A partir da leitura dos textos de René Rémond e Eric J. Hobsbawm depreende-se a conjuntura de mudanças que ocorreu durante a transição do século XVIII e XIX. No entanto, mais do que institucional, as transformações foram ideológicas. De acordo com René Rémond, em meados do século XVIII, as pessoas ainda não haviam experimentado e nem compreendiam o mundo como uma estrutura única. Esta realidade era refletida por diversos fatores, tais como: a inexistência de uma rede de informações, a relativa independência econômica entre as nações e a limitação geográfica dos conflitos . Também o isolamento das filosofias políticas que não eram apresentadas, tampouco colocadas em prática, em outras regiões do globo que não aquelas nas quais haviam surgido. Por fim, o mundo de 1750 era fragmentado, dividido em compartimentos que não manifestavam qualquer sinal de simultaneidade. Eram os meios de locomoção existentes que determinavam a velocidade de propagação das comunicações. Sendo que a distância relativa, que dependia das condições materiais que o homem dispõe para transpô-la, ainda em muito se equiparava às distâncias absolutas, que era demarcada pelo real afastamento entre as localidades.
Tanto para Rémond quanto para Hobsbawm o mundo era, de maneira abstrata, maior. E tal afirmação implicava um maior distanciamento entre os homens, acarretando por isso uma intensa dificuldade em manter conjunto s políticos e, principalmente em administrar nações que se estendiam por longos territórios. Para tanto, os soberanos tinham que estar continuamente visitando as regiões sob o seu domínio, ainda que buscassem o estabelecimento de capitais fixas para os seus governos. Mas Hobsbawm também admite que o mundo físico conhecido era menor geograficamente, assim como os conhecimentos sobre as suas particularidades quanto ao espaço. Resumindo, até meados do século XVIII, as diversas partes do globo ignoravam-se entre si. Os indivíduos viviam em um plano restrito, os mercados eram limitados, de forma que até poderia existir certo intercâmbio entre estes, mas era intermitente e ocasional, dependente de correntes de circulação.
No entanto, segundo René , a partir da segunda metade do século XVIII, por iniciativa européia, o desenvolvimento de pesquisas no campo geográfico começou a sinalizar uma possível mudança de mentalidades. São diversos os motivos que justificam tal disposição dos povos europeus em iniciar esta jornada, tais como: que tiveram o desejo de descobrir o mundo em que viviam por sua totalidade e também de propagar a crença cristã até onde fosse possível, além de procurarem por novas fontes de riqueza e também a sua declarada rivalidade, que transferiram do limitado espaço europeu para o restante do mundo conhecido. Para tanto foram desenvolvidos meios científicos e técnicos que propiciassem as descobertas. Trocou-se o eixo de maior utilização dos mares fechados, amplamente navegados durante a Idade Média, para os mares abertos, em que Portugal e Espanha obtiveram prodigiosa vantagem, mesmo que tal tendência tenha se estendido por outros povos, como França, Inglaterra, Províncias Unidas e até pelos países escandinavos. Incluindo Alemanha e Itália, que aderiram posteriormente ao fenômeno haja vista as unificações tardias, e também a Rússia, cuja expansão foi continental, tem-se a lista dos países que tiveram importância relevante no reconhecimento e na conquista do mundo. Mas também na Europa houve aquelas que caracterizassem sociedades agrárias, que não contribuíram para o processo, ao contrário das anteriormente citadas, que eram sociedades marítimas e burguesas, para as quais o interesse comercial em desvendar outras sociedades parecia muito lucrativo. O que complementa a tese de Hobsbawn, para o qual o mundo de 1789 parecia, aos olhos dos seus moradores, infinitamente grande, sendo que uma jornada para desvendá-lo deveria ser extremamente rentável para que fizesse sentido.
É relevante destacar que muitas terras opostas à Europa foram conhecidas antes mesmo que se houvesse completado a descoberta de regiões mais próximas, as quais muitas vezes configuravam enigmas geográficos para os descobridores. Todos os tipos de expedições objetivavam desvendar os segredos que as novas terras ainda guardam. E nestas buscas, além de reconhecer o exterior, Europeus passam a deparar-se com o próprio passado. Os escritores concluíram, então, que no início do século XX, por conseqüência, poucas eram as regiões ainda totalmente inexploradas, passando também à exploração via terrestre.
A partir desse reconhecimento quase que completo do globo, o homem depara-se com a seguinte questão: antes o mundo continha milhares de possibilidades, mas com as descobertas, atingiu-se o limite em todas as direções. Ocorre então o aprofundamento das antigas rivalidades e o posterior nascimento dos imperialismos. Como disse René Rémond: “não existe simples coincidência entre o fim da exploração e o aparecimento dos conflitos mundiais”. Mas, ao analisar todo esse contexto, há o fato de que mesmo sem se conhecerem, os povos, por volta de 1750, apresentavam características semelhantes, entre elas existem analogias que superam as diferenças. Ambas costumavam ter em comum os laços com a terra, uma economia essencialmente fundiária, sociedade ainda baseada no ritmo natural e na exploração do solo.
Quando da análise das conseqüências da Revolução Francesa, René Rémond conclui que as relações entre os Estados foram modificadas assim como as instituições internas dos regimes políticos. No século XVIII o número de Estados era muito maior do que hoje, haja vista a fragmentação política de certas regiões. O tamanho e a importância dos estados eram desiguais, e mesmo que mantivessem uma unidade geográfica e cultural, coexistia uma gama de formas políticas. Segundo o autor, essa realidade pode explicar o desenvolvimento da diplomacia, mesmo que as relações inter-estatais ainda fossem limitadas e desorganizadas, longe de configurar uma rede comum entre os povos. Rémond dissertou então sobre as relações mantidas entre os Estados nesse período:
Sobre as relações entre a Europa e os outros paises, que formavam os impérios coloniais, quase que em sua totalidade, eram mantidas sob interações de dependência dos outros países em relação aos países europeus. É nítido que não havia igualdade entre as nações, aliás, as desigualdades ultrapassavam o campo social e eram freqüentes no que diz respeito à realidade militar, econômica, cultural, e política, sendo que ou as sociedades eram primitivas ou os colonizadores destruíam as estruturas políticas vigentes. Ainda concernindo tal análise, a s rivalidades entre França e Inglaterra exemplifica m um caso de como a competição ultramarina somava-se à competição no próprio continente europeu.
Já nas relações entre os próprios Estados europeus, falando em termos dos direitos assegurados em tempos de guerra e de paz por cada estado, todos atuavam em grau de igualdade, sem dependência direta. O que não impedia o surgimento de conflitos, sejam estes internos ou externos. Por serem ainda muito fragmentados, os países não partilhavam de um intenso sentimento nacional, e muitos dos dissídios eram gerados por questões sucessórias, por representar uma grande parcela dos acordos diplomáticos e posteriores acordos entre as soberanias. Também é característica importante do sistema de relações internacionais a preocupação em manter equilibrados os poderes de cada estado em relação aos outros. Alianças eram formadas objetivando impedir a formação de potencias hegemônicas. No entanto, o rompimento de alianças tradicionais e a formação de outras duvidosas despertavam as atenções do restante das soberanias e inevitavelmente provocava o desequilíbrio do sistema.
Sobre os conflitos, eram constantes e longos, mas abarcavam uma quantidade restrita de nações. E, como disse René Rémond “Os Estados do Antigo Regime não têm meios materiais, nem financeiros, nem militares, para levar a cabo uma estratégia de grande envergadura e uma política de hegemonia continental”, ou seja, era impossível manter tropas durante muito tempo e também aspirar à conquistas inviáveis perante as outras nações. Para o autor, essa realidade só mudará com a Revolução Francesa, a qual possibilitará a manutenção de exércitos e, principalmente, o sentimento nacional, despertado antes na França e, por ressonância, nos outros países, dará às guerras uma dimensão ideológica .
Também cabe à reflexão sobre a Revolução Francesa, a realidade de que esta aperfeiçoou o sentimento do indivíduo em relação comunidade nacional. Precipitou a tomada de consciência de que ser um cidadão de uma nação, neste caso, a francesa, é um ato voluntário de adesão, e não mais de submissão à coroa. Na ordem política, cria-se, por divisão de poder, a noção de patriotismo moderno, afirmado na defesa do território contra o invasor.
Os conflitos passam a ser populares, como que representativos dos interesses da massa, providos de interesses, mas também de ideologias. A tática e a estratégia são vencidas pela intervenção do número. E além de defender o território, o soldado passa a defender o regime por ele escolhido, além dos interesses nacionais. Sucintamente, Para Rémond: “Com a revolução chega ao fim a diplomacia tradicional, fundamentada sobre alianças dinásticas, os acordos matrimoniais, a conveniência dos soberanos. (…) introduz, com o direito dos povos para dispor de si mesmos, um novo princípio, que é a extensão às relações internacionais do princípio da soberania nacional”.
Por fim, há a destruição das velhas estruturas feudais e dinásticas, e são a partir desse fenômeno que os países se tornam conscientes das suas particularidades e vivenciam, pela primeira vez, uma nação como estrutura possuidora de uma identidade única em relação àquelas com as quais mantém um relacionamento.
Eric Hobsbawm, que empreendeu maior análise quanto ao conjunto das revoluções ocorridas durante a transição dos séculos XVIII e XIX, concluiu que a dupla revolução ocorrida entre 1789 e 1848 constituiu a vitória da indústria capitalista, da classe média burguesa liberal e dos moldes econômicos e estatais ingleses e franceses. Para este autor, pela ausência de posicionamento de Rémond sobre tal análise, ambas as revoluções – na França, bem mais política, e na Inglaterra, mais industrial – são praticamente inconcebíveis em outras localidades e períodos históricos senão aqueles nos quais aconteceram.
Tal período comporta o surgimento de um mercado mundial, de uma classe suficientemente ativa de empresários privados, de um Estado disposto a tais propósitos. Também a evolução da tecnologia, do conhecimento científico e da crença de uma visão de mundo individualista, secularista e racionalista. Sendo que essas ideologias foram se tornando dominante conforme a transição dos séculos. Como conseqüência, tem-se o estabelecimento de um domínio do globo feito por alguns poucos regimes ocidentais, sendo que não havia impedimentos para que os homens conseguissem ocupar quaisquer territórios que considerassem de certa forma lucrativo .