Marina Almeida Ribeiro*
Matheus Bruno Dias Cruz*
RESUMO Configura-se bem jurídico essencial à garantia da justiça a atuação do Poder Judiciário, bem como a dos órgãos indispensáveis à sua atividade. Sendo assim, o amparo do Direito Penal pode ser encontrado notadamente no que tange à Administração da Justiça, visando o respeito pleno e integral de tal instituto jurídico. Destarte, o presente artigo visa discorrer acerca dos artigos 354, 355 e 357 do Código Penal Brasileiro, evidenciando suas principais características e especialidades, além da demonstração de tais tipificações penais na jurisprudência brasileira.
PALAVRAS-CHAVE: Direito. Administração da Justiça. Penal. Jurisprudência.
ABSTRACT An essential juridical asset is the guarantee of justice for the Judiciary, as well as an indispensable organ for its activity. Therefore, the protection of Criminal Law can be found in the database without right to the administration of justice, aiming at full and integral respect of a legal institute. Thus, this article aims to discuss articles 354, 355 and 357 of the Criminal Code, highlighting its main characteristics and specialties, as well as the demonstration of such criminal tendencies in Brazilianjurisprudence.
KEY-WORDS: Right. Administration of justice. Criminal. Jurisprudence.
1. INTRODUÇÃO
Os crimes contra a Administração da Justiça encontram-se no Capítulo III, do Título XI que trata sobre sobre os Crimes contra a Administração Pública, no Código Penal de 1940. Nos crimes contra a Administração da Justiça observa-se a intenção de proteger a atuação do Poder Judiciário bem como aqueles órgãos que o compõem visando ao amparo do Direito Penal no caso de desrespeito às atividades jurisdicionais, protegendo-se assim, a honra e dignidade das decisões da Justiça. Portanto, refere-se à atividade jurisdicional de forma geral e não exatamente ao aspecto físico do Poder Judiciário.
Nesse sentido, os artigos relacionados aos crimes contra a Administração da Justiça apresentam uma especialidade do bem jurídico, como acima explicado, num sentido amplo, o Poder Judiciário.
Os crimes a serem destacados no presente trabalho referem-se aos dispostos nos artigos 354, 355 e 357 do Código Penal de 1940, quais sejam, respectivamente, os crimes de motim de presos, patrocínio infiel e exploração de prestígio.
Serão apresentadas as principais características desses crimes e também, contextualizando, buscar-se-á a correlação com as jurisprudências mais recentes, destacando- as, sempre que possível à Operação Lava-Jato.
2. MOTIM DEPRESOS
O crime de motim de presos está assim disposto no Código Penal:
Art. 354 – Amotinarem-se presos, perturbando a ordem ou disciplina da prisão: Pena – detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.
No que se refere ao bem jurídico tutelado por esse crime, notoriamente a administração da justiça, especialmente a regular execução das decisões judiciais que, neste caso, estão relacionadas, em geral, às penas privativas de liberdade, mas abrangendo também presos em caráter provisório. Em todo caso, torna-se indispensável a legalidade formal da medida privativa aplicada. A importância da tutela jurídica desse bem jurídico, de acordo com Prado, mostra-se por conferir particular resguardo à tranquilidade e à disciplina, sobretudo para que a pena de prisão possa alcançar seus fins de prevenção – geral e especial – e de retribuição – reafirmação do ordenamento jurídico – (2016).
Além disso, pode-se considerar também de forma secundária como bem jurídico a ser tutelado por esse tipo de crime, considerando-se a necessidade de não perturbação da ordem carcerária, a integridade física e o patrimônio, haja vista, nas cirscunstâncias desse tipo penal, pode haver violência contra pessoa ou coisa, como ressalta Prado (2016).
Com relação ao sujeito passivo, identifica-se o Estado e, podendo também figurar no polo passivo, de forma secundária, eventual pessoa atingida pela conduta dos presos.
Já como sujeito ativo apenas podem ser considerados aqueles na condição de presos e em número plural,, portanto, trata-se de delito plurissubjetivo, bem como próprio/especial, por conta da restrição ao sujeito ativo. O número mínimo de agentes para se considerar a prática do delito em questão, não foi expressa pelo dispositivo penal, assim, a doutrina e a jurisprudência trazem algumas divergências. Enquanto alguns, como Damásio de Jesus considera o número mínimo de três sujeitos ativos, outros como Mirabete indica o mínimo como sendo de quatro agentes.
Prado (2016) ressalta que o que deve ser levado em consideração é presença dos demais elementos da descrição típica, pois, conforme o art. 354 não foi excluída a possiblidade da prática do fato por apenas dois presos. Contudo, impede salientar a observação de Noronha ao alertar para a situação em que um preso se alia a funcionários em movimento de rebeldia, não se considera assim, neste caso, a prática do delito de motim de presos.
Na jurisprudência, pode-se observar a persistência dessas divergências doutrinárias, como a seguir vê-se a desconsideração do mínimo de três agentes na prática do delito:
APELAÇÃO. MOTIM DE PRESOS. DELITO MULTITUDINÁRIO. INADEQUAÇÃO TÍPICA NO CASO CONCRETO. APENAS TRÊS AGENTES QUE CONCORRERAM PARA A AÇÃO. ABSOLVIÇÃO. INCÊNDIO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA VONTADE E CONSCIÊNCIA DE PROVOCAR PERIGO PARA UM NÚMERO INDETERMINADO DE PESSOAS E PATRIMÔNIOS. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE. RECURSOS DEFENSIVOS PROVIDOS. PREJUDICADO O
RECURSO MINISTERIAL. Para a caracterização do delito de motim de presos é necessário que concorram vários agentes, tendo em vista seu caráter multitudinário, não bastando a ação de apenas três detentos. O objeto jurídico do crime de incêndio é a incolumidade pública, isto é, a segurança e a tranqüilidade de um número indeterminado de pessoas. Assim, para sua caracterização, não basta que os agentes tenham ateado fogo em algum objeto, provocando a destruição de parte de algum patrimônio. Efetivamente, é necessário que os agentes tenham agido imbuídos de vontade e consciência de causar perigo efetivo ou concreto para pessoas ou coisas indeterminadas. (TJ-MG – APR: 10499120032945001 MG, Relator: Alexandre Victor de Carvalho, Data de Julgamento: 02/09/2014, Câmaras Criminais / 5ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 08/09/2014)
O tipo penal aqui abordado apresenta somente uma conduta nuclear que é representada pelo verbo amotinar, ou seja, alvoraçar, insurgir. Nas palavras de Sanches (2016), pessoas legalmente presas, levantam-se em motim, perturbando a ordem e a disciplina da prisão (rebelião).
O tipo subjetivo é integrado unicamente pelo dolo, ou seja, a vontade consciente dos presos de se amotinarem com o objetivo de perturbar a ordem no estabelecimento prisional. A efetiva perturbação à ordem e à disciplina da prisão consuma o tipo penal em questão. Nesse sentido, o motivo que originou o motim é considerado irrelevante, como ressaltaBitencourt:
É irrelevante que o fundamento do motim seja a reivindicação de pretensões justas ou injustas ou que objetive a evasão dos presos, a vingança contra funcionários e técnicos ou apenas chamar a atenção para o estado deplorável do sistema prisional. Os motivos determinantes do motim, contudo, devem ser, evidentemente, valorados no momento do cálculo da pena concretizada na sentença (p. 1065,2012).
A modalidade culposa não foi prevista legalmente. Com relação à possibilidade de tentativa, a doutrina considera teoricamente admissível, haja vista o iter criminis, ou seja a fase executória, possa serfracionado.
Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, considerando-se que a pena para o delito de motim de presos é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, portanto, admitindo-se a suspensão condicional do processo e a transação da pena (Lei n. 9.009/1995). Por fim, não havendo disposição contrária, a ação penal aplicável é a pública incondicionada.
3. PATROCÍNIO INFIEL
No que se refere ao crime de patrocínio infiel, o artigo 355 do Código Penal Brasileiro de 1940 traz as seguintes considerações:
Art. 355 – Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado:
Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa.
Acerca deste tipo penal, apresentar-se-á a seguir brevemente sobre seu histórico no ordenamento jurídico brasileiro, bem como suas principais características, ou seja, bem jurídico tutelado, elemento subjetivo, sujeitos ativo e passivo, além de apresentar-se um panorama do delito na jurisprudência, especialmente, com relação à Operação Lava-Jato.
3.1 Histórico
Segundo Luiz Regis Prado:
Em Roma, o patrocínio infiel era previsto como forma de prevaricação. A prevaricatio consistia, de início, na infidelidade do acusador público (qui publico judicio accusaverit). Com o advento das quaestiones, sancionou-se aquele que acusasse alguém e depois o defendesse no mesmo processo, subtraindo-o da acusação pelo mesmo fato. (2010, p. 697).
Assim, o prevaricador era aquele que prejudicava os que ele se propôs a defender, favorecendo aqueles da parte contrária. Já no Direito da Idade Média, a noção de prevaricação ganhou mais abrangência, pois passou a compreender além da traição do advogado para com o seu cliente, a prática de infidelidade por parte de funcionários públicos com relação aos seus afazeres.
Continua Luiz Regis Prado:
Nessa trilha, O Código Penal francês de 1810 conferiu à prevaricação (forfaiture) grande abrangência. Compreendia qualquer ato do funcionário público que implicasse em traição aos deveres inerentes ao cargo ocupado ou em utilização deste para fins ilícitos. Essa também foi a noção consagrada pelo Código Penal sardo (1859). (2010, p. 697).
Já no Brasil, o Código Criminal do Império, de 1830, afastou a noção de prevaricação trazida pelo Código Francês, pois no seu artigo 129versa:
Art. 129. Serão julgados prevaricadores os empregados publicos, que por affeição, odio, ou contemplação, ou para promover interesse pessoal seu:
1º Julgarem, ou procederem contra a literal disposição da lei. 2º Infringirem qualquer lei, ou regulamento.
3º Aconselharem alguma das partes, que perante elles litigarem.
4º Tolerarem, dissimularem, ou encobrirem os crimes, e defeitos officiaes dos seus subordinados, não procedendo, ou não mandando proceder contra elles, ou não informando á autoridade superior respectiva nos casos, em que não tenham jurisdicção para proceder eu mandar proceder.
5º Deixarem de proceder contra os delinquentes, que a lei lhes mandar prender, accusar, processar, e punir.
6º Recusarem, ou demorarem a administração da Justiça, que couber nas suas attribuições; ou as providencias da seu officio, que lhes forem requeridas por parte, ou exigidas por autoridade publica, ou determimidas por lei.
7º Proverem em emprego publico, ou proposerem para elle pessoa, que conhecerem não ter as qualidades legaes.
Penas – de perda do emprego, posto, ou officio com inhabilidade para outro, por um anno, e multa correspondente a seis mezes no gráo maximo; perda do emprego, e a mesma multa no gráo médio; suspensão por tres annos, e multa correpondente a tres mezes no gráo minimo.
O Código Penal seguinte previu a prevaricação como forma de infidelidade ou tergiversação do advogado ou procurador judicial. Já o Código Penal vigente de 1940 separou as práticas de prevaricação no seu artigo 319, no rol dos crimes contra a administração pública praticadas por funcionário público, e a prática do crime de patrocínio infiel no rol dos crimes contra a administração dajustiça.
3.2 O bem juridicamente protegido
O bem jurídico protegido é a Administração da Justiça e objeto material, segundo Greco (2015, p. 715), é pessoa que tem seu interesse prejudicado em virtude do comportamento praticado pelo agente. Por isso, é interessante que a fidelidade no exercício do patrocínio judicial seja assegurada enquanto vinculado à administração da justiça. Pois como versa Luiz RegisPrado:
“Embora não seja o advogado funcionário público, pública é sua atividade, é a função que exerce, colaborando no reconhecimento ou proclamação do direito” (2010, p. 698).
Assim, a conduta típica do crime de Patrocínio Infiel fere sem contestação a administração da justiça, pois como versa a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 133, “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. Por isso, existe uma relação de confiança entre cliente e advogado, pois muitas vezes atos graves e ocultos são confiados ao advogado para que ele possa solucionar o problema do seu cliente, e, por consequência atos praticados pelo advogado que atentem à essa relação de confiança podem levar à prática do crime de Patrocínio Infiel.
3.3 Sujeito ativo epassivo
O sujeito ativo é somente o advogado ou o procurador judicial, mas por vezes o estagiário de advocacia também pode cometer o delito, ou até mesmo o defensor público. Por isso, trata-se de crime próprio. Assim, sujeito ativo é, segundo Capez (2012, p. 799): somente aquele que tem a capacidade postulatória em juízo. Possui essa capacidade o advogado inscrito legalmente na Ordem dos Advogados do Brasil e munido do instrumento de mandato, embora haja situações em que se dispensa a procuração.
Os sujeitos passivos são o Estado e a vítima lesada com o patrocínio infiel.
3.4 Tipicidade Objetiva e Subjetiva
O tipo objetivo consiste na ação nuclear do verbo trair, na qualidade de advogado ou procurador que foi constituído pela parte ou nomeado pelo juiz, o seu dever profissional, ou seja, a confiança que foi depositada nele pela parte, através de práticas comissivas ou omissivas que venham prejudicar os interesses da parte patrocinada. É importante ressaltar que, segundo Luiz Regis Prado:
O patrocínio infiel supõe que o interesse pleiteado em juízo revista-se de legitimidade. Se ilegítimo o interesse defendido, não se perfaz o delito em estudo, ainda que haja inequívoca transgressão do dever profissional. Demais disso, deve a conduta ser praticada em juízo (criminal, civil ou trabalhista). A atuação extrajudicial não caracteriza o patrocínio infiel. (2010, p. 699).
Ademais, para que seja caracterizado o crime de Patrocínio Infiel, é necessário que a conduta do agente praticada por ação ou omissão cause prejuízo para a parte patrocinada ou que tenha finalidade de fazê-lo, quando poderá ser reconhecida a tentativa. Esse prejuízo pode ser moral ou material. É importante frisar que o consentimento do patrocinado exclui a ilicitude do fato, quando se tratar de interesses disponíveis, o que não acontece na esfera criminal, pois o acusado não pode consentir em ser condenado, pois não somente o seu interesse está em jogo, mas também interesses públicos.
São exemplos de práticas que incorrem para o tipo penal estudado: provocar intencionalmente nulidade insanável, omitir na petição inicial documentos confiados ao advogado pelo cliente, revelar em juízo segredo confiado pelo cliente que prejudique a parte patrocinada, hipótese em que haverá concurso de crimes com o delito previsto no artigo 154 do Código Penal, entre outras.
Ainda tratando acerca da omissão praticada pelo agente, Prado versa que:
Para que se configure, porém, o patrocínio infiel como delito omissivo impróprio ou comissivo por omissão, exige-se a presença de uma situação típica- patrocínio atual de interesse em juízo -, da não realização da ação dirigida a evitar o resultado (prejuízo do interesse do defendido), da capacidade concreta de ação – que pressupõe o conhecimento da situação típica e do modo de evitar o resultado -, da posição de garantidor do bem jurídico e da identidade entre omissão e ação. (2010, p. 699).
O elemento subjetivo é composto pelo dolo direto ou eventual, ou seja, é necessário que o advogado tenha a livre e consciente vontade de trair o seu dever profissional, estando ciente do prejuízo que ele irá causar à parte prejudicada, por isso, não há a previsão de uma modalidade culposa nesse crime, ou seja, qualquer ato comissivo ou omissivo que seja decorrente de negligência, imprudência ou imperícia não se encaixa no tipo penal presente no artigo 355 do Código Penal.
3.5 Consumação e Tentativa
Trata-se de uma espécie de crime material, e a sua consumação se dá com o prejuízo material ou moral causado à parte patrocinada pela conduta infiel do advogado.
A tentativa é admissível na modalidade comissiva do crime.
3.6 Patrocínio simultâneo ou tergiversação
Parágrafo único – Incorre na pena deste artigo o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias.
Aqui, duas condutas são típicas: defender na mesma causa, simultaneamente, partes contrárias (Patrocínio Simultâneo); e defender na mesma causa, sucessivamente, partes contrárias (Tergiversação). Na primeira o advogado no mesmo litígio defende os interesses das duas partes, ou seja, defende interesses contrários aos do seu cliente, assim, ele defende, ao mesmo tempo, interesses contrapostos. Segundo Capez (2012, p. 800), pratica esse delito o advogado que, previamente conluiado com a parte adversa, deixa de juntar documentos que venham aprejudicá-la.
Na segunda conduta típica, o advogado, após ter sido dispensado pela parte, ou após abandonar a causa, passa a advogar no mesmo litígio pela parte contrária, ou seja, assume o patrocínio da parte contrária, o que pode trazer vários problemas para o decorrer do processo, pois muitas vezes esse advogado sabe muitas informações importantes da parte patrocinada inicialmente. É importante ressaltar que quando a lei versa sobre “mesma causa”, não quer dizer necessariamente a mesma ação, pois podem ser ações diferentes, mas conexas.
O tipo subjetivo é o dolo, ou seja, vontade livre e consciente de defender simultaneamente ou sucessivamente partes contrárias na mesma causa.
Esse delito se consuma com a prática que demonstre o patrocínio simultâneo, ou seja, que evidencie a defesa da parte contrária, mesmo que não cause prejuízo à parte. É importante ressaltar que é necessária a prática de ato processual por parte do advogado. A tentativa é possível nas duas condutas tipificadas.
3.7 Ação Penal
A ação penal é pública incondicionada tanto para os delitos do caput tanto para os do parágrafo único do artigo 355 do Código Penal. É admitida a suspensão condicional do processo em virtude da pena mínima prevista.
3.8 O crime de patrocínio infiel e a Operação Lava Jato
A operação lava jato, desenvolvida a partir de 2014, é considerada a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro realizada no Brasil. Segundo o Ministério Público Federal, estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de reais. Além disso, a demonstração política e econômica na prática criminosa da corrupção é apurada diariamente.
O crime de patrocínio infiel é denunciado na Ação Cautelar 4039, em novembro de 2015, em razão do requerimento formulado pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, vinculado a um acordo de colaboração premiada submetida ao Ministério Público Federal, de medidas restritivas de liberdade em face do ex-Senador Delcídio do Amaral, André Santos Esteves, Edson Ribeiro e Diogo Ferreira Nunes, pois estariam “empreendendo esforços para dissuadir Nestor Cerveró de firmar acordo de colaboração com o Ministério Público Federal, ou quando menos, para evitar que ele o delatasse e a AndréEsteves.”
O ex- advogado de Nestor Cerveró, Edson Ribeiro, é investigado pelo crime de patrocínio infiel, além de embaraçar investigação de infração penal que envolva organização criminosa, como dispõe o artigo 2º, parágrafo 1º da Lei 12. 850:
Art. 2o Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa.
Uma gravação feita por Bernardo Cerveró, filho de Nestor Cerveró, apresentada à Procuradoria Geral da República, constatou a participação de Edson Ribeiro nas negociações em que Delcídio oferecia à família de Cerveró a quantia de cinquenta mil reais por mês, o pagamento dos honorários advocatícios ao advogado em quatro milhões de reais, além de um plano de fuga, segundo o Procurador Geral da República:
O Senador Delcídio do Amaral contou com o auxílio do advogado Edson Ribeiro, que, embora constituído por Nestor Cerveró, acabou por ser cooptado pelo congressista. O advogado Edson Ribeiro, passou, efetivamente, a proteger os interesses do Senador Delcído Amaral em sua interação profissional com Nestor Cerveró e Bernardo Cerveró, mesmo depois de tomada por Nestor a decisão de oferecer colaboração premiada ao Ministério Público Federal. O advogado Edson Ribeiro recebeu do Senador Delcídio Amaral, a certa altura das tratativas, a promessa de pagamento dos honorários que convencionara com Nestor Cerveró, cujo valor era de quatro milhões de reais). (STF, Ação Cautelar 4039, pg. 2)
Acerca do crime de patrocínio infiel, dispõe Rodrigo Janot:
“Além do estado de flagrância na prática do crime do art. 2º, parágrafo 1º, da Lei 12.850/2013, observa-se que as tratativas em questão importam a prática, também atual, e, pois, flagrante, do crime de patrocínio infiel, previsto no art. 355 do Código Penal pelo advogado Edson Ribeiro. ” (STF, Ação Cautelar 4039,pg.4).
A decisão foi referendada pelos ministros no dia 25 de novembro de 2015, quanto à prisão preventiva decretada contra o advogado Edson Ribeiro e às prisões temporárias de André Esteves, do Banco BTG Pactual, e do chefe de gabinete do senador, Diogo Ferreira. As ordens de prisão foram decretadas pelo ministro Teori Zavascki para preservar as investigações realizadas na operação Lava-Jato, como consta:
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO CAUTELAR. SUPOSTO DELITO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º, PARÁGRAFO 1º, NA FORMA DO PARAGRÁFO 4º, II, DA LEI 12.850/13) COM PARTICIPAÇÃO DE PARLAMENTAR FEDERAL. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS CORRESPONDENTES. CABIMENTO. DEICSÃO RATIFICADA PELOCOLEGIADO.
(STF – AC: 4036 DF- DISTRITO FEDERAL 0008628- 64.2015.1.00.0000, Relator:
Min. TEORI ZAVASCKI. Data de Julgamento: 25/11/2015, Segunda Turma).
Em dezembro de 2015, os advogados de Edson Ribeiro ajuizaram ação de Habeas Corpus contra o indeferimento do pedido de revogação da sua prisão preventiva, negado pelo Ministro Ricardo Lewandoswki:
“Sustentam, ainda, a “(i) inexistência dos requisitos previstos no artigo 312 do CPP, com ralação ao Paciente; (ii) desnecessidade da medida excepcional, diante do cumprimento de todas as diligências necessárias à instrução do inquérito e à desarticulação da suposta ‘quadrilha’; (iii) violação ao princípio da isonomia, na medida em que as considerações sobra a alteração do quadro fático com relação ao denunciado André Esteves também alcançam o ora Paciente; e (iv) violação ao princípio da proporcionalidade, pois a medida a ser aplicada, ao final, em caso de sentença condenatória, seria seguramente menos gravosa do que a medida cautelar ora imposta ao Paciente.” (HC 132.400, pg.1)
Ademais, outra consideração importante que pode ser observada no Habeas Corpus 132.400
“Bem examinados os autos, verifico não haver suficientes neste writ para afastar as razões de indeferimento do pedido de revogação da prisão preventiva do ora paciente, nos autos da AC 4036/DF, cumprindo-se salientar que o plantão de recesso forense não oferece oportunidade de reapreciação de pedidos já examinados e indeferidos pelo juiz natural, diante do que dispõe o art. 13, VIII, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. ” (HC 132.400, pg. 1 e2).
Em fevereiro de 2016, Edson Ribeiro teve sua prisão preventiva revogada, passando a ter a prisão domiciliar configurada pelo Supremo TribunalFederal.
Dessa forma, através da análise do delito do artigo 355 do Código Penal e as jurisprudências colacionadas anteriormente, identifica-se na Operação Lava-Jato a incidência do crime em questão e a forma como tem sido interpretado e aplicado pela Suprema Corte.
4. EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO
Acerca do delito de exploração de prestígio, o Código Penal pátrio dispõe da seguinte forma:
Art. 357. Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha;
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. As penas aumentam-se de um terço, se o agente alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas neste artigo.
No crime de exploração de prestígio tutela-se a administração da justiça, em particular o interesse público concernente ao normal funcionamento da atividade judiciária. É de todo conveniente tipificar fatos que implícita e inequivocamente denigrem autoridade e o prestígio dos responsáveis pela administração da justiça.
Dessa forma, como ressalta Bitencourt (2012), visa-se à proteção da Justiça contra aquele que
(…) Gabando-se de gozar de prestígio, vangloriando-se de desfrutar de influência perante a Administração da Justiça (juiz, órgão do Ministério Público, jurado, perito, etc) lesa o bom nome, o conceito e o prestígio que esta deve ter junto à comunidade, difundindo a de que tudo se resolve segundo a importância de quem desfruta de influência perante o Poder (p.1096).
O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, sem restrições (delito comum), e o sujeito passivo é o Estado, titular do bem jurídicoprotegido.
Com relação à tipicidade objetiva e subjetiva, a conduta típica descrita no art. 357, caput, consiste em solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha (tipo autônomo/misto alternativo/congruente/anormal).
Diversamente da exploração de prestígio prevista no artigo 332, a conduta aqui incriminada não é obter, para si, ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, mas solicitar (pedir, requerer) ou receber (aceitar, obter) dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha.
Na exploração de prestígio o agente vale-se de fraude para solicitar ou receber a pretendida vantagem. O próprio tipo penal destaca a solicitação, ou o recebimento do dinheiro ou da utilidade é feito a pretexto de influir as pessoas mencionadas. Pretexto significa razão aparente ou fictícia, alegada para dissimular o real motivo da conduta. Segundo Prado (2016), de conseguinte, o dinheiro ou qualquer outra utilidade é efetivamente destinado ou recebido pelas pessoas expressamente mencionadas no tipo penal, há crime de corrupção. De outra parte, se o pretexto é influir em funcionário público no exercício da função, tem-se caracterizado o delito do artigo 332 do Código Penal.
De acordo com Mirabete “é indispensável que o agente arrogue influência com relação ao servidor da justiça e que solicite ou receba a vantagem. A simples gabarolice ou fanfarronada, sem a solicitação ou recebimento da utilidade, não configura o ilícito, podendo, eventualmente, constituir crime contra a honra do servidor”.
O tipo subjetivo é integrado somente pelo dolo – consciência e vontade de solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha. Observa- se na jurisprudência a seguir, as característicassupracitadas:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. ART. 357 DO CÓDIGO PENAL. EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO. JUDICIALIZAÇÃO DA PROVA. LESIVIDADE DA CONDUTA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. READEQUAÇÃO DA DOSIMETRIA. REGIME INICIAL FECHADO MANTIDO. A denúncia é
formalmente perfeita, atendendo aos requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, com exposição do evento delituoso e suas circunstâncias, qualificação do acusado e classificação do crime. A sentença não se baseou exclusivamente em provas produzidas na fase pré-processual, tendo o juízo sentenciante apenas ponderado o depoimento do réu prestado na esfera policial, o qual está em consonância com as demais provas submetidas ao contraditório durante a ação penal. Não se verifica a alegada inidoneidade dos meios empregados pelo réu, considerando que se tratou de meticuloso esquema, executado de forma insistente, no qual pessoa fragilizada, bacharel ou não, poderia acreditar. Conjunto probatório produzido nos autos que demonstra a materialidade e a autoria do réu como incurso no artigo 357 do Código Penal. O fato de o réu alegar que a vantagem era dirigida a diversas autoridades, entre as quais ministros da Suprema Corte, Sub-Procurador da República e Ministros aposentados do STJ, autoriza o aumento da pena na primeira fase (vetorial circunstâncias). O comportamento da vítima é circunstância neutra ou favorável ao réu quando da fixação da primeira fase da dosimetria da condenação. A teor do art. 385 do Código de Processo Penal, o magistrado pode reconhecer agravante genérica, ainda que não articulada na peça acusatória. Conforme a 4ª Seção deste Tribunal, compensam-se a agravante de reincidência e a atenuante de confissão, na segunda fase da dosimetria da pena. Readequação da pena de multa. Embora a pena privativa de liberdade aplicada seja inferior a quatro anos de reclusão, o réu é reincidente e há duas circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal valoradas negativamente (antecedentes criminais e circunstâncias do delito), autorizando a fixação do regime inicial fechado para o cumprimento dapena.
(TRF-4 – ACR: 50101576120114047000 PR 5010157-61.2011.404.7000, Relator:
GILSON LUIZ INÁCIO, Data de Julgamento: 15/12/2015, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: D.E. 16/12/2015)
Consuma-se o delito com a solicitação ou recebimento de pecúnia ou utilidade, ainda que a proposta seja repelida pelo interessado. Na modalidade de solicitar tem-se delito de mera conduta, na modalidade de receber, delito de resultado. A tentativa, dependendo do meio de execução selecionado pelo agente, é admissível. Em tese, pode-se admitir o conatus se o agente efetuar a solicitação por escrito, sendo esta interceptada antes que chegue ao conhecimento da vítima. Também poderá haver tentativa se o agente deixa de receber a vantagem por circunstâncias alheias à sua vontade (SANCHES,2016).
Quanto às causas de aumento de pena, aumentam-se de um terço, se o sujeito ativo alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas no caput. Tal agravante atua na medida de culpabilidade, por ser maior a reprovabilidade pessoal da conduta típica e ilícita quando o agente afirma ou faz supor, por qualquer meio, ser corrupto um funcionário ou servidor da justiça.
A ação penal é pública incondicionada, e a conduta do caput do art. 357 admite a suspensão condicional do processo.
5. CONCLUSÃO
Ante o exposto, mostra-se notória a preocupação do legislador em tutelar o bem jurídico da administração da justiça, no que tange à proteção da regular execução das penas judiciais, ao interesse na fidelidade do exercício da justiça e ao normal e absoluto funcionamento da atividade judiciária.
Restou explanado pelos artigos trabalhados ao longo deste artigo, a tipicidade, o bem jurídico tutelado, o sujeito ativo e passivo do tipo penal, a consumação, causas de aumento de pena e o tipo de ação penal dos crimes positivados nos artigos 354, 355 e 357 do Código PenalBrasileiro.
Ademais, tais crimes representam a importância da distribuição da justiça perante a sociedade, de modo que a proteção das atividades jurisdicionais em sentido amplo tem como objetivo assegurar que a Administração da Justiça não seja violentamente atingida, podendo então, seguir suas atividades jurisdicionais com a segurança que lhe cabe. Considerando-se o Brasil como um Estado Democrático de Direito, tais prerrogativas tornam-se eminentes.
REFERÊNCIAS
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*Graduandos do Curso de Direito na Universidade Estadual do Maranhão, 6º período.