Direito Penal

Aplicabilidade do Princípio da Insignificância nos Crimes De Contrabando e Descaminho

 

RESUMO

 

O tema deste estudo monográfico, submetido à Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do título de Bacharel em Direito, diz respeito a aplicabilidade técnica do princípio da insignificância nos delitos de contrabando e descaminho. O art. 334 do Código Penal  prescreve dois tipos penais, consistindo o primeiro na exportação ou importação de mercadoria proibida e o segundo na ilusão, total ou parcial, de tributo ou direito devido pela exportação ou importação de mercadorias não proibidas. As recentes decisões sobre os crime em tela mostram a total divisão dos julgadores: os defensores da insignificância penal atestam que é aplicável o patamar de R$ 10 (dez) mil reais – valor estipulado para suspensão da execução do crédito tributário – quando os tributos iludidos não superam essa quantia. Outros, entendem que os valores suprimidos não podem ultrapassar R$ 100,00 (cem) reais – valor estipulado para exclusão da execução do crédito tributário. Para tanto, é melhor analisarmos a técnica utilizada pelo aplicador da norma e ver se esta se coaduna com a moderna teoria da tipicidade conglobante, para se aferir se estamos ou não diante de um caso de bagatela. E, o mais importante, não compactuarmos com a propagação da impunidade.

 

 

      INTRODUÇÃO

 

 

O presente trabalho de conclusão de curso para a obtenção do título de bacharel em Direito, pela Universidade Federal de Santa Catarina, traz como tema a análise dos crimes de contrabando e descaminho, tipificados, atualmente, no artigo 334 do Código Penal pátrio.

O estudo aprofundado e a reflexão sobre os delitos de contrabando e descaminho adquirem grande importância na atualidade, principalmente ante a crise mundial e a necessidade de se protegerem os mercados e economias nacionais.

Não se deve confundir justiça social com impunidade. Pois, enquanto a impunidade pairar sobre os ombros dos cidadãos, nenhum agente público terá credibilidade para sustentar este Estado de Direito. Não se trata de fechar os olhos diante da realidade, mas sim, de aplicar à norma com exatidão dentro dos ditames constitucionais. Logo, é necessário revolver a concepção do que se entende por crime, para que injustiças não preponderam e que o Direito possua aplicabilidade igualitária a todos.

A relação entre Direito Penal e Economia sempre apresenta grande importância na sociedade, definindo-se delitos que têm repercussão econômica ou que são decorrentes desta esfera. Diante disso, faz-se necessária, então, a intervenção nessa seara também do Direito Penal, com o fim de garantir a estabilidade da ordem econômica, defendida nos Estados Democráticos de Direito.

Na medida em que o Direito Penal Econômico tem por objetivo a tutela da ordem econômica, torna-se inegável o reconhecimento de que o contrabando e o descaminho, na forma como tipificados pelo Código Penal brasileiro, devem se enquadrar também naquela categoria, haja vista o bem jurídico por eles tutelado. Os crimes de contrabando e descaminho apresentam-se, destarte, como expressão do direito penal econômico, eis que, como delitos aduaneiros, ocupam o espaço de incidência daquele.

Não se pode alegar uma compensação de culpas: que só há crimes de descaminho em razão do alto índice de desemprego, sendo esta o único meio de sobrevivência, pois na realidade, vislumbra-se uma dominação pelo “crime organizado” dessas atividades criminosas, culminando em uma efetiva lesão à administração pública e, conseqüentemente, à ordem pública, causando lesão não só ao Estado, mas à própria coletividade.

Além disso, não se deve esquecer da aplicação dos preceitos de política-criminal, como o caso em estudo de reconhecer-se a possibilidade de incidência do princípio da insignificância, afastando, conforme o caso, a tipicidade da conduta e, conseqüentemente, retirando-lhe o caráter de crime, conforme o estudo pela teoria constitucionalista do crime, engendrada por Zaffaroni, na Argentina, e Luiz Flávio Gomes, no Brasil.

Outra hipótese de descriminalização da conduta prevista no art. 334 do Código Penal brasileiro defendida por doutrinadores consiste na extinção da punibilidade pelo pagamento do imposto de importação devido. Porém, não se trata de uma tese muito aceita nos tribunais pátrios.

O presente trabalho, portanto, terá por objetivo o estudo do contrabando e do descaminho e os critérios para a aplicabilidade do princípio da insignificância que vêm sendo utilizados pelo Judiciário. Verifica-se que alguns tribunais, diante da mercadoria descaminhada, têm se pronunciado pela criminalidade de bagatela tendo em vista o valor das mercadorias apreendidas. Fato esse que ocorre também no juízo de primeiro grau quando o titular da ação penal pede o arquivamento do inquérito ou a absolvição ao final do processo. Ou ainda, quando o próprio julgador, diante do valor da mercadoria apreendida, expede decreto absolutório.

Importante salientar, nesse aspecto, que amparado pelos conceitos de fragmentariedade e subsidiariedade e representada, especialmente, pelo princípio da intervenção mínima serão discutidas as decisões proferidas pelo Judiciário demonstrando total atecnia jurídica ou deconhecimento destes conceitos

Se o Direito Penal não deve ser encarado como a panacéia de todos os males, pelo contrário, deve ser visto sempre como a ultima ratio do Direito, atuando apenas quando da efetiva afetação do bem jurídico tutelado, que assim seja feito.

Sendo o Direito é uma forma de controle social, que deve garantir a convivência de todos os cidadãos, e o Direito Penal revela a sua faceta mais drástica. Quando há violações a bens jurídicos fundamentais assumem determinadas proporções e não há outros meios de controle social que se mostrem eficazes, utilizam-se os instrumentos deste ramo do Direito para resolver os conflitos.

Mostrar-se que o que se entende por ultima ratio está sendo invertido, pois se o âmbito administrativo não fecha a torneira da impunidade, está na hora de o Direito Penal agir. A análise dos crimes de contrabando e descaminho, tipificados no artigo 334 do Código Penal Brasileiro, será feita sob esse enfoque.

Inicialmente será feito um breve estudo histórico, expondo-se sua origem, desenvolvimento histórico, conceito e características e analisando-se o conceito de cada um dos delitos, expondo-se particularmente a diferença que existe entre eles. Os crimes em questão serão também analisados em todos os seus elementos, expondo-se o tipo objetivo, tipo subjetivo, o bem jurídico tutelado e o momento consumativo de cada crime.

Além disso, será feita uma análise dos crimes de contrabando e descaminho, particularmente deste último, será feita sob a ótica do Direito Penal Econômico, não se reconhecendo a possibilidade de extinção da punibilidade do agente pelo pagamento do tributo devido pela importação e/ou exportação de mercadorias.

Apresentar-se-ão os aspectos comuns e distintivos entre o descaminho e os  demais delitos de sonegação fiscal, bem como será analisada a independência entre as esferas administrativa e criminal e a inexistência de uma possível prejudicialidade ante a previsão contida no artigo 83 da Lei nº 9.430/96. Por fim, analisam-se as hipóteses de extinção de punibilidade previstas em nosso ordenamento jurídico.

No capítulo II, busca-se explicar precipuamente os princípios norteadores e legitimadores do sistema penal que fundamentam a aplicabilidade do princípio da insignificância. Afinal, os princípios são a base de sustentação de todo o sistema jurídico, representando para este algo de muito maior valor do que as regras, haja vista que concretizam os seus valores.

Posteriormente, será revelada a aplicação do princípio da insignificância, à luz da teoria constitucionalista do tipo penal, exemplificando as hipóteses em que poderá incidir no caso concreto. Não se nega a contribuição desse princípio, que vem atuar como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal e, conseqüentemente, de descriminalização judicial, porém, é necessária a adequação técnica do princípio às decisões judiciais.

No capítulo III, analisa-se a aplicabilidade do princípio da insignificância no crime de descaminho ao longo dos tempos nos tribunais pátrios, realizando-se o cotejo entre as decisões e suas imprecisões técnicas, explicando o porquê de não se utilizar o patamar de R$ 10 mil reais como parâmetro para a aplicabilidade do princípio da insignificância.

Importante salientar que, em todos os capítulos do presente trabalho, as constatações feitas pelo autor decorrerão, além de pesquisa feita na doutrina, da análise dos julgamentos proferidos pelos tribunais pátrios, demonstrando, assim, o entendimento atual e predominante nos tribunais.

O objetivo dessa monografia ao analisar os crimes de contrabando e descaminho conforme os aspectos anteriormente referidos é de trazer à doutrina uma contribuição ao estudo dos tipos penais de uma forma concisa e técnica.

O Poder Judiciário em nosso país sofre graves críticas no que concerne à sua celeridade e à velocidade do trâmite processual. Isso não se deve confundir com decisões mecânicas, em cascata, que se mostrem aos quatro ventos a fim de acelerar as estatísticas judiciárias, porém sem a verdadeira análise do caso concreto.

 

 

1. OS CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 334 DO CÓDIGO PENAL -CONTRABANDO E DESCAMINHO

 

1.1. Histórico dos crimes de contrabando e descaminho

 

Há séculos surgiu a necessidade de regularizar o ato de importar e exportar. O art. 177 do Código do Império Romano assim dispunha: “Importar ou exportar gêneros ou mercadorias proibidas; ou não pagar os direitos dos que são permitidos, na sua importação ou exportação. Pena: perda das mercadorias ou gêneros e multa igual à metade do valor deles”.

O diploma de 1.890, por sua vez, previa, “importar ou exportar gêneros ou mercadorias proibidas; evitar, no todo ou em parte, o pagamento dos direitos e impostos estabelecidos sobre a entrada, saída e consumo de mercadorias, e por qualquer modo iludir ou defraudar esse pagamento”, enquanto o Código Penal Português de 1.886, arts. 279 a 280, definiu distintamente as espécies do contrabando e descaminho.

O contrabando, termo originário do latim contra e bandum, remonta da antigüidade e, segundo PRADO (2002, p. 529), “consistia na conduta de atravessar os limites territoriais estabelecidos, com mercadorias, sem o devido pagamento de taxas cobradas à época”.

Para HUNGRIA (apud CAPEZ, 2007, p. 443), o termo contrabando “vem de contra (oposição) e bando (edito, ordenança, decreto), e, em sentido amplíssimo, quer dizer todo comércio que se faz contra as leis”. Logo, é o comércio que se faz infringindo as leis.

Na Idade Média, as penas para essa e outras condutas eram muito severas, chegando a ser instituída a pena de morte. Observa-se que sempre houve uma preocupação dos governantes com relação à entrada e saída de mercadorias dos países, pois este tipo de comércio influencia diretamente na economia interna de uma nação.

O Direito Penal Brasileiro, dentre as várias condutas a que atribuiu caráter ilícito, cuidou também daquelas consistentes na exportação ou importação de mercadorias proibidas, bem como na fraude, parcial ou total, ao pagamento de impostos devidos.

No Brasil, por incrível que pareça, o contrabando já foi o delito mais coibido, uma vez que se tratava de Terras Novas, não se sabia o que poderia ser retirado dessa nova fonte de riquezas. Remontando à época pré-colônia, basta recordar-se do estanco – corte de pau-brasil. Fernando de Noronha era o detentor do monopólio concebido pela Coroa Portuguesa.

No Brasil colonial, em que a estrutura jurídico-social existente foi totalmente importada de Portugal sem qualquer adequação à realidade brasileira, o contrabando era previsto de forma assimilada nas Ordenações Afonsinas. Não havia respeito à reserva legal, pois apenas sistematizavam-se quais mercadorias eram proibidas de entrar ou sair sem o consentimento do rei. Assim, procedeu-se também com as Ordenações Manuelinas, em 1521, e com a promulgação das Ordenações Filipinas, em 1603, as quais constituíram o verdadeiro Código Penal Brasileiro, por estruturar-se numa parte Geral e outra Especial. (JAPIASSÚ, 2000, p.25)

Posteriormente, com a proclamação da independência por D. Pedro I, em 1822, foi editado o Código Criminal de 1830, dispondo em seu art. 177, os crimes de contrabando e descaminho. Já em 1890, após a proclamação da República, surgem figuras assimiladas a contrabando ou descaminho, as quais foram somente codificadas, pois já constavam em leis esparsas.

Porém, é em 1940, com o Código Penal Brasileiro, que se cria a distinção entre contrabando e descaminho. (JAPIASSU, 2000, p. 47)

 

 

1.2 Diferenças entre contrabando e descaminho

 

Os tipos penais em questão encontram-se previstos no caput do art. 334, locado do Título XI (“Dos crimes contra a Administração Pública”), Capítulo II (“Dos crimes praticados por particular contra a Administração em geral”) do Estatuto Repressivo, que assim dispõe, in verbis:

 

Art. 334. Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

 

§ 1º – Incorre na mesma pena quem:

 

a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;

 

b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho;

 

c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;

 

d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

       

§ 2º – Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. 

       

 § 3º – A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo.

 

Analisando o tipo penal, HUNGRIA (apud CAPEZ, p. 443) apresenta a diferenciação entre estas modalidades:

“Contrabando é, restritamente, a importação ou exportação de mercadorias cuja entrada no país ou saída dele, é absoluta ou relativamente proibida, enquanto descaminho é toda fraude empregada para iludir, total ou parcialmente, o pagamento de impostos de importação, exportação ou consumo”.

Logo, na primeira parte, o tipo inscreve o contrabando, ou seja, a conduta de importar ou exportar mercadoria proibida, já na segunda parte do caput do art. 334, a lei refere-se ao descaminho, em que o crime se configura pela fraude empregada para evitar o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou saída da mercadoria não proibida (MIRABETE, 2007, p. 2.489).

De outro lado NUCCI (2008, p. 1098) traz as definições de contrabando próprio e contrabando impróprio.[1]

O Estado, ao proibir a entrada ou saída de mercadorias tem como motivo relevante à proteção da ordem pública. Trata-se de medidas de caráter político-econômica e financeira (protecionismo, defesa de monopólios do Estado, guerra aduaneira, retenção de metais preciosos, obras de arte ou antiguidades) e, também de providências que visem à defesa da saúde, à moralidade pública e a defesa do Estado. (HUNGRIA apud RIBEIRO, p.60). 

Ao contrabando e ao descaminho têm sido reservadas condutas que, ofendendo a função do tributo, comprometem a atuação extrafiscal do Estado, notadamente, em relação ao protecionismo de produtos industrializados nacionais e à fixação das reservas de mercado.

Sob esse mesmo enfoque, Luiz Régis PRADO (2004, p.468) diferencia os crimes de descaminho e de contrabando pelo bem jurídico tutelado, pois enquanto no descaminho são tutelados o prestígio da Administração Pública, o interesse econômico-estatal, o produto nacional (agropecuário, manufaturado ou industrial) e a economia do país, no crime de contrabando são igualmente protegidos o prestígio da Administração Pública e o interesse econômico-estatal, assegurando-se, ainda, a proteção à saúde, à segurança pública e à moralidade pública.

Os delitos de contrabando e descaminho, encartados no art. 334 do Estatuto Repressivo que, a seu turno, visam tutelar a ordem econômica nacional (delitos econômicos), cuja necessidade de intervenção fez com que surgisse o “Direito Penal Econômico”.

A partir do momento em que o Estado começou a intervir na economia, assumindo uma postura mais intervencionista que liberal, é que se começou a falar em “ordem econômica”. Desta forma, há um novo bem jurídico a ser tutelado.

Desta forma o Direito Penal Econômico é um ramo do direito penal que trata das infrações contra a ordem econômica, ou seja, é uma área do direito penal que sanciona determinadas condutas que afetam sensivelmente as relações econômicas lesando bens jurídicos penais, ultrapassando as raias do mero ilícito administrativo-econômico.

Ou, conforme o autorizado ensinamento de Manoel Pedro PIMENTEL (1973, p. 10): “o conjunto de normas que tem por objeto sancionar, com as penas que lhe são próprias, as condutas que, no âmbito das relações econômicas, ofendam ou ponham em perigo bens ou interesses juridicamente relevantes”. Este mesmo autor (PIMENTEL, 1973, p. 21) ainda salienta que:

“O Direito penal econômico é um sistema de normas que defende a política econômica do Estado, permitindo que esta encontre os meios para a sua realização. São, portanto, a segurança e a regularidade da realização dessa política que constituem precipuamente o objeto do Direito penal econômico. Além do patrimônio de indefinido número de pessoas, são também objeto da proteção legal o patrimônio público, o comércio em geral, a troca de moedas, a fé pública, e a administração pública, em certo sentido”.

 

1.3 Estrutura do tipo penal de descaminho

 

No descaminho, a entrada, saída ou consumo de mercadoria, é licita no País. Ocorre a fraude no pagamento dos tributos devidos. O STF já se manifestou no sentido de que basta a entrada irregular sem o pagamento dos direitos alfandegários para tipificar o crime de descaminho. Assim, para o STF é desnecessário o emprego de fraude para iludir o pagamento.

Aliás, a propósito do tema, BITENCOURT (2003, p.484) faz uma análise do tipo de descaminho, já antecipando sua relação com o princípio da insignificância, que segue:

A simples introdução no território nacional de mercadorias estrangeira sem pagamento dos direitos alfandegários, independente de qualquer prática ardilosa visando iludir a fiscalização, tipifica o crime de descaminho. Tratando-se, entretanto, de mercadorias de valor de pouca expressão econômica, a infração não se caracteriza, ante o princípio da insignificância que afasta a tipicidade.

 

Para CAPEZ (2007. p. 519), como o verbo núcleo da ação é iludir que tem como significado mascarar, burlar, e não elidir cujo significado é suprimir, aquele que age de forma omissiva, sem se dirigir espontaneamente à autoridade alfandegária para declarar o excesso de cota, não comete crime de descaminho.

A consumação ocorre com a entrada da mercadoria no território brasileiro. O território compreende o solo pátrio, o mar territorial de 12 milhas – conforme Lei n. 8.617, de 4 de janeiro de 1993 – e o espaço aéreo – art. 11. da Lei n. 7.565 de 19 de dezembro de 1986. A mercadoria do contrabando, o objeto material, é o bem móvel cujo comércio, por motivo de ordem pública, o Estado proíbe.  Trata-se de norma penal em branco, pois cumpre à legislação extrapenal dizer quais mercadorias são relativamente ou absolutamente proibidas. Não são necessariamente as mercadorias fabricadas no exterior. Mercadoria que é produzida no Brasil destinada exclusivamente à exportação e reintroduzida no país posteriormente configura o delito em tela. A importação deve estar proibida absoluta ou relativamente, pois a suspensão não configura o crime. (CAPEZ, 2007. p. 517)

O delito, dessa maneira, na importação, resta consumado quando a mercadoria ultrapassa a área primária, esta assim compreendida nos termos do artigo 3º, inciso I, do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 4.543/2002). Em verdade, na área primária, local, por excelência, em que se dá a fiscalização aduaneira, ainda é possível a regularização tributária; ultrapassada esta fiscalização sem o pagamento do tributo devido pela entrada do produto, daí sim estar-se-á diante da consumação do delito, já que a fiscalização fora iludida pela conduta levada a efeito pelo agente

Trata-se de crime comum (aquele que pode ser cometido por qualquer pessoa); formal (crime que não exige para sua configuração resultado naturalístico consistente na produção de efetivo dano para a Administração Pública) nas modalidades importar e exportar. (NUCCI, 2008. p.1098). Há quem diga que o crime é permanente[2], porém não se deve confundir o crime permanente com o de efeito permanente. Se o momento da consumação do crime revela-se na entrada ou saída da mercadoria sem o devido pagamento de tributos, estamos diante de um crime instantâneo, sendo que possui efeito permanente ao lesar o erário público, bem como os setores do comércio e da indústria nacional, denotando mais uma vez o caráter extrafiscal de repreensão da conduta.

Com efeito, o crime de descaminho é formal, não prescindindo do encerramento do processo administrativo como condição de tipicidade, como se dá no artigo 1º da Lei nº 8.137/90. [3]

O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, contudo se for funcionário público, e, com infração do dever funcional de repressão ao contrabando ou descaminho, ou facilitá-lo, será considerado autor do crime previsto no art. 318. Já o sujeito passivo é o Estado, uma vez que há lesão ao erário público, bem como ao interesse estatal de impedir à importação ou exportação do produto que ofendem a saúde, a moral, a ordem pública.  (CAPEZ, 2007. p. 519)

DELMANTO e outros (2002, p.679) trazem observações jurisprudenciais sobre a mercadoria no crime de descaminho:

No delito de descaminho é essencial aprova da origem estrangeira da mercadoria [4]. Se os técnicos foram incapazes de fundamentar a conclusão quanto à procedência dos bens periciados, inexistindo outras provas que indiquem procedência alienígena, impõe-se a absolvição [5]. E insuficiente para a comprovação da procedência estrangeira das mercadorias, sua classificação, no termo de guarda lavrado pela Receita Federal, como bens de origem não declarada.[6]

No que tange ao tipo subjetivo o dolo, isto é, a vontade livre e consciente de importar ou exportar mercadoria absoluta ou relativamente proibida, ou de iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou tributo devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria. (CAPEZ, 2007, p. 520)

 

1.4. Fatos assimilados a contrabando e descaminho

 

O artigo 334 não se limita ao seu caput, descrevendo, além dos crimes de contrabando e descaminho, condutas a eles assemelhadas. Em decorrência da sofisticação da prática de tais delitos, que, com o tempo, apresentaram-se sob múltiplos aspectos, o legislador viu-se obrigado a revisar o dispositivo penal, estendendo-o às suas inúmeras facetas (DOMETILA, 1988, p.11). Logo, dentro do art. 334 do Código Penal, foram previstos, no § 1º do citado artigo, os casos de contrabando e descaminho por “assimilação”.

No §1° a lei comina pena prevista para o contrabando e descaminho a quem: a) pratica navegação de cabotagem fora dos casos permitidos em lei (trata-se de norma penal em branco, completada por leis especiais). Segundo Noronha, (apud CAPEZ, 2007, p. 521) “navegação de cabotagem é a que tem por finalidade a comunicação e o comércio entre os portos do País, dentro de suas águas e dos rios que correm em seu território”. É privativa dos navios nacionais; a lei pode estabelecer exceções (Lei n. 123 de 11.11.1892 e Decreto n. 10.524 de 23.10.1913); b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho; c) vende, expõe à venda, mantém em depósito, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio no exercício da atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no país ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem (na 1ª parte o agente responde unicamente pelo crime descrito no art. 334, §1º, c, afastada a aplicação cumulativa do caput. Na 2ª parte, determina igualmente o princípio da especialidade a exclusão do delito de receptação, inscrito no art. 180, caput, do CP.

CAPEZ (2007, p. 522) ainda ressalva que “é imprescindível que o agente realize as condutas no exercício de atividade comercial.” Desta feita, se o autor do descaminho, por exemplo, mantém em depósito a mercadoria, sem que tal fato ocorra no exercício de qualquer atividade comercial ou industrial, o crime passa a ser o previsto no caput do artigo.

Na 2ª parte é necessário que o receptor saiba que as mercadorias advêm dos delitos de contrabando ou descaminho. (CAPEZ, 2007, p. 521) termina dizendo “Estamos aqui diante de uma hipótese de concurso aparente de normas, devendo prevalecer a disposição especifica da alínea c do §1º do art. 334 e não a norma geral do art. 180 para. §1º. Caso não sejam praticadas no exercício de atividade comercial ou industrial, outro crime poderá configurar-se: art. 180 §3º.

A alínea d tipifica quem adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabem ser falsos.

No caso do delito tipificado no art. 334, § 1.º, alínea ‘d’, do Código Penal (“descaminho por assimilação”), pois este crime se consuma ou se realiza na simples conduta do agente de adquirir , receber ou ocultar mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos, não sendo, portanto, a constituição do débito tributário requisito normativo para a sua caracterização e, tampouco, o seu resultado naturalístico.

Nesse sentido, é a lição do mestre Luiz Regis PRADO (2006, p. 513), in verbis:

 

 

“O objeto material da conduta delitiva é a mercadoria estrangeira desacompanhada de documentação legal (elemento normativo jurídico do tipo), sendo que tais documentos são aqueles impostos pela lei ou normas regulamentares ínsitas ao comércio exterior. Assim, basta para a configuração do delito o fato de a mercadoria não estar amparada em tais documentos. Contudo, a ilicitude será excluída caso o agente comprove que tais documentos existem e que, portanto, a importação foi legal.”

 

Para BITENCOURT (2003, p. 486) o agente não responde pelo crime previsto no art. 304 que se aplica a quem lhe entregou a mercadoria.

 

1.5. O §1° e o confronto com receptação

 

Em se tratando de crime específico e doloso, quando a pessoa, exercendo atividade comercial ou industrial, adquirir receber ou ocultar mercadoria estrangeira sem documentação válida, pratica o crime previsto neste artigo. Para NUCCI (2008, p. 1.102) “se fizer o mesmo fora da atividade comercial ou industrial, bem como se agir culposamente pode responder pelo crime previsto no art. 180 do Código Penal”.

DELMANTO (2002, p. 678) chama a atenção para o fato de que:

 “a pena cominada ao novo §1º do art. 180 é flagrantemente desproporcional em relação à deste art. 334, § 12, d. Por exemplo: enquanto a receptação de televisores furtados, no exercício da atividade comercial ou industrial, é punida com pena de reclusão de três a oito anos, e multa (art. 180, § 1),a receptação de televisores descaminhados, no mesmo exercício da atividade comercial ou industrial, é apenada com reclusão de um a quatro anos (art. 334,§). Nem se diga, nesta hipótese,que a receptação de produtos furtados seria mais grave do que aquela de produtos descaminhados, uma vez que as penas do art. 155, caput, e do art. 334, caput, §§ 1º e 2º, são iguais.” 

 

Cabe ainda ressaltar um outro fato: por que a pessoa que compra o produto do camelô não é incriminada por receptação? Bom, a resposta é simples: por questão de política criminal. O Estado quer punir aquele indivíduo que comercializa produtos oriundos de crime, seja por meio da receptação, seja por meio do descaminho em sua forma equiparada, porque este indivíduo não paga tributos, enfraquece a economia, quebra empresas, uma vez que “consegue subsidiar” o valor das mercadorias. Como já explicitado anteriormente, aplica-se o previsto neste parágrafo em virtude do princípio da especialidade.

 

1.6 Atividades equiparadas e causa de aumento

 

Ainda, no § 2º do artigo 334, verifica-se a ampliação do conceito de atividade comercial feita pelo legislador. Assim, para efeitos do artigo 334 do Código Penal, considera-se como atividade comercial não só aquela exercida pelo comerciante registrado e matriculado em estabelecimento apropriado, mas também a referente ao comércio irregular e clandestino.

Para os efeitos do art. 334 do CP, determinam-se a equiparação às atividades comerciais de qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. As expressões usadas (“comércio”, “exercido”) indicam que deve estar presente na conduta o requisito da habitualidade, não bastando uma ou mais vendas esporádicas. (DELMANTO, 2002. p. 677)

A pena do contrabando ou descaminho é aplicada em dobro (ou seja, reclusão, de dois a oito anos), quando o crime é praticado por meio de transporte aéreo (avião, helicóptero etc.), tendo em vista a maior dificuldade de se detectar o ingresso ou a saída irregular das mercadorias. Entendem DELMANTO e outros (2002. p. 677) que esta figura agravada do §3° deve ser reservada aos voos clandestinos e não aos de carreira. Deve-se ponderar que voos regulares de companhias aéreas que passam por zonas alfandegárias, não pode incidir esse parágrafo. Refere-se o aumento, pois aos voos clandestinos. (NUCCI, 2008, p. 1103)

No mesmo sentido, entendem os tribunais pátrios, conforme se depreende do seguinte acórdão do E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em que foi Relator o Des. Federal José Luiz B. Germano da Silva:

“PENAL. PROCESSO PENAL. INTRODUÇÃO IRREGULAR DE ARMAS. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. AUTORIA. COMPROVAÇÃO. CRIME TENTADO. HIPÓTESE NÃO-CARACTERIZADA. PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CONTINUIDADE DELITIVA. MAJORANTE DO § 3º DO ARTIGO 334. INAPLICABILIDADE. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS.

1. Regularmente aberto às partes o prazo do artigo 499 do Código de Processo Penal, não há falar em nulidade do processo por cerceamento de defesa. A expedição de carta precatória para a inquirição de testemunha não tem o condão de suspender a instrução criminal, podendo o feito ser inclusive sentenciado, findo o prazo marcado para o seu cumprimento.

2. Comprovada, pelos elementos constantes dos autos, a participação de todos os acusados na prática delituosa, imperiosa a manutenção do decreto condenatório.

3. Já tendo havido a liberação da mercadoria no momento da prisão em flagrante, não resta caracterizada a hipótese de delito tentado.

4. Penas privativas de liberdade fixadas em consonância com as circunstâncias do artigo 59 do Diploma Penal, mas redimensionadas no tocante ao aumento decorrente da continuidade delitiva, devido ao número de fatos comprovados.

5. Inaplicável a majorante prevista no § 3º do artigo 334 do Código Penal quando o transporte, apesar de efetuado por via aérea, se dá em vôo regular, em circunstâncias que não tornam mais difícil a atuação da autoridade fiscal. Precedente desta Corte.

6. Sendo a pena privativa de liberdade superior a um ano, correta a sua substituição por duas penas restritivas de direito, e não por apenas uma, conforme o disposto no artigo 44, § 2º, do CP.

7. Apelos parcialmente providos. Punibilidade declarada extinta em decorrência da prescrição em relação a um dos fatos”. (TRF-4ª Região, ACR 7836/RS, 7ª Turma, Rel. Des. Fed. José Luiz B. Germano da Silva, j. 10.02.04, DJU 03.03.04, p. 519.) (grifou-se)

 

1.7 Confronto com leis especiais

 

1.7.1 Estatuto do Desarmamento – Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

 

O §2º do art. 10 da lei 9.437/97 de 20 de fevereiro de 1997 (antiga lei de Armas) estabelecia que, caso a arma, além de proibida, também fosse produto de contrabando ou descaminho, o sujeito respondia por ambas as infrações, conforme dispunha expressamente a lei antiga lei: “… sem prejuízo da pena por eventual crime de contrabando ou descaminho”[7]. Havia concurso de crimes por expressa disposição legal.

O art. 18 do estatuto do desarmamento prevê:

Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:

Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

Assim, o contrabando foi absorvido por este delito. Percebe-se que se configura o delito pela importação ou exportação de arma de fogo de uso  proibido, restrito e até permitido que o faz sem autorização da autoridade competente.

CAPEZ (2007, p. 531) ressalva que: “o art. 18 do Estatuto do desarmamento não descreve nenhuma conduta semelhante ou abrangente do descaminho, de modo que, na hipótese de o agente estar autorizado a importar ou exportar o artefato, mas iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto decorrente da entrada ou saída da mercadoria do país, responderá pelo crime de descaminho”.

 

1.7.2 Lei de Drogas – lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

 

Cumpre esclarecer que o crime tipificado no art. 33 da Lei n. 11.343/06, é sancionado por meio de norma penal em branco, uma vez que necessita de complementação para que se possa apreender seu âmbito de aplicação. Assim, embora haja uma conduta descrita como proibida, para a sua completa integração, requer-se um complemento a ser extraído de um outro diploma legal ou administrativo.

Na definição do acatado jurista Francisco de Assis TOLEDO, normas penais em branco “são aquelas que estabelecem a cominação penal, ou seja, a sanção penal, mas remetem a complementação da descrição da conduta proibida para outras normas legais, regulamentares ou administrativas” (1994, p. 42).

Não está expressamente descrito na Lei de Drogas[8] quais seriam as substâncias consideradas entorpecentes ou causadoras de dependência física ou psíquica.

Mais uma vez, o princípio da especialidade tem aplicabilidade.

No confronto entre descaminho e tráfico, prevalece este. É o que se depreende deste julgado no Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CLORETO DE ETILA. RESOLUÇÃO 280 DA ANVISA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA DESCAMINHO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

1. O art. 12 da Lei 6.368/76 é norma penal em branco, uma vez que necessita de complementação para que se possa apreender seu âmbito de aplicação.

2. A Resolução 280, da ANVISA, apenas atualizou as alterações constantes na republicação da Resolução 104, na listagem constante da Portaria 344/1998.

3. O cloreto de etila, vulgarmente conhecido como lança-perfume, continua sendo substância proibida pela Lei de Tóxicos, de modo que seu transporte pode incorrer, em tese, no crime de tráfico ilícito de entorpecentes.

4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer do MPF.

(HC 50.600/SP. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho. 5ª Turma. DJ 06/08/2007 p. 551)

 

1.8. Aspectos processuais do crime de descaminho

 

Algumas breves considerações sobre o crime de descaminho devem ser tecidas, em que pese ser pacífica a jurisprudência.

O crime de descaminho é instantâneo.  Embora a ação seja instantânea, contudo, seus efeitos são permanentes.

Para Márcia Dometila de CARVALHO (1988, p. 03), consistem os tipos do caput do art. 334 em:

“Crimes instantâneos, consumando-se quando o sujeito ativo frustra a atividade dos agentes fiscais – no caso do contrabando – impedindo que estes investiguem a viabilidade de saída ou entrada de mercadoria; no caso do descaminho, que eles verifiquem os direitos e impostos devidos pela exportação, consumo e importação. A ação exaure-se, portanto, num só  momento, quando o sujeito ativo ultrapassa a linha de fronteira ou entra nos limites da zona fiscal com a mercadoria a ser contrabandeada ou descaminhada; os efeitos, porém, são permanentes.”

 

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Conflito de Competência nº 4.152-0/SP, em que foi relator o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, assim manifestou-se:

“CONTRABANDO E DESCAMINHO. DELITOS QUE, NAS FIGURAS BÁSICAS, CONFIGURAM CRIME INSTANTÂNEO. SUFICIÊNCIA DO INGRESSO DA MERCADORIA PROIBIDA OU ILUSÃO DO PAGAMENTO DO IMPOSTO DEVIDO PELA ENTRADA, SAÍDA OU CONSUMO. INTELIGÊNCIA DO ART. 334 DO CP. DECLARAÇÕES DE VOTOS VENCEDORES E VENCIDOS.

O art. 334 do CP encerra várias ações típicas. Diz-se – crime permanente – o delito cujo resultado persiste enquanto persistir a conduta. É o caso do seqüestro. Cessado o constrangimento, a vítima recupera incontinenti a liberdade. O crime instantâneo de efeito permanente – é diverso. Ocorrido o resultado, torna-se irreversível, ainda que esgotada a conduta delituosa. Ilustra-se com o homicídio. A vítima não recupera a vida. Nesse quadrante, inadequado generalizador que o contrabando e o descaminho sejam crimes permanentes. O contrabando e o descaminho, nas figuras básicas, configuram crime instantâneo. Basta o ingresso da mercadoria proibida ou iludir o pagamento do direito ou imposto devido pela entrada, saída ou consumo. Não confundir com as formas assimiladas a contrabando e descaminho”.

(STJ, CC 4.152-0-SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 17.06.93, DJU 04.10.93).

 

A classificação é importante, pois define o juiz natural para o processamento do feito. A competência para o processamento e julgamento dos delitos previstos no artigo 334, caput, do Código Penal, é da Justiça Federal, tendo em vista a disposição do artigo 109, IV, da Constituição Federal.

Com relação à competência para processamento e julgamento do crime aplica-se a Súmula 151 do STJ: “A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens”. Logo, é do lugar onde foi apreendida a mercadoria.

No que concerne à suspensão condicional do processo há cabimento em todas as figuras, desde que não haja combinação com o § 3º, em virtude de extrapolar a pena mínima cominada ao crime de 1 (um) ano. (art. 89 da Lei n 9.099/95)

A determinação da competência é determinante quando há conexão com outro delito. Como se viu, o crime de descaminho é julgado perante a Justiça Federal, por iludir tributos cuja competência cabe à União arrecadar. Sabe-se que a Justiça Federal, em virtude do melhor aparelhamento, possui uma celeridade maior para o julgamento de seus processos. Assim, é da praxe advocatícia tentar retirar a competência criminal federal.

 

1.9 Diferenças entre o descaminho e os crimes contra a ordem tributária na praxe jurídica

 

1.9.1 Extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo

 

Inicialmente, a distinção reside na forma em que a doutrina e a jurisprudência encaram a extinção da punibilidade pelo pagamento dos tributos devidos.

DELMANTO e outros (2002, p. 678) explicam que o Decreto-Lei n° 157/67 permitiu a extinção da punibilidade, pelo pagamento dos tributos, nos crimes decorrentes de ter o agente iludido “o pagamento de tributo, desde que ainda não tenha sido iniciada a ação penal”. O referido Decreto-lei originou a Súmula 560 do STF, pela qual a extinção da punibilidade alcançava o crime de contrabando ou descaminho.

Substituiu-o, surgiu a Lei n 6.910/81 de 27 de maio de 1981, não permitiu a exclusão da punibilidade pelo pagamento nos crimes de contrabando e descaminho. Obviamente, a Lei n 6.910/81 não tem efeito retroativo, de modo que a restrição só alcança as infrações praticadas após a sua vigência. Por sua vez, a Súmula 560 do STF, embora ainda incida nos fatos anteriores à Lei n 26.910/81, é inaplicável aos posteriores. Todavia, sobreveio o art. 34 da Lei n 9.249/95, que dispõe:

Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei n 8.137, de 27.12.90, e na Lei n° 4.729, de 14.7.65, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Embora o referido art. 34 não tenha feito menção expressa ao descaminho (art. 334 do CP) ou ao crime de não-recolhimento de contribuições previdenciárias (art. 95, d, da Lei n 8.212/91), ele tem sido aplicado reiteradamente por nossos tribunais a este último delito. NUCCI (2008, p.1105) apresenta a tese em que o “agente que paga o devido à Receita Federal, em virtude de importação de mercadoria, demonstra sua intenção de não frustrar o recolhimento do imposto, descaracterizando o dolo.”

O art. 34 da lei 9.249/95 faz referência expressa aos crimes contra a ordem tributária e financeira. Por quê? Porque a norma do art. 334 não se limita apenas a garantir a arrecadação de tributos, mas resguardar outros interesses do Estado.

Configura-se a extrafiscalidade, nas palavras de Hugo de Brito MACHADO, “quando seu objetivo principal (do tributo) é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros” (grifei) (2005, p. 61).

Há que se considerar, inequivocamente, uma diferença entre o delito de descaminho e os demais delitos contra a ordem tributária. Quanto aos últimos, uma simples leitura da legislação de regência não deixa dúvida alguma sobre a intenção arrecadatória subjacente.

Márcia Dometila de CARVALHO (1988, p. 5-6) assim entende:

“O descaminho diferencia-se dos demais delitos de sonegação encarado que é como ofensa a interesses comunitários e governamentais, desde quando desponta, numa sociedade politicamente organizada, a noção de soberania. Destarte, enquanto os outros delitos contra o Fisco são tipificados à medida que os governantes preocupam-se mais em intervir no domínio econômico, seja para melhor distribuição e aplicação das rendas comunitárias, seja para um  eficaz  desempenho  da economia,  o  descaminho é  antecipadamente visto como ofensa à soberania estatal, como entrave à autodeterminação do Estado, como obstáculo à segurança nacional em seu mais amplo sentido.

Num confronto com as normas de Direito Tributário, se observa o comportamento dos governos relativo aos tributos ligados com o comércio exterior.  Interesses extrafiscais, vale dizer, além da simples arrecadação, manifestam-se presentes nas leis em que fundados e pelas quais regulamentados estes tributos.  A extrafiscalidade de similares tributos aparece  clara  quando o  governo  isenta,  por  exemplo,  do  imposto de exportação,  determinados  produtos,  desistindo  de  fazer  entrar  numerário nos cofres públicos em busca de vantagem maior, verbi gratia, a entrada de divisas representadas pela moeda estrangeira mediante a qual se pagam os produtos  exportados.  Mais ainda, omitindo-se em taxar a exportação, o governo enseja, ao produtor nacional, a redução de seus custos, permitindo-lhe colocar o seu produto no mercado internacional a preços menores, em prejuízo dos concorrentes da mesma categoria.

Enfim, o comércio exterior, a troca de bens e mercadorias entre as nações, foi sempre objeto de preocupação dos governantes, não importa se evoluído ou primário o agrupamento social.  E não poderia ser diferente quando se enxerga, neste comércio, um  instrumento de controle de economia  interna, uma arma  capaz  de enfraquecer ou beneficiar outras nações, uma arma hábil,  inclusive,  para a decisão  de guerras,  como mecanismo de ataque ou defesa”.

 

Para Damásio de JESUS (2002, p. 675):

 “A Lei n. 6.910, de 27.5.1981, cancelou a súmula 560 do primitivo STF que admitia a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo antes de iniciada a ação penal nos delitos de contrabando e descaminho. Hoje, o pagamento do tributo, ainda que efetuado antes de iniciado o processo criminal, não tem efeito extintivo da punibilidade. De aplicar-se, entretanto, o art. 16 do CP”.

 

Logo, para Damásio o art. 34 da Lei n. 9.249/95 não se aplica ao descaminho. Os tipos penais possuem objetividade jurídica distintas. Não há como ser aplicado o mesmo entendimento para ambos os delitos, no que se refere à condição objetiva de punibilidade. O delito de contrabando ou descaminho tutela a Administração Pública, em especial o erário, protegendo também a saúde, a moral, a ordem pública. De outro modo, no crime do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, o bem jurídico protegido é a ordem tributária, entendida como o interesse do Estado na arrecadação dos tributos, para a consecução de seus fins. Neste delito, exige-se o resultado naturalístico, tanto que o pagamento do tributo extingue a punibilidade (artigo 34 da Lei nº 9.249/95), ao contrário do descaminho, no qual, mesmo que declarado o perdimento da mercadoria ou tendo sido paga a exação tributária, não há qualquer conseqüência no âmbito penal.

Em contrapartida, na seara tributário-penal, surge lei n. 10.684 de 30 de maio de 2003, que instituiu o PAES, em seu art. 9º, que estabelece:

         Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º   e   da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento. 

§ 1o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

A Corte Suprema no leading case do Habeas corpus n° 81.929/RJ já decidiu que não há limite processual para a decretação da extinção da punibilidade ante o pagamento voluntário pelo contribuinte, alargando a previsão normativa presente no art. 9° da Lei federal n° 10.684/03, esta, inclusive com efeitos retroativos, haja vista ser lei penal mais benéfica (art. 5°, inciso XL, da CRFB/88) e devendo ser aplicada de plano pelo juiz conforme preleciona o art. 61 do CPP:

“AÇÃO PENAL. CRIME TRIBUTÁRIO. TRIBUTO. PAGAMENTO APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DECRETAÇÃO. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário”. (STF, HC n. 81.929/RJ. Rel. Min. Cezar Peluso. 1ª. Turma. D. J. de 16.12.2003)

Há quem diga que o pagamento após a sentença já teria o condão de extinguir a punibilidade, ficando sem efeito a decisão contrária, sem qualquer seqüela processual:

 

“… deve-se extinguir a punibilidade dos crimes de apropriação indébita previdenciária imputados aos Recorridos, tendo em vista o pagamento integral dos tributos devidos, mesmo que o pagamento tenha ocorrido após o recebimento da denúncia ou à prolação da sentença condenatória, sem trânsito em julgado, como na presente hipótese.” (STJ, Resp. n. 950648/PR. Rel. Min. Laurita Vaz. 5ª. Turma. D.J. de 12.02.2008)

E se houver o trânsito em julgado da sentença com a consequente execução da pena? Bom, da breve leitura do HC 84.701-3/SP, que teve como relatora a Ministra Ellen Gracie, pode-se concluir que sim:

O pedido de suspensão da execução, diante do parcelamento do débito tributário deferido pela administração, deve ser decidido pelo TRF-3.ª Reg., independentemente de ter sido requerido por um dos condenados, cuja apelação não foi recebida. Trata-se de pretensão que, formulada em benefício da pessoa jurídica, favorece todos os sócios denunciados e condenados, sendo irrelevante que o requerimento tenha sido apresentado por condenado cuja apelação não foi recebida.

 

Cabe ressaltar que não há direito subjetivo do acusado ao parcelamento dos débitos tributários. O parcelamento é uma questão que se discute entre a Receita Federal e o acusado. Logo, se há deferimento do parcelamento, há que ser suspensa à pretensão punitiva. Com relação ao direito de parcelar, este deverá ser discutido nas vias ordinárias cíveis.

Por que é importante a distinção dos bens jurídicos tutelados? Porque se entendermos que os bens jurídicos são os mesmos, deveremos aplicar com isonomia as mesmas leis que os regem. 

 

 

 

1.9.2. Questão prejudicial

 

Como visto, o pagamento do “tributo” no descaminho resultaria na provável extinção da pena. Ocorre que não há um tributo suprimido. Isso é um erro comum da praxe jurisdicional, pois não há formação do crédito tributário. A mercadoria é apreendida, sem haver lançamento. Desta forma, é possível citar outro elemento diferenciador dos crimes em análise: a questão prejudicial.

A Lei n.º 8.137/90, por força do que dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil, revogou, tacitamente, a Lei n.º 4.729/65, que dispunha sobre o crime de “sonegação fiscal”, promovendo relevantes alterações na descrição dos tipos penais em relação à lei revogada. O art. 1º da Lei n.º 8.137/90 estabelece que constitui “Crime contra a Ordem Tributária”, “suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório”, mediante as condutas que indica em seus cinco incisos, vinculadas ao descumprimento de uma obrigação tributária principal (art. 113, § 1º, do CTN). O art. 2º, contrariamente, descreve comportamentos delitivos associados a obrigações acessórias (art. 113, § 2º, do CTN).

Verifica-se que no art. 1º da Lei n.º 8.137/90 o resultado exigido para a caracterização do crime é a supressão ou redução de tributo ou contribuição, diversamente do que ocorre no art. 2º, em que a supressão ou redução (resultado) não é elementar do tipo. No crime de “sonegação fiscal”, a exemplo do que se deu no art. 2º da Lei n.º 8.137/90, o resultado não foi incluído na descrição do tipo penal, técnica legislativa que caracteriza, segundo a doutrina majoritária, os chamados crimes de mera conduta ou formais, nos quais:

(…) o resultado não precisa verificar-se para ocorrer a consumação. Basta a ação do agente e a vontade de concretizá-lo, configuradoras do dano potencial, isto é, do eventus preciculi. Afirma-se que no crime formal o legislador antecipa a consumação, satisfazendo-se com a simples ação do agente, ou, como dizia Hungria, ‘a consumação antecede ou alheia-se ao eventus damni’. (BITENCOURT, 2000,p.146)

 

Os crimes do art. 1º da Lei n.º 8.137/90, por sua vez, denominados materiais, são aqueles em que a lei descreve a conduta do agente e o seu resultado (efeito natural) que consuma o crime. Hugo de Brito MACHADO (1997, p. 35) assim leciona:

 

“O crime de supressão ou redução de tributo distingue-se do antigo crime de sonegação fiscal essencialmente por ser um crime material, ou de resultado, só estará consumado se houver a supressão ou a redução do tributo. Por seu turno, os crimes definidos no artigo 2º da Lei nº 8.137/90 são formais, ou de mera conduta, vale dizer; restam consumados independentemente do resultado”.

 

Pode-se afirmar, portanto, que, para a configuração dos crimes do art. 1º da Lei n.º 8.137/90, exige-se que se apure a existência de um tributo devido, para que se possa, então, afirmar sua supressão ou redução, mediante uma ou mais das condutas descritas na lei. Diante disso:

 

O lançamento tributário é que caracteriza o resultado nos crimes contra a ordem tributária, porquanto a exigência da exação pode sofrer diversas vicissitudes até que venha a ser declarada dívida líquida e certa. Por tais razões, é livre de dúvidas que a consumação dos crimes contra a ordem tributária só pode ser afirmada depois de esgotadas todas as instâncias administrativas de que dispõe o sujeito passivo, para discutir a exação. Isto porque o lançamento tributário, como vimos, pode perfeitamente ser desconstituído, hipótese em que desapareceria o núcleo do tipo penal; a supressão ou redução ilegal do tributo ou contribuição”. (ANDRADE FILHO, 1995, p.96)

Essas constatações, aliadas ao advento da Lei n.º 9.430/96 de 27 de dezembro de 1996, criaram um celeuma no universo tributário-penal, isso porque o art. 83 da referida lei estabelece:

Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

 

O comando instituído pelo art. 83 em comento se constitui no que a doutrina denomina questão prejudicial, que pode ser definida como “sendo a questão jurídica que se apresenta no curso da ação penal, versando elemento integrante do crime e cuja solução, escapando à competência do juiz criminal, provoca a suspensão daquela ação” (NORONHA, 2000, p.57).

Hugo de Brito MACHADO (1997, p. 34-35) alerta para a diferença entre questão prejudicial e condição de procedibilidade:

(…) formou-se uma jurisprudência, inteiramente equivocada, no sentido da desnecessidade de prévia decisão administrativa, confundindo condição de procedibilidade com questão prejudicial. A condição de procedibilidade concerne exclusivamente ao processo, enquanto a questão prejudicial diz respeito ao direito material (…)

No intuito de referendar os argumentos até então apresentados em relação à matéria em análise, traz-se à baila o julgamento da Medida Cautelar em Habeas corpus n. 84.092/Cede relatoria do Ministro Celso de Mello, no qual proferiu decisão com os seguintes argumentos:

(…) Passo a apreciar o pedido de medida liminar ora formulado pela parte impetrante. E, ao fazê-lo, entendo plausível, em sede de estrita delibação, a tese jurídica suscitada no presente “writ” constitucional. É que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC 81.611/DF, Rel. Min.SEPÚLVEDA PERTENCE, apreciou controvérsia em tudo idêntica à que se registra na presente impetração, assentando o entendimento segundo o qual, “(…) nos crimes do art. 1º da Lei 8.137/90, que são materiais ou de resultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, configurando- se como elemento essencial à exigibilidade da obrigação tributária, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito preclusivo da decisão final administrativa. (grifei)

Como já estudado, no descaminho o que se incrimina é a ação de iludir (fraudar, burlar). Trata-se, portanto, de crime de mera conduta ou formal, que se aperfeiçoa independentemente do resultado lesivo, que não integra o tipo penal.

Pode-se concluir, sem reservas, que não existe qualquer fundamentação de ordem legal, doutrinária ou jurisprudencial que autorize a aplicação do procedimento definido no art. 83 da Lei n.º 9.430/96 aos crimes tributários de natureza formal, tais como o descaminho e os “Crimes contra a Ordem Tributária”, previstos no art. 2º da Lei n.º 8.137/90.

 

 

2. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO SISTEMA PENAL VIGENTE

 

2.1 Evolução histórica

 

A origem e evolução do princípio da insignificância através dos tempos foi intimamente ligada ao princípio da legalidade – nullum crimen nulla sine lege – de forma a limitar os tipos penais.

Ivan Luiz da SILVA (apud RIBEIRO, 2008, p. 51) relata que há duas correntes doutrinárias sobre a origem desse princípio.

A primeira, diz que promana do brocardo jurídico minima non curat praetor, de minimis non curar praetor ou de minimis praetor non curat, em vigor no Direito Romano antigo, pelo que o pretor, regra geral, não se ocupava das causas ou delitos de bagatela. (MAÑAS apud RIBEIRO, 2008. p. 52) 

No entanto, a segunda, nega a origem romana do princípio da insignificância, dividida em duas vertentes: a) Maurício Ribeiro Lopes aceita a existência da máxima minima non curat praetor, mas não admite que se trata da sua restauração atual. Para ele o pensamento liberal foi o que deu origem ao princípio da insignificância; b) José Luiz Guzmán Dalbora argumenta que a máxima minima non curat praetor não era conhecida pelo Direito Romano antigo, pois ausente de compilações dos glosadores.

Franz Von Listz, em 1.896, já enfatizava que a legislação de seu tempo fazia uso excessivo da arma da pena e argumentava se não seria oportuno acolher, de novo, a máxima mininis non curat praetor, a significar que um magistrado deve desprezar casos insignificantes para cuidar das questões realmente inadiáveis. (LISTZ apud LUISI, 1987, p. 11)

A partir dos movimentos Iluministas, com a propagação do individualismo político e desenvolvimento do princípio da legalidade, vários autores jusnaturalistas e iluministas propuseram um estudo mais sistematizado do princípio da insignificância. Assim, tal princípio obteve maior importância no universo jurídico na Europa, a partir do século passado, sob a denominação “criminalidade de bagatela” – Bagatelledelikte, devido às crises sociais decorrentes das duas grandes guerras mundiais. Na época, o excessivo desemprego e a falta de alimentos, dentre outros fatores, provocaram um surto de pequenos furtos, subtrações de mínima relevância, que receberam a denominação “criminalidade de bagatela”.  (SANTOS e SEGA, out, 2000)

Claus Roxin em 1964 foi o primeiro a fazer uma estruturação científica e a utilizar o princípio da insignificância como critério de exclusão de tipicidade. ROXIN (apud RIBEIRO, 2008, p. 54) inicia a difusão do princípio da insignificância, identificando-o como recurso auxiliar para interpretação restritiva do teor literal do tipo penal.

O princípio da insignificância teve sua origem e evolução, portanto, vinculadas ao princípio da legalidade; porém, só teve sua origem fática, obtendo uma maior importância dentro do universo jurídico, a partir do século passado, na Europa, mais notadamente na Alemanha, como já anteriormente descrito (Claus Roxin), em virtude das crises sociais decorrentes das duas grandes guerras mundiais.

O excessivo desemprego e a falta de alimentos, dentre outros fatores, provocaram uma irrupção de pequenos furtos, subtrações de mínima relevância, que receberam a denominação de “criminalidade de bagatela”. (LOPES, 1997, p. 42)

O princípio da insignificância encontra seu correlato na doutrina italiana sob a formulação da concepção realística do crime. Nesta visão, os conceitos de bem jurídico e de evento típico devem ser repensados, para que haja “ofensa ao interesse tutelado pela norma”. Desta forma, o princípio da ofensividade torna-se um requisito autônomo do tipo. Logo, segundo tal concepção, não configura crime a conduta que se revela inofensiva e, portanto, inidônea para lesionar o interesse protegido, não obstante formalmente típica. (SANGUINÉ, 1990, p.39)

No Brasil temos Francisco de Assis Toledo como o primeiro a se referir ao alcance do princípio da insignificância e na Argentina com Eugênio Raúl Zaffaroni.

 

 

2.2 Conceito e fundamentos do princípio

 

Como anteriormente avençado, no exterior o princípio da insignificância (Das Gerinfügigkeits-prinzipi) é mais conhecido por princípio ou criminalidade de bagatela (Bagatelledelikte). (LOPES, 1997, p.38)

Não há uma definição legal do princípio em evidência. Ele não está no ordenamento jurídico. Trata-se de um princípio de criação doutrinária e jurisprudencial. Fundamenta-se também no princípio da intervenção mínima e seus corolários de fragmentariedade e subsidiariedade.

Assim, o direito penal só deve intervir em casos de ataques graves aos bens jurídicos mais importantes, deixando a outros ramos do direito o trato das leves perturbações à ordem jurídica. (MANAS, 2000. p.57)

Em seu estudo Maurício Antônio Ribeiro LOPES (1997, p. 26) explica que servem como fundamentos básicos para a existência do princípio da insignificância os princípios da igualdade e liberdade. Ainda justifica o princípio da insignificância com base na razoabilidade, na interpretação dinâmica do Direito e ainda, no princípio da dignidade da pessoa humana ao conferir um padrão de atuação ética do Direito Penal.

Desta forma o princípio da insignificância vem a ser um princípio jurídico do Direito Penal implícito na Constituição (arts. 1°, III, 3º, I, II e IV, e 5°, caput), por se coadunar com o Estado Social e Democrático de Direito.

Acredita MAÑAS (1994, p. 57) que o princípio da insignificância é instrumento de interpretação restritiva, fundamentado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, judicialmente e sem macular a segurança jurídica. 

Da mesma forma que Fábio Bittencourt ROSA (2001, p. 52) expõe que o princípio da insignificância decorre da moderna concepção utilitarista nas estruturas típicas do Direito Penal, que exige para a composição do tipo penal, não só aspectos formais, mas essencialmente elementos objetivos que levem a percepção da utilidade e da justiça na imposição da pena criminal ao agente.

A natureza jurídica do princípio em comento é de instrumento de política criminal de descriminalização. Para Maurício Antônio Ribeiro LOPES (1997, p. 34) trata-se de autêntico princípio sistêmico, pois decorre da natureza fragmentária do Direito Penal. Logo, empresta-se juízo transcendental à estrutura primária do tipo penal, cujo preenchimento não se contenta mais com a mera acomodação formal de seus termos.

O princípio da insignificância tem como premissa, casos que não tenham relevância social e não sobrecarreguem o Poder Judiciário, pois não acarretam um resultado significante, assim, desconsidera-se a tipicidade, já que não houve um dano considerável a um bem jurídico protegido.

Decorre, pois, o princípio da insignificância LOPES apud MAZUR, 2005, p. 89):

“…da concepção utilitarista que se vislumbra modernamente nas estruturas típicas do Direito Penal. No exato momento em que a doutrina evoluiu de um conceito formal a outro material de crime, adjetivando de significado lesivo a conduta humana necessária a fazer incidir a pena criminal pela ofensa concreta a um determinado bem jurídico, fez nascer à idéia da indispensabilidade da gravidade do resultado concretamente obtido ou que se pretendia alcançar”

 

2.3 Princípios penais correlacionados ao princípio da insignificância

 

Para se ter uma visão mais abrangente do que vem a ser o princípio doutrinário da insignificância no mundo jurídico-penal, devemos relacioná-lo a outros princípios, como por exemplo, o princípio da legalidade, proporcionalidade, mínima intervenção, fragmentariedade, subsidiariedade, adequação social e o da lesividade.

 

2.3.1 Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade possui quatro desdobramentos – a lei deve ser prévia, escrita, estrita e certa – para ser válida e eficaz ao caso concreto, de modo a garantir a correta e justa cominação das normas penais.

Historicamente, afirma-se que o mais seguro antecedente do princípio é a Magna Carta, imposta pelos barões ingleses ao rei João Sem Terra, em 1215. Em seu art. 39, estabelecia que nenhum homem livre poderia ser submetido a julgamento senão pelos seus pares e de acordo com a lei local (law of land).

O princípio da legalidade é obtido no quadro da denominada “função de garantia penal”, que provoca o seu desdobramento em quatro subprincípios:

    1.         nullum crimen, nulla poena sine lege praevia (proibição da edição de leis retroativas que fundamentam ou agravem a punibilidade);

    2.         nullum crimen, nulla poena sine lege scripta (proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário);

    3.         nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia);

    4.         nullum crimen, nulla poena sine lege certa (a proibição de leis penais indeterminadas).

A marca evolutiva do princípio da legalidade levou à construção do nullum crimem nulla poena sine iuria, ou seja, não há crime sem dano relevante a um bem jurídico penalmente protegido.  Este desdobramento do princípio da legalidade é o que mais se relaciona ao princípio da insignificância.

Vani Benfica afirma ser inaplicável o princípio da insignificância por não estar previsto na legislação e, portanto, não incorporado ao ordenamento jurídico. (LOPES, 1997, p.43)  Esta é, sem dúvida, uma posição mais formalista, pois nem todos os princípios estão necessariamente expressos nos documentos jurídicos de que se extraem. Assim, existem princípios que são normativos e outros que são meramente doutrinários, como é o caso do princípio da insignificância, o que não implica considerá-lo menos importante, já que não está em hierarquia inferior a nenhum outro princípio, pois como já tivemos a oportunidade de salientar os princípios não possuem hierarquia entre eles, aliás eles podem aplicar-se simultaneamente.

 

2.3.2 Princípio da Intervenção Mínima

 

O princípio da intervenção mínima tem o intuito de limitar ou eliminar o arbítrio do legislador, já que o princípio da legalidade impõe apenas limites ao arbítrio judicial, mas não impede que o Estado, obedecendo a reserva legal, crie penas imperfeitas e cruéis (BITENCOURT, 1999, p. 43-44).

O princípio da intervenção mínima, também conhecido com ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico.  Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais.   Por essa razão, diz-se ser o Direito Penal a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do direito revelarem-se ineficazes ou incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes do indivíduo e da própria sociedade.

O princípio da mínima intervenção surge por ocasião do movimento social de ascensão da burguesia (Iluminismo) e, julgava ser legítima a criminalização de um fato somente se a mesma constitui o único meio necessário para a proteção de um determinado bem jurídico (LOPES, 1998, p. 401).

Assim, para corroborar esta idéia, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, em seu art. 8º, determinou que “a lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias.” (LOPES, 1997, p. 75).

O princípio da intervenção mínima, segundo René Ariel DOTTI (apud LOPES, 1998, p. 402:

“Visa restringir a incidência das normas incriminadoras aos casos de ofensas aos bens jurídicos fundamentais, reservando-se para os demais ramos do ordenamento jurídico a vasta gama de ilicitudes de menor expressão, em termos de dano ou perigo de dano. A aplicação do princípio, resguarda o prestígio da ciência penal e do magistério punitivo contra os males da exaustão e da insegurança que a conduz a chamada inflação legislativa”.

 

A exemplo do que ocorre com o princípio da insignificância, este princípio não é explícito nas legislações penais e constitucionais contemporâneas, porém, devido ao seu vínculo com outros postulados explícitos, e mesmo com os fundamentos do Estado Democrático de Direito, deve o mesmo se impor aos olhos do legislador, e inclusive ao do intérprete (LOPES, 1997, 75-76).

Todavia, a partir da segunda década do século XIX, essa proposição perdeu força pela crescente inflação legislativa de leis penais criminalizando inúmeras condutas, algumas delas, possíveis de serem tuteladas pelos outros ramos do direito.

Em suma: antes de recorrer ao Direito Penal, deve esgotar todos os meios extrapenais de controle social.

 

2.3.3 Princípio da Fragmentariedade

 

O princípio em questão é corolário do anterior.  Por ele, o Direito Penal limita-se a punir as ações ou omissões mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, decorrendo daí o seu caráter fragmentário, uma vez que se ocupa somente de uma parte (fragmento, parcela) dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica.

O princípio da fragmentariedade decorre dos princípios da legalidade e da intervenção mínima e, tem como fundamento que somente as condutas mais graves e mais perigosas praticadas contra bens jurídicos relevantes carecem dos rigores do direito penal (BITENCOURT, 1999, p.34).

Então, como ensina Vico MAÑAS (mar, 2009):

 

“O princípio da insignificância surge justamente para evitar situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crimen sine lege, nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal”.

 

A principal diferença entre o princípio da insignificância e o princípio da intervenção mínima é que esse último leva em consideração o bem jurídico abstratamente tutelado, enquanto o outro leva em conta a lesão em concreto.

      

2.3.4 Princípio da Subsidiariedade

 

A subsidiariedade do direito penal também deriva do princípio da intervenção mínima. O Direito Penal deve ser considerado um remédio sancionador extremo, que deve ser ministrado apenas quando nenhum outro se mostrar suficiente para resolver o conflito. Assim, a intervenção do direito penal só se legitima quando os outros ramos do direito se revelarem ineficazes em sua intervenção.

Segundo Muñoz Conde (apud LOPES, 1997, p.67), a intervenção do direito penal só ocorre quando fracassam as demais formas de tutela do bem jurídico predispostas pelos demais ramos do direito.

Deve-se ressaltar, ainda, que, uma vez utilizado o direito penal, na possibilidade plena de o conflito ainda poder vir a ser resolvido satisfatoriamente por outros ramos do direito, estar-se-á diante de um caso de ilegitimidade, de uma ameaça à paz pública, pois podemos ter efeitos que contrariem os princípios do direito.

A diferença residual entre a subsidiariedade e a fragmentariedade está no modo em que cada um deve ser analisado. Para a aplicação do princípio da subsidiariedade, deve-se analisar o teor abstrato do direito penal.  Ou seja, deve-se aguardar o fracasso dos demais ramos do direito para legitimar sua intervenção em abstrato. No entanto, para aplicar-se a fragmentariedade deverá analisar-se a lesão no caso concreto, pois, só haverá intervenção no caso concreto quando resultar relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.

       

2.3.5. Princípio da Adequação Social

A teoria da adequação social, formulada por Welzel, surgiu como um princípio geral de interpretação dos tipos penais. Através dele, não são consideradas típicas as condutas que se movem por completo dentro do marco de ordem social normal da vida, por serem consideradas socialmente toleráveis (SANGUINÉ, 1990, p. 36).

O princípio da adequação social, então, exclui, desde logo, a conduta do âmbito de incidência do tipo, situando-a entre os comportamentos atípicos, ou seja, como comportamentos normalmente tolerados.

Welzel considera que o princípio da adequação social por si só é suficiente para excluir certas lesões insignificantes (LOPES,1997, p.118) .

 

2.3.6. Princípio da Lesividade

 

O princípio da insignificância tem uma relação importante com o princípio da lesividade, porque através deste o direito penal só pode ser utilizado se afetar bens jurídicos relevantes, ou seja, o fato deve causar uma lesividade tal que legitime a intervenção penal.

Para Lopes (1997, p.79):

“… o direito penal só pode assegurar a ordem pacífica externa da sociedade e além desse limite não está legitimado e, nem é adequado, para a educação moral dos cidadãos. As condutas puramente internas ou individuais, que se caracterizem por ser escandalosas, imorais, esdrúxulas ou pecaminosas, mas que não afetem nenhum bem jurídico tutelado pelo Estado não possuem a lesividade necessária para legitimar a intervenção penal.”

 

2.3.7. Princípio da proporcionalidade

 

O princípio da insignificância relaciona-se, também, com o da proporcionalidade, pois, como leciona ZAFFARONI, o fundamento do princípio da insignificância está na idéia de proporcionalidade que a pena deve manter em relação à significância do crime (MAÑAS, março, 2000).

Como visto, o principio da proporcionalidade está intimamente ligado com a aplicação da pena e com a exclusão da tipicidade do crime. Aqui, abre-se um parêntese para uma tese da irrelevância penal do fato, posição esta firmada pelo professor Luiz Flávio GOMES (março, 2008):

“… não se pode confundir, como enfatizamos no nosso livro acima citado, o princípio da insignificância com o princípio da irrelevância penal do fato. Aquele está para a infração bagatelar própria assim como este está para a infração bagatelar imprópria. Cada princípio tem seu específico âmbito de incidência. O da irrelevância penal do fato está estreitamente coligado com o princípio da desnecessidade da pena. Ao “furto” de um pote de manteiga deve ser aplicado o princípio da insignificância (porque o fato nasce irrelevante). Tratando-se de “roubo”, que envolve bens jurídicos sumamente importantes (integridade física, liberdade individual etc.), pode ter incidência o princípio da irrelevância penal do fato (se presentes todos os seus requisitos).”

Sustenta o renomado autor que os princípios não ocupam a mesma posição topográfica dentro do Direito Penal, pois o primeiro é causa de exclusão da tipicidade material do fato enquanto o segundo é causa excludente da punição concreta do fato, ou seja, de dispensa da pena. Ainda, conforme GOMES (março, 2008):

“O primeiro tem como critério fundante o desvalor do resultado ou da conduta (ou seja: circunstâncias do próprio fato); o segundo exige, sobretudo desvalor ínfimo da culpabilidade (da reprovação: primário, bons antecedentes etc.), assim como o concurso de uma série de requisitos post factum que conduzem ao reconhecimento da desnecessidade da pena no caso concreto (pouco ou nenhum prejuízo, eventual prisão do autor, permanência na prisão por um fato sem grande relevância etc).”

 

2.4. A exclusão da tipicidade pela utilização do princípio da insignificância

 

Quando o legislador penal quer tutelar um bem, punindo a sua violação com uma pena, os bens jurídicos passam a ser considerados bens jurídicos penalmente tutelados.

Não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de tutela jurídica desses bens.

ZAFFARONI e PIERANGELI (2005, p. 439) definem:

“Bem jurídico penalmente tutelado é a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegida pelo Estado, que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam”.

Desta forma, o princípio da insignificância ou da bagatela é utilizado como excludente da tipicidade, conforme se depreende da leitura de ZAFFARONI e PIERANGELI (2005, p. 562):

“A insignificância da afetação [do bem jurídico] exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à luz de sua consideração isolada.”

O princípio não está expressamente previsto, porém a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo o seu uso, pois, o crime só pode ser considerado quando houver uma ofensa relevante a um bem jurídico tutelado pelo direito penal.

Mais uma vez, cabe salientar que Claus Roxin propôs a utilização do princípio da insignificância, que permite, em princípio, excluir os danos de pouca importância. Roxin defende que tal princípio tem a finalidade de auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir da incidência da lei aquelas situações consideradas insignificantes.

ZAFFARONI e PIERANGELI (2005, p. 435) teorizaram a exclusão da tipicidade a partir do estudo do juízo de tipicidade afirmando que:

“O juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada da na ordem normativa.”

Desta forma, a função do juízo de tipicidade penal será, pois, reduzi-la à verdadeira dimensão daquilo que a norma proíbe, deixando fora da tipicidade penal àquelas condutas que somente são alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não quer proibir, precisamente porque as ordena as fomenta. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2005, p. 435)

Zaffaroni sublinha que o tipo penal tem a função de limitar o exercício do poder punitivo. A tipicidade objetiva tem a função de retratar um fato criminoso, isto é, um conflito penal, que é uma das barreiras insuperáveis da racionalidade do poder punitivo. Do tipo objetivo, então, fazem parte o tipo sistemático (conduta, resultado, etc.) assim como o tipo conglobante. A tipicidade conglobante é a sede da conflitividade. Logo, cuida ela da lesividade assim como da imputação objetiva. (GOMES, maio, 2006)

TIPICIDADE = TIPICIDADE FORMAL (subsunção do fato à norma) + TIPICIDADE MATERIAL (análise da lesividade) + ANTINORMATIVIDADE (verificar se a conduta é permitida pelo Direito)

Assim, a tipicidade conglobante (antinormatividade) é a comprovação de que a conduta legalmente típica está também proibida pela norma, o que se obtém desentranhando o alcance da norma proibitiva congloba com as restantes normas da ordem normativa. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2005, p. 435)

Diante de tudo o que foi analisado, o que se conclui desta teoria é que o princípio da insignificância seria esse vetor antinormativo, o qual não permitiria a configuração da tipicidade nos crimes de descaminho, absolvendo os réus com fundamento no art. 397, III, do Código de Processo Penal, embora ausente de previsão expressa no dispositivo legal para esse elemento específico do crime, diferentemente do que ocorreu com a ilicitude (inciso I) e com a culpabilidade (inciso II). (GOMES, maio, 2006)

 

 

 

2.5. O princípio da insignificância na jurisprudência brasileira

 

Com relação à jurisprudência brasileira, o princípio da insignificância teve, pela primeira vez, seu acolhimento “expresso” pelo Supremo Tribunal Federal em julho de 1988 (RHC nº 66.869-1, 2º turma, votação unânime). No julgamento o STF decidiu arquivar a ação penal com o fundamento de que uma equimose, de três centímetros de diâmetro, decorrente de um acidente automobilístico, escapa ao interesse punitivo do Estado em virtude do princípio da insignificância. (GOMES, maio, 2006)

A jurisprudência tem adotado o princípio da insignificância. O que se tem entendido pelos tribunais, está na mesma linha do que já foi explanado: o fato para ser típico, necessita causar uma ofensa relevante ao bem jurídico tutelado.

Os tribunais têm aplicado o princípio da insignificância mais comumente aos casos de furto, descaminho, lesões corporais leves.

Com relação ao furto, exemplifica-se com as jurisprudências do TJRS e do Tribunal de Alçada de São Paulo:

 APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO QUALIFICADO (ART. 155, § 4º, II). INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA MANTIDA (ART. 397, III, DO CPP).

É atípica a conduta quando constatada a inexistência de lesão ao patrimônio da vítima, bem jurídico tutelado pela norma penal. O princípio da insignificância é regra auxiliar de interpretação que exclui do tipo os danos de pouca importância, como no caso dos autos, em que a res furtiva foi avaliada em R$25,00.

TACrim SP – CRIME DE BAGATELA – Agente que furta bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais – Reconhecimento – Necessidade – Atipicidade da conduta – Ocorrência: – É atípica a conduta do agente que subtrai bicicleta em péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais, pois, tal conduta, por sua insignificância, não obstante formalmente típica, não merece, em razão do desvalor do resultado, a atenção do Poder Público que só deve ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não se ocupando de bagatelas. (TACrimiSP. AC nº 1.278.997/5 – Birigüi – 10ª Câmara – Relator: Vico Mañas – 21/11/2001)

 

Vale salientar que o princípio da insignificância difere do furto de pequeno valor, conforme se afere do julgado abaixo:

RECURSO ESPECIAL. FURTO DE ALGUMAS PEÇAS DE ROUPA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. OBJETOS DE VALOR PEQUENO, PORÉM RELEVANTE. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

1. A conduta perpetrada pela agente não pode ser considerada irrelevante para o direito penal. O delito em tela – furto consumado de peças de roupa, avaliadas em R$ 100,00 –, muito embora não expresse intensa agressão ao patrimônio da vítima, não se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela.

2. No caso do furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com de valor insignificante. Este, necessariamente, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe o princípio da insignificância; aquele, eventualmente, pode caracterizar o privilégio insculpido no § 2º do art. 155 do Código Penal, já prevendo a Lei Penal a possibilidade de pena mais branda, compatível com a pequena gravidade da conduta.

3. A subtração de bens, cujo valor não pode ser considerado ínfimo, não pode ser tido como um indiferente penal, na medida em que a falta de repressão de tais condutas representaria verdadeiro incentivo a pequenos delitos que, no conjunto, trariam desordem social.

4. Recurso provido para, afastando a aplicação do princípio da insignificância, cassar o acórdão recorrido e a decisão de primeiro grau, e determinar o recebimento da denúncia e o prosseguimento da ação penal. (STJ, REsp 686716 / RS, 5ª. Turma. Rel. Min. Laurita Vaz. Julgado em 14.06.2007. Publicado em 06.08.2007. p. 616)

Os Tribunais Regionais Federais são os órgãos que mais se utilizam da aplicação do princípio da insignificância para a resolução dos litígios, sendo, em certos casos, como no delito de descaminho. A jurisprudência do TRF 4ª Região está pacificada, no sentido de que o descaminho de mercadorias de valor irrisório não chega a causar lesão relevante que justifique o prosseguimento da ação penal, devendo nessas hipóteses, ser aplicado o princípio da insignificância.

A aplicação deste princípio no crime de descaminho será mais aprofundada no próximo capítulo. Cabe, agora, apenas citar o modo em que esses tribunais dispõem no tratamento deste crime:

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, pela 2ª Turma, concedeu habeas corpus (nº 92.438) para trancar ação penal intentada em desfavor de “sacoleiro” por introduzir mercadorias oriundas do Paraguai, no valor de R$ 22.459,10, iludindo tributos no montante de R$ 5.118,60, apontando para a falta de justa causa para a denúncia. O fundamento da decisão foi, em síntese, haver constrangimento ilegal, porque é inadmissível que uma conduta seja administrativamente irrelevante e, ao mesmo tempo, considerada lesiva e punível penalmente. Posicionou-se, a citada Corte, no sentido de que o patamar de aferição da relevância do fato, para o Direito Penal, é aquele instituído pela Lei nº 11.033/04, ou seja, valores consolidados superiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), porque os iguais ou inferiores têm ordinariamente a cobrança suspensa pela Fazenda (Informativo STF nº 516).

Com base na nova diretriz traçada pelo Supremo Tribunal Federal, passou o Superior Tribunal de Justiça a determinar o trancamento de ações penais sempre que o tributo iludido fique aquém do parâmetro adotado pela Corte Suprema, a exemplo do julgamento do HC 109.494/MG, pela 6ª Turma.

Adotando a mesma linha, a 4ª Seção desta Corte, na sessão do dia 18.09.2008, por unanimidade, reconheceu que nos crimes de descaminho o princípio da insignificância limita-se ao patamar de R$10.000,00 de tributos iludidos, pois a lesividade da conduta nesses crimes deve ser aferida sobre o valor dos impostos e não sobre o montante das mercadorias (EINACR nºs 200670070001101; 200470050045680; 2006710300274488 e 200771060019085, rel. Des. Amaury Chaves de Athayde).

No caso dos autos, o valor dos tributos iludidos (II e IPI) totaliza R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais), situação que permite a aplicação do princípio da insignificância, por se encontrar dentro do limite legal referido.

Por outro lado, esta Corte tem entendido que o critério a ser adotado para o delito de contrabando é o mesmo utilizado para o delito de descaminho, ou seja, o valor do tributo iludido.

Ante o exposto, voto por acolher a presente questão de ordem para negar provimento ao recurso. (TRF 4a. Região. Questão de Ordem no RSE n.2008.71.07.002216-4/RS. 8ª T. Rel. Juiz Federal Artur César de Souza. DJ. 11/02/2009.)

 

O STJ e o STF também são pacíficos em aceitar a aplicação do princípio.

O princípio da insignificância também tem aplicabilidade na Justiça Militar.  A 2ª Turma do STF vem corroborando esse entendimento. No HC 95.445-DF, de relatoria do Ministro Eros Grau, a turma declarou atípica a conduta de militar que desferira um único soco contra seu colega, também militar, após injusta provocação, absolvendo-o da imputação de lesão corporal leve (CPM, art. 209). Assentou-se que o desferimento de um único soco, após injusta provocação da vítima, tal como reconhecido pela sentença (CPM, 209, § 4º: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor moral ou social ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena, de um sexto a um terço”), permitiria, por suas características, a aplicação do princípio da insignificância. (STF. HC 95.445-DF. 2ª Turma. Rel Min. Eros Grau. D.j. 02.12.2008.)   

O princípio também vem sendo utilizado nos delitos contra o meio ambiente de modo muito restrito:

PENAL E PROCESSUAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE COMBUSTÍVEL. ART. 56 DA LEI 9.605/98. COMPETÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE NO CASO CONCRETO.
1. A conduta de introduzir substância tóxica e perigosa em território nacional sem a regular documentação fiscal e ambiental se amolda à figura típica inscrita no art. 56 da Lei 9.605/98, cuja competência para processar e julgar é da Justiça Federal. Precedentes.

2. O transporte de pequena quantidade de gasolina em galões plásticos, sem a ocorrência de dano efetivo ao meio ambiente, pode ser considerado irrelevante no âmbito penal, em face da falta de potencialidade lesiva.
3. In casu, excepcionalmente, é de ser reconhecida como atípica a conduta ante a aplicação do princípio da insignificância. (TRF 4ª Região. RSE n. 2007.71.03.001803-0. 8ª Turma. Rel Des. Elcio Pinheiro de Castro. D.J 27.08.2008.)

 

 Por fim, já se ventilou a sua utilização em razão de improbidade administrativa, como no caso a seguir mencionado:

O chefe de gabinete da prefeitura aproveitou-se da força de três servidores municipais, bem como de veículo pertencente à municipalidade, para transportar móveis de seu uso particular. Ele, ao admitir os fatos que lhe são imputados (são incontroversos e confessados), pediu exoneração do cargo e ressarciu aos cofres públicos a importância de quase nove reais referente ao combustível utilizado no deslocamento. Então, o MP, em ação civil pública, buscou imputar ao réu as condutas dos arts. 9º e 11 da Lei n. 8.429/1992. Por sua vez, o juízo singular reconheceu a configuração da improbidade administrativa e lhe cominou multa de mil e quinhentos reais, porém afastou a pretendida suspensão de direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público. No recurso, o réu buscava afastar a multa imposta, mas o TJ, considerando o valor e o ressarcimento imediato do dano, bem como o pedido de exoneração acabou por julgar improcedente a ação civil pública. Para isso, aplicou à hipótese o princípio da insignificância em analogia com o Direito Penal: apesar de típica, a conduta não atingiria, de modo relevante, o bem jurídico protegido. Diante disso, vê-se que o bem jurídico que a Lei de Improbidade busca salvaguardar é, por excelência, a moralidade administrativa, que deve ser, objetivamente, considerada: ela não comporta relativização a ponto de permitir “só um pouco” de ofensa. Daí não se aplicar o princípio da insignificância às condutas judicialmente reconhecidas como ímprobas, pois não existe ofensa insignificante ao princípio da moralidade. Constata-se que, em nosso sistema jurídico, vige o princípio da indisponibilidade do interesse público, a que o Poder Judiciário também está jungido. Mesmo no âmbito do Direito Penal, o princípio da insignificância é aplicado com parcimônia, visto que o dano produzido não é avaliado apenas sob a ótica patrimonial, mas, sobretudo, pela social. Anote-se haver precedente deste Superior Tribunal quanto ao fato de o crime de responsabilidade praticado por prefeito não comportar a aplicação do princípio da insignificância ao fundamento de que, por sua condição, exige-se dele um comportamento adequado, do ponto de vista ético e moral. Se é assim no campo penal, com maior razão o será no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa, de caráter civil. Com esse entendimento, a Turma deu provimento ao recurso especial do MP, afastando a aplicação do referido princípio. Precedente citado: REsp 769.317-AL, DJ 27/3/2006 (STJ. REsp 892.818-RS, 2ª. Turma. Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 11/11/2008).

 

Como bem entendeu o julgado supracitado não há disponibilidade do bem jurídico tutelado, qual seja, a moralidade administrativa, que não admite relativizações, pois, não há ofensa que seja insignificante em relação à moralidade e probidade administrativas, constitucionalmente asseguradas. A indisponibilidade do interesse público, postulado que rege a Administração, dá sustentáculo à afirmação.

 

2.6. Critérios para aplicabilidade do princípio

 

A falta de critérios que definiriam objetivamente a aplicação do princípio da insignificância é uma das maiores discussões.

A fixação de um parâmetro seguro e constante para concretização judicial do princípio da insignificância, serve para prevenir quando a “jurisprudência massivamente muda de critério e considera atípica uma conduta que até o momento qualificara como típica”. (ZAFFARONI, 2003. p. 224) de modo que se garanta o princípio da isonomia e que duas pessoas que realizaram condutas idênticas, reguladas pela mesma lei, sejam julgadas de maneira diversa.

Para Carlos Vico MAÑAS, na interpretação e valoração da ofensa, deve-se ponderar acerca de sua nocividade social, acrescida dos critérios de desvalor da ação, do resultado e do grau de lesividade e ofensividade ao bem jurídico protegido pelo tipo penal.  Deve-se, ainda, efetuar uma antecipada medição da pena, analisando-se a necessidade de sua imposição e de suas consequências para a sociedade e autor do delito (MAÑAS, p. 60).

Cezar Roberto BITENCOURT e Luiz Régis PRADO (1996, p. 87) advertem que “a irrelevância ou insignificância deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente pela intensidade, isto é, pelo grau de lesão produzida”.

Ao Supremo Tribunal Federal, somente norteiam a aplicabilidade da insignificância critérios objetivos: ou a conduta é insignificante ou não. Para isso, deve-se analisar em conexão com os princípios da fragmentariedade (o direito deve punir os atos que causam lesão extensiva) e da intervenção mínima (o direito só intervém se as outras esferas não conseguiram reprimir – direito penal como ultima ratio). É o que se depreende da leitura do HC 84.687/ MS 2ª T. 26.10.2006, de relatoria do Ministro Celso de Mello:

E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL – CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL – DELITO DE FURTO – “RES FURTIVA” (UM SIMPLES BONÉ) NO VALOR DE R$ 10,00 – DOUTRINA – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – MERA EXISTÊNCIA DE INQUÉRITOS OU DE PROCESSOS PENAIS AINDA EM CURSO – AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL – PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5º, LVII) – PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. – O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: “DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR”. – O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor – por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes – não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. A MERA EXISTÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES POLICIAIS (OU DE PROCESSOS PENAIS EM ANDAMENTO) NÃO BASTA, SÓ POR SI, PARA JUSTIFICAR O RECONHECIMENTO DE QUE O RÉU NÃO POSSUI BONS ANTECEDENTES. – A só existência de inquéritos policiais ou de processos penais, quer em andamento, quer arquivados, desde que ausente condenação penal irrecorrível – além de não permitir que, com base neles, se formule qualquer juízo de maus antecedentes -, também não pode autorizar, na dosimetria da pena, o agravamento do “status poenalis” do réu, nem dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do indiciado ou do acusado, sob pena de transgressão ao postulado constitucional da não-culpabilidade, inscrito no art. 5º, inciso LVII, da Lei Fundamental da República.

 

Sob a ótica da teoria constitucionalista do delito, empregada por Zaffaroni e Luiz Flávio Gomes, extrai-se do acórdão a seguir, os novos vetores para a caracterização da tipicidade (tipicidade formal + tipicidade material + antinormatividade):

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. CRITÉRIOS DE ORDEM OBJETIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. O princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC 84.412/SP). 2. No presente caso, considero que tais vetores se fazem simultaneamente presentes. Consoante o critério da tipicidade material (e não apenas formal), excluem-se os fatos e comportamentos reconhecidos como de bagatela, nos quais têm perfeita aplicação o princípio da insignificância. O critério da tipicidade material deverá levar em consideração a importância do bem jurídico possivelmente atingido no caso concreto. Assim, somente é possível cogitar de tipicidade penal quando forem reunidas a tipicidade formal (a adequação perfeita da conduta do agente com a descrição na norma penal), a tipicidade material (a presença de um critério material de seleção do bem a ser protegido) e a antinormatividade (a noção de contrariedade da conduta à norma penal, e não estimulada por ela). 3. A lesão se revelou tão insignificante que sequer houve instauração de algum procedimento fiscal. Realmente, foi mínima a ofensividade da conduta do agente, não houve periculosidade social da ação do paciente, além de ser reduzido o grau de reprovabilidade de seu comportamento e inexpressiva a lesão jurídica provocada. Trata-se de conduta atípica e, como tal, irrelevante na seara penal, razão pela qual a hipótese comporta a concessão, de ofício, da ordem para o fim de restabelecer a decisão que rejeitou a denúncia. 4. A configuração da conduta como insignificante não abarca considerações de ordem subjetiva, não podendo ser considerados aspectos subjetivos relacionados, pois, à pessoa do recorrente. 5. Recurso extraordinário improvido. Ordem de habeas corpus, de ofício, concedida. (RE 536486, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 26/08/2008, DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-05 PP-01083 RMDPPP v. 5, n. 26, 2008, p. 100-105)

 

No entanto, para o Superior Tribunal de Justiça, em relação ao crime de descaminho tem exigido a presença de critérios objetivos relativos ao desvalor da ação e do resultado, e subjetivos, concernentes à culpabilidade do agente, para a configuração da conduta penalmente significante. Trata-se de uma posição mais correta, pois, a falta de repressão de tais condutas representaria verdadeiro incentivo a pequenos delitos que, no conjunto, trariam desordem social.

 Assim, extrai-se do STJ:

CRIMINAL. HC. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REITERAÇÃO CRIMINOSA. ARTIGO 20, CAPUT, DA LEI 10.522/2002. PATAMAR ESTABELECIDO PARA O NÃO AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO OU ARQUIVAMENTO SEM BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO. ART. 18, § 1º, DA LEI 10.522/2002. EXTINÇÃO DO CRÉDITO. ORDEM DENEGADA.

I. O entendimento desta Corte vem se firmando no sentido de que o princípio da insignificância deve se aplicado com parcimônia, restringindo-se apenas as condutas sem tipicidade penal, desinteressantes ao ordenamento positivo.

II. Nos delitos de descaminho, embora o pequeno valor do débito tributário seja condição necessária para permitir a aplicação do princípio da insignificância, o mesmo pode ser afastado se o agente se mostrar um criminoso habitual em delitos da espécie.

III. O comportamento do réu, voltado para a prática de reiterada da mesma conduta criminosa, impede a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes.

IV. Aplicação da execução de crédito tributário do mesmo raciocínio seguido nas hipóteses de apropriação indébita de contribuições previdenciárias – para as quais se adota o valor estabelecido no dispositivo legal que determina a extinção dos créditos (art. 1º, I, da Lei 9.441/97).

V. O caput do art. 20 da Lei 10.522/2002 se refere ao ajuizamento da ação de execução ou arquivamento sem baixa na distribuição, e não à extinção do crédito, razão pela qual não se pode se invocado como forma de aplicação do princípio da insignificância.

VI. Se o valor do tributo devido ultrapassa o montante previsto no art. 18, § 1º da Lei 11.033/2004, que dispõe acerca da extinção do crédito fiscal, afasta-se a aplicação do princípio da insignificância.

VII. Ordem denegada. (STJ, HC 66316, Rel. Min. Gilson Dipp. 5ª Turma. 28.11.2006. D.J.E. 05.02.2007 p. 307)

 

A posição adotada pelo STJ parece ser a mais correta. Seria incabível pressupor que aquele que faz do descaminho um meio de vida, cometendo vários delitos abaixo do limite que a jurisprudência considera insignificante, tivesse suas ações penais arquivadas, não ensejando maus antecedentes, o que dirá reincidência, pois nenhum tribunal acataria a tese de descaminho reiterado, por assim afrontar o princípio da presunção de inocência. Por isso, na visão do Superior Tribunal de Justiça, as circunstâncias de caráter subjetivo integram a análise da tipicidade:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REITERAÇÃO E HABITUALIDADE DO COMETIMENTO DA CONDUTA LESIVA AO ERÁRIO PÚBLICO.

OCUPAÇÃO ILÍCITA. PRECEDENTES DO STJ.

1. Comprovada, nos autos, a habitualidade da conduta do paciente no cometimento do ilícito, não há como aplicar, in casu, em seu favor, o princípio da insignificância.

2. Para o reconhecimento do aludido corolário não se deve considerar tão-somente a lesividade mínima da conduta do agente, sendo necessário apreciar outras circunstâncias de cunho subjetivo, especialmente àquelas relacionadas à vida pregressa e ao comportamento social do sujeito ativo, não sendo possível absolvê-lo da imputação descrita na inicial acusatória, se é reincidente, portador de maus antecedentes ou, como na espécie ocorre, reiteradamente pratica o questionado ilícito como ocupação. Precedentes do STJ.

3. Ordem denegada. (HC 33.655/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2004, DJ 09/08/2004 p. 280)

 

Aferir se há insignificância analisando somente critérios objetivos, é compactuar com a impunidade.

Como veremos a seguir, a jurisprudência se utiliza de normas de caráter extrapenal para estabelecer o parâmetro de aplicação do princípio. Não há insurgência contra a aplicação do princípio da insignificância, mas sim contra o parâmetro que vem sendo utilizado pelos tribunais na aplicação do aludido princípio.

 

3. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E OS CRIMES DE DESCAMINHO E CONTRABANDO

 

3.1. Aplicação do princípio da insignificância pela Jurisprudência Brasileira

 

Como anteriormente visto, o princípio da insignificância, para ser aplicado, deve obedecer a determinados critérios, pautando-se, basicamente, conforme se expôs, pelo desvalor da ação e do resultado.

Com relação ao crime de descaminho, ao analisar-se objetivamente a conduta do agente, o grande debate da jurisprudência e doutrina tem como questão central a valoração do resultado, ou seja, aferir qual o montante exato que seria devido ao Fisco, implicaria a aplicação da insignificância.

Na avaliação dessa quantia, portanto, os juízes nacionais têm-se amparado em normas extrapenais calcando-se na comparação entre o valor do tributo supostamente sonegado e aqueles valores concebidos como desinteressantes, para a Fazenda Pública, para a realização da inscrição em dívida ativa ou para a propositura da ação de execução fiscal.

Criou-se o entendimento de que se sendo o sujeito passivo do delito de descaminho o próprio Estado, caso este expresse seu desinteresse na cobrança do tributo, não deveria ser aplicado o direito penal, máxime em face das suas notas características de fragmentariedade e de subsidiariedade. 

Desta forma, sucederam-se diversos diplomas legais tributários, nos quais vinham expressos os valores abaixo dos quais ficava o Estado desincumbido de cobrá-los. E, são esses diplomas que foram e estão sendo utilizados como parâmetro objetivo na aplicação do princípio.

A Medida Provisória 1.110, de 30.08.1995, primeira dentre as inúmeras que sucessivamente regularam o CADIN, dispunha:

Art. 18. Serão arquivados os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria- Geral da Fazenda Nacional, de valor consolidado igualou inferior a mil Unidades Fiscais de Referencial, salvo se contra o mesmo devedor existirem outras execuções de débitos que, somados, ultrapassem o referido valor.

 

A Medida Provisória n° 1.561-6, de 12 de junho de 1997 foi convertida na Lei n.° 9.469, de 10 de julho de 1997, que, por sua vez, adotou o limite de R$ 1.000,00 como marco de delimitação da ausência de interesse do Estado na cobrança dos débitos, determinando a possibilidade de que o Advogado – Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais autorizassem a não-propositura e a extinção das ações fiscais em andamento, com base na falta de interesse de agir do Estado. Assim preconizava o artigo 1º do dispositivo legal referido:

Art. 1º. O Advogado-Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas causas de valor até R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), a não propositura de ações e a não interposição de recursos, assim como requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos.

 

Começaram, então, a se manifestar os tribunais pátrios, entendendo não se perfazer o tipo material da conduta descrita no artigo 334 quando o tributo em tese iludido não ultrapassasse R$ 1.000,00 (um mil reais):

“RECURSO ESPECIAL. PENAL. DESCAMINHO (ARTIGO 344, CAPUT, SEGUNDA FIGURA, DO CÓDIGO PENAL). PRINCÍPIO DA BAGATELA OU DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO, IN CASU.

Se o valor dos tributos incidentes sobre os bens apreendidos não ultrapassa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais),- mínimo exigido para a propositura de uma execução fiscal, nos termos da Lei nº 9.469/97, art. 1º; e MP 1.542/28/97, art. 20 – torna-se forçoso reconhecer insignificante a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma legal. Precedentes. Recurso especial conhecido, mas desprovido.”

(REsp nº 236.702/PR, Relator o Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA , DJU de 22/10/2001).

PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

1 – Aplica-se o princípio da insignificância, em crime de descaminho, ao não pagamento de imposto em valor em relação ao qual o próprio Estado manifestou o seu desinteresse pela cobrança.

2    Recurso especial conhecido, mas improvido.

(REsp 247.938/PR, Rel. Ministro  PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2002, DJ 21/08/2006 p. 279)

RECURSO ESPECIAL. PENAL. DESCAMINHO (ART. 334, caput, segunda figura, do Código Penal). PRINCÍPIO DA BAGATELA OU DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO, IN CASU.

Se o valor do tributos incidentes sobre os bens apreendidos não ultrapassa o valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) – mínimo exigido para a propositura de uma execução fiscal, nos termos da Lei 9.469/97, art. 1º; e MP 1.542/28/97, art. 20 – torna-se forçoso reconhecer insignificante a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Precedentes. Recurso especial conhecido, mas desprovido.

(REsp 236.702/PR, Rel. Ministro  JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21/08/2001, DJ 22/10/2001 p. 345)

 

 

Posteriormente, com nova reedição da Medida Provisória n.º 1110, sob o n° 1973-67, em 26 de outubro de 2000, elevou-se o parâmetro mínimo até então R$ 1.000,00 (mil reais) adotado pelo Fisco a ensejar persecução em juízo de valores a ele devidos, para R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), na forma como disposto em seu artigo 20:

 

“Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais)”.

 

Os Tribunais, com vistas, portanto, a essa Medida Provisória, adaptaram seu dispositivo aos casos de contrabando e descaminho, elevando o valor máximo de “desvio” de tributo. Após, veio a lume o disposto no artigo 20 da Lei 10.522/2002, que resultou da conversão da Medida Provisória 2.176/79 (anteriores MPs 2.095 e 1973):

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).

 

Esse dispositivo legal, tomando o espaço então ocupado pela Lei n° 9.469/97, passou a servir como parâmetro aos Tribunais para a determinação do valor considerado insignificante pela Administração Pública. Foi somente a partir desta Lei é que se pode dizer que o referido raciocínio, adotando-se o limite de R$ 2.500,00, passou a ser aplicado, jurisprudencialmente, de maneira firme e reiterada. Vejam-se, por exemplo, os seguintes precedentes do STJ:

 

HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ART. 334, CAPUT, SEGUNDA FIGURA, DO CÓDIGO PENAL). PRINCÍPIO DA BAGATELA OU DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO, IN CASU.

“I – Essa Eg. Corte havia consolidado entendimento no sentido de aplicar o princípio da insignificância para possibilitar o trancamento da ação penal no crime de descaminho de bens, cujos impostos incidentes e devidos fossem iguais ou inferiores a R$ 1.000,00, valor considerado pelos arts. 1.º da Lei n.º 9.469/97 e 20 da MP 1.542-28/97 como de desinteresse do erário em execução fiscal. Precedentes.

II – Nada obstante, com a entrada em vigor da Lei 10.522, de 19 de julho de 2002, o legislador posicionou-se no sentido de certificar a insignificância de créditos de valor igual ou inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Precedentes.

III – In casu, o tributo devido pelo paciente foi avaliado em R$ 1.372,27, montante inferior ao determinado pela lei e pela jurisprudência como lesivo aos cofres públicos, fato a possibilitar a incidência do princípio da insignificância. Isso porque, a conduta imputada na peça acusatória não chegou a lesar o bem jurídico tutelado, qual seja, a Administração Pública em seu interesse fiscal.

IV – Acórdão a quo que deve ser cassado, restabelecendo-se a decisão que não recebeu a denúncia, ante a aplicação do princípio da insignificância penal.” Habeas Corpus concedido.

(HC 34.281/RS, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 08/06/2004, DJ 09/08/2004 p. 281)

 

O artigo 20 da Lei 10.522/02 foi, na seqüência, em 2004, contudo, alterado pela Lei 11.033/04, passando a vigorar com a seguinte redação:

 

Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).

 

 

Com a alteração do art. 20 da referida lei, estabelecendo em R$ 10.000,00 (dez mil reais) a suspensão das execuções fiscais, a jurisprudência manteve o entendimento no sentido de que a aplicação do princípio da insignificância se restringiria a débitos tributários de até R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), com fundamento na razoabilidade e por ser a esfera penal independente da esfera cível. Enfim, a jurisprudência não aplicou o valor em tese, por entender que R$ 10.000,00 (dez mil reais) não era insignificante. Resumindo esse entendimento, leia-se, por exemplo, o voto de Relator da Apelação Criminal nº 2003.71.04.010048-5/RS, 7ª Turma, DJU de 12.04.2006, p. 172:

Tal entendimento, consagrado no âmbito desta Corte, considerava que se a própria Fazenda Nacional entendia que o valor de débitos inscritos como Dívida Ativa da União, de valor consolidado ou inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) deveriam ser arquivados, tal valor poderia servir de parâmetro para a aplicação do princípio destipificante da conduta ora em exame. Contudo, o art. 20 da Lei nº 10.522/02 teve sua redação alterada pela Lei nº 11.033, de 21.12.2004, que elevou esse patamar para R$ 10.000,00 (dez mil reais). Muito embora tenha sido considerado como parâmetro para afastar a tipicidade do delito de descaminho um critério fiscal, impõe-se a distinção da esfera penal e da esfera fiscal, bem como a consideração do instituto da razoabilidade. A esfera penal tem total autonomia da esfera fiscal. Existe influência, tanto que se utilizou o antigo valor fixado pelo prefalado art. 20, mas não dependência direta, ou seja, a alteração efetivada no citado art. 20 não significa a imediata aplicação na esfera penal. No crime de descaminho, a quantia de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) revela-se mais que suficiente para caracterizar a insignificância penal; mormente se considerarmos tratar-se de um delito que envolve mercadorias de pequeno valor. Entendo que não seria uma medida razoável adotar, para fins penais, esse novo teto fiscal, sob pena de incentivo à pratica do delito. Registre-se, outrossim, que na maior parte dos recursos, em tramitação ou já julgados por esta Corte, relativos ao crime de descaminho, o montante dos tributos é bem inferior ao novo valor fixado no art. 20 da Lei 10.522/2002, pode-se dizer que é raro um processo onde o valor dos tributos devidos ultrapasse essa quantia.

Decorre daí que o novo limite fixado no art. 20 da Lei nº 10.522/02 de R$ 10.000,00 (dez mil reais) é elevado para fins penais, porquanto tornaria letra morta o art. 334 do CP.

Logo, mantenho o valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) como critério para aferir a aplicação ou não do princípio da insignificância ao crime de descaminho.

                    

Ocorre que, o STJ, reinterpretando o alcance do artigo 20 da Lei 10.522/2002, com a redação que lhe conferiu a 11.033/2004, revisou sua jurisprudência, e interpretando sistematicamente os aludidos dispositivos legais, concluiu que a extinção do crédito tributário ocorria apenas na hipótese prevista no art. 18, § 1º, da Lei nº 10.522/2002, razão pela qual foi adotado como piso para aplicação do princípio da insignificância o valor nele determinado, tal seja, igual ou inferior a R$ 100,00 (cem reais). Foi no HC 41700/RS, de relatoria do Min. Felix Fisher que se sucedeu o novo entendimento de que “enquanto o art. 18, §1º determina o cancelamento (leia-se: extinção) do crédito fiscal igual ou inferior à R$100,00 (cem reais), o art. 20 apenas prevê o não ajuizamento da ação de execução ou o arquivamento sem baixa na distribuição, não ocorrendo, pois, a extinção do crédito. Daí porque não se poder invocar este dispositivo normativo para regular o valor do débito caracterizador de matéria penalmente irrelevante”. Assim, a referida norma não estabeleceria a extinção do crédito tributário, mas a suspensão da execução, até que o valor devido atinja o patamar ali previsto. O desinteresse do Estado está consubstanciado nos R$ 100,00 e não nos R$ 10 mil reais. Esse entendimento segue o mesmo raciocínio seguido nas hipóteses de apropriação indébita de contribuições previdenciárias – para as quais se adota o valor estabelecido no dispositivo legal que determina a extinção dos créditos (art. 1º, inciso I, da Lei n.º 9.441/97) – “sob pena de se atribuir tratamento diferenciado a hipóteses semelhantes, o que seria um tanto inusitado”. Vieram as novas decisões que são recentes no STJ:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. VALOR SONEGADO SUPERIOR AO LIMITE PREVISTO PARA EXTINÇÃO DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SÚMULA N.º 83 DESTA CORTE.

“1. Na hipótese, o montante do tributo incidente sobre as mercadorias estrangeiras apreendidas é superior ao valor estabelecido na norma legal, que rege a extinção dos créditos tributários (art. 18, § 1.º, da Lei n.º 10.522/02), não sendo possível aplicar o Princípio da Insignificância. Precedentes. “[…]

4. Agravo Regimental desprovido”

 (AgRg no Ag 835560/PR, rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, j. em 30-05-2008, p. no DJU de 30-06-2008, p. 1).

 

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CRIMES DE CONTRABANDO E DESCAMINHO. RECOLHIMENTO DE TRIBUTO EM PATAMAR SUPERIOR ÀQUELE FIXADO PARA O CANCELAMENTO DO CRÉDITO FISCAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Convencionou-se, com amparo na Lei n.º 9.469/97, que o princípio da insignificância teria aplicabilidade nos casos em que o valor dos tributos elididos não superasse mil reais. Em seguida, com a edição da Lei nº 10.522/2002, o montante utilizado para o arquivamento das ações de execução foi majorado para dois mil e quinhentos reais.

Mais recentemente, a Lei nº 11.033/2004, em seu artigo 21, dispôs que serão arquivados, sem baixa na distribuição, os valores consolidados  iguais ou inferiores a dez mil reais.

2. Essas freqüentes modificações naqueles patamares suscitaram nesta Corte novas reflexões sobre o critério até aqui utilizado. Neste sentido, observou o eminente Ministro Félix Fischer: “… acredito que esse entendimento há de ser revisto, devendo ser alterado tal critério, pois, como já vinha ressalvando, o valor limite para a execução carece de sentido mesmo em matéria extra-penal” (HC 41700/RS, Rel. Ministro  FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17.05.2005, DJ 20.06.2005 p. 321).

3. O valor de referência utilizado pela fazenda pública, quanto aos débitos inscritos em Dívida Ativa da União, é, portanto, de cem reais, conforme determina o artigo 18, §1o, da Lei 10.522/2002, e equivale ao máximo de débito que o Estado está autorizado a cancelar. Desta feita, considerando-se que as instâncias ordinárias apuraram que a quantia devida pelos mencionados réus ao Fisco Federal excede substancialmente R$ 100,00, é de rigor o afastamento do Princípio da Insignificância.

4. Agravo a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1010720/RS, Rel. Ministra  JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 21/08/2008, DJe 08/09/2008)

 

Por decorrência, após a Lei 11.033/2004, insignificante não é aquilo que o Fisco deixa de executar, mas aquilo que ele, especificamente, renuncia, tal qual previsto no parágrafo 1º do artigo 20 da Lei 10.522/2002:

§ 1º Ficam cancelados os débitos inscritos em Dívida Ativa da União, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 100,00 (cem reais).

Assim, seguindo o entendimento do STJ, o patamar do suposto crédito tributário para fins de insignificância, nos crimes de descaminho, passou a ser de apenas R$ 100,00.

Aliás, em decisão recentíssima, decidindo Embargos de Divergência opostos pelo Ministério Público Federal à 3ª. Seção do STJ assim se pronunciou no EREsp 966077, conforme o Informativo da Jurisprudência n. 396:

Os pacotes de cigarro e litros de uísque apreendidos por entrada ilegal no País totalizavam quase sete mil reais. Assim, não é possível incidir, nesse crime de descaminho, o princípio da insignificância, pois o parâmetro contido no art. 20 da Lei n. 10.522/2002 (dez mil reais) diz respeito ao arquivamento, sem baixa na distribuição, da ação de execução fiscal (suspensão da execução), o que denota sua inaptidão para caracterizar o que deve ser penalmente irrelevante. Melhor padrão para esse fim é o contido no art. 18, § 1º, daquela mesma lei, que cuida da extinção do débito fiscal igual ou inferior a cem reais. Anote-se que não se desconhecem recentes julgados do STF no sentido de acolher aquele primeiro parâmetro (tal qual faz a Sexta Turma do STJ), porém se mostra ainda preferível manter o patamar de cem reais, entendimento prevalecente no âmbito da Quinta Turma do STJ, quanto mais na hipótese, em que há dúvidas sobre o exato valor do tributo devido, além do fato de que a denunciada ostenta outras condenações por crimes de mesma espécie. Com esse entendimento, a Seção conheceu dos embargos e, por maioria, acolheu-os para negar provimento ao especial.

 

Ocorre que a celeuma ainda continuará uma vez que a Seção por unanimidade conheceu dos emabargos de divergência e por maioria acolheu-os nos termos da Ministra Relatora, tendo quatro votos vencidos.

 

3.2. A Decisão paradigma do STF

 

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC nº 92.438/PR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, firmou entendimento no sentido de ser aplicável, na prática de descaminho, o princípio da insignificância quando o valor do tributo suprimido é inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais):

 

EMENTA: HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. MONTANTE DOS IMPOSTOS NÃO PAGOS. DISPENSA LEGAL DE COBRANÇA EM AUTOS DE EXECUÇÃO FISCAL. LEI N° 10.522/02, ART. 20. IRRELEVÂNCIA ADMINISTRATIVA DA CONDUTA. INOBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA. 1. De acordo com o artigo 20 da Lei n° 10.522/02, na redação dada pela Lei n° 11.033/04, os autos das execuções fiscais de débitos inferiores a dez mil reais serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, em ato administrativo vinculado, regido pelo princípio da legalidade. 2. O montante de impostos supostamente devido pelo paciente é inferior ao mínimo legalmente estabelecido para a execução fiscal, não constando da denúncia a referência a outros débitos em seu desfavor, em possível continuidade delitiva. 3. Ausência, na hipótese, de justa causa para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não pode ter relevância criminal. Princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. 4. O afastamento, pelo órgão fracionário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da incidência de norma prevista em lei federal aplicável à hipótese concreta, com base no art. 37 da Constituição da República, viola a cláusula de reserva de plenário. Súmula Vinculante n° 10 do Supremo Tribunal Federal. 5. Ordem concedida, para determinar o trancamento da ação penal.

(HC 92438, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-04 PP-00925)

Diante desse julgamento, inúmeras decisões ocasionaram o que chamamos de efeito cascata. Os Tribunais e juízos de primeira instância que antes entendiam serem insignificantes os créditos abaixo de R$ 100,00 (cem reais), voltaram a utilizar o patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Assim, alguns Ministros do STJ vêm aplicando:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE.

1. A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC nº 92.438/PR, Relator o Ministro Joaquim Barbosa, firmou entendimento no sentido de ser aplicável, na prática de descaminho, o princípio da insignificância quando o valor do tributo suprimido é inferior a R$ 10.000,00.

2. No caso, o valor do tributo sonegado é de R$ 1.698,64, que não excede o limite de R$ 10.000,00 adotado pela Lei nº  11.033/2004, sendo de rigor a extinção do crédito tributário.

3. Agravo regimental provido.

AgRg no REsp 1021805 / SC.  Ministro HAMILTON CARVALHIDO . T6 – SEXTA TURMA. 28/10/2008 DJe 17/11/2008 .

 

EMENTA: HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. DÉBITO TRIBUTÁRIO INFERIOR AO VALOR PREVISTO NO ART. 20 DA LEI Nº 10.522/02. ARQUIVAMENTO. CONDUTA IRRELEVANTE PARA A ADMINISTRAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 1. Crime de descaminho. O arquivamento das execuções fiscais cujo valor seja igual ou inferior ao previsto no artigo 20 da Lei n. 10.522/02 é dever-poder do Procurador da Fazenda Nacional, independentemente de qualquer juízo de conveniência e oportunidade. 2. É inadmissível que a conduta seja irrelevante para a Administração Fazendária e não para o direito penal. O Estado, vinculado pelo princípio de sua intervenção mínima em direito penal, somente deve ocupar-se das condutas que impliquem grave violação ao bem juridicamente tutelado. Neste caso se impõe a aplicação do princípio da insignificância. Ordem concedida.

(HC 95749, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 23/09/2008, DJe-211 DIVULG 06-11-2008 PUBLIC 07-11-2008 EMENT VOL-02340-04 PP-00708)

 

HABEAS CORPUS PREVENTIVO. DESCAMINHO. ATIPICIDADE MATERIAL.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSTO ILUDIDO (R$ 4.410,00) INFERIOR AO VALOR ESTABELECIDO PELA LEI 11.033/04 PARA EXECUÇÃO FISCAL (R$ 10.000,00). CONDUTA IRRELEVANTE AO DIREITO ADMINISTRATIVO, QUE NÃO PODE SER ALCANÇADA PELO DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. NOVO ENTENDIMENTO DO STF.PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, PORÉM, PARA DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA.

1.   De acordo com o entendimento recentemente firmado pelo STF, aplica-se o princípio da insignificância à conduta prevista no art.

334, caput, do CPB (descaminho), caso o ilusão de impostos seja igual ou inferior ao valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), estabelecido pelo art. 20, caput, da Lei 10.522/2002, alterado pela Lei 11.033/2004, para a baixa na distribuição e arquivamento de execução fiscal pela Fazenda Pública. HC 92.438/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, DJU 29.08.08, HC 95.749/PR, Rel. Min. EROS GRAU, DJU  07-11-2008 e RE 536.486/RS, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJU 19-09-2008.

2. Segundo o posicionamento externado pela Corte Suprema, cuidando-se de crime que tutela o interesse moral e patrimonial da Administração Pública, a conduta por ela considerada irrelevante não deve ser abarcada pelo Direito Penal, que se rege pelos princípios da subsidiariedade, intervenção mínima e fragmentariedade.

3.   Parecer do MPF pela denegação da ordem.

4.   Ordem concedida, para determinar o trancamento da Ação Penal.

(HC 116.293/TO, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 09/03/2009)

 

Desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região caminham no mesmo sentido:

PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. HABITUALIDADE NÃO RECONHECIDA.

A Lei 11.719/08 que deu nova redação ao artigo 397 do Código de Processo Penal passou a admitir a absolvição sumária do acusado, quando verificar a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou extinta a punibilidade do agente.

Aplica-se o princípio da insignificância ao crime de descaminho, quando o valor do tributo não recolhido é igual ou inferior a R$ R$ 10.000,00 (dez mil reais), patamar esse instituído pela Lei n.º 11.033/04.

Não é admissível que uma conduta seja administrativamente irrelevante e, ao mesmo tempo, seja considerada relevante e punível ao Direito Penal.

Circunstâncias de caráter eminentemente subjetivo não interferem na aplicação do princípio da bagatela jurídica.

(TRF4, ACrim/RS. 2007.71.07.005967-5. Rel. Des. LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, D.J. 25/03/2009)

 

3.3. Inconsistências jurídicas das decisões

 

As decisões que aplicam os R$ 10.000,00 (dez mil reais) como parâmetro para a aplicação do princípio da insignificância estão assentadas em duas premissas: a) não há interesse administrativo da União em cobrar esses valores; b) a ultima ratio pressupõe exercício da tutela civil e administrativa.

Contudo, ambas apresentam equívocos criando um resultado drástico para o erário federal, pois se considera que todas as lesões ao erário federal inferiores a R$ 10 mil são irrisórias, logo, não poderão ser objeto de tutela penal.

 

3.3.1 R$ 10.000,00 (dez mil reais) é significante

 

Antes de tudo, cabe ressaltar que R$ 10.000,00 (dez mil reais) não é insignificante. Quais os cidadãos que recebem determinada quantia? Qual a percentagem que aufere tamanha monta ao longo de um mês? É estranho tratar R$ 10.000,00 (dez mil reais) como irrisório, se o valor do salário mínimo é de R$ 465 reais. Por que não se pagam R$ 10.000,00 (dez mil reais) então?

Tratar R$ 10 mil como irrisórios, por ser dinheiro devido ao Fisco, é corroborar com a velha máxima: “se é público, não é meu”. O que se vê é que o art. 334 do Código Penal foi transformando numa norma penal em branco ao bel prazer do magistrado.

HABEAS CORPUS. PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ORDEM CONCEDIDA.

1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.

2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no que se refere ao delito de descaminho, orientava-se no sentido de que o princípio da insignificância somente seria aplicado nas hipóteses em que o valor do tributo devido fosse igual ou inferior ao mínimo exigido para a propositura de uma execução fiscal, por força do disposto no art. 20 da  Lei 10.522/02.

3. Posteriormente, com a edição da Lei 11.033/04, que alterou o valor previsto no mencionado dispositivo legal para R$ 10.000,00, a Quinta Turma deste Tribunal, acompanhando o voto proferido pelo Min. Felix Fischer, na sessão de julgamento de 15/3/05, alterou o entendimento para considerar como penalmente irrelevantes apenas os valores iguais ou inferiores a R$ 100,00, para os quais a administração prevê a extinção do crédito tributário, conforme dispõe o § 1º do art. 18 da Lei 10.522/02.

4. Revendo a questão, entendo que, assim como nos delitos contra o patrimônio, a aplicação do princípio da insignificância não deve estar atrelada apenas a um valor prefixado, sob pena de trasmudar-se o art. 334 do Código Penal em uma norma penal em branco, e sim ao conceito de razoabilidade, a fim de avaliar, em cada caso, o bem que não merece a tutela penal, à luz da fragmentariedade e da intervenção mínima.

5. Na hipótese, o paciente foi denunciado, por ter introduzido no território nacional, mercadoria de origem estrangeira sem o recolhimento dos tributos devidos, no montante de R$ 639,36.

6. Embora a conduta se amolde à definição jurídica do crime de descaminho, não ultrapassa o exame da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade, uma vez que a sua ofensividade se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzido e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.

7. Ordem concedida para determinar a extinção da ação penal instaurada contra o paciente.  (HC 110.404/PR, Rel. Ministro  ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2008, DJe 01/12/2008) (grifei)

 

      3.3.2 Interesse da Administração

 

É descabida a alegação de que não há interesse da administração. Há sanções administrativas aos montes previstas para os delitos de descaminho ou contrabando. Só o art. 96 do Decreto-Lei 37/66 prevê quatro[9]. E, em todas as apreensões de mercadorias elas são aplicadas, porque há sempre a perda da mercadoria e do veículo transportador. Também o art. 23 do Decreto-Lei 1.455/76, além do art. 602 e segs. do Decreto nº 4.543/2002, prevêem sanção disciplinares, que são aplicadas cotidianamente.

Todas as sanções administrativas são aplicadas pela União, no caso a Secretaria da Receita Federal, sempre que há fraude na introdução de mercadoria em território nacional. Então, a premissa de que não há sanção administrativa para o descaminho e contrabando é falsa. E a demonstração de que são aplicadas e mesmo assim o volume de contrabando e descaminho não decresce comprova a insuficiência da tutela administrativa.

Logo, confunde-se tutela administrativa com cobrança judicial (que é tutela civil). O que a Lei 10.522/02 dispensou trata-se da cobrança judicial dos créditos decorrentes de tributos em valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). Mesmo assim, o fez por imprestabilidade da tutela civil, não por desnecessidade dela.

O critério foi pragmático e realista, em nome da economia pública. O resultado de execuções fiscais em valores inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) são inexitosos. Custo ao erário que, raramente, encontra compensação. Imprestável a tutela civil, foi isso que reconheceu a Lei 10.522/02.

Mesmo assim, não há extinção dos débitos do cidadão. Há somente arquivamento administrativo das dívidas até que alcance o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Quando chega a este montante, o Procurador da Fazenda Nacional deve executar a dívida. Porém, isso é impossível no direito penal, pois, uma vez arquivado o processo ou inquérito por bagatela, há coisa julgada material pelo reconhecimento da atipicidade.

Portanto, o que a Lei 10.522/02 dispensou foi à cobrança judicial enquanto não há valores em soma igual ou superior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), reconhecendo que não há eficácia da tutela civil para dívidas inferiores aquele valor. Mas em nenhum momento o legislador quis considerar penalmente lícita a conduta. Pelo contrário, manteve o crime e as sanções administrativas vigentes, porque os considerou necessárias para a tutela do bem jurídico.

 

3.3.3 Não há constituição de crédito tributário

 

Outro ponto equivocado da primeira premissa é que há de se aferir o valor dos tributos sonegados. Em primeiro lugar não existe tributo no caso de descaminho ou contrabando, porque não há hipótese de incidência e se aplica a sanção administrativa de perdimento dos bens, conforme art. 71, III do Decreto 4.543/02.[10]

 Logo, para mercadorias objeto de descaminho e contrabando não há tributo devido. Um equívoco da prática forense era solicitar os valores dos tributos que incidiriam, se a importação fosse regular (equívoco que era praticado também por este signatário, que agora se penitencia). Foi uma forma para se ponderar a aplicação da bagatela equivocadamente eleita (porque, afinal, os tributos suprimidos não são o bem jurídico tutelado pelo descaminho e contrabando).

Tanto é que não se aplica o art. 34 da lei n. 9.294/95, pois mesmo quem paga o tributo iludido antes do recebimento da denúncia, não recebe o mesmo tratamento jurídico dado aos crimes previstos na Lei n. 8.137/90.

     

 

3.3.4. Inversão do que se entende por ultima ratio

 

Assevera-se que “onde não há interesse da vítima em recorrer à tutela civil não há como existir tutela penal”. Há um grande equívoco nesta parte. Se isso for correto, então não há como denunciar mais ninguém neste país por quase todos os crimes, tais como homicídio, estupro, furto, seqüestro, latrocínio, tráfico de entorpecentes, etc.

O Supremo Tribunal Federal, inverteu a idéia da ultima ratio, pois, a ultima ratio decorre da idéia de insuficiência da tutela civil e administrativa para coibir a lesão a um bem jurídico. Essa insuficiência é valorada pelo próprio legislador e pela observação comum da realidade. Quando é evidente que não adianta existir ações de ressarcimento ou sanções administrativas, porque mesmo assim o bem jurídico será lesionado constantemente e não estará protegido, há necessidade da tutela penal (último recurso).

Basta, para coibir o homicídio ou o estupro, que a ação civil que pode ser proposta pela vítima?  Assim, basta, para coibir o descaminho e o contrabando, a existência de sanção administrativa de apreensão das mercadorias? Ultima ratio, decorre justamente da resposta negativa a essas questões. Por essa razão há necessidade de uma tutela que independe da vontade da vítima ou da Administração.

O crime é fruto da insuficiência das sanções civis e administrativas. O crime ofende toda a sociedade, transcendendo interesses particulares, e merece reprovação penal. A reprovação penal é decorrência da falta de aptidão das sanções cíveis e administrativas para a proteção do bem jurídico.

Assim, a tutela penal é último recurso porque não se pode utilizá-la quando há recursos menos drásticos (civis e administrativos) que alcançam o resultado almejado de proteção ao bem jurídico. Ultima ratio nunca foi sinônimo da necessidade de existência prévia de tutela civil e administrativa, antes da tutela penal.

O atual entendimento do Judiciário está resgatando período da história já ultrapassado. Período no qual a tutela penal dependia de vontade da vítima (quando não era exercida por ela própria). O entendimento de que se a vítima (no caso a União) decide abrir mão da tutela civil, não há como haver tutela penal, é um atentado à idéia de crime e ao art. 129, I da Constituição da República Federativa do Brasil. Porque o crime deixa de ser lesão à ordem pública é à sociedade e o Ministério Público deixa de ser o responsável pela aplicação da tutela penal. Passa o crime a ser lesão à vítima, deixando de ter sentido a existência de órgão público autônomo para a persecução penal. Deixa também de ter sentido a idéia de crime como lesão à ordem pública, merecedora de sanção reprovadora independente da vontade da vítima.

A tipificação do delito referido, como já dito, não busca tão-somente a proteção de interesses fiscais, mas sim serve, principalmente, à tutela de outros bens jurídicos intimamente relacionados à ordem econômica. O dispositivo penal do art. 334 do Código Penal, ao procurar evitar a sonegação dos impostos de importação e exportação, serve à defesa da economia e do mercado interno, blindando a indústria nacional contra a invasão de produtos produzidos no exterior a preços baixos, bem como protegendo os comerciantes em geral contra a desleal concorrência daqueles que comercializam produtos fraudulentamente internalizados.

Todos esses fatores assumem extrema importância para a produção de renda e geração/manutenção de empregos no País, integrando o bem jurídico tutelado penalmente, estando, inclusive, acima do mero interesse de arrecadação tributária.

Deste modo, pelo fato de, na norma que tipifica o delito de descaminho, estar evidenciada a existência de um objetivo de proteção de interesses extrafiscais relacionados ao regular desenvolvimento do mercado, tem-se por inadequada a consideração da insignificância por base em uma simples análise do interesse fiscal/patrimonial da Fazenda em cobrar seus créditos, conforme ocorreu na sentença recorrida.

Logo, o crime de descaminho, por exemplo, afeta a concorrência leal, o mercado interno e somente tangencia a lesão ao fisco. A incidência tributária sobre a importação tem finalidades mais extrafiscais do que fiscais. Visa-se proteger certos produtos e produtores nacionais, tendo muito pouco a ver com interesse na arrecadação.

O mesmo ocorre no crime de contrabando, que tutela vários valores, sem que nenhum deles seja inerente ao fisco. Quando se proíbe a entrada de uma fruta de determinado país, uma carne de outro, etc, está a se proteger saúde pública, qualidade da produção, etc. Quando se proíbe a entrada de remédios estrangeiros, está a se proteger saúde pública. Quando se proíbe entrada de cigarro está a se proteger a saúde do consumidor. Logo, é um crime pluriofensivo, eis que a norma tem por objeto a tutela de interesses diversos, podendo a conduta ofender a mais de um bem jurídico: além de atentar contra o erário público, poderá ofender a higiene, a moral ou a segurança pública, sendo idôneo ainda a prejudicar a indústria nacional.

Porém, é pacífica a aplicação do princípio da insignificância no contrabando, bem como dos patamares relacionados aos “tributos iludidos”.

Diante desses argumentos não seria aplicável a insignificância, por ofender diversos bens jurídicos de forma difusa. Se contra o meio ambiente não é possível a aplicação deste princípio descriminador, por que aplicar no contrabando?

Logo, é necessário rever esse posicionamento, além de se garantir uma isonomia nas decisões. Isonomia é garantia de segurança jurídica, bem como de credibilidade do Judiciário.

 

3.3.5 Os critérios subjetivos na aplicação do princípio da insignificância

                                              

                                              

Não há raciocínio jurídico capaz de fazer crer que o sujeito que realiza a internalização de produtos sem o pagamento do imposto de importação, mas o faz “aos poucos”, lesa o interesse protegido pela norma do art. 334 do CP de modo menos grave do que aquele que realiza tal conduta ilícita importando tudo de uma vez.                         

Tal entendimento, se aplicado, ainda afastaria a lógica do sistema penal. É só observar a seguinte situação hipotética:

Uma pessoa pratica descaminho de mercadorias uma vez por mês, continuamente durante 2 anos, iludindo, em média, o pagamento de R$ 8.000,00 (oito mil reais) em tributos em cada uma das vezes em que realiza a importação (total R$ 192.000,00). Sem sombra de dúvidas tal conduta lesa a norma e os interesses por ela protegidos de modo muito mais grave do que aquele que uma única vez realizou importação de produtos deixando de pagar tributos devidos no valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais), por exemplo.

A bem da verdade deve-se ter em mente que nossa política penal procura punir o fato de se cometer dois delitos de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) de modo mais grave que a prática de um único delito de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Isso porque, na situação de haver dois crimes, a pena certamente sofrerá um aumento, tanto se for considerado o cúmulo material (art. 69, CP) como também na hipótese de estabelecimento de crime continuado (art. 71, CP).

No entanto, caso não se racionalize a aplicação do aludido princípio de bagatela, haverá uma inadequada inversão de valores, com absurdas e drásticas conseqüências.

Isso porque, se se persistir com o entendimento aplicado na sentença absolutória impugnada, os delitos inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) serão sempre desconsiderados, mesmo que se tenha claro que a soma dos prejuízos causados pelas infrações penais praticadas pelo agente ultrapasse em muito o patamar referido, o que fere de modo claro o princípio da proporcionalidade e os objetivos de política criminal subjacentes ao sistema.

Assim, tem-se que a impotência de punição diante da habitualidade delitiva é mais um fator que demonstra a impossibilidade de aplicação do referido preceito.

Já a 2ª Turma do STF entende que não se devem aplicar as circunstâncias de caráter subjetivo na aplicação do principio da insignificância:

CRIMINAL. HC. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REITERAÇÃO CRIMINOSA. ARTIGO 20, CAPUT, DA LEI 10.522/2002. PATAMAR ESTABELECIDO PARA O NÃO AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO OU ARQUIVAMENTO SEM BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO. ART. 18, § 1º, DA LEI 10.522/2002. EXTINÇÃO DO CRÉDITO. ORDEM DENEGADA.

I. O entendimento desta Corte vem se firmando no sentido de que o princípio da insignificância deve se aplicado com parcimônia, restringindo-se apenas as condutas sem tipicidade penal, desinteressantes ao ordenamento positivo.

II. Nos delitos de descaminho, embora o pequeno valor do débito tributário seja condição necessária para permitir a aplicação do princípio da insignificância, o mesmo pode ser afastado se o agente se mostrar um criminoso habitual em delitos da espécie.

III. O comportamento do réu, voltado para a prática de reiterada da mesma conduta criminosa, impede a aplicação do princípio da insignificância. Precedentes.

IV. Aplicação da execução de crédito tributário do mesmo raciocínio seguido nas hipóteses de apropriação indébita de contribuições previdenciárias – para as quais se adota o valor estabelecido no dispositivo legal que determina a extinção dos créditos (art. 1º, I, da Lei 9.441/97).

V. O caput do art. 20 da Lei 10.522/2002 se refere ao ajuizamento da ação de execução ou arquivamento sem baixa na distribuição, e não à extinção do crédito, razão pela qual não se pode se invocado como forma de aplicação do princípio da insignificância.

VI. Se o valor do tributo devido ultrapassa o montante previsto no art. 18, § 1º da Lei 11.033/2004, que dispõe acerca da extinção do crédito fiscal, afasta-se a aplicação do princípio da insignificância.

VII. Ordem denegada. (STJ, HC 66316, Rel. Min. Gilson Dipp. 5ª Turma. 28.11.2006. D.J.E. 05.02.2007 p. 307)

 

 Nos casos de elisão de tributos inferior ao patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais), não há extinção dos referidos créditos. O que ocorre é o arquivamento administrativo da dívida até que seja alcançado, ou com a soma de outras dívidas, ou com a incidência de atualização e juros, o montante mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para execução. Se tal patamar for atingido, a Procuradoria da Fazenda Nacional, que antes não possuía interesse nem o dever de executar a dívida, passará agora a ter.

No entanto, caso o referido entendimento pela declaração da atipicidade da conduta passe a ser aplicado, com arquivamento dos inquéritos policiais e absolvição de réus nos processos instaurados para apuração, haverá o reconhecimento da coisa julgada material, impedindo futura ação penal quando o interesse de executar o crédito passar a existir.

Nota-se que, ao dispensar a cobrança judicial dos créditos, o legislador, em nenhum momento, quis considerar penalmente lícita a conduta. Pelo contrário, manteve o crime e as sanções administrativas vigentes, porque os considerou necessários à tutela do bem jurídico.

 

3.4. Provável solução – adoção do limite de US$ 500,00 (quinhentos dólares)                                               

De acordo com o art. 6º, inc. III, alínea “b”, da Instrução Normativa nº 117, de 06/10/98, da Secretaria da Receita Federal, a isenção aplicável aos bens trazidos por quem ingressa no país pelas vias terrestre, fluvial ou lacustre, é de US$ 150,00. Contudo, fazendo valer o princípio da isonomia – art. 5º, inc. I, da Constituição da República – deve-se adotar a cota de US$ 500,00 destinada aos que viajam por via aérea (art. 6º, inc. III, alínea “a”, do referido diploma). Afinal, para a tipificação do descaminho utiliza-se parâmetro único, por incidência do princípio da isonomia, qual seja o limite de isenção fiscal maior, previsto para as viagens aéreas e marítimas, pois o fato de o agente viajar por via terrestre não pode ser determinante para qualificar a cota de isenção.

Ocorre que as referidas cotas referem-se à bagagem acompanhada. Assim, os bens “cuja quantidade, natureza ou variedade configure importação ou exportação com fim comercial ou industrial” estão excluídos do conceito de bagagem (art. 3º, inc. I, da IN/SRF nº 117/98).

Como anteriormente dito, não há preocupação com as pessoas que vão a Ciudad del Este para a compra de “bugigangas” sem fins comerciais.

Há preocupação com as quadrilhas que movimentam esse país com produtos falsificados ou contrabandeados do Paraguai, as quais movimentam milhões de reais e resultam em outros delitos, como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, tráfico de drogas, contrabando de armas.

Por isso, há a presunção de que, se importou mais que US$ 500,00 é para fins comerciais.

Logo, a adoção desse patamar encaixa com aqueles ditames da tipicidade conglobante: desvalor da conduta juntamente com o do resultado. Mais uma vez, ressalta-se: não há contrariedade a essa teoria, mas sim, verificação de sua utilização prática pelo Judiciário. Pois bem, cabe a este rever seu posicionamento e promover a Justiça.

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O Direito Penal é o ramo do direito que tem por objetivo a proteção dos bens jurídicos fundamentais, mediante a criminalização de condutas consideradas lesivas a esses bens jurídicos.

É claro que o direito penal não deve se preocupar com condutas lesivas à sociedade – seja porque socialmente adequadas (desvalor da ação), seja porque o resultado por elas causado não afeta de forma significativa o bem jurídico tutelado (desvalor do resultado). Em momento algum, quer-se o abarrotamento das prisões já precárias e a proliferação desse sistema penal já combalido, pois a incriminação implica um alto custo social ao estigmatizar e segregar o condenado.

Para tanto, não se pode punir um comportamento que a sociedade não considera digno de receber punição; e o Direito Penal não deve se ocupar de bagatelas. Porém, é necessário se perquirir o que se considera bagatela.

A criminalidade está cada vez mais refinada, relacionada a um mercado mais sofisticado, que demanda uma efetiva interferência do direito penal. Trata-se de uma modalidade de delinqüência absolutamente diversa daquela até então encontrada e que afeta todos os campos: sejam eles políticos, sociais ou familiares.

Se a finalidade do sistema penal é tutelar bens jurídicos essenciais ao indivíduo e à coletividade, deve ele, indiscutivelmente, intervir nas esferas em que seja necessária tal intervenção, quando as outras áreas do Direito não conseguem mais coibir os abusos e a impunidade.

O Estado tem um novo papel: não basta se assegurar ao indivíduo uma vida pacífica em sociedade, mas, também, deve fornecer os meios próprios ao seu desenvolvimento pessoal. Afinal, numa sociedade constitucionalmente fundada, o social é também erigido ao patamar de fundamento constitucional. Ocorre que, não podemos colocar “a culpa na sociedade”, ou “no Estado” em virtude de toda e qualquer ação criminosa. Trata-se de uma falácia evocada pelos quatro cantos do país e ecoada por uma série de pessoas no ramo acadêmico que difundem suas idéias baseadas somente na crítica, sem qualquer meio de solução.

No artigo 334 do Código Penal de 1940 (Decreto-lei nº 2848), situado no Capítulo II – Dos crimes praticados por particular contra a administração em geral –, do Título XI – Dos crimes contra a Administração Pública, estão previstas duas condutas delituosas: o contrabando e o descaminho.

Trata-se de crime aduaneiros (mediante o desrespeito às normas elaboradas pela Alfândega em decorrência da transposição das fronteiras de determinado Estado) que na realidade lesam não só o Fisco, mas também a saúde e a economia do país.

Enquanto o contrabando significa a importação ou a exportação de gênero ou mercadoria ditos proibidos, o descaminho constitui uma fraude ao pagamento dos tributos aduaneiros, consubstanciada na ilusão, total ou parcial, de direito ou imposto devido pela entrada ou saída de mercadoria.

O crime de contrabando é um crime pluriofensivo, eis que a norma tem por objeto a tutela de interesses diversos, podendo a conduta ofender a mais de um bem jurídico: além de atentar contra o erário público, poderá ofender a higiene, a moral ou a segurança pública, sendo idôneo ainda a prejudicar a indústria nacional. Diante desses argumentos não seria aplicável à insignificância, por ofender diversos bens jurídicos de forma difusa. Se contra o meio ambiente não é possível a aplicação deste princípio descriminador, por que aplicar no contrabando?

Por sua vez, o descaminho é um ilícito de natureza fiscal-econômica, ofendendo além de o erário público/Fisco a economia nacional.

Caracterizando os crimes tipificados no art. 334 do Código Penal verifica-se que, no contrabando, as mercadorias exportadas ou importadas são proibidas em nosso país. Com relação ao descaminho emprega-se a fraude para evitar o pagamento de direito ou tributos devidos pela entrada ou saída da mercadoria não proibida. Qualquer pessoa pode cometer os crimes tipificados, portanto, trata-se de crime comum, mas o sujeito passivo lesado será sempre o Estado. O artigo 334 não se limita ao seu caput, descrevendo em seu parágrafo primeiro, além dos crimes de contrabando e descaminho, condutas a eles assemelhadas, tendo em vista a própria sofisticação da prática daquelas condutas, que exigiu a previsão das chamadas modalidades “assimiladas” ao contrabando e ao descaminho.

Os delitos são instantâneos e materiais. Seus efeitos, contudo, são permanentes, eis que o caráter de ilegalidade incidente sobre as mercadorias contrabandeadas ou descaminhadas permanece mesmo após a consumação dos delitos. Em vista disso, a competência para o processamento e julgamento dos delitos previstos no artigo 334, caput, do Código Penal, será do Juízo Federal (conforme disposição do artigo 109, IV, da Constituição Federal) com jurisdição sobre o local no qual se deu a apreensão das mercadorias contrabandeadas ou descaminhadas, conforme disposição da Súmula 151 do Superior Tribunal de Justiça.

Como grande centro das práticas de contrabando e descaminho em nosso país, destaca-se, atualmente, a cidade de Foz do Iguaçu, no Estado do Paraná, onde, em decorrência da tríplice fronteira (Brasil-Paraguai-Argentina).

Do mesmo modo que se pugna pelo mesmo tratamento destinado aos crimes contra a ordem tributária aos crimes de contrabando e descaminho, há uma imprecisão que deveria ser levada em consideração para a aplicação do princípio da insignificância também: não há lançamento tributário nos crimes de contrabando e descaminho. 

Se não há lançamento, não há constituição de tributo que possa ser exigível. Ao contrário dos crimes contra a ordem tributária, os quais o STF entendeu que deve haver constituição do crédito para posterior oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, tratando-se de uma questão prejudicial.

Em se tratando de tipos penais com objetividade jurídica distinta, não há como ser aplicado o mesmo entendimento para ambos os delitos, no que se refere à condição objetiva de punibilidade. O delito de contrabando ou descaminho tutela a Administração Pública, em especial o erário, protegendo também a saúde, a moral, a ordem pública. De outro modo, no crime do artigo 1º da Lei nº 8.137/90, o bem jurídico protegido é a ordem tributária, entendida como o interesse do Estado na arrecadação dos tributos, para a consecução de seus fins. Neste delito, exige-se o resultado naturalístico, tanto que o pagamento do tributo extingue a punibilidade (artigo 34 da Lei nº 9.249/95), ao contrário do descaminho, no qual, mesmo que declarado o perdimento da mercadoria ou tendo sido paga a exação tributária, não há qualquer conseqüência no âmbito penal

Portanto, nem mesmo o pagamento dos tributos iludidos é considerado para efeitos de extinção da punibilidade no crime de descaminho ao contrário daqueles da Lei n. 8.137/90, bem como o 168-A e o 337-A, os quais segundo decisões dos tribunais permitem até a extinção da pretensão executória com o devido pagamento.

Contudo, o princípio da insignificância é utilizado como chave-mestre para retirar a tipicidade da conduta.

O princípio da insignificância provém do brocardo jurídico minima non curat praetor, de minimis non curar praetor ou de minimis praetor non curat, em vigor no Direito Romano antigo, pelo que o pretor, regra geral, não se ocupava das causas ou delitos de bagatela. Tal princípio decorre da moderna concepção de Direito Penal, incide quando a conduta praticada causar ao bem jurídico tutelado uma lesão ínfima, insignificante. A conduta, assim sendo, deixa de ser típica, não mais interessando ao Direito Penal.

O princípio da insignificância cuja origem é atribuída a Claus Roxin, apresenta-se como um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, pois impede a formação da tipicidade, esta encarada de acordo com a moderna teoria da tipicidade conglobante (TIPICIDADE = TIPICIDADE FORMAL (subsunção do fato à norma) + TIPICIDADE MATERIAL (análise da lesividade) + ANTINORMATIVIDADE (verificar se a conduta é permitida pelo Direitona visão de Zaffaroni) ou constitucionalista do delito (Luiz Flávio Gomes).

No atual panorama, ao se aplicar a teoria da tipicidade conglobante, não há dúvidas de que o princípio da insignificância incidirá nos crimes de contrabando e descaminho em decorrência do desvalor da ação praticada. Além do desvalor da ação, determina-se concretamente a aplicação do princípio tomando-se por base o resultado causado pela conduta formalmente descrita no artigo 334 do Código Penal.

Convém ressaltar, não há nada contra a aplicabilidade do princípio da insignificância, mas sim o que se vem entendendo pelos tribunais pátrios como insignificante na apuração dos delitos de contrabando e descaminho.

Para definir o montante cuja sonegação implica uma lesão ínfima ao bem jurídico tutelado, os juízes nacionais têm-se amparado em normas extrapenais.

Objetivamente já foi entendido que os créditos de até R$ 1.000,00 (mil reais), posteriormente R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) e R$ 10.000,00 (dez mil reais) que suspendem as execuções fiscais, demonstrariam o desinteresse da Administração em punir os infratores.

Na esteira contrária, utilizando-se da mesma lei, magistrados aplicam a quantia objetiva de R$ 100,00 (cem reais) em virtude de a lei excluí-los para efeitos fiscais.

Como visto, inconsistências foram apontadas: a) 10.000,00 (dez mil reais) não é insignificante; b) existe uma inversão do que se entende por ultima ratio; c) não há constituição de crédito tributário; d) há interesse da administração em arrecadar tributos, principalmente olhando-se pelo caráter extrafiscal de tais tributos; d) o princípio da insignificância deve ser apurado também não só em relação aos critérios objetivos (valor teoricamente de tributos iludidos), mas também com relação aos subjetivos, pois o que se sugere é a sensação de impunidade daqueles que fazem do contrabando e descaminho a profissão de fé.

Não se quer aqui criminalizar aquele que traz um produto importado, mas sim aqueles que tornam das condutas tipificadas no art. 334, uma forma de vida, baseada em quadrilhas de “laranjas”, que suprimem a arrecadação do Fisco, bem como lesam a economia, saúde e segurança pública.

Por fim, não bastasse à seara da crítica, aponta-se uma alternativa: utilizar-se da cota estabelecida para entrada aérea de produtos, ou seja, US$ 500,00 (quinhentos dólares) como parâmetro para aplicabilidade da insignificância.

 

     

 

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* Filipe Andrios Brasil Siviero



[1] Leciona Guilherme de Souza Nucci: “Na primeira parte, caracterizando o contrabando: a) importar significa trazer algo de fora do país para dentro de suas fronteiras; b) exportar quer dizer levar algo para fora do país. O objeto é a mercadoria proibida. É o contrabando próprio. Na segunda parte configurando o descaminho, temos iludir (enganar ou frustrar) cujo objeto é o pagamento de direito ou imposto. Trata-se do denominado contrabando impróprio”.

 

[2] TRF da 1ª.R, HC 70367 MG. Dês. Relator Tourinho Neto. D. J. 19.12.2005.

 

[3] Assim, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendido que, nos crimes previstos no artigo 1º da Lei 8.137/91, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento essencial à exigibilidade da obrigação tributária, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito preclusivo da decisão final em sede administrativa (HC 81.611/DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 13/05/2005). Por decorrência, enquanto não houver a constituição definitiva do crédito tributário, não pode o Ministério Público Federal oferecer denúncia; e, se o Parquet não pode oferecer denúncia até a constituição definitiva do crédito tributário, durante esse período, obviamente, não há se falar de prescrição, não se podendo imputar qualquer inércia ao autor. Por conseqüência, somente após a constituição definitiva do crédito tributário, quando surge pretensão punitiva apta ao ajuizamento da ação penal, é que começa a correr a prescrição (ver, por exemplo, os seguintes precedentes do STF: HC 85.207/RS, HC 82.390/SP, RE 230.020/SP).

 

[4] TRF da 4ª.R.,Ap. 9.592, DJU6.9.95, p.58218, in RBCCr 13/361

[5] TRF da 1ª.R.,Ap. 291, DJU18.6.90,  p. 13079; Ap. 2.561, DJU27.8.90, p. 19074

[6] TRF da 3ª.R., RT 728/668

[7] Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Pena – detenção de um a dois anos e multa.

 

§ 2° A pena é de reclusão de dois anos a quatro anos e multa, na hipótese deste artigo, sem prejuízo da pena por eventual crime de contrabando ou descaminho, se a arma de fogo ou acessórios forem de uso proibido ou restrito.

 

[8] Estabelece o art. 33 da Lei n. 11.343: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

 

[9] Art.96 – As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente:

        I – perda do veículo transportador;

        II – perda da mercadoria;

        III – multa;

        IV – proibição de transacionar com repartição pública ou autárquica federal, empresa pública e sociedade de economia mista.

 

[10] Art. 71. O imposto não incide sobre:

III – mercadoria estrangeira que tenha sido objeto da pena de perdimento;

 

Como citar e referenciar este artigo:
SIVIERO, Filipe Andrios Brasil. Aplicabilidade do Princípio da Insignificância nos Crimes De Contrabando e Descaminho. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direitopenal-artigos/aplicabilidade-do-principio-da-insignificancia-nos-crimes-de-contrabando-e-descaminho/ Acesso em: 21 nov. 2024