Direito Constitucional

Poder Constituinte – Mendes, Coelho e Branco

Poder Constituinte – Mendes, Coelho e Branco

 

 

Guilherme Ricken *

 

 

Referência: Poder Constituinte. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 181-230.

 

            Para analisar os fundamentos do sistema jurídico brasileiro, é necessário conhecer as tendências norte-americana e européia continental sobre esse assunto.

 

            Na Europa, vários autores manifestaram-se acerca da limitação do poder dos governantes. Entre eles, Bodin, Hobbes, Locke e Montesquieu propunham um constitucionalismo que constrangia os poderes públicos e inibia o povo. Já Rousseau desconfiava dos governos, afirmando então a soberania do povo. É prioritariamente baseada na visão deste que ocorre a Revolução Francesa, que passa a marcar uma primazia do Poder Legislativo, tido como o órgão por excelência da representação popular, embora a assembléia, além de ser soberana perante as demais instituições do Estado, também seja soberana em relação ao povo.

 

            Essa supremacia parlamentar rivaliza com a supremacia constitucional, não estando assim a Constituição protegida contra a soberania da assembléia nacional. Além disso, a Carta Magna não era protegida pelo judiciário, em função dos juízes aplicarem as leis apenas mecanicamente. Em caso de dúvida quanto ao conteúdo de uma norma, ela seria remetida ao parlamento para apreciação. Apenas a partir da segunda metade do século XX é que tal concepção entra em colapso, graças ao desenvolvimento do conceito de Justiça constitucional, que teria por dever a proteção da Constituição contra qualquer poder.

           

Nos Estados Unidos, o valor da Constituição como ente máximo do ordenamento jurídico foi reconhecido ainda no início do século XIX. Tal valor é assegurado pelo controle jurisdicional da constitucionalidade, forjado nas disputas entre federalistas e anti-federalistas por volta de 1800. Esse controle garante  que a Constituição seja lei principal do país, sendo interpretada pelo Judiciário preponderantemente sobre a avaliação dos demais Poderes.

 

            A Constituição, ao contrário das normas inferiores, fundamenta-se pela vontade das forças determinantes da sociedade no momento da elaboração daquela, sendo construída pelo poder constituinte originário. Tal conceito surge do abade Sieyès, autor da obra Que é o Terceiro Estado?. Como caracteríscas, o poder constituinte originário é inicial (porque está na origem do ordenamento jurídico), ilimitado (pois não é objeto de uma ordem jurídica anterior) e incondicionado (visto que não se sujeita a formas pré-fixadas, senão aos desígnios do povo). Além disso, ele pode surgir em função de uma revolução ou de uma vontade de mudança pacífica na estrutura constitucional do Estado.

 

            Após colocar a Constituição, o poder constituinte originário não se esgota, estando apto a manifestar-se a qualquer momento. Quando a Carta Magna é posta unilateralmente, sem a intervenção de um órgão de representação popular, ela é dita outorgada. No caso de elaboração por uma assembléia, a Constituição é dita promulgada ou votada. Em ambos os casos, as normas anteriores à Constituição, que são com elas compatíveis no seu conteúdo, continuam em vigor, graças ao fenômeno da recepção, que pode agir expressa ou tacitamente. Quando houver incompatibilidade, a norma será revogada. Ainda é válido lembrar que a doutrina brasileira descarta a repristinação, que caracteriza-se pela retomada de valor de uma norma revogada por uma Constituição superveniente, quanto esta é superada por uma terceira Constituição. Além disso, pode ser declarada a inconstitucionalidade de uma norma recepcionada pela nova Constituição, mas que guarda algum vício formal com a antiga ordem jurídica. Outro fato relevante diz respeito ao fato de que a jurisprudência não admite a invocação de direitos adquiridos contra a Constituição presente – a não ser que uma norma transitória ou uma ressalva o permita –, em função dela ser o ponto inicial do ordenamento legal.

 

            Com a evolução dos fatos sociais e o surgimento de novos paradigmas políticos e jurídicos, aparece a necessidade de serem efetuadas mudanças na Constituição. Elas ficam, então, sob a responsabilidade do poder constituinte de reforma, o qual não é nem inicial, nem incondicionado nem limitado, pois as alterações são previstas no próprio texto constitucional a ser mudado. Tal poder é necessário para realizar atualizações em constituições rígidas – somente alteráveis por meio de procedimentos especiais –, sendo secundário para mudanças em constituições flexíveis, que possuem rito de reforma comparável ao de leis comuns. Já as constituições mistas (ou semi-rigídas) possuem alguns preceitos modificáveis apenas por rito especial, enquanto outros são passíveis de alteração via processo legislativo comum. Em caso de alteração do sentido de uma norma por meio de uma nova interpretação, mas sem mudanças na redação do texto, ocorre a chamada mutação constitucional.

 

            Entretanto, há um tipo de elemento que não é passível de modificação, que é chamado de cláusula pétrea. Assim, não são cabíveis propostas de emendas que venham a desvirtuar a forma federativa do Estado, a separação de Poderes, o voto direto, secreto, universal e periódico e os direitos e garantias individuais. Há também correntes doutrinárias que entendem que os direitos sociais, assim como os supracitados, constituem cláusulas pétreas. Todavia, é válido lembrar que a redação de uma cláusula pétrea pode ser alterada, contanto que não haja uma mudança em sua essência e conteúdo.

 

 

* Colunista do Portal Jurídico Investidura.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
, Guilherme Ricken. Poder Constituinte – Mendes, Coelho e Branco. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/direito-constitucional-resumos/poder-constituinte-mendes-coelho-e-branco/ Acesso em: 18 abr. 2024