Direito Previdenciário

Análise da PEC nº 287 de 2016

INTRODUÇÃO

O presente ensaio versa sobre a Proposta e Emenda Constitucional nº 287/2016, conhecida como Reforma da Previdência, a qual faz modificações substanciais no Sistema Previdenciário e na vida de todos os brasileiros penalizando os setores mais frágeis da sociedade, haja vista que milhões de brasileiros tem como principal fonte de renda a previdência social. Analisa-se neste cenário a instituição do Estado mínimo no Brasil. Diferente da realidade de alguns países de primeiro mundo que apresentam a previdência pública mínima, pois possuem sistema de saúde fortalecido (o aposentando tem acesso à saúde), não há falta de medicamentos, assistência médica, internações, etc, o Brasil apresenta um sistema de saúde caótico, hospitais sucateados, número insuficiente de médicos, falta de medicamentos, etc, ou seja, o Estado passaria a cobrir o mínimo do mínimo possível, não garantindo desta forma o mínimo existencial a população brasileira, não levando em consideração a distribuição de renda do país, tornando o pobre cada vez mais pobre e atingindo significativamente a dignidade da pessoa humana. Neste ensaio se fará uma análise histórica da reforma, bem como analisar algumas inovações e supressões aos direitos sociais trazidas pela PEC 287/2016.

DESENVOLVIMENTO

De início, é de grande importância entender as mudanças históricas que ocorreram no sistema previdenciário brasileiro ao logo dos governos para se compreender se o país está perdendo ou ganhando com essas transformações. Significativas mudanças aconteceram no governo de Collor que logo após sua eleição a presidente sancionou o aumento do valor das aposentadorias mesmo com a inflação estando em alta. O cálculo do valor do benefício, nesta época, passou a levar em conta a correção monetária, o que significaria o aumento dos vencimentos. Outra mudança importante em seu governo foi a instituição de leis que também regulamentavam uma regra prevista na Constituição de 1988 que nenhum benefício pode ser menor que o salário mínimo, regra está que com a PEC 287/2016 foi substancialmente modificada com a possibilidade de redução de benefícios a 50% do valor integral, a baixo do mínimo nacional.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, diante de um contexto de crise internacional, o governo travava uma guerra com o mercado para segurar o preço do real frente ao dólar. Com isso, foi necessário a instauração de medidas de arrocho que se iniciou com a Emenda Constitucional 20 de 1998, a qual trazia mudanças importantes, tais como a previdência não mais consideraria o tempo de serviço do trabalhador, mas sim o tempo de contribuição com o INSS, estabelecendo o período de 30 anos para mulheres e 35 para homens. Tal como afirma o ex-ministro José Cechin:

No Brasil, as novas regras derivadas da EC n. 20/98 representaram, com efeito, a imposição de perdas aos segurados, uma vez que o eixo da reforma foi o aumento da idade média de concessão do benefício, implicando extensão do período contributivo, redução dos gastos no curto prazo pela postergação da concessão e redução dos gastos no longo prazo pela concessão por menor período (SILVA, 2004, apud, CECHIN, 2002, p. 23).

Esse cenário pode ser interpretado que a partir de então os segurados precisariam contribuir mais, trabalhar mais e receber menos, estipulando desta forma uma nova regra de cálculo.

Logo após, em 1999, foi aprovado o fator previdenciário, uma fórmula matemática aplicada sobre o salário que leva em conta a idade do trabalhador, além do tempo de contribuição, para definir o valor do benefício. Esta regra fora implantada para desestimular a aposentadoria precoce dos brasileiros.

No governo Lula as alterações previdenciárias feitas focavam no funcionalismo público. Dificultou o acesso dos servidores à aposentadoria e instituiu a cobrança da contribuição também dos inativos e pensionistas, criou um teto para os servidores federais, subindo o teto do INSS de R$ 1.869 para R$ 2.400. Para receber o benefício igual ao do último salário era necessário o funcionário ter 60 anos de idade e 35 de contribuição e para as mulheres 55 anos de idade e 30 anos de contribuição.

E nos dias atuais, a PEC nº 287 de 2016 traz transformações substanciais e significativas para a sociedade brasileira. Neste artigo iremos analisar aquelas de maior impacto social. De início, pode-se apontar a instituição de idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres acentuando, desta forma, a “igualdade” de gêneros que diante dos novos rearranjos familiares, com poucos ou sem filhos, estão permitindo que a mulher se dedique mais ao trabalho, melhorando a sua estrutura salarial o que pode ser uma justificativa frágil para reduzir diferenças entre homens e mulheres.

Porém, não se pode desconsiderar que a mulher, principalmente a brasileira e a nordestina, ainda continua sendo prejudicada quanto à variação salarial, condições de trabalho e cuidados com a casa e filho (s). O cuidado doméstico com a preparação de refeições, limpeza da casa, cuidado com a saúde de crianças e idosos seja a curto ou longo prazo é sim uma atividade não remunerada que compromete tempo, esforço, trabalho, responsabilidades que são bem menores em comparação as atividades não remuneradas exercidas pelo do homem. Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constata por meio de pesquisas que, “[…] enquanto as mulheres gastam, em média, 26,6 horas semanais com serviços de casa, os homens gastam 10,5 horas. Quando têm cinco ou mais filhos, elas chegam a trabalhar quase cinco horas por dia em casa, sem contar o tempo que gastam no emprego fora. O mesmo não acontece com os homens. Eles dedicam, em média, uma hora por dia às tarefas domésticas, independentemente do tamanho da família ou de estarem desempregados ou não. Quando casam, trabalham ainda menos — e as mulheres, coincidentemente, ainda mais”. É fato que este trabalho não remunerado e realizado pela maior parte das mulheres brasileiras é considerado indispensável para o funcionamento da sociedade e do bem-estar social. Este cenário demonstra a nítida violação também aos direitos e garantias individuais que estão expressos no art. 5º da Constituição Federal quando afirma que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, não tratando de forma isonômica os gêneros na concessão da aposentadoria, também desobedecendo uma cláusula pétrea que no bajo do art. 60, § 4º, inciso IV viola os direitos e garantias individuais acima citados.

Outro aspecto que pode ser abordado, ainda nesta seara, é a análise equivocada da referida proposta legislativa, ao apresentar a longevidade brasileira por meio de uma média geral de expectativa de vida num país de dimensões continentais gigantescas, sem levar em consideração a nítida disparidade regional e desigualdade social presente do início ao fim do território nacional. Não é razoável estipular uma idade mínima no Brasil, desconsiderando os fatores territoriais e sociais, sem tomar como base principalmente a linha da pobreza, níveis sociais e econômicos, tendo em vista que a previdência social é a principal fonte de renda de milhões de brasileiros. Além disso, não se pode esquecer do mecanismo automático de elevação da idade mínima para a aposentadoria, vinculada ao aumento na expectativa de sobrevida dos brasileiros, medida pelo IBGE a cada ano, que estabelece que quando aumentar um ano na expectativa de sobrevida, aumentará pelo menos um ano na idade mínima, mas com valores salariais menores dos que hoje estão vigentes. Isso significa uma maior dificuldade para o cidadão chegar a se aposentar de forma integral recorrendo a aposentadoria complementar, aumentando a tendência de compra de planos de previdência privada como alternativa, em que seria necessária renda extra para sua adesão, realidade um pouco distante para a maioria dos brasileiros. Diante disso, pode-se analisar que o direito social à previdência social elencado no art. 6 da Constituição Federal de 1988 encontra-se comprometido, haja vista a impossibilidade de aposentadoria integral e pela redução da aposentadoria como se abordará adiante.

Outro aspecto de grande impacto que pode ser levantando é a questão da redução do valor geral das aposentadorias, sem consideração com os montantes de contribuição, ou seja, se trabalhará mais e se ganhará menos. Ainda sobre análise das aposentadorias, a extinção da aposentadoria especial para os professores com a redução de idade da categoria, desconsiderando a sua jornada doméstica de preparação de aulas e correção de provas é sem dúvida alguma, um retrocesso para a educação e para a sociedade. De outra banda, a supressão das aposentadorias especiais de risco e periculosidade, vedando, desta forma, a caracterização por categoria profissional ou ocupação e fixando parâmetros de difícil atingimento para a aposentadoria dos trabalhadores expostos a condições insalubres é um abalo a garantia da dignidade humana e dos direitos sociais outrora conquistados.

Com relação a pensão por morte a PEC 287/2016 traz em seu bojo a permissão que o benefício previdenciário de pensão por morte possa ser inferior ao salário mínimo, visto que será calculado com base na proporção de 50% mais 10% por dependente, limitada ao teto do RGPS, com a redução do valor da pensão na medida em que os filhos deixem de ser dependentes, acaba com a vinculação ao salário mínimo de benefícios previdenciários, a definição de dependentes estará ligada as condições necessárias para o enquadramento e qualificação aos estabelecidos para o RGPS, na prática, acaba a possibilidade de que leis específicas definam que é dependente quem tem acima de 21 anos, mesmo que seja estudante. A pensão por morte é um benefício social que como os demais e concedido a pessoas em situação de vulnerabilidade social, pago especificamente ao dependente do segurado quando este vem a falecer. É a reposição de renda daquele que dependia economicamente do segurado, por meio de uma relação jurídica (parentesco, casamento/união estável). É nítido que tal alteração viola o princípio constitucional de vedação do retrocesso, não podendo retroagir, mas apenas avançar na proteção dos indivíduos, ou seja, considera-se inconstitucional qualquer medida tendente a revogar os direitos sociais já regulamentados, sem a criação de outros meios alternativos capazes de compensar a anulação ou redução de benefícios.

Como se pode ver, nessa proposta de reforma há um grande risco concreto de perda do mínimo de qualidade de vida dos brasileiros. O regresso de conquistas ínfimas de desenvolvimento e dos direitos humanos e sociais indicadores fundamentais para determinar a existência ou não de qualidade de vida é evidente.

De acordo com análise da referida PEC, pode-se aferir que o discurso do governo resume-se na questão da longevidade e na situação financeira do sistema previdenciário brasileiro. Ter longevidade não significa que precisa-se trabalhar mais e ter tolhido direitos sociais significativos para as camadas mais pobres e frágeis da sociedade por meio da redução de benefícios, do valor geral das aposentadorias, sem consideração com os montantes de contribuição e a redução dos direitos essenciais para se assegurar a dignidade, bem estar e qualidade de vida dos brasileiros. Com relação a situação financeira, é clara a imposição de uma política de arrocho fiscal entregando para a iniciativa privada o papel do Estado de manutenção de um sistema previdenciário que garanta o bem-estar social e a vida digna para aposentados e pensionistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, pode-se afirmar que essas mudanças irão penalizar os setores mais frágeis da sociedade, pondo em risco várias conquistas dos trabalhadores brasileiros, tendo em vista que essas transformações são um grande estímulo ao fortalecimento do regime de previdência complementar comprometendo de forma crucial o sistema público, passando para a iniciativa privada a previdência dos trabalhadores de baixa renda.

É de grande importância que se mude os paradigmas com investimento em educação previdenciária de base, preparação de gestores que conscientize a sociedade para que possa cobrar posturas éticas e responsáveis. Portanto, entende-se que não deve ser aprovada a PEC 287/2016, pois fere princípios constitucionais fundamentais, entrega para inciativa privada a responsabilidade do Estado e atenta contra a Nação Brasileira.

REFERÊNCIAS

MORENO, Rosana Cólen, ELIAS, Daniel Antonio. Parecer Pec 287 – Reforma Da Previdência Confederação Dos Servidores Públicos Do Brasil – Cspb. Disponível em: < http://cspb.org.br/UserFiles/files/parecer-cspb.pdf>. Acesso em: 09 Mai. 2017

KIDRICKI, Tiago Beck. Aposentadoria Especial e PEC 287/2016: Um tiro no coração. Disponível em: <<http://www.fetapergs.org.br/index.php/noticias/item/312-artigo-aposentadoria-especial-e-pec-287-2016-um-tiro-no-coracao>>. Acesso em: 09 Mai. 2017

 BRASIL, ANFIP. Quadro comparativo comentado da PEC 287/2016, sobre a reforma da previdência. Disponível em: <<file:///C:/Users/LAURA/Downloads/ANFIP.%20Quadro%20comparativo%20PEC%20287.pdf>>. Acesso em: 08 Mai. 2017

SILVA, Ademir Alves da. Artigo: A reforma da previdência social brasileira: entre o direito social e o mercado. Disponível em: <<  http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000300003>>. Acesso em: 13 de Mai. 2017.

AZEVEDO, Alessandra. Mulher perde mais do que o homem na reforma da Previdência. Disponível em: <<  http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2017/03/05/internas_economia,578223/mulher-perde-mais-do-que-homem-na-reforma-da-previdencia.shtml>>. Acesso em: 13 mai. 2017.

 

Autora: Laura Judith de Jesus Gama – Acadêmica de Direito da Universidade Estadual do Maranhão

Como citar e referenciar este artigo:
GAMA, Laura Judith de Jesus. Análise da PEC nº 287 de 2016. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/previdenciario/analise-da-pec-no-287-de-2016/ Acesso em: 28 mar. 2024