Direito Administrativo

Tese de doutorado em Direito Administrativo é aprovada com distinção na USP

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gustavo-schiefler-1“A publicidade é um princípio constitucional que condiciona todas as atividades da administração pública. A transparência ativa é uma obrigação prevista em lei. Mas o que é capaz de assegurar que os diálogos público-privados serão verdadeiramente desenvolvidos em ambiente de visibilidade?”

Enfrentando essa problemática, em 7 de março de 2017, Gustavo Henrique Carvalho Schiefler defendeu a sua tese de doutorado e, após um pouco mais de cinco horas de arguição, foi aprovado com distinção e por unanimidade na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Na bela sala Visconde de São Leopoldo, no Largo São Francisco, a banca de arguição foi presidida pelo Professor Doutor Gustavo Henrique Justino de Oliveira (orientador) e contou com a participação de outros cinco professores consagrados na área do direito público: Doutor Sérgio Ferraz, Doutor Joel de Menezes Niebuhr, Doutor Walter Claudius Rothenburg, Doutor Rodrigo Pagani de Souza e Doutor Carlos Bastide Horbach.

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Sob o título “Diálogos público-privados: da opacidade à visibilidade na administração pública”, Schiefler defendeu a existência de um dever jurídico de registro integral das comunicações orais e escritas mantidas entre agentes públicos e agentes econômicos, o que seria um requisito condicional para o exercício de controle sobre a administração pública. O registro desses diálogos público-privados também seria a operação mínima necessária para se preservar uma memória fidedigna da formação decisória, assim como o exercício regular do direito de acesso às informações públicas. Acrescentou que atualmente existe tecnologia pouco custosa para se tentar implementar tal operação, bem como que a eficiência administrativa não seria necessariamente comprometida, pois a existência dos registros objetiva apenas garantir a eventual existência de controle, como uma espécie de medida preventiva, e não de sujeitar efetivamente a administração pública a um controle prévio, intenso ou excessivo.   

Apesar de defender a existência desse dever jurídico, Schiefler argumentou que “[o] ideal de plena visibilidade sobre os diálogos público-privados é utópico, haja vista que, independentemente das medidas preventivas ou repressivas implementadas para o controle de seus riscos, uma parcela de informalidade comunicacional permanecerá inerente às relações jurídico-administrativas e sempre influenciará os processos administrativos”.

O acadêmico ilustrou a inviabilidade de se assegurar o registro de todos os diálogos público-privados a partir do recente desenvolvimento tecnológico criptográfico, que se encontra disponível gratuitamente a qualquer indivíduo e pode ser empregado para um eventual ocultamento deliberado dessas comunicações: “Em virtude da disseminação de tecnologias de criptografia de ponta a ponta, o custo e a dificuldade técnica para a estruturação de canais eletrônicos eficientes, informais e sigilosos para a manutenção de diálogos público-privados informais são diminutos ou inexistentes”. “Significa, portanto, que atualmente existe tecnologia suficiente para permitir que diálogos público-privados informais e extraprocessuais sejam travados com eficiência, de forma inteiramente confidencial, livre de fronteiras territoriais, sem que qualquer terceiro tenha acesso ao conteúdo”.

gustavo-schiefler-3Por consequência, não haveria como se mitigar completamente o maior risco decorrente da informalidade nos diálogos público-privados: a corrupção na administração pública. “Como controlar um fenômeno que pode ser deliberadamente ocultado para que não seja descoberto, tal como frequentemente ocorre?” Para o acadêmico, a informalidade cotidiana dos diálogos público-privados e a sua relação intrínseca com o fenômeno da corrupção impactam significativamente o desafio de legitimação estatal perante a população. Para Schiefler, ainda, “[o] fenômeno é robustecido no estado brasileiro contemporâneo, considerado o seu caráter intervencionista-desenvolvimentista, o presumido e histórico contexto de corrupção sistêmica, os indícios de uma contemporânea crise de responsividade, a acentuada carga tributária e a reduzida taxa de retorno ao bem-estar social”.

Schiefler sustentou que as medidas que visam à eliminação desses diálogos público-privados, que exigiriam a redução drástica das competências estatais (privatizações de ativos e extinção de programas governamentais, por exemplo), seriam as únicas medidas capazes de mitigar completamente os seus riscos. Alertou, contudo, que essas medidas não encontram amparo na opção intervencionista-desenvolvimentista da constituição federal e que a discussão teórica a respeito de sua eventual implementação está vinculada a questões de ciência política e de economia, em cenário no qual o direito é mero coadjuvante.


gustavo-schiefler-4Sendo assim, em compatibilidade com a atual constituição federal, a fim de se mitigar parcialmente os riscos dos diálogos público-privados, restariam as medidas reformativas sobre o direito administrativo. Neste contexto, defendeu a necessidade de institucionalização dos diálogos público-privados na administração pública, o que deveria ocorrer a partir de uma política de fomento à ética profissional e mediante a instituição de procedimentos administrativos específicos para essas comunicações, que preservem a ampla abertura à participação competitiva-colaborativa dos interessados e um dever de transparência ativa, em que as informações são voluntariamente disponibilizadas por meio do processo administrativo eletrônico.

“Uma análise sistêmica sobre as espécies de diálogo público-privado desenvolvidos pela administração pública brasileira revela que o nível de institucionalização do fenômeno está aquém daquele que poderia ser considerado adequado”, concluiu Schiefler.

gustavo-schiefler-5Para chegar a essa conclusão, o acadêmico analisou sistematicamente a regulamentação e a prática de aproximadamente duas dezenas de espécies de institutos dialógicos conduzidos atualmente na administração pública brasileira, conforme a seguinte lista: “(i) as audiências público-privadas, em que agentes públicos e agentes econômicos dialogam em reunião reservada e exclusiva; (ii) a submissão de minutas de normas regulatórias por agentes econômicos; (iii) a análise de impacto regulatório (AIR); (iv) as consultas públicas; (v) as audiências públicas; (vi) o intercâmbio documental; (vii) a tomada de subsídio; (viii) a reunião participativa; (ix) os diálogos conduzidos durante a fiscalização de atividades econômicas; (x) os conselhos regulatórios; (xi) o procedimento de manifestação de interesse (PMI); (xii) o procedimento de manifestação de interesse social (PMI Social); (xiii) os diálogos prévios aos editais de licitação pública e às contratações diretas; (xiv) o request for information (RFI) e o request for proposal (RFP); (xv) a pesquisa de preços com fornecedores; (xvi) o road show; (xvii) as negociações prévias ao acordo de leniência; (xviii) as negociações prévias ao termo de ajustamento de conduta (TAC); e (xix) as negociações prévias ao termo de compromisso de cessação de prática (TCC).”

Após uma pesquisa empírica e bibliográfica, o acadêmico defendeu de que as regras jurídicas existentes em dedicação à disciplina dos diálogos público-privados, além de inadequadas e insuficientes, “são frequentemente desconhecidas pelos próprios agentes públicos”. Schiefler apresentou um amplo conjunto de sugestões de alterações normativas, cuja implementação seria necessária para a adequada institucionalização dessas comunicações – com destaque para as recomendações de reforma sobre o Decreto Federal nº 4.334/2002, que regulamenta as reuniões presenciais entre agentes públicos e agentes econômicos no âmbito federal.

Todavia, em razão da incapacidade estatal de obter conhecimento integral sobre as comunicações informais, reiterou o alerta de que “nada garante que um movimento de institucionalização dos diálogos público-privados, ainda que em dedicada atenção aos parâmetros elencados neste estudo, irá resolver o dilema da opacidade”.

“Portanto, conserva-se o risco de que os próprios procedimentos administrativos dedicados aos diálogos público-privados, que buscam inibir a corrupção, sejam utilizados, em verdade, para legitimar às avessas uma imoralidade pré-concebida”.

gustavo-schiefler-6“A sugerida institucionalização de procedimentos típicos para essas comunicações, a partir dos parâmetros predefinidos, é medida com potencial para converter a opacidade desses diálogos público-privados; o potencial dessa conversão à visibilidade, no entanto, é notadamente parcial, haja vista que, enquanto essas comunicações permanecerem essenciais à função administrativa, por razões alheias ao direito administrativo, também remanescerá o risco da informalidade e suas respectivas consequências negativas à administração pública e à coletividade”, concluiu.

 

Como citar e referenciar este artigo:
INVESTIDURA, Portal Jurídico. Tese de doutorado em Direito Administrativo é aprovada com distinção na USP. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/tese-de-doutorado-em-direito-administrativo-e-aprovada-com-distincao-na-usp/ Acesso em: 28 mar. 2024