamente, saindo de períodos autoritários para regimes democráticos. É como se a redemocratização impulsionasse o sistema processual do tipo inquisitivo para o sistema acusatório. Aliás, é inquestionável a estreita ligação entre o sistema processual penal de um país e o seu sistema político. Um país democrático[11] evidentemente deve possuir, até porque a sua Constituição assim o obriga, um Código de Processo Penal que adote o sistema acusatório, eminentemente garantidor. Ao contrário, em um sistema autoritário, o processo penal, a serviço do Poder, olvida os direitos e garantias individuais básicos, privilegiando o sistema inquisitivo, caracterizado, como genialmente escreveu Ferrajoli, por “una confianza tendencialmente ilimitada en la bondad del poder y en su capacidad de alcanzar la verdad”. O sistema inquisitivo, portanto, “confía no sólo la verdad sino también la tutela del inocente a las presuntas virtudes del poder que juzga”.[12]
Assim, a “uniformidade legislativa latino-americana – na verdade compreendendo agora a comunidade cultural de fala luso-espanhola – apoiada em bases comuns e sem prejuízo das características próprias de cada região, é uma velha aspiração de muitos juristas do nosso continente. Além disso, ela foi o sonho de alguns grandes homens, fundadores de nossos países ou de nossas sociedades políticas. (…)
“Em nossos países, geralmente, a justiça penal tem funcionado como uma ‘caixa-preta’, afastada do controle popular e da transparência democrática. O apego aos rituais antigos; As fórmulas inquisitivas, que na cultura universal já constituem curiosidades históricas; a falta de respeito à dignidade humana; a delegação das funções judiciais; o segredo; a falta de imediação; enfim, um atraso político e cultural já insuportável, tornam imperioso começar um profundo movimento de reforma em todo o continente.”[13]
É evidente que o ideal seria uma reforma total, completa, que propiciasse uma harmonia absoluta no sistema processual penal, mas, como sabemos, se assim o fosse as dificuldades que já existem hoje, seriam ainda maiores. Preferiu-se, de outro modo, uma reforma que, se não chega a ser total (o que seria de difícil aprovação, à vista das evidentes dificuldades de natureza legislativa que todos nós conhecemos), também não chega a ser simplesmente pontual, até porque, como esclarece Ada, não incide “apenas sobre alguns dispositivos, mas toma por base institutos processuais inteiros, de forma a remodelá-los completamente, em harmonia com os outros.” Não é, portanto, uma reforma isolada, mas “tópica”.[14]
Este movimento reformista não se limita à América Latina. Na Europa também se encontram em franco desenvolvimento reformas no sistema processual penal. A título de exemplo, podemos referir a Alemanha, onde “también el Derecho procesal penal há sido modificado en varias ocasiones entre 1997-
* Procurador de Justiça na Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização
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[1] No nosso livro Direito Processual Penal, Salvador: Jus Podivm, comentamos os demais projetos de lei e as leis já promulgadas.
[2] Período que abrange parte do governo de Getúlio Vargas (1937 – 1945) que encomendou ao jurista Francisco Campos uma nova Constituição, extra-parlamentar, revogando a então Constituição legitimamente outorgada ao País por uma Assembléia Nacional Constituinte (1934).
[3] Fiore, Pascuale, De
[4] O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº. 175, junho/2007, p. 11.
[5] Marques, José Frederico, Elementos de Direito Processual Penal, Vol. I, Campinas: Bookseller, 1998, p. 104.
[6] Ob. cit. p. 108.
[7] Comentando a respeito do Título que trata das nulidades no processo penal, o saudoso Frederico Marques adverte que “não primou pela clareza o legislador pátrio, ao disciplinar o problema das nulidades processuais penais, pois os respectivos artigos estão prenhes de incongruências, repetições e regras obscuras, que tornam difícil a sistematização coerente de tão importante instituto. (…) Ainda aqui, dá-nos mostra o CPP dos grandes defeitos de técnica e falta de sistematização que pululam em todos os seus diversos preceitos e normas, tornando bem patente a sua tremenda mediocridade como diploma legislativo” (ob. cit., Vol. II, p. 366/367).
[8] Vitu, André, Procédure Pánale, Paris: Presses Universitaires de France, 1957, p. 13/14.
[9] Grinover, Ada Pallegrini, “A reforma do Processo Penal”, in www.direitocriminal.com.br, 15.01.2001.
[10] Maier, Julio B. J.. e Struensee, Eberhard, Las Reformas Procesales Penales en América Latina, Buenos Aires: Ad-Hoc, 2000, p. 17.
[11] Norberto Bobbio assinala, muito a propósito, que “Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais” , in A Era dos Direitos, Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992, p. 1.
[12] Ferrajoli, Luigi, Derecho y Razón, Madrid: Editorial Trotta, 3ª. ed., 1998, p. 604.
[13] Exposição de Motivos do Projeto de Código Processual Penal-Tipo para Ibero-América, com a colaboração dos Professores Ada Pellegrini Grinover e José Carlos Barbosa Moreira, in Revista de Processo, nº. 61, p. 111.
[14] Grinover, Ada Pallegrini, “A reforma do Processo Penal”, in www.direitocriminal.com.br, 15.01.2001.
[15] Walter, Tonio, Professor da Universidade de Friburgo, in Revista Penal, “Sistemas Penales Comparados”, Salamanca:
[16] Segundo Daniele Negri, da Universidade de Ferrara, “quizá nunca como en estos últimos cinco años había sufrido el procedimiento penal italiano transformaciones tan amplias, numerosas y frecuentes. (…) La finalidad de dotar de eficiencia a
[17] Revista Penal, “Sistemas Penales Comparados”, Salamanca: