Do Impeachment para os Juízes
Fernando Machado da Silva Lima*
O LIBERAL publicou, no dia 2 próximo passado, brilhante trabalho de autoria do Dr. Océlio de Jesus Morais, a respeito da proposta da OAB, pertinente ao controle externo do Judiciário.
O Autor, em seu bem fundamentado trabalho, historia a adoção do instituto do “impeachment” na Inglaterra e nos EEUU, considerando, no entanto, que no Brasil “a proposta esbarra na própria Constituição e no modelo histórico de seleção de juízes”. Em seguida, passa a exemplificar “a ampla e rigorosa forma de controle externo” que, segundo ele, já existe no Brasil. Em sua conclusão, o Autor afirma que o “impeachment” para os juízes não se coaduna com “a tradição jurídica brasileira, cujo ingresso na magistratura, ressalvado o quinto constitucional, dar-se-á através de concurso público de provas e títulos (art.93, I, CF/88), inclusive com a obrigatória e importante participação da OAB”.
Porque o assunto é para nós fascinante, quer como professor aposentado de Direito Constitucional, quer como advogado; porque o trabalho do Ilmo. Dr. Océlio é muito interessante e bem fundamentado e porque ele próprio formula diversas indagações, “para estimular o debate” e assim estamos certos de que, mesmo que não concorde com nossas opiniões, defenderá intransigentemente nosso direito de divulgá-las, é que agora abordamos o assunto, na pretensão de talvez contribuir para o debate.
Inicialmente, desejamos ressaltar a importância do tema, essencial para o bom funcionamento do Judiciário e das próprias instituições. Com efeito, um Judiciário sem independência não poderá prover o equilíbrio entre os princípios de autoridade e de liberdade, exigindo o respeito aos postulados constitucionais e legais e impedindo o império do autoritarismo ou o da anarquia, enquanto que a impunidade dos juízes poderá fazer com que estes se coloquem acima da lei e desenvolvam, muita vez, interesses corporativistas dissimulados entre as garantias constitucionais da magistratura.
A rigor, acreditamos não se poder afirmar que a simples extensão do controle externo a todos os magistrados, estaduais e federais, retiraria a independência do Poder Judiciário, assim como a possibilidade do “impeachment” do Presidente da República também não faz com que o Executivo deixe de ter independência. A verdade é que os três poderes constituídos devem ser interdependentes, para que possa prevalecer a lei e não a prepotência.
O tema é, assim, polêmico e de difícil solução, porque é preciso encontrar o ponto de equilíbrio entre a independência dos juízes e dos tribunais e a necessidade de que exista um eficiente sistema de freios e contrapesos entre os poderes constituídos, para que, em conseqüência, o destinatário último da norma, ou seja, o jurisdicionado, possa contar com a justa aplicação da lei e possa ter certeza de que estará sujeito “a um governo de leis e não a um governo de homens”.
Na opinião do Dr. Edgar Silveira Bueno Filho, “parece que há hoje um consenso a respeito da necessidade de existência de um órgão nacional encarregado de fiscalizar a prestação dos serviços judiciários, em razão de distorções e abusos que se verificam em um e outro estado federado, sem que a cúpula local tome providências correicionais…” (vide “As Reformas Constitucionais e o Poder Judiciário”, in http://www.cjf.gov.br/revista/numero1/edgard.htm)
Tomamos a liberdade de discordar também do Autor quando afirma que “os magistrados e o judiciário já têm uma ampla e rigorosa forma de controle externo”, para citar a seguir, entre outros, alguns exemplos da participação do Executivo e do Legislativo na investidura (grifamos) dos magistrados. Ora, a nosso ver, a investidura do magistrado é da maior importância, mas após essa investidura e a aquisição da garantia da vitaliciedade, parece-nos evidente que devem ser cogitados mecanismos de controle relativos ao exercício da judicatura.
Da mesma forma, quando o Autor conclui que o “impeachment” no Brasil não pode ser estendido a todos os juízes, pela nossa tradição do concurso público de provas e títulos, perguntaríamos se não estaria sendo confundido o processo de investidura com o exercício das funções pelo juiz, quer seja este concursado, nomeado, eleito ou sorteado?
Acreditamos, conseqüentemente, que não é correto afirmar que a proposta da OAB esbarra no modelo histórico de seleção de juízes no Brasil, e muito menos que esbarra na própria Constituição, haja vista que é exatamente isso que se está discutindo – uma reforma constitucional que possa aperfeiçoar o Estado Brasileiro, tornando-o mais democrático e mais justo para o jurisdicionado e, em última análise, para o contribuinte, ele que paga a conta do Governo, isto é, dos Poderes Constituídos, Executivo, Legislativo e Judiciário.
A respeito das indagações destinadas a estimular o debate, diríamos que :
2. não haveria nenhuma razão para mudar o sistema de seleção de juízes para o ingresso na magistratura, porque conforme já dissemos anteriormente, uma coisa é o processo de investidura e outra o desempenho da função judicante.
3. os membros do Ministério Público, conforme o exposto no nº. 1, poderiam também ser processados e julgados, pela prática de crimes de responsabilidade, pelo Senado Federal.
Esperamos, assim, que a pretendida reforma possa ser concretizada da melhor maneira e, principalmente, que possa funcionar, na prática, porque todos sabemos que o problema do Brasil não é o da falta de leis, e sim o de sua correta aplicação, com estrita obediência aos princípios constitucionais basilares de nosso ordenamento jurídico, especialmente o da legalidade e o da igualdade perante a lei.
* Professor de Direito Constitucional
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