O que é um princípio? [1], [2]
Patrick Morvan* (Trad. Carlos Eduardo Bistão Nascimento**)
O princípio no direito,
O princípio de direito
Os princípios jurídicos são amplamente utilizados para exprimir ‘o nada’, associados à retórica. Alguém pode invocar os grandes “princípios do direito” – evitando, contudo, apontá-los – para defender uma idéia hostil; mas, na realidade, esta pessoa procura utilizar o efeito do encantamento de uma “boa roupagem para opiniões discutíveis” (G. RIPERT, op. cit., n. 132). No exterior, a diplomacia nos gratifica, por meio de comunicados e declarações, com princípios solenes sobre ordenamentos incertos. Os princípios, embriões franzinos de regras, desenvolvem-se nos ramos mais incipientes do direito. O sucesso do vocábulo arruína seu singular valor, perdendo-se em idéias plurívocas. Condillac já se expressou neste sentido: “Princípio é sinônimo de começo; e este foi o primeiro significado utilizado. Entretanto, depois, quando colocados em uso, são utilizados por hábito, mecanicamente, sem agregar idéias, e fazendo com que os princípios não sejam o começo de nada” (La logique ou les premiers développements de l’art de penser, An. III, seconde partie, chap. VI).
I – Origem
Principium: de primo (primeiro) et capere (pegar, tomar). O princeps é aquilo que toma o primeiro lugar, a primeira parte, o primeiro posto; é o príncipe, o chefe, o “cabeça”, o soldado da linha de frente. O princípio, assim, é um início, um começo. A par da etimologia, o Dicionário da Academia Francesa (Dictionnaire de l’Académie française, 1694) lista as acepções mais claras que o vocábulo tinha no final do século XVII (J. Turlan, op. cit., p. 117). Mas é LALANDE (Vocabulaire technique et critique de la philosophie, v. “Principe”) que nos esclarece a fundamental noção tríplice de princípio: ontológica, lógica e normativa.
A primeira noção, metafísica, foi inaugurada por Aristóteles, atribuindo à filosofia a missão de importar os “primeiros princípios” (arché) das ciências, princípios estes que estão ao alcance apenas de uma razão intuitiva criada pela indução (Éthique à Nicomaque, L. VI; Métaphysique, L. IV). O archon significa o objeto primeiro do conhecimento, objeto este que só é acessado pelo ato intelectual – ou seja, a forma de conhecer. A indução é, neste sentido, “o princípio da ciência pois ela [a indução[3]] é o princípio do próprio princípio” (Les seconds analytiques). Além disso, o archon recupera as quatro causas aristotélicas do ser. Neste sentido, “Deus está em todas as causas e é um princípio” (Métaphysique, L. I), quer dizer, é a causa eficiente, o motor primeiro do universo. Descartes perpetua a tripla acepção: esforçando-se para descobrir “os princípios ou as primeiras causas de tudo aquilo que está no mundo” ele constrói a idéia do “penso logo existo” (cogito ergo sum) como sendo o “primeiro princípio” (Discours de la méthode, VIe partie. Comp. PASCAL: Pensées, 1 et 282). Por outro lado, os juristas modernos (WINDSCHEID, IHERING, GÉNY, BOULANGER, BASDEVANT, BATIFFOL e POUND) não consideram mais o princípio como um proposição geral indutora de regras particulares (fonte de novas deduções), produto puro de um pensamento indutivo, com freqüência confundida com a ratio juris que resulta da analogia. Esta acepção comum mostra ser fortemente reducionista: mesmo no estreito terreno da lógica jurídica o princípio reveste uma dimensão mais ampla.
A segunda vertente estende-se nos domínios da lógica jurídica, no interior da ciência do direito. Os princípios da lógica designam, por um lado, um corpo de regras resultantes de uma elaboração metódica, refletida (pensada), dispostas em uma ordem sistemática e, de outro lado, os axiomas fundantes deste edifício racional. O protótipo desta significação está nos 211 regulæ (máximas) do título 17, livro 50 do Digesto (De diversis regulis juris antiquis), que codifica, no entender romanista, os principia maximæ (ACCURSE) ou a generalia juris principia (J. CORAS), ou seja, as verdades universais do Direito. Os regulæ, produtos da ciência do direito (cujos progressos resultaram mais da sabedoria de pessoas prudentes que de um espírito geométrico lógico-dedutivo – fato este que a exortação à razão no Século das Luzes ocultou), associam os princípios com a obra perpétua de organizar o direito pela razão. Sob esta rubrica, a “Exposé du droit universel de forme géométrique” (Bodin, 1576) ou o “Loix civiles dans leur ordre naturel” (Domat, 1690-1697) são, de forma literal, um conjunto de princípios construídos sobre axiomas (trazidos pela razão ou pela moral) dotados de um valor principiológico (v. DOMAT: Traité des lois, Chap. I, “Des principes de toutes les lois”). Os jusnaturalistas modernos deduzem, da mesma forma dúplice [razão e moral], todo o Direito por uma chamada “razão do direito” extraída de alguns princípios éticos e intitulam seus tratados jurídicos com essa expressão (v. PUFENDORF: Le droit de la nature et des gens ou système des principes les plus importants de la morale, de la jurisprudence et de la politique, 1672; BURLAMAQUI: Principes du droit naturel, 1748). No século XIX, os exegetas abandonam esta dualidade de sentido lógica, propondo, em seus tratados, procurar primeiro “os princípios da teoria” antes de desenvolver suas conseqüências (TOULLIER, Le droit civil français suivant l’ordre du code civil, Préface), não se observando “nos princípios (…) outra coisa que não as idéias necessárias de forma bem coordenada”, sabendo-se que “quando os possuímos [estes princípios], possuímos toda a ciência” (BEUDANT, Cours de droit civil français, Préface) e tomando “como ponto de partida as regras primeiras e essenciais, os princípios, enfim, os elementos da ciência (…), base necessária de todo estudo sério e sólido” (DEMOLOMBE, Cours de Code civil, Préface). Mas nem todos os princípios da lógica perseguem uma lógica demonstrativa; alguns perseguem uma finalidade didática. A face ativa do conhecimento – a demonstração – é indissociável da sua face passiva – o aprendizado. Em 1532, Bouchard, em seu Chronique de Bretagne, conta que Santo Ivo enclausurou-se na cidade de Rennes após “ter sido iniciado na ciência da teologia”, ou seja, após ter sido instruído acerca dos princípios (J. TURLAN, op. cit., p. 118). De fato, o princípio é o início (principium) de uma ciência como aprendizagem. Neste último sentido, ele é um “preceito”. Os exegetas não esquecem deste ponto: “os princípios são aquilo que os novatos devem aprender; e, mais tarde, também têm a necessidade de os repetir” (BEUDANT, op. cit.). Esta acepção didática nunca foi desmentida. Inúmeras obras são intituladas como “princípios” sem que nelas exista a intenção de realizar qualquer demonstração científica. O esforço da lógica e o espírito de sistema estão a serviço de um projeto de ensino de direito. “Les principes généraux du droit administratif”, de Jèze (1904) e o “Principes de droit international privé”, de Bartin (1931-1935), tratados clássicos, encontram, a esse respeito, um antepassado comum nos Institutos de Gaïus (160 d.C.) e Justiniano (533 d.C.). De toda forma, o princípio didático, assim como o princípio demonstrativo, não se confundem-se com o princípio normativo, este último estranho ao contexto lógico e cognitivo.
O princípio normativo, de acordo com a última vertente, não descreve um objeto ou uma forma de conhecimento (ou seja, sob ponto de vista ontológico, relevante para a filosofia), nem um axioma ou sistema de regras construídas pela razão (ou seja, sob o ponto de vista lógico, relevante para ciência do direito) mas, sim, descreve uma norma jurídica que estabelece um dever-ser (assim, sob ponto de vista normativo, relevante somente ao Direito). Neste sentido, não são “princípios de interpretação”, embora uma dezena de códigos civis estrangeiros mencionem os princípios como um recurso final para o intérprete (v. P. MORVAN, op. cit., n. 38). Os postulados de interpretação pertencem às regras formais do raciocínio lógico (ROUSSEAU, Droit international public, Dalloz, t. I, 3. Ed., 1970, n° 299). No direito, elas se contradizem, são desprovidas de força vinculativa e dominadas à política (às escolhas) de um juiz.
II – A doutrina jurídica sobre os princípios
O estudo dos princípios normativos tem tido há muito tempo lugar de destaque na doutrina de direito público internacional (H. LAUTERPACHT, 1927; Aarticles aux mélanges, GÉNY, 1935; BIN CHENG, 1953) e, também, no direito interno (B. JEANNEAU, op. cit., 1953). As menções aos “princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas” no artigo 38, § 1°, “c” do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional (1920), bem como a referência, feita em 26 de outubro de 1945 pelo Conselho de Estado, no julgado “Aramu” (Rec. p. 213), aos “princípios gerais do direito aplicáveis mesmo na ausência de texto” e a aparição dos “princípios gerais do direito comunitários” na jurisprudência da Corte de Justiça da Comunidade Européias no início da década de 1960 provocaram um afluxo de contribuições nesta especialidade (v. P. MORVAN: op. cit., n. 93 s.).
Após brilhantes contribuições elaboradas durante a década de 1950 (J. BOULANGER, op. cit.; G. RIPERT, op. cit.; J. LÉAUTÉ: Rev. sc. crim., 1953, p. 47), a doutrina privatista experimentou um eclipse intelectual de três décadas que a impediu de contestar a hegemonia conquistada pela doutrina publicista – esta última muito mais fértil.
Certamente, um renascimento manifestou-se na década de 1980 (B. OPPETIT, op. cit.) em favor do desenvolvimento dos princípios nos domínios do direito internacional privado. Mas, negligenciando o fato da Corte de Cassação ter utilizado dezenas de princípios não escritos na fundamentação de seus julgados (a partir de Cass. com., 20 avr. 1948: DP 1948, 375), os privatistas continuaram a extrair suas opiniões das fontes próprias do direito público.
Este mimetismo [imitação, repetição] popularizou, no direito privado, as idéias – classicamente julgadas como estranhas, externas, ao direito privado – de que os princípios:
– são improváveis de prosperar dentro de um direito codificado (direito civil, direito penal, …) e germinam apenas sobre um terreno legislativo lacunoso (direito administrativo, direito internacional privado, …) para preencher os vazios;
– preservam a coerência e a harmonia do sistema jurídico;
– emanam, por indução, de disposições fragmentadas até alcançar uma “suspensão no espírito do direito”;
– são expressão de valores ideais superiores;
– por último, são descobertos pelo intérprete, desprovido de papel criador, que limita-se a revelar sua preexistência no ordenamento jurídico;
Mas estavam os privativistas à contemplar a luz persistente de uma estrela já morta (os princípios do direito administrativo estavam em ruptura com esses lugares comuns), enganando-se sobre a verdadeira realidade (vez que os princípios de direito privado devem revelar uma outra fisionomia).
III – Papel fundamental
De acordo com a tese romântica (geralmente recepcionada por autores que esquecem o fato de que esta tese foi promovida por uma doutrina neo-jusnaturalista, impregnada de organicismo), os princípios normativos tem um caráter transcendental, ideal e absoluto. Visam preencher as lacunas da lei em um direito incompleto. Tal função se vale de um modo específico de elaboração dos princípios: eles são induzidos de textos dispersos ou de valores superiores preexistentes no direito positivo, dos quais retiram e consignam seu espírito, a ratio legis. Assim agindo, reforçam, por um lado, a completude e, por outro, a unidade, a continuidade, a coerência e a harmonia do sistema jurídico… Esta visão não é apenas fruto de um antropomorfismo que rejeita o método das ciências sociais (o direito visto como um ente dotado de “espírito” e vontade); é duplamente irrealista.
Em primeiro lugar, os princípios gerais consagrados pelo Conselho de Estado no pós-guerra aparecem “no campo de um direito administrativo organizado, portando, já suprido pelos textos e pela jurisprudência de uma apertada teia normativa” (G. VEDEL et P. DELVOLVÉ, Droit administratif, PUF, t. I, 12e éd., p. 474). A Corte de Cassação multiplicou, dentro de seu âmbito de atuação, a utilização de princípios vistos ou visíveis[4], fora de qualquer referência textual, em ramos do direito privado interno abundantemente codificados (P. MORVAN, op. cit., n. 75 s. et n. 487). O motivo de se recorrer aos princípios não é, pois, a necessidade de se preencher as lacunas encontradas. Eles se estabelecem à margem da lei escrita (característica fundamentalmente extra-textual ou extra legem do princípio, inegável na oportunidade em que o juiz não se baseiem em disposições legais escritas), alimentando um direito positivo já completo (com relação aos textos normativos já disponíveis), mas julgado inadequado ou inoportuno. Em conseqüência, a edificação intelectual do princípio não deve nada a um raciocínio indutivo, baseado em textos esparsos (ou baseado numa possível consciência coletiva); com efeito, grande parte dos princípios não são induzidos de nenhum texto normativo e os textos, freqüentemente, não fornecem nenhuma indução clara.
Em segundo lugar, o reconhecimento dos “princípios gerais de direito aplicáveis mesmo diante da ausência de textos [legislativos]” representa, sobretudo, o reconhecimento de princípios aplicáveis de forma contrária aos textos regulamentares (normativos). Por sua vez, a Corte de Cassação repulsa os textos legislativos mais diversos a pretexto da utilização de princípios (vistos ou visíveis) cujo alcance contra legem foi repetidamente sublinhado (princípio da responsabilidade por ato de terceiros, teoria do abuso de direito, teoria da aparência, diversos postulados como fraus omnia corrumpit e contra non valentem ou nemo auditur, princípio concernente à atribuição de heranças de família, princípio da supervisão de contas correntes, “princípios gerais de direito” sobre o processo penal, …).
Os princípios se opõem, por sua própria natureza, às normas que tornam estéreis os imperativos jurídicos; se insurgem, pois, contra algumas disposições do direito vigente. É através dos princípios – escreveu um dos presidentes da Corte de Cassação – que o juiz chega “a substituir-se, em certa medida, ao legislador, ora fazendo uma interpretação audaciosa do texto em vigor, ora abstraindo o próprio texto” (P. LESCOT: JCP 1966, I, 2007).
No plano do método, o caráter não escrito dos princípios não lhe deve ocultar esta função contra legem. A opinião segundo a qual uma norma jurídica não escrita tem por função evidente o preenchimento de uma lacuna do direito escrito revela apenas uma parte da realidade, um atalho; confunde o estado e a ação desta norma, pois “ser normas não escritas” não implica que elas tenham que “preencher as lacunas do direito escrito”.
IV – Papel instrumental
O gênero dos princípios compreende, no entanto, uma outra espécie, sem ligação alguma com o gênero dos princípios normativos. Seu papel, técnico e subalterno, consiste em assegurar “o transporte das mensagens que ligam sistemas [ordenamentos] aparentemente autônomos” (M. DELMAS MARTY, Pour un droit commun, Seuil, 1994, p. 103). Eles tem, assim, a função de deslocar regras de direito entre ordens jurídicas distintas, servindo de vetores formais à normas indefinidas.
A carência de um ordenamento jurídico faz com que ele “faça um empréstimo de um outro ordenamento jurídico (vizinho, superior ou inferior)” (G. SCELLE, La notion d’ordre juridique, RD publ., 1944, p. 85), empréstimo este necessário para se ter um conjunto suficiente [necessário] de regras. Estes princípios instrumentais são, pois, as ferramentas que auxiliam tal processo de transferência no âmbito do direito positivo (sobre o processo: DE VISSCHER, Théorie et réalités en droit international public, Pédone, 4. Ed., 1970, p. 419; P. WEIL, op. cit., p. 401 s.).
Método mecânico e estratagema retórico, o princípio instrumental é, por si só, desprovido de qualquer conteúdo imperativo, limitando-se deslocar uma norma qualquer (quase sempre uma regra textual) do ordenamento que o gerou para um outro ordenamento. Tais princípios opõem-se aos princípios normativos, os quais possuem direitos preexistentes e suficientes (princípios vistos ou visíveis e princípios gerais do direito, na terminologia criadas, respectivamente, pela Corte de Cassação e pelo Conselho de Estado), sem ter sidos emprestados [transportados] de nenhum outra ordem jurídica.
O direito internacional público, o direito comunitário e o direito das relações privadas internacionais (lex mercatoria), carecedores de uma legislação meticulosa, inspiram-se nas regras de direito público e de direito privado internas para edificar-se, enriquecendo-se com princípios comuns (instrumentais) antes de adotar – segundo uma cronologia natural – princípios em sentido próprio (ou seja, antes de adotar princípios normativos). Este modelo de princípios instrumentais prosperou nestes ramos do direito [internacional público, comunitário, etc.], reforçando a tese de que os princípios têm por função essencial o preenchimento de lacunas através da analogia e da indução, a personificação do espírito do direito, a contribuição para a harmonia do sistema jurídico, preexistindo ao seu reconhecimento pelo juiz. Aquela concepção romântica [segundo a qual os princípios são entes ideais, abstratos], incompatível com a posição dos princípios normativos (v. supra), está fundada nos princípios instrumentais (que abrangem, entretanto, apenas um método, uma ferramenta).
Convém, ainda, dissociar com rigor estas duas categorias e não mencionar como um traço universal de todos os princípios uma característica exclusiva apenas da segunda categoria, a dos princípios instrumentais, tais como a generalidade ou a abstração. Esta dissociação é, com efeito, operada há muito tempo no direito internacional, que opõe os “princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas” (Statut CIJ, art. 38, § 1, C) e os “princípios em sentido próprio” (inexistentes nos direitos internos) ou, ainda, os “princípios gerais de direito” (emprestados dos sistemas jurídicos nacionais) e os “princípios gerais do direito internacional” (estes últimos “particulares à ordem jurídica internacional”, A. PELLET, op. cit., p. 357). A doutrina do direito comunitário marca, de forma idêntica, a separação entre “princípios gerais de direito” (princípios “comuns aos direitos dos Estados membro”) e os “princípios gerais do direito comunitário” (que são únicos – como o princípio da primazia – e “deduzidos pela natureza das Comunidades”, J. BOULOUIS, op. cit.). A summa divisio dos princípios de direito é estabelecida entre a existência de empréstimos [no caso dos princípios instrumentais] e a existência de conteúdos próprios [no caso dos princípios normativos].
Os princípios instrumentais estendem-se por sobre dois eixos que ligam as ordem jurídicas. Aos “princípios comuns” da ordem internacional, vetores do deslocamento vertical de normas originárias dos direitos internos (sob a égide de um juiz ou árbitro que julga – em teoria – por analogia e por referência ao direito comparado), convém aproximar os “princípios pontes”, vetores do deslocamento horizontal de regras entre ordens jurídicas de igual nível. É assim que o Conselho de Estado formula os “princípios em que se inspiram” de uma série de textos do Código Civil ou do Código de Trabalho que se deseja importar o teor, ou, ainda, que a Corte de Cassação visa “os princípios da responsabilidade nos serviços públicos”, à semelhança da jurisprudência administrativa, ou que a Corte de Justiça da Comunidade Européia proclama sua proposta “aos princípios gerais do direito consagrados” (são o princípios “em que se inspiram …”) em cada artigo da Convenção européia dos direitos do homem (v. auj. : Traité, art. 6, § 2).
Contudo, certos princípios transcendem as categorias normativa e instrumental, sem eliminá-las. Os princípios normativos (em sentido próprio) proíbem o enriquecimento sem causa, prescrevem o respeito ao contraditório ou à retroatividade in mitius, concebida no direito privado antes mesmo de serem transportadas para a jurisprudência administrativa, constitucional e comunitária. Outros princípios seguiram o caminho inverso.
Assim, a radiação do princípio é sua marca distintiva. Ele se manifesta tanto sob a forma de contrariedade ao direito escrito [princípios normativos] quanto sob a forma de mobilidade por entre os diferentes ordenamentos jurídicos [princípios instrumentais].
Bibliografia
? J. BOULOUIS: Rép. Communautaire, Dalloz, V° Principes généraux du droit.
? B. GENEVOIS: Rép. Contentieux administratif, Dalloz, V° Principes généraux du droit.
? B. JEANNEAU: Les principes généraux du droit dans la jurisprudence administrative, LGDJ, 1954.
? P. MORVAN: Le principe de droit privé, Éditions Panthéon?Assas, 1999 [téléchargeable sur ce site dans la rubrique “Servez-vous…“]; Les visas de principe dans la jurisprudence de la Cour de cassation inventaire d’un droit “hors-la-loi”, Petites Affiches, 8 juin 2005, n. 113, p. 5
? A. PELLET: Recherches sur les principes généraux de droit en droit international, Thèse, Paris, 1974.
? J. BOULANGER: “Principes généraux du droit et droit positif”, in Études offertes à Georges Ripert, LGDJ, 1950, t. I, p. 51.
? B. OPPETIT: “Les principes généraux en droit international privé “, Arch. phil. dr., t. 32, Sirey, 1987, p. 179.
? G. RIPERT: Les forces créatrices du droit, LGDJ, 1955, chap. VI : “Les principes juridiques”.
? R. RODIÈRE: “Les principes généraux du droit privé français”, RID comp., n° spéc., vol. II, 1980, p. 309.
? J.?M. TURLAN: “Principe. Jalons pour l’histoire d’un mot”, in La responsabilité à travers les âges, Économica, 1989, p. 115.
? P. WEIL: Principes généraux du droit et contrats d’État, in Études offertes à B. Goldman, Litec, 1983, p. 387.
* Professor de direito social, teoria geral do direito e direito penal empresarial da Universidade Panthéon-Assas, Paris
** Pós-graduando em Direito Previdenciário pela Escola Paulista de Direito Social (EPDS) e em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro da Coordenadoria de Biodireito e Bioética e da Coordenadoria de Direito Previdenciário, ambas da Comissão do Jovem Advogado da OAB/SP. Advogado em São Paulo
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.
[1] N. Trad.: O texto aqui traduzido, publicado originalmente em 23.04.2007, encontra-se disponível, no idioma francês, em: <http://patrickmorvan.over-blog.com/article-6469413.html>.
[2] N. Trad.: Devemos observar que a sistemática do direito francês é algo diversa da nossa, brasileira; lá, o direito administrativo tem grande relevância na prática jurídica. A par disso, é importante considerar que a regulamentação legal – principalmente feita pelo Poder Executivo – tem um formato diferente daquele que experimentamos em nosso país, motivo pelo qual algumas críticas feitas pelo autor só dizem respeito ao contexto francês. Devemos observar, contudo, que algumas idéias apresentadas pelo autor – sobretudo o panorama histórico e a forma de ligação dos princípios internos e internacionais – são de extremo interesse para o estudo sobre os princípios.
[3] N. Trad.: em todo o texto, apresentamos entre colchetes algumas idéias necessárias para a compreensão, vez que a forma de expressão utilizada pelo idioma francês é estruturada de forma diferente da portuguesa.
[4] N.Trad.: Dá-se aqui no Brasil a estes princípios vistos/visíveis o nome de princípios implícitos (em contraposição com os princípios explícitos, expressos).