Filosofia do Direito

A Segurança Pública vista como uma questão de ordem

João Neto da Silva

Letícia de Moraes Rodrigues

Maria Leide Brito

Rosiane Craviero Lopes

Prof. Maicon Rodrigo Tauchert

1 VIOLÊNCIA URBANA E CIVILIZAÇÃO

A definição de violência segundo Houaiss; Villar (2012): é o “uso de força física ou ação de intimidar alguém moralmente ou o seu efeito; ou ainda ação frequentemente destrutiva, exercida com ímpeto; expressão ou sentimento vigoroso contra alguém”. Partindo desse conceito percebe-se que a sociedade em si já é violenta e com o crescimento dos grandes centros – metrópoles brasileiras observou-se concomitantemente o crescimento da violência nas relações sociais.

A violência nas grandes cidades está diretamente ligada ao aparecimento das gangues – grupo de malfeitores, meliantes que têm prazer em infringir regras e cometer crimes desde os menores aos mais audaciosos e dessa forma amedrontando a sociedade. “De alguma forma, o monopólio burocrático da violência é posto em cheque pela deslealdade de muitos cidadãos e, por outro lado, pelo desafio aberto de uns poucos” (OLIVEIRA, 2010).

Sabe-se que por medo, muitos cidadãos não denunciam os criminosos que continuam com sua rotina de crimes sem qualquer punição. Assim, a lei para esses fraudulentos não é aplicada e por isso não sofrem as sanções que estão cunhadas no crivo dos artigos do Código Penal.

A realidade descrita no parágrafo anterior reforça o crescimento da violência urbana, tornando os grandes centros lugares indesejados e insuportáveis diante da “política da qualidade de vida” disseminada na sociedade.

A erradicação da violência urbana é uma utopia, mas pode-se fazer muito para minimizar os índices de violência nas grandes cidades, porém, para isso, é necessário que cada cidadão faça a sua parte enquanto agente de mudança, denunciando e fazendo um “trabalho de conscientização social” de que a violência gera mais violência e que o crime não compensa.

O cidadão tem que ter em mente que não pode esperar somente pelos Governos, mas que pode fazer algo para melhorar a qualidade de vida no seu bairro, setor ou vila, realizando muito pouco: se filiando a uma ONG – Organização Não Governamental ou contribuindo com a manutenção de programas sociais realizados em sua cidade junto às prefeituras; sendo um palestrante nas suas horas vagas nas escolas, colaborando para uma educação mais eficaz, enfim, existem muitas maneiras de coibir o crime em sua raiz, quando os cidadãos ainda são crianças e adolescentes, buscando conscientizá-los de seus deveres junto à sociedade.

O “resgate” dos valores familiares e o acompanhamento da educação escolar dos filhos é um aspecto relevante quando se trata de minimizar a violência urbana, uma vez que a educação é a base de toda formação humana: seu caráter e temperamento (personalidade) e, consequentemente de toda sociedade, por essa razão é fundamental que a educação parta do ciclo familiar.

Diante do exposto, a civilização necessita de ações proativas frente ao problema: violência urbana, pois não compensa esperar somente pelos governantes, mas fazer acontecer com programas e atividades que possam criar uma conscientização coletiva de denunciar os criminosos e mostrar na prática que o crime não compensa.

2 O CONFLITO E AS RELAÇÕES SOCIAIS

O conflito é inerente à natureza humana, uma vez que cada um é diferente do outro e essas diferenças causam divergências entre as pessoas por terem percepções e ideias diversas uma das outras, fazendo com que a busca de soluções para os problemas de menor ou maior potencial, seja uma constante e as consequências negativas, resultado da não solução dos problemas conflituosos, desastroso (BRASIL, 2011).

As diferenças entre as pessoas, muitas vezes, funcionam como um entrave para que aconteça um bom relacionamento entre pessoas, mas as diferenças existentes e não devem afastar as pessoas, mas unir, uma vez que uma complementa a outra em suas diferenças.

Ao definir conflito Houais; Villar (2012), afirmam que é o “ato, estado ou efeito de divergirem muito ou de se oporem duas ou mais coisas; choque ou enfrentamento; discussão acalorada ou desavença”. Dessa maneira, é notório que o conflito traz consequências positivas ou negativas dependendo da maneira com a qual é tratado, ou seja, solucionado.

Nas relações sociais, o conflito pode ser abordado de diversas maneiras, uma delas é evitar o conflito – sabe-se que nesse caso os valores morais têm preferência, bem como, as metas das partes. É possível também reprimir o conflito – conscientizando as partes de que o conflito não é necessário. Outra maneira é aguçar as divergências em conflito – criando situações que podem trabalhar o conflito de maneira aberta sem violência e, pode-se ainda transformar as diferenças em resoluções de problemas – percebendo as questões conflitivas como construtivas e cooperativas, explorando o lado positivo do conflito (CRETELLA JÚNIOR, 2010).

Diante das questões envolvendo o conflito, Brasil (2011, p. 336), aborda:

Os conflitos interpessoais são inerentes às relações humanas. E, se entendidos nessa acepção, não podem ser evitados, pois advém da falta de coincidência inexorável havida pela diferença entre os indivíduos. Portanto, assim entendidos, não necessariamente implicam no desequilíbrio de poderes, uso da força, violência ou crime.

Os conflitos interpessoais do ponto de vista do policiamento comunitário, deve ser bem gerenciados pelo líder comunitário com a finalidade de evitar situações de violência, bem como evitar a própria prática criminosa.

Sabe-se que praticar a liderança no mundo de hoje é um desafio que precisa ser superado pelos gestores comunitários que trabalham em diversas regiões desse país e enfrentam diversos problemas na sociedade da qual faz parte, colaborando dessa maneira com a disseminação da paz nas relações interpessoais. Neste sentido Maxwell (2009, p. 94) aborda:

É possível a uma pessoa estar “no controle” porque foi apontada para determinada posição. Nessa posição, pode ter autoridade. Entretanto, a verdadeira liderança é mais do que ter autoridade; é mais do que ter o treinamento técnico e seguir os procedimentos adequados. O verdadeiro líder é aquele que os outros seguirão com prazer e confiança. Um verdadeiro líder sabe a diferença entre ser chefe e ser líder.

Diante dessa situação, um dos “instrumentos” que pode ser utilizado para resolver os conflitos é o diálogo, ou seja, a comunicação, pois este fator é primordial para a compreensão entre as pessoas no ambiente de conflito, levando à resolução eficaz dos conflitos.

O comportamento assertivo por parte do profissional de segurança pública é primordial para balizar as relações humanas dentro do ambiente de conflitos, pois leva-o saber escutar e dialogar com diferentes tipos de pessoas e a intervir de forma eficiente junto ao problema existente entre as pessoas. Se preocupando, principalmente, com a imagem e a moralidade de cada indivíduo.

Em virtude dos fatos mencionados, verifica-se que a administração dos conflitos deve angariar às partes, uma resolução pacífica de conflitos para que os cidadãos aprendam a ser gestores de suas demandas de forma eficaz e, ao mesmo tempo, levantando a “bandeira da paz”.

3 RELAÇÃO ENTRE VIOLÊNCIA E CIDADANIA

A palavra cidadão segundo Houaiss; Villar (2012), significa: “habitante da cidade; indivíduo que goza de  direitos e deveres civis e políticos num país. Esse indivíduo refere-se a qualquer sujeito”.

Partindo do conceito supracitado, constata-se que a cidadania então é inerente a todo e qualquer sujeito que resida na “cidade”, ou seja, que faça parte de uma comunidade, não importando em que local da “cidade” esse sujeito resida. Desde os moradores de rua aos favelados, todos devem ser respeitados, pois têm direitos e todos podem ser cobrados, pois também têm deveres a se cumprir sob os trâmites legais.

O artigo 5° da Lei Magna da República Federativa de 1988, reza de forma geral, os direitos e deveres dos cidadãos brasileiros; inclusive, tem a nomenclatura de: artigo cidadão e é considerado uns dos mais completos do mundo em termo de valorização da pessoa humana, ou seja, dos direitos humanos. Mas segundo Cretella Júnior (2010, p. 10), há situações em que a cidadania se torna ausente:

Nota-se a ausência de cidadania, por exemplo, quando uma sociedade gera um menino de rua. Ele é o sintoma mais agudo da crise social. Os pais são pobres e não conseguem garantir a educação dos filhos. Eles vão continuar pobres, já que não arrumam bons empregos. Não arrumam sequer um emprego, por mais modesto que seja, E aí seus filhos também não terão condições de progredir.

 

A educação enquanto direito do cidadão, segundo o autor acima, faz uma grande diferença no seu futuro enquanto sujeito social e, principalmente na sua “posição” dentro da sociedade. Esse direito infelizmente não tem sido garantido, na prática, a todos cidadãos brasileiros, sem citar que em algumas regiões do Brasil, a qualidade do processo ensino-aprendizagem é dramática.

No Brasil, em linhas gerais, as crianças e os idosos não têm seus direitos respeitados, portanto, se uma sociedade não respeita suas crianças e seus idosos, no mínimo, despreza-os e, consequentemente, é indiferente com seu futuro, pois todos os adultos já foram crianças um dia e, certamente serão idosos; é preciso que os líderes da sociedade brasileira tenham consciência disso e passam a investir mais nos seus cidadãos. Portanto, cidadania para Cretella Júnior (2010, p. 12/13) é:

É muito importante entender bem o que é cidadania. Trata-se de uma palavra usada todos os dias, com vários sentidos. Mas hoje significa, em essência, o direito de viver decentemente. Cidadania é o direito de ter uma ideia e poder expressá-la. É poder votar em quem quiser sem constrangimento, processar um médico que tenha agido com negligência. É devolver um produto estragado e receber o dinheiro de volta. É o direito de ser negro, índio, homossexual, mulher, sem ser discriminado. De praticar uma religião sem ser perseguido.

A prática da cidadania vai desde “pequenas ou simples atitudes” que vão desde respeitar um sinal vermelho no trânsito a aceitar as pessoas como elas são; não jogar papel no chão ou ainda, não danificar bens públicos. Sabe-se que diante dessas situações, atitudes contrárias, podem gerar violência. “O direito de ter direitos é uma conquista da humanidade” (CRETELLA JÚNIOR, 2010).

Verifica-se que a segurança também é outro direito, e um dos fundamentais frente a qualidade de vida do cidadão. Sentir-se seguro é importante para que uma sociedade tenha ascensão econômica-política-cultural, pois sem segurança não há dinamicidade nas relações sociais, o que acaba “emperrando” o crescimento dessa sociedade.

Da mesma forma que a cidadania é inerente ao cidadão, a violência também faz parte das relações humanas por menor que seja sua incidência. Sabe-se que hoje o medo toma conta das pessoas. E em muitas cidades do país, a simples necessidade de andar nas ruas tornou-se um problema, pois a qualquer momento uma pessoa pode ser assaltada, sequestrada, estuprada e daí por diante. Frente a essa realidade Cretella Júnior (2010, p. 23), novamente aborda:

Antigamente os bandidos eram “profissionais” e alguns deles até desprezavam colegas que usassem de violência. Muitas dessas “estrelas” do submundo nem andavam armadas. Era a época dos batedores de carteiras, que tinham as mãos ágeis como as de um mágico. Enfiavam sutil e eficazmente as mãos no bolso da vítima, que só percebia o prejuízo em casa. Mas a situação mudou. Os “profissionais”, vistos com certa admiração popular, desapareceram. Instalou-se a barbárie. Surgiram gangues violentas que traficam drogas, roubam idosos, ateiam fogo em índios e mendigos por mera diversão, atacam crianças e adolescentes, matam por um par de tênis. Isso acontece muitas vezes na frente da escola, em plena luz do dia.

 

A violência, hoje, além de fazer parte do cotidiano do brasileiro, com o tempo fica ainda mais voraz pela maneira que acontece e por quem é praticada, pois as crianças das favelas e moradoras de rua são responsáveis por muitas mortes em várias regiões do país e, a maioria das mortes por motivos banais, quando não, sem motivo aparente: muitas vezes só porque a pessoa se mexeu de maneira brusca por que estar nervosa com a situação de assalto ou outro delito como; sequestro relâmpago.

Essas crianças, na sua maioria, estão reproduzindo a sua própria vivência, uma vez que são vítimas de agressões dentro da família. Família essa desestruturada e com baixa ou nenhuma remuneração, são instigadas a furtar, usar seu corpo para ganhar dinheiro ou colaborar com as facções criminosas presentes no bairro, vila ou setor onde reside, passando assim, a multiplicar a violência sofrida em casa.

Isto posto, constata-se que a violência é um “entrave” frente questões sociais que norteiam a cidadania, pois o cidadão não se sente seguro em sua própria casa; que dirá nas ruas, vivendo com medo e sofrendo as consequências de um código penal contraditório. Nesse sentido, o desafio do policiamento comunitário é trabalhar junto com a comunidade com a finalidade de fazer valer os direitos dos cidadãos e minimizar ou erradicar a violência no local onde essa filosofia de policiamento é implantada.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Curso nacional de promotor de polícia comunitária. 4. ed. Brasília-DF: Secretaria Nacional de Segurança Pública – SENASP, 2011.

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Minidicionário da língua portuguesa. 6. ed. Rio de Janeiro, 2012.

MAXWELL, John C. Segredos da Liderança. São Paulo: Mundo Cristão, 2009.

OLIVEIRA, Nilson Vieira. (Org.). Insegurança pública: reflexões sobre a criminalidade e a violência urbana. São Paulo: Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, 2010.

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, João Neto da; RODRIGUES, Letícia de Moraes; BRITO, Maria Leide; LOPES, Rosiane Craviero; TAUCHERT, Maicon Rodrigo. A Segurança Pública vista como uma questão de ordem. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2015. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofiadodireito/a-seguranca-publica-vista-como-uma-questao-de-ordem/ Acesso em: 19 abr. 2024