Direito Tributário

O ônus da prova no processo administrativo tributário

Ana Letícia Cordeiro Marques Vieira

O ônus da prova, em linhas gerais, é o encargo atribuído às partes processuais para que produzam provas com o fito de obter um julgamento correto. O presente estudo tem por escopo examinar ônus probatório e identificar suas peculiaridades no âmbito tributário.

Imperioso ressaltar que o ônus da prova em momento algum garante a vitória ou perda da ação, tenha ou não aquele sobre quem recai o ônus probatório meios de fazê-lo, por mais que assuma os riscos advindos de sua escolha. É por tal razão que se suscita o princípio do livre convencimento motivado que também se faz presente no processo administrativo tributário, por intermédio deste princípio vigente no direito brasileiro o Juiz deverá motivar sua apreciação das provas, e para tanto, pode determinar diligências suficientes para seu convencimento.

Nessa toada, cabe trazer à baila o artigo 29 do Decreto n. 70.235/72 que rege o processo administrativo fiscal, a saber:“Na apreciação da prova, a autoridade julgadora formará livremente sua convicção, podendo determinar as diligências que entender necessárias.”

De acordo com Eduardo Cambi (2003, p. 245) o ônus da prova possui função dúbia :

“I) servir de regra de conduta para as partes, predeterminando quais são os fatos que devem ser provados por cada uma delas e, assim, estimulando suas atividades;

II) servir de regra de julgamento, distribuindo, entre as partes, as consequências jurídicas e os riscos decorrentes da suficiência ou da ausência da produção da prova, bem como permitindo que, em caso de dúvida quanto à existência do fato, o juiz possa decidir, já que não se admite que o processo se encerre com uma decisão non liquet”.

A segunda função supracitada é a mais utilizada no procedimento tributário, posto que o momento de utilização do ônus probatório faz se oportuno quando ainda restam dúvidas e as provas estão escassas. Nas precisas palavras de MARINONI e ARENHART (2001, p. 294):

“Estes são, de fato, destinados a entrar em jogo quando um fato principal resultar destituído de prova. A sua função é a de estabelecer a parte que deveria provar o fato, e determinar as consequências que recaem sobre a parte por não ter ela provado o fato”

No processo administrativo tributário, esse ônus adquire um caráter objetivo, posto que o órgão julgador delimitará qual das partes está mais apta para a produção de prova, afastando-se da ideia de que aquele que carrega o ônus probatório estará em desvantagem caso não consiga meios para produzir seu lastro probatório. Nesse contexto, o juiz norteado por um viés inquisitivo profere sua decisão com base nas circunstâncias do caso concreto.

É possível depreender do Direito Processual Civil que o ônus da prova persegue aquele que alega o direito. Ao encaixar esta premissa no processo tributário, cabe ao Fisco provar a ocorrência do fato jurídico, posto que é a partir dele que se inicia a relação jurídica obrigacional tributária, constituindo assim, o seu direito. Ao contribuinte, por seu turno, incumbe demonstrar qualquer fato que venha a modificar esse direito.

Acerca da dinâmica supramencionada e sua possível modificação em razão das peculiaridades do caso concreto Fabiana Del Padre Tomé (2016, p. 392) posiciona-se:

“Entendemos, portanto, que a prova dos fatos constitutivos cabe a quem pretenda o nascimento da relação jurídica, e a dos extintivos, impeditivos ou modificativos, a quem os alegue, independentemente de ser autor ou réu.”

Mais adiante, ao trata notadamente de matéria tributária, a autora assevera:

“Devidamente provado o fato enunciado pelo Fisco ou pelo contribuinte, as alegações que pretendam desconstituí-lo devem, igualmente, estar fundadas em elementos probatórios. Tudo, na esteira da regra segundo a qual o ônus/dever da prova cabe a quem alega, não se admitindo, na esfera tributária, convenções que alterem essa forma de distribuição.”

Quanto à utilização do argumento de que a Fazenda Pública goza de presunção de veracidade no exercício de seus atos administrativos, a doutrina majoritária aponta diversas falhas na tentativa de conexão à inversão do ônus da prova, é por esta razão que Hugo de Brito Machado pontua:

“…não se aplica ao lançamento tributário a doutrina segundo a qual os atos administrativos gozam de presunção de validade, cabendo sempre ao particular o ônus da prova dos fatos necessários a infirmá-los”.

O Fisco ao tentar se eximir de seu dever de prova, apenas se afasta de um dever a ele inerente, é o que sustenta Camila Monteiro Pullin Milan: “A demonstração do fato jurídico tributário através das provas admitidas pelo sistema jurídico por parte do fisco, não está no campo do ônus: é verdadeiro dever jurídico.”

Não se pode olvidar, que o contribuinte possui dever legal de auxiliar a Administração Pública, além das obrigações corriqueiras como a declaração de impostos sujeitos a declaração ou homologação, dentre outras obrigações acessórias. Abster-se de seu dever legal de informar a autoridade fazendária de seus atos pode gerar tanto sanções administrativas, quanto criminais.

Em outras palavras, o contribuinte que pratica o fato sobre o qual incide a norma tributária tem por dever informar o contexto e condições de sua ocorrência. Em consequência disto, o ônus do contribuinte ultrapassa o mero reconhecimento do fato e alcança as condições deste, para que se chegue a um valor correto da tributação.

No que concerne à revisão dos atos nulos ou anuláveis reconhecidos no bojo processo administrativo contencioso, é dever do órgão julgador, ao detectar erros, determinar sua modificação, ainda que o impugnante não tenha juntado provas suficientes. É por conta disto que se afirma que nem sempre o ônus da prova arrasta aquele que não dispõe de prova para a sucumbência.

Vale dizer que, o Fisco ao produzir provas poderá utilizar de presunções ou indícios, quando lhe faltem provas diretas. Tal fato ocorre porque no processo administrativo tributário a atividade probatória é bastante ampla, desde que respeitados os limites constitucionais, a exemplo da utilização de meios ilícitos.

Em que pese a Fazenda tenha autorização para constituir seu título executivo, ela não se livra de provar aquilo que alega sob o pretexto de que está protegida pelo manto da presunção de legitimidade, muito menos essa condição lhe confere benefícios na distribuição do ônus da prova.

A presunção  de legitimidade do ato administrativo permite à Administração aparelhar e exercitar, diretamente sua pretensão e de forma executória, mas este atributo não a exime de provar o fundamento e a legitimidade de sua presunção.  (BONILHA, 1997)

Diante do exposto, é possível inferir que a aplicação do ônus da prova alterna de acordo com as circunstâncias e determinações do órgão julgador. É de se notar que duas medidas são colocadas na balança quando suscitadas tais questões, de um lado a necessidade arrecadatória do Estado e do outro a garantia dos direitos mínimos do contribuinte, sendo esta de maior fardo quando violada.

REFERÊNCIAS:

BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Da prova no processo administrativo tributário. 2. ed. São Paulo: Dialética, 1997.

CAMBI, Eduardo. Tratado de la prueba, Buenos Aires: Astrea, 2003, v. 1, p. 245.

HUGO DE BRITO MACHADO, O Devido Processo Legal Administrativo Tributário e o Mandado de Segurança, in Valdir de Oliveira Rocha, Processo Administrativo Fiscal, v. 1, p. 85

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001,p. 294

MILAN, Camila M. P.. A Prova No Processo Administrativo Tributário. 2008. 309 fls. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná – UFPA. Curitiba: 2008.

TOMÉ, Fabiana Del Padre. Efetividade do direito e a “carga dinâmica da prova” prevista no Código de Processo Civil de 2015: implicações nos processos tributários. In: Carvalho, Paulo de Barros (Cood.); Souza, Priscila de (Org.). 50 anos do Código Tributário Nacional. São Paulo: Noeses, 2016.

Ana Letícia Cordeiro Marques Vieira

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA

Como citar e referenciar este artigo:
VIEIRA, Ana Letícia Cordeiro Marques. O ônus da prova no processo administrativo tributário. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-tributario/o-onus-da-prova-no-processo-administrativo-tributario/ Acesso em: 28 mar. 2024