Resumo de Direito Processual Civil – Anotações de sala – Parte 2*
Vimos ao longo das aulas que os Procedimentos Especiais não se compatibilizam com o Processo de Conhecimento, e isso porque têm problema de forma que os impede de se processualizar, ou problema de conteúdo, que também impede. Então há questões puramente formais, p. ex. alteração de prazos, duas sentenças, ou aspectos materiais que os impedem de se processualizar, como a actio duplex e como a restrição do espectro de atuação.
A ação possessória é o futuro porque chegou um ponto em que todos os processualistas queriam processualizar os Procedimentos Especiais, e aí eles os tornavam de alguma forma parecidos com o Livro I. Só que agora essa receita se esgotou, e agora de uns tempos pra cá começaram a tornar o Processo de Conhecimento parecido com os Procedimentos Especiais.
Ex: A tutela antecipatória já existia no CPC nos Procedimentos Especiais. A reintegração e a manutenção de posse são tutelas antecipatórias nas ações possessórias.
Ex: O direito do credor réu na ação de consignação em pagamento de desde logo levantar a parte incontroversa é antecipação de tutela, já existia nos Procedimentos Especiais.
Aí, no Processo de Conhecimento, criaram uma tutela interinal, dita tutela antecipatória. TUTELA, não ação. A tutela é uma técnica dentro de uma ação.
Isso tudo demonstra a evolução do processo para captar mais procedimentos.
Logo, as ações possessórias são o “futuro” porque trazem um micro-sistema com todas as características de um Procedimento Especial mas já com uma cara de Processo.
As Ações Possessórias têm aspectos formais e aspectos materiais bem claros como Procedimento Especial. Todas aquelas características de Procedimentos Especiais estão bem nítidas nas Ações Possessórias.
CPC, artigo 920 – Fungibilidade – Alteração da forma (procedimento).
A propositura de uma ação de reintegração, ou interdito proibitório, ou ação de manutenção, não impede que o juiz conheça da situação fática que se revelar no momento de dar a sentença ou dar a liminar. Isso porque como se está lidando (e aí entra na 2ª característica dos Procedimentos Especiais) com um aspecto material muito específico (não é um largo espectro), é posse de coisa, tenho que lidar com algo que é dinâmico e que por isso não pode ficar respeitando os formalismos do processo.
Quando se fala de Processo Civil versus Procedimentos Especiais essa crise entre efetividade e celeridade fica mais clara porque os Procedimentos Especiais são vinculados ao direito material, e o direito material é muito prático, não é formal, por isso se abre mão de muitos princípios da parte efetiva do Processo Civil em nome da simplicidade. Então, no Processo Civil é proibido mudar o pedido sem autorização da parte contrária; nos Procedimentos Especiais é permitido porque interessa a situação fática, resolver o problema, como demonstra o artigo 920.
Se estou lidando com um Procedimento Especial, devo interpretá-los como Procedimento Especial, conforme aquelas 3 leis, divorciando-se um pouco do Processo. E quando se tem isso em mente, não se sente violentado por haver uma fungibilidade de ações nos Procedimentos Especiais, porque de acordo com aquela tendência acima dito, o Processo deve deixar de ser tão preocupado com a forma e passar a ser preocupado com a composição do conflito. E se isso implicar numa aceitação da fungibilidade de ações, que seja, porque se não as Ações Possessórias nunca vão conseguir se processualizar. Se o Processo Civil não adotar a fungibilidade de pedidos, ainda que salvaguardada, no próximo CPC não vai ser possível trazer a Ação Possessória.
A fungibilidade do artigo 920 existe em função de uma situação muito específica desse direito material, que é a dinâmica dos acontecimentos.
CPC, artigo 921 – Restrição do espectro de atuação.
Se eu estou permitindo expressamente que haja cumulação de pedidos, estou ampliando aquilo que é restrito. Então, a contrariu senso, isso é a restrição ao espectro de atuação ao direito material, pois se não houvesse essa regra não poderia cumular condenação, não poderia pedir outras coisas que não a reintegração, manutenção ou interdito proibitório. Isso confirma que todo Procedimento Especial é restrito, porque na hora que precisou a lei expressamente teve que prever a ampliação.
Na Consignação em Pagamento não há essa norma ampliando o espectro de atuação. Por isso, não faz sentido a primeira corrente, que diz que a declaratividade dela é ampla, exatamente porque logo na ação seguinte a lei prevê expressamente a ampliação.
OBS: Ação petitória, em sentido amplo, toda ação é (petitum).
O grande problema da Ação Possessória é a grande confusão que ela tem com as Ações Petitórias propriamente dita, que são somente duas (demarcatória e divisória). Na demarcação e na divisão o juiz julga mas não tem poder, basta pedir com o laudo e o juiz não tem margem discricionária, apenas homologa o que o perito disser.
Ações de largo espectro – Livro I
Ações de espectro restrito – Livro IV – incluem as ações petitórias propriamente ditas.
CPC, artigo 922 – Actio duplex.
O réu, na contestação, pode alegar que foi o ofendido e demandar a proteção possessória na contestação.
Logo, as três regras que regem os Procedimentos Especiais estão claríssimas nas Ações Possessórias.
CPC, artigo 923 – Existe aqui a diferença na limitação do espectro.
Na pendência do processo possessório, é defeso ao autor e ao réu intentar a ação de reconhecimento de domínio. Há duas opções para serem adotadas:
? Ação Possessória baseada exclusivamente na posse no sentido puro
? Ação Possessória baseada no conceito de posse direta – esse conceito pressupõe que essa posse deriva do exercício da propriedade.
Se estou discutindo a posse como exercício da propriedade, estou indiretamente discutindo propriedade.
Então esse artigo 923 deve ser interpretado com muita parcimônia, porque depende.
Pelo CC/16, artigo 505 ou a Súmula 487 do STF, muitas vezes eu tendo a posse como uma decorrência do domínio, p. ex. acabei de comprar um apartamento, tenho a escritura, tenho a posse, e aí alguém não quer permitir que isso aconteça, há turbação e o fenômeno possessório com base na propriedade.
Toda vez que alguém propuser a Ação Possessória (é o autor que define os limites objetivos da coisa julgada) com base na propriedade, o réu, em razão da actio duplex, também poderá demandar proteção possessória também com base na propriedade.
Agora, se o autor propõe a ação com base só na posse, o réu não pode intentar pretensão dominial. Isso por causa da limitação do espectro de atuação.
Pelo CC/16, artigo 505, eu sendo dono, ninguém está discutindo isso, mas não se pode alegar que tem a posse só porque é dono. Uma coisa é discutir a posse com base na propriedade, outra coisa é contestar aquilo ali alegando apenas que é o dono.
A alegação de domínio não obsta a manutenção ou reintegração na posse, mas não se deve julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio. Esse dispositivo é aparentemente contraditório, foi muito criticado como prova do patrimonialismo do CC/16. O patrimonialismo está na restrição. A primeira parte do artigo está corretíssima, posse é posse e propriedade é propriedade. A segunda parte é muito patrimonialista: “mas a posse não será jamais deferida a quem evidentemente não for o proprietário”. Tanto é assim que a Súmula 487 do STF estabeleceu exatamente isso, deu a interpretação razoável a essa parte final do artigo
STF. Súmula 487. Será deferida a posse a quem evidentemente tiver o domínio, se com base neste for disputada.
CPC, artigo 924 – O procedimento de manutenção ou reintegração de posse é regido pela seção seguinte se intentado dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho. Passado esse prazo, será ordinário, não perdendo contudo o caráter possessório (o caráter, as características de Procedimento Especial). Passado ano e dia, ele até se utiliza do procedimento do Processo, mas não perde sua condição de Procedimento Especial.
Ano e dia – Posse nova e posse velha.
Não se sabe o porque desse prazo de 1 ano e 1 dia. Talvez o que se quis caracterizar foi a questão do tempo no direito material como sedimentador de vontades.
Quando vimos a medida cautelar de notificação, vimos que a forma de interpretação dos contratos evoluiu. Nas Pandectas, o que determinava a vontade das partes era a expressão da vontade pelo escrito, ainda que o comportamento fosse diferente. Posteriormente, evoluiu-se para a interpretação da vontade (comportamento), e o CC/16, artigo 85 representa exatamente essa transição. Hoje, o sistema de interpretação de contratos do CC/02 é a boa fé, baseada claro na interpretação do comportamento das partes.
A notificação existe para os casos em que, na vigência de um contrato, se tolerou durante meses uma determinada circunstância, e depois, para que queira que volte a valer o contrato, deve notificar para avisar que não vai tolerar mais, para evitar a chamada novação tácita. Isso porque o tempo conspira contra direitos disponíveis que estão sendo desobedecidos.
Então, o prazo de ano e dia, concebido em um Brasil latifundiário, é tempo mais que suficiente para que essa tolerância conspire contra o possuidor que se sinta lesado. E aí a inércia passa a ser fator determinante do procedimento (com ou sem liminar).
Aceita-se a antecipação de tutela mesmo passado ano e dia, quando for inequívoco que a postergação da liminar pode fazer perecer o direito. Agora, se por conta de única e exclusivamente do decurso do tempo, houver dúvida razoável, vale a restrição do CPC.
Agora, se o juiz se convencer, mesmo após ano e dia, que era inequívoco que a pessoa tinha posse, p. ex. invasão pelo MST e o fazendeiro é filiado ao PT e resolve negociar, e de tanto negociar passa-se ano e dia, e seu filho do PFL ajuíza a possessória; o juiz não negaria a tutela antecipatória, ainda mais se comprovado que tentou negociar e por isso passou o tempo.
CPC, artigo 925 – Medida cautelar interinal de caução, que serve para provar solvência para eventuais perdas e danos (depósito de dinheiro ou bens). Essa caução existe em vários outros Procedimentos Especiais.
O artigo 835 prevê uma forma de caução que vale para qualquer ação, não só para ação possessória.
Vimos os elementos característicos das Ações Possessórias como Procedimentos Especiais, e também a questão que é a principal dentro daquele conceito de estreitamento dos temas a serem abordados em Procedimentos Especiais, que é a questão da discussão dominial em sede de Ações Possessórias.
Vimos que a Súmula 487 do STF explica melhor a antiga redação do CC/16, art. 505, pois trata exatamente do momento em que se pode, excepcionalmente, discutir domínio em Ação Possessória.
É importante, antes de entrar no procedimento propriamente dito das Ações Possessórias, a gente aproveitar que está falando de Ação Possessória e falar um pouco de uma outra ação que também tem o condão de se confundir com a Ação Possessória. No primeiro dia de aula que vimos Procedimentos Especiais, observamos o índice para ver que com algumas exceções geradas pela reforma de 1994, os Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa são organizados de forma razoavelmente lógica. É por isso que se pegarmos no CPC o art. 920, que é a Ação Possessória, onde começa o Capítulo V das “Ações possessórias”, logo em seguida trata de Nunciação de Obra Nova; depois, de Ação de Usucapião; depois, de Ação de Divisão e Demarcação. Vai falando de diferentes discussões acerca de bens, ora de propriedade, ora de questões meramente possessórias. Então, são ações afins. Dentro dessas ações afins, digamos assim, nós temos a Ação de Divisão e a Ação de Demarcação de Terras Particulares (arts. 946 e seguintes).
Abriu-se esse parêntesis no meio das Ações Possessórias para tratar de duas ações, essas sim as verdadeiras ações petitórias (e agora vamos ver o que realmente é uma ação petitória). Na Ação de Divisão e de Demarcação, que são tratadas de forma conjunta, na realidade, tenho duas ações sobre uma mesma circunstância. A diferença é que numa eu quero dividir o que está em condomínio e na outra eu quero demarcar, porque eu perdi as marcações originais, não há uma indicação, uma escritura pública dizendo exatamente, então eu preciso demarcar com base em orientações, referências de escrituras antigas, árvores plantadas, etc., para que se possa chegar a uma conclusão de onde está.
E é aí que reside um ponto de toque, de comunicação, entre a Ação Possessória e a Ação Demarcatória.
Vamos ver rapidamente essas duas ações petitórias.
Por que chamamos elas de ações petitórias?
Em ambas as ações vamos ver: Seção I – Das disposições gerais; Seção II – Da Demarcação; Seção III – Da Divisão.
CAPÍTULO VIII
DA AÇÃO DE DIVISÃO E DA DEMARCAÇÃO DE TERRAS PARTICULARES
Seção I
Das Disposições Gerais
Art. 946. Cabe:
I – a ação de demarcação ao proprietário para obrigar o seu confinante a estremar os respectivos prédios, fixando-se novos limites entre eles ou aviventando-se os já apagados;
II – a ação de divisão, ao condômino para obrigar os demais consortes, a partilhar a coisa comum.
Art. 947. É lícita a cumulação destas ações; caso em que deverá processar-se primeiramente a demarcação total ou parcial da coisa comum, citando-se os confinantes e condôminos.
Art. 948. Fixados os marcos da linha de demarcação, os confinantes considerar-se-ão terceiros quanto ao processo divisório; fica-lhes, porém, ressalvado o direito de reivindicarem os terrenos de que se julguem despojados por invasão das linhas limítrofes constitutivas do perímetro ou a reclamarem uma indenização pecuniária correspondente ao seu valor.
Art. 949. Serão citados para a ação todos os condôminos, se ainda não transitou em julgado a sentença homologatória da divisão; e todos os quinhoeiros dos terrenos vindicados, se proposta posteriormente.
Parágrafo único. Neste último caso, a sentença que julgar procedente a ação, condenando a restituir os terrenos ou a pagar a indenização, valerá como título executivo em favor dos quinhoeiros para haverem dos outros condôminos, que forem parte na divisão, ou de seus sucessores por título universal, na proporção que lhes tocar, a composição pecuniária do desfalque sofrido.
Seção II
Da Demarcação
Art. 950. Na petição inicial, instruída com os títulos da propriedade, designar-se-á o imóvel pela situação e denominação, descrever-se-ão os limites por constituir, aviventar ou renovar e nomear-se-ão todos os confinantes da linha demarcada.
Art. 951. O autor pode requerer a demarcação com queixa de esbulho ou turbação, formulando também o pedido de restituição do terreno invadido com os rendimentos que deu, ou a indenização dos danos pela usurpação verificada.
Art. 952. Qualquer condômino é parte legítima para promover a demarcação do imóvel comum, citando-se os demais como litisconsortes.
Art. 953. Os réus que residirem na comarca serão citados pessoalmente; os demais, por edital.
Art. 954. Feitas as citações, terão os réus o prazo comum de 20 (vinte) dias para contestar.
Art. 955. Havendo contestação, observar-se-á o procedimento ordinário; não havendo, aplica-se o disposto no art. 330, II.
Art. 956. Em qualquer dos casos do artigo anterior, o juiz, antes de proferir a sentença definitiva, nomeará dois arbitradores e um agrimensor para levantarem o traçado da linha demarcanda.
Art. 957. Concluídos os estudos, apresentarão os arbitradores minucioso laudo sobre o traçado da linha demarcanda, tendo em conta os títulos, marcos, rumos, a fama da vizinhança, as informações de antigos moradores do lugar e outros elementos que coligirem.
Parágrafo único. Ao laudo, anexará o agrimensor a planta da região e o memorial das operações de campo, os quais serão juntos aos autos, podendo as partes, no prazo comum de 10 (dez) dias, alegar o que julgarem conveniente.
Art.
Art. 959. Tanto que se passe em julgado a sentença, o agrimensor efetuará a demarcação, colocando os marcos necessários. Todas as operações serão consignadas em planta e memorial descritivo com as referências convenientes para a identificação, em qualquer tempo, dos pontos assinalados.
Art. 960. Nos trabalhos de campo observar-se-ão as seguintes regras:
I – a declinação magnética da agulha será determinada na estação inicial;
II – empregar-se-ão os instrumentos aconselhados pela técnica;
III – quando se utilizarem fitas metálicas ou correntes, as medidas serão tomadas horizontalmente, em lances determinados pelo declive, de 20 (vinte) metros no máximo;
IV – as estações serão marcadas por pequenas estacas, fortemente cravadas, colocando-se ao lado estacas maiores, numeradas;
V – quando as estações não tiverem afastamento superior a 50 (cinqüenta) metros, as visadas serão feitas sobre balizas com o diâmetro máximo de 12 (doze) milímetros;
VI – tomar-se-ão por aneróides ou por cotas obtidas mediante levantamento taqueométrico as altitudes dos pontos mais acidentados.
Art. 961.
Se formos no art. 966 (Ação de Demarcação), vamos encontrar lá: assinado o auto pericial pelo juiz, arbitradores e agrimensor, será proferida a sentença homologatória da demarcação. Não é uma sentença em que o juiz dirime o conflito intersubjetivo, dizendo qual a norma aplicável. É um laudo técnico que estabelece qual é o direito de cada parte e o juiz se limita a homologar, porque ele não é um técnico.
A mesma coisa ocorre na Ação Divisória. CPC, art. 980 – O escrivão lavrará o auto de divisão, assinado pelo juiz, agrimensor e arbitradores. O juiz não se mete no mérito, até porque, se formos observar, os trabalhos que são feitos nesse tipo de ação são altamente técnicos. Ex: CPC, arts. 961 (Ação Demarcatória – perdi as orientações, árvores), art. 960. O juiz não entende absolutamente nada disso. Essa é a grande desculpa para essas delegações do Poder Judiciário (conciliação, arbitragem).
Nas verdadeiras Ações Petitórias, não se formula um petitum para o juiz ver se ele é procedente ou improcedente. O juiz lava as mãos por completo, pega o laudo de alguém que saiba do assunto e se limita a homologar.
Então, primeiro, dentro desse parênteses, as Ações Petitórias são aquelas em que a função jurisdicional se limita a homologar, apesar de ter conteúdo de mérito, mas o conteúdo de mérito não é avaliado pelo juiz, o mérito não surge de uma avaliação jurisdicional, mas de uma avaliação técnica. O juiz se limita a homologar, com julgamento de mérito, porque aquilo é uma norma, mas sem interferir naquela conclusão.
Fechado esse parêntesis, agora vamos falar especificamente das Ações Demarcatória e Divisória.
Obviamente, quer-se dividir o que é uno. Então, num condomínio, vai-se dividir.
Na questão da Demarcação, ela é muito mais complexa, porque eu tenho dois terrenos e não tenho uma referência física para poder fazer a demarcação. Os terrenos já estão divididos, sempre foram divididos, eu sempre soube o que era meu, sempre soube o que era seu, mas a gente nunca soube onde estava precisamente o marco divisório. E é aí que a Possessória toca na Demarcatória. Fica muito difícil saber, se não existem limites, saber onde está. E aí, o sujeito pega sua escritura, interpreta-a do jeito que ele quer, faz a petição e bota grade. O outro vai lá, pega sua escritura, interpreta-a de maneira favorável, derruba a grade do outro e entra com a grade também. E aí fica esse conflito. E aí como se resolve, ajuíza-se Ação Possessória ou Ação Demarcatória? Isso é uma pergunta importante porque se eu ajuízo o remédio errado, o juiz extingue o processo sem julgamento de mérito por carência de ação por ausência de interesse de agir (adequação do procedimento + necessidade da tutela jurisdicional + proporção entre o remédio utilizado e o pedido).
E aqui, nós temos esse problema, porque indiretamente, a demarcação me traz uma questão possessória.
Ex: Praia Mole. Ela faz uma curva, uma falsa reta (um pouquinho em curva), uma outra curva e sobe pra Barra. Há um hotel, a Lagoa atrás, ao lado do hotel há um condomínio mais antigo (terreno A), ao lado dele há um condomínio novo em construção (terreno N), depois um condomínio maior ainda que tem um portal (terreno P), depois tenho um terreno baldio bem fino (terreno B) e depois um outro condomínio já totalmente construído (terreno C), com várias casas.
A situação se complica porque originariamente, quando foram feitas as primeiras escrituras dessa praia, todos os terrenos iam até o mar, não havia a previsão de uma estrada, apenas uma picada. Finalmente se construiu uma estrada, houve uma desapropriação e uma quebra nesses terrenos. Então, a frente desses terrenos, que era pro mar, passou a ser com alguma inclinação para a rodovia. Foi desapropriado o terreno e ao ser isso feito, a escritura fez constar: frente para a rodovia, ortogonal ao eixo do terreno (tem-se que fazer um ângulo, frente de 20m ortogonal não ao eixo da rodovia, porque o eixo da rodovia é inclinado, mas a continuidade do terreno). Se ao invés de interpretar 20m em linha reta paralela à praia, interpretar 20m ao eixo da rodovia, você inclina um pouco. A escritura disse “20m ortogonal ao eixo da rodovia”. O eixo está um pouco inclinado porque a rodovia está em curva, então eu desloco um pouco o eixo. Ora, todo mundo que já lidou com um compasso sabe que se eu tenho uma abertura na paralela, se eu for inclinar um pouco ela vai ficar um pouco menor e vai haver uma diferença aqui. Então, de acordo com a interpretação que se tenha da escritura, de qual seja o ângulo da rodovia, você poderá estar mais ou menos inclinado. Se eu interpretar em paralelo ao outro lado, vou contar 20m em linha reta. Se eu obedecer a escritura e fizer pelo eixo da rodovia, ele vai cair numa curva e aí ele vai deixar. No caso aqui, foram 3m.
O hotel está certo e o condomínio A está certo. Porém, o sujeito do condomínio N, em construção, interpretou que era ao eixo da rodovia e ganhou 3m em cima do terreno P que à época não era construído, e portanto não havia marcas. Ele simplesmente contou 20m ortogonal, colocou um muro de pedras e começou a construir casas encostadas no muro, criando-se um fato consumado. O dono do terreno P, por sua vez, pegou do muro, contou os seus 20m, dessa vez de maneira certa, mas avançou 3m no terreno baldio B também, porque deu por certa a marcação do vizinho N, e tirou 3m do terreno baldio. Esse terreno baldio não tem marca nenhuma, porque ele é baldio, e aí o pessoal do condomínio C resolveu construir. Então, estavam construindo nos terrenos N, P e C, mas não no terreno baldio B. O terreno B, portanto, perdeu 6m. Eu sou dono do terreno baldio B. Qual é a ação que eu devo mover?
O problema aqui é aparentemente possessório. Porque eu digo aparentemente? Porque ele vai redundar numa questão possessória. O problema é que não tinha como eu (dono do terreno B) provar que eu tinha a posse daquela faixa de 3m, porque eu não tinha marca. Então não tenho como provar posse. Aí é um caso típico de eu primeiro ver onde está a verdade técnica pra depois discutir a posse. A verdade técnica é causa, a posse será mera conseqüência. Eu em momento nenhum neguei o fato que a demarcatória pode trazer a posse, até o domínio (posse decorrente do domínio). O perito dando, o juiz vai homologar. E a conseqüência disso será possessória.
Mas eu devo ver bem os requisitos da posse. As Ações Possessórias existem para quem, comprovadamente, baseado em testemunhas, marcas, etc., possa comprovar sua posse. E como é uma posse baseada em domínio, a discussão da outra parte será no sentido de que a escritura dele diz tal. E eventualmente poderá até haver uma perícia de cunho demarcatório dentro da possessória, mas eu tinha como provar a posse.
A Ação Possessória é usada mais frequentemente porque ela tem a grande vantagem da liminar, coisa que as ações petitórias não têm. Como ainda não se sabe ao certo qual é o nível do litígio, daí elas serem petitórias, não cabe nenhum tipo de liminar, tutela antecipatória, etc., nessas ações de cunho petitório, em que o juiz se limita a ser espectador de uma perícia técnica.
Então, me vez em seguida uma situação muito simples: todas as vezes, pelo menos na maior parte das vezes, que eu tiver uma possessória sendo discutida com base no domínio, com base em escritura, terei uma perícia. Então, a pergunta que tenho que fazer a mim mesmo para demonstrar a diferença entre as duas é a seguinte: eu tenho como provar a posse? No caso ali até tinha, porque eram terrenos urbanos, razoavelmente delimitados, pelo menos por prova testemunhal, havia pelo menos uma posse a ser comprovada, então ajuizou-se ação possessória para se proteger. Mas não seria errado antes alguém ajuizar uma demarcatória, porque marca divisória, mesmo, não havia.
E aí há um terceiro Procedimento Especial que não está mais no CPC, que foi ordinarizado no CPC/73 mas que existia sob a forma de Procedimento Especial no CPC/39, que é a ação de imissão de posse. Não existem mais Procedimentos Especiais de imissão de posse. Na realidade, a imissão de posse difere da Ação Demarcatória e da Ação Possessória porque a imissão de posse é a primeira posse, p. ex. eu acabei de arrematar um apartamento num leilão e o devedor continua morando lá, isso não é problema meu, mas o cara não quer sair; então eu não posso ajuizar uma reintegração de posse, porque eu só posso me reintegrar naquilo que um dia já estive. Devo então ajuizar a ação de imissão na posse, um procedimento muito simples, apesar de usar o rito ordinário, é um procedimento que se resolve rapidamente, porque o juiz dá a liminar através de uma tutela antecipatória e confere a posse original. Então, a imissão de posse acontece p. ex. com a CEF quando ela retoma o apartamento do mutuário inadimplente, e em várias outras circunstâncias de posse original.
Já aconteceu de uma pessoa mover ação de reintegração de posse para um cargo público, porque estava sendo empossado um outro. Mas se aquele cargo nunca foi dele, ele não pode usar uma reintegração de posse, mas sim um mandado de segurança, anular o ato administrativo, qualquer coisa, mas não uma reintegração ou uma manutenção de algo em que nunca foi empossado. É muito comum os candidatos ajuizarem ação possessória para cargo público, só que ela simplesmente não cabe. Já no caso de demissão, cabe ação possessória, porque ele já esteve na posse do caso (e pode estar sendo turbado na posse).
Ex: Parceria agrícola. O agricultor nunca vai ser dono, mas alguém chegou lá e resolveu plantar cana-de-açúcar em cima do milharal dele. A ação que ele tem é possessória, mas não em virtude da propriedade. Há circunstâncias possessórias que não decorrem de direito real.
Então, aqui, no caso do exemplo da Praia Mole, o sujeito tinha condições, pois era um terreno urbano. Agora, imagine-se uma fazenda no Pará, onde existe grilagem. Muitos fazendeiros dão esses terrenos em garantia, p. ex. nomeando à penhora em execução movida pelo INSS. Eles oferecem esses terrenos à penhora para provar solvência (prova-se solvência, quando se está no pólo ativo, caucionando, e quando se está no pólo passivo, oferecendo bem à penhora). E se ele demonstrou solvência, o INSS tem que dar para ele, para participar de todas as licitações, uma CND.
Então, está clara a diferença entre imissão de posse, possessória e demarcatória.
Então, fechando o parêntesis, voltamos à circunstância da Ação Possessória.
Vimos que há três Ações Possessórias:
– Ação de Manutenção de posse: turbação
– Ação de Reintegração de posse: esbulho
– Interdito proibitório: ameaça
Qual a natureza jurídica dessas tutelas? São tutelas de cunho antecipatório.
Tutela de cunho – antecipação de tutela propriamente dita (art. 273)
antecipatório – tutela mandamental
– tutela executiva lato sensu
(arts. 461 e 461-A)
Então, vamos raciocinar: como chegamos à conclusão de que reintegrar liminarmente na posse é antecipatório e não cautelar? A tutela antecipatória tem uma identidade com a sentença de mérito, o que a sentença de mérito vai dar no final e você pede liminarmente, já sei que por conta dessa identidade é antecipatória (inversão de tempo processual). Agora, se você pede como tutela de urgência algo que só congela o tempo processual, e não te dá nada do que virá na sentença, não te antecipa nada do que virá na sentença, é cautelar (congelamento de tempo processual).
OBS: NUNCA é cautelar para expedição de CND, e sim tutela antecipada. Precisava da certidão para participar da licitação. Expedição de Declaração de inexigibilidade do crédito fiscal. É conseqüência uma da outra, é um direito material, é um efeito indireto (ações puras, ações impuras). Se o débito não existe, logo, eu tenho a CND.
Então, chegamos à conclusão acima porque existe identidade. E fica mais fácil ainda porque como é um Procedimento Especial, o nome da ação já dá uma pista: o que eu quero com uma ação de reintegração de posse? Reconquistar a posse. E se eu peço uma reintegração de posse liminarmente? É uma tutela antecipada. E é antecipação pura, propriamente dita (art. 273).
Na Ação de Manutenção de posse, pede-se liminarmente a manutenção da posse. Logo, é também uma antecipação de tutela propriamente dita (art. 273).
O interdito proibitório destina-se a evitar ameaça. A ameaça não é ainda em si um ilícito. Portanto, há uma outra circunstância diferente de reintegrar e manter (porque turbar e esbulhar são ilícitos). A ameaça não me traz rigorosamente nada. E aí? Peço a tutela antecipatória de que, se não tenho ainda um ilícito? Pretende-se segurança para que não aconteça o ilícito. Isso até é tutela antecipada em gênero. É mandamental em espécie, no sentido negativo (se abstenha de fazer). Segundo Sérgio Arenhart, essas tutelas são inibitórias, destinam-se a inibir os ilícitos civis. E como é que eu faço inibição de ilícitos civis? Partindo do princípio de que existe a parte mais sensível do corpo humano: inibe-se ilícitos civis através da astreinte.
Vimos a natureza jurídica das tutelas.
Agora então, com base nas tutelas, qual a natureza jurídica das sentenças?
Nas Ações de Manutenção de Reintegração de posse, que têm tutelas antecipatórias propriamente ditas, a sentença é. Toda vez que há tutela antecipatória, ou ao menos na maior parte das vezes, a sentença não pode ser só declaratória, ela deve ser na pior das hipóteses declaratória impura, e na maior parte das vezes será condenatória, mas uma condenação muito específica, porque já traz dentro de si execução, não há processo executivo (salvo naqueles outros pedidos de cunho condenatório, indenizatório, etc). A posse em si já é decidida de plano, não há execução depois, só o oficial de justiça vai cumprir. São ações auto-executivas, ou executivas lato sensu.
No interdito proibitório, a sentença é mandamental porque a tutela é mandamental. Toda vez que houver discricionariedade, isto é liberdade, está-se falando em mandamentalidade, porque o juiz arbitrar o que quiser, quanto quiser, aumentar, diminuir.
OBS: CPC, art. 461, § 5º fala da discricionariedade, e o § 3º fala da astreinte.
Então, já sabendo a natureza das tutelas e a natureza das sentenças, vamos estudar os procedimentos propriamente ditos.
CPC, art. 926 – Acabei de saber que como as Ações de Manutenção e Reintegração de posse têm a mesma natureza, tanto no que toca às tutelas quanto no que toca às sentenças, o procedimento delas é idêntico. Diferente do interdito proibitório, que tem um procedimento próprio por força dessa diferenciação de naturezas.
CPC, art. 927.
Ex: Houve uma grande seca numa região pecuarista e apenas em uma fazenda o pasto estava bem cuidado. Os fazendeiros tiveram a idéia de tocar o rebanho contra a cerca de arame farpado daquela fazenda, para que ela fosse derrubada e o gado pudesse se alimentar do pasto da fazenda. Isso não é questão de imissão na posse, nem demarcatória (a demarcação está clara), é questão possessória.
Prova-se a posse, no caso acima, com a escritura e com fotografias da grade derrubada, etc. Fotografia é a prova por excelência da turbação e do esbulho, até mais que prova testemunhal.
A data da turbação ou do esbulho prova-se com testemunhas ou fotografia com o jornal do dia (dá um parâmetro para se saber se já passou ano e dia).
No caso acima, como era só turbação, porque eles só empurravam o gado mas não chegavam a invadir, bastava uma Ação de Manutenção de posse.
CPC, art. 928 – Se a inicial estiver devidamente instruída sob o ponto de vista probatório, apta a gerar uma prova inequívoca (já que a natureza da tutela é antecipatória, logo, exige-se prova inequívoca), o juiz deferirá sem ouvir o réu a expedição do mandado liminar de manutenção ou reintegração de posse. Não havendo a prova inequívoca, o juiz determinará a produção de prova oral, e consegue-se prova oral antes de um processo começar através da medida cautelar de justificação. É mais um caso de tutela cautelar instrumentalizando a tutela antecipatória (p. ex. caução – prova solvabilidade, e eu provando que sou solvente, consigo uma tutela antecipada para tirar o meu nome do SERASA).
p. ún. – Isso por conta do interesse público envolvido.
CPC, art. 929.
CPC, art. 930 – Esse artigo foi usado como exemplo de modificação do procedimento, como característica dos Procedimentos Especiais, porque é a segunda vez que falamos na palavra citação. A primeira citação (art. 928) era para a justificação. É com a segunda citação que começa a correr o prazo para contestar a ação possessória.
p. ún. – Aí sim há uma contradição, porque esse ato não é de intimação, é um ato de intimação e citação. Esse mandado tem duas finalidades, por isso que o prazo conta desse mandado.
CPC, art. 931 – Essa é exatamente a aresta que impede, ou impedia (já que já vimos que as tutelas aqui são antecipatórias), que se processualizasse as Ações Possessórias. Agora, esse artigo perdeu o sentido, porque eu posso resolver tudo isso através do procedimento ordinário porque ele já tem técnicas de tutela suficientes para fazer uma justificação, a antecipação de tutela. Não tinha em 1973, mas tem agora.
CPC, art. 932 – Interdito proibitório.
“Justo receio” é uma situação subjetiva definida através de prova.
Mandado proibitório em que se comine ao réu pena pecuniária. Ação de preceito cominatório (em francês, astreinte).
CPC, art. 933 – Aplica-se o disposto na seção anterior quanto às provas, audiência de justificação, prazos para citação, como contestar, etc.
3) Ação Monitória (art. 1.102ª a 1.102c do Código de Processo Civil)
Art. 1.102ª. A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.
Art. 1.102b. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 1.102c. No prazo previsto no artigo anterior, poderá o réu oferecer embargos, que suspenderão a eficácia do mandado inicial. Se os embargos não forem opostos, constituir-se-á de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulo II e IV.
§1.º Cumprido o réu o mandado, ficará isento de custas e honorários advocatícios.
§2.º Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados nos próprios autos, pelo procedimento ordinário.
§3.º Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, intimando-se o devedor e prosseguindo-se na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulo II e IV.
Quando vimos Processo de Execução, estudamos que o executado não tem uma defesa interna ao Processo de Execução, apenas uma defesa externa, que são os embargos.
Mas não foi sempre assim. A execução, tal e qual um processo de conhecimento, admitia no CPC/39 uma defesa interna, os embargos eram internos ao Processo de Execução. Tanto é que o CPC/39, art. 1005, dizia que lavrado o auto de penhora, o executado seria citado para em 5 dias apresentar sua defesa. E isso não é uma novidade.
A execução tem 3 fases: penhora, avaliação (para ver se o bem está compatível com o valor a ser executado) e adjudicação ou arrematação (transformar em dinheiro e ter a satisfação da pretensão executiva, quando for por quantia certa).
CPC, art. 680 – Esse artigo começa a fase processual da avaliação. Conseqüentemente, a fase anterior era a penhora, e a posterior será a arrematação. Entre a penhora e a avaliação, no CPC/39 havia a defesa. Tanto é que o art. 680 até hoje começa no gerúndio: “Prosseguindo a execução”. Não se começa uma seção com um verbo na forma de gerúndio. É porque havia algo ali que foi retirado, havia um elemento suspensivo da ação de execução, que eram os embargos; eles foram violentamente retirados dali e levados para bem adiante, no art. 740 e seguintes (dos embargos do devedor). Eles saíram de defesa para ação autônoma, constitutiva negativa.
Tanto eles ainda têm jeito de defesa que se observarmos o art. 745, que fala da execução de Título Executivo Extrajudicial, ele fala que o executado pode alegar nos embargos qualquer matéria que lhe seria lícito aduzir como defesa em processo de conhecimento. Então, é uma ação, chamada de ação, tratada como ação, mas a matéria que pode ser alegada é toda aquela que seria lícita deduzir como defesa em processo de conhecimento. É uma ação na qual eu me defendo. O legislador não conseguiu, apesar de ter arrancado a defesa lá de antes do art. 680 e trazido para bem depois e dado todo um tratamento de ação autônoma, não conseguiu retirar dos embargos que ele na realidade são de fato uma defesa.
Por que Buzaid fez isso? Por que ele pegou o CPC/39 e trouxe os embargos lá do art. 680 onde eles eram defesa, e os transformou em ação? Porque existe uma diferença entre você não se defender e você não propor a ação. Se eu não me defendo, dentro do conceito de Processo Civil, eu sou revel (não compareci ao processo). A revelia, porém, não me impede de intervir no processo a qualquer tempo, posso fazer prova nele, posso portanto suspendê-lo, tumultuá-lo. Agora, se eu sequer proponho a ação, onde que eu vou fazer isso? Em lugar nenhum (teoricamente, porque depois Pontes de Miranda criou a chamada exceção de pré-executividade).
Então, havia um objetivo nisso: agilizar o Processo Executivo. Quanto menos incidentes ele tivesse, melhor.
Esse princípio segundo o qual a pessoa que não embarga agiliza o processo foi o mesmo princípio que orientou a Ação Monitória.
A Ação Monitória, por incrível que pareça, não é novidade no Direito brasileiro. Ela vem do Direito lusitano (ação decendiária ou ação de assinação de 10 dias), em que o juiz injuncionava, dava como certa aquela dívida, pelo menos presuntivamente, e ordenava a citação do devedor para que em 10 dias ele pagasse ou se justificasse, sob pena de execução forçada. Então essa é uma questão importante porque teoricamente ela não seria novidade. Mas ela passou tanto tempo, desde as Ordenações não se fala mais de ação decendiária, que nós perdemos esse costume.
Se pararmos para pensar, o Direito brasileiro, desde o século XX até hoje, só admite 2 espécies de título: Título Executivo Judicial e Título Executivo Extrajudicial. Ou eu não tenho nada e devo obter uma sentença do juiz para que possa executar, ou eu tenho tudo e não preciso de cognição e já entro direto na execução. Não havia um meio termo.
E aí, eis que nós trazemos esse terceiro gênero do Direito austríaco, que é o Título Monitório. Então, a partir de 1994, passei a ter o TEJ, o TEE e o TM.
E o que seria o TM? Como se descobre que um título é monitório?
Aí é que é complicado, porque o CPC, art. 1102a não o define com clareza.
Prova escrita, sem eficácia de título executivo (porque se tivesse essa eficácia não faria ação monitória). Então, o que é essa prova escrita, o que transforma um determinado documento em prova escrita apta a viabilizar uma Ação Monitória?
É a aceitação do devedor. É a prova inequívoca de que o devedor participou da feitura daquele título o suficiente para que se reconheça nele não uma executibilidade, mas pelo menos algo apto a ser injuncionado para essa mesma finalidade, executar.
O CPC, lá no Processo de Conhecimento já tinha definido o que era prova escrita, no art.
Temos aí a definição do que seja “prova escrita” que fala o art. 1102a. Aquela prova escrita é a nota escrita pelo devedor.
O que torna um título executivo é exatamente a participação do devedor. O cheque, a nota promissória, a letra de câmbio, todos têm em comum a participação do devedor. É a participação do devedor que caracteriza isso. Só que esses três títulos são TEE definidos em lei, então tiro eles fora. Agora, todas as outras participações do devedor acarretam TM.
Ex: Nota escrita de locação de um DVD, conta de padaria, cartão do Sérgio Bermudes assinado por ele dizendo que devia a Fulano R$ 200,00. Há um reconhecimento de dívida, mas não preenche os requisitos formais para virar um TE. Mas preenche nitidamente o conceito de prova escrita do art. 377 e art. 1102a.
No entanto, a jurisprudência, anos após a promulgação da lei, se recusava a considerar TM qualquer coisa que não fosse um TE prescrito. O primeiro reflexo dos juízes é só dar como TM nota promissória após o 3º ano, cheque após 6 meses e os 30 dias de apresentação. Qualquer coisa fora disso eles não tinham segurança de saber e remetiam o jurisdicionado para o procedimento ordinário (ação condenatória ou “ação de cobrança”).
A lei define o que é TE e os enumera, exaustivamente, no CPC, art. 585, II: cheque, nota promissória, letra de câmbio, confissão de dívida, escritura pública, etc.
CPC, art. 585, II, III, IV, V, VI.
A certidão de dívida ativa é título de crédito, mas qual é a participação do devedor na sua formação? Não há assinatura do devedor. Mas ela não é exceção à regra que estabelecemos, porque ela é o ápice da fase do lançamento tributário, na qual todos os recursos administrativos do devedor têm efeito suspensivo. A CDA só é emitida depois que o devedor participou da feitura dela através dos recursos administrativos. Esse recurso administrativo dá normalidade fiscal provisoriamente enquanto não é julgada, até que finalmente emite-se uma CDA. Há participação do devedor, não na feitura do documento em si, e sim no processo de feitura do documento. Sempre há participação do devedor.
A inteligência do art. 585 é que a participação do devedor é o que dispensa o Processo de Conhecimento. São TEE todos aqueles em que, preenchidos os requisitos legais, o devedor participa de tal forma clara, inequívoca, seguindo uma norma legal, p. ex. Lei do Cheque, de tal forma que se dispensa Processo de Conhecimento, e aí entra-se direto no Processo de Execução. E aí há um procedimento mais célere, mais satisfativo, porque obrigatoriamente haverá penhora de bens do devedor para que ele possa se defender.
Só que não acontece isso no Título Monitório. No Título Monitório eu tenho uma circunstância de participação, mas insuficiente, porque não preenche formalmente os requisitos legais para se tornar um TE, mas é muito mais do que um nada que eu preciso para que o juiz prolate uma sentença para que aí sim eu possa executar.
Então, tenho o TEJ (quando não tenho nada e aí preciso formá-lo através de um Processo de Conhecimento), o TM (teoricamente não preciso de Processo de Conhecimento, porque tenho uma fase injuncional rápida) e o TEE (dispensa qualquer forma cognitiva).
O STJ diz que a Ação Monitória veio revolucionar as relações mercantis. Mentira. A jurisprudência interpretou de forma “retrospectiva” ou “curupira” a Ação Monitória (Barbosa Moreira). Temos todos uma tendência de não gostar de nada que seja novo. Por isso, todos os juízes só interpretavam como TM os TE que por algum motivo não tinha logrado ser executivo, p. ex. cheque prescrito, reconhecimento de dívida só com 1 testemunha, alguma irregularidade formal que não perdia o juízo de certeza, mas que também não gerava uma incerteza.
Os juízes interpretavam a lei nova o mais próximo possível da lei velha. Como eles só conheciam TEE e TEJ (lei velha), aparece uma lei nova e eles ficam perplexos e querem enquadrá-la em conceitos com os quais ela é incompatível para se sentirem seguros o suficiente para aplicar a norma.
Essa interpretação retrospectiva acabou condenando à morte a Ação Monitória.
Para poder entender a Ação Monitória, devemos ler os 3 artigos que a regulamentam.
1ª Crítica:
O legislador trouxe a Ação Monitória achando que a memória retrospectiva dos juízes seria tamanha que ela atingiria a ação decendiária e daí não seriam necessárias maiores divagações doutrinárias sobre a Ação Monitória. Isso não aconteceu.
A lei economizou palavras para definir algo que é muito complexo. Três artigos são muito pouco.
OBS: Os arts. 1102a, b e c é uma forma de positivação de normas em que elas são sobrepostas a outras normas sem alterar a numeração dos artigos. O legislador de 1994 e 1995, reformista, fez isso para evitar a renumeração, mas foi uma grande bobagem. Isso porque havia um espaço nos arts.
2ª Crítica:
Acanhamento do legislador.
CPC, art. 1102a – Pagamento de soma em $, entrega de bem móvel, coisa fungível.
Baseado em prova escrita. Pequenas relações comerciais que nunca foram protegidas pelos títulos de crédito. O TM serviria para agilizar essas pequenas relações econômicas de forma que houvesse uma recuperação de crédito também para os pequenos comerciantes.
A tônica desse art. é o conceito de prova escrita. Basta fazer referência ao art. 377.
CPC, art. 1102b – “Estar devidamente instruída” é um problema para juízes conservadores. O que é a prova escrita? É aquela que tem a participação do devedor.
Se a tônica do artigo anterior era o conceito de prova escrita, a desse artigo é o conceito de injunção. Estando a inicial em ordem, o juiz deferirá de plano a expedição de um mandado de pgto. Eu não tenho um TE, mas o efeito inicial desse TM é o mesmo do TE: mandado de citação para pgto. Isso é o mesmo conceito da tutela antecipada: se eu tenho um juízo de certeza a respeito da existência daquela relação, não tenho porque deixar de ordenar que o outro pague. O problema é que a lei dá efeito suspensivo aos embargos.
CPC, art. 1102c – Poderá o réu oferecer embargos em 15 dias (prazo para pagamento).
Estando a petição inicial instruída com a prova escrita, o juiz promove uma injunção. Injunção é estabelecer um mandamento em cima de uma situação abstrata para que ela se torne uma situação concreta. Então, o juiz injunciona. Qual é a base dessa injunção? Prova escrita, que gera um juízo de certeza para o juiz injuncionar e emitir um mandado de citação para a Ação Monitória ou para pronto pgto.
Esse mandado de citação dá 15 dias, gera para o devedor as opções de pagar ou embargar em 15 dias.
Os embargos monitórios contêm a eficácia do mandado inicial.
Se não forem opostos embargos monitórios, constituir-se-á TEJ, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo e prosseguindo na forma da regulamentação do Processo de Execução (execução por quantia certa contra devedor solvente).
Caso o réu oponha embargos, que independem de prévia segurança do juízo (não têm penhora, não têm garantia nenhuma), serão eles processados nos mesmos autos (embargos internos aos autos), observando-se então o procedimento ordinário.
Rejeitados os embargos, constituir-se-á TEJ.
Se é para mover uma ação que irá correr no rito ordinário, que os embargos serão internos, em 15 dias e que vai me dar de qualquer maneira uma sentença de mérito, isso é procedimento ordinário. Então, havendo embargos, qual é a diferença entre Ação Monitória e “ação de cobrança”? NENHUMA. Nem para os prazos.
Todas elas redundam em TEJ.
3ª Crítica:
Se o juiz injunciona e o réu não embarga, não devia precisar de uma sentença, devia converter o mandado inicial em mandado de penhora e seguir como se Processo de Execução fosse. Até porque se não tem embargos não tem nem onde o juiz prolatar a sentença. Aí está primeiro erro do legislador: era pra converter imediatamente e seguir o processo executivo, não precisa de sentença.
4ª Crítica:
Só se tem o ganho de tempo se a parte errar. Não se pode fazer uma lei condicionando a celeridade ao erro. É raríssimo uma execução não ser embargada, a esmagadora maioria das execuções é embargada. É óbvio que o devedor não vai ficar parado, ele quer ganhar tempo, quer embargar porque não precisa assegurar o juízo para isso. Uma ação condenatória deve estar demorando uns 5 anos, e o ganho de tempo que a Ação Monitória dá aí qual é?
Na Ação Monitória não embargada não preciso de sentença confirmando a injunção. Até publicar, da sentença cabe apelação, não pode ter esse tipo de coisa.
Das características dos Procedimentos Especiais, até tenho alteração no procedimento; tenho também ação dúplice (porque o réu embarga, mas ele é réu, mas ele pode desconstituir total ou parcialmente o título). Mas cadê a limitação do espectro? Tem alguma limitação? Algum limite para defesa do réu? Não, mas deveria.
Bastava um parágrafo para corrigir a lei: “Os embargos monitórios só poderão versar sobre inexistência completa da relação jurídica”, p. ex. eu não sou devedor, ele está falando com outra pessoa. Se o réu aceitar a relação jurídica e resolver discutir p. ex. juros, cláusulas leoninas, deveria nomear bens à penhora e discutir excesso de execução lá na execução por quantia certa contra devedor solvente. Lá é o lugar para discutir excesso de execução. Só que todo mundo, nos embargos monitórios, aceita a existência da relação jurídica e quer discutir o excesso de execução. Aí tem perícia, etc., demora muito tempo, e quando finalmente o credor vai nomear bens à penhora, não existem mais bens.
Então, para o Professor, os embargos monitórios só deveriam poder versar sobre inexistência da relação jurídica. Qualquer outra alegação de defesa, p. ex. excesso de execução, taxa de juros, etc., há o direito de fazer essa alegação, mas no Processo de Execução.
CPC, art. 741 – Nos embargos de execução fundada em TEJ (que é o de sentença, é os embargos monitórios quando eles vão até o final), só poderá o devedor alegar aquelas matérias ali previstas. A maioria alega excesso de execução, p. ex. juros abusivos, comissão de permanência.
O TM mais usado hoje em dia é o contrato de conta-corrente, que o STJ definiu que não era TE apesar de assinado por duas testemunhas, porque não tem uma liquidez definível (muitas taxas, etc).
Aí eu tenho o contrato de conta-corrente, os extratos, os cheques compensados, e o devedor vai demorar 5 ou 6 anos discutindo taxas sem precisar nomear bens à penhora!
Não há qualquer ganho de tempo na Ação Monitória.
O devedor aceita que deve, aceita a relação jurídica, aceita que usou todo o dinheiro, mas vem dizer que os juros eram extorsivos! Ele sabia muito bem o que estava fazendo! Isso é combustível para a má-fé, p. ex. o sujeito compra um Audi e após pagar a primeira prestação ajuíza uma “ação revisional”.
Não precisaria de uma sentença de mérito, já há a injunção, que funcionaria como sentença de mérito. É característica dos Procedimentos Especiais a alteração de formas para obter coisas que não se conseguiria no Processo. Só que a Ação Monitória é praticamente uma ação ordinária. Se a pessoa não embargar (o que nunca acontece, e se acontecer pode p. ex. alegar nulidade nos embargos do devedor), só nesse caso, ganha-se tempo. Não tem sentido legislar pela exceção, não pela regra.
Seria mais interessante entrar com um processo de conhecimento, pedindo antecipação de tutela, e oferecendo caução. É muito melhor optar pelo procedimento ordinário. CPC, art. 273, § 6º – Então, se estou discutindo R$ 150.000,00, e o réu vem e diz que só deve R$ 50.000,00, no procedimento ordinário eu posso fazer uma coisa que na Ação Monitória não posso: já nomear bem à penhora e executar desde já os R$ 50.000,00 sem sentença, só com a tutela antecipada (é a injunção).
Recapitulando:
– prova escrita (art. 377), com participação do devedor como elemento característico
– injunção, que é similar a uma tutela antecipada, com a diferença de que pelo menos na tutela antecipada do procedimento ordinário me redunda em alguma coisa, e na Ação Monitória não, se o réu embargar fica com a eficácia contida
– o procedimento dos embargos é ordinário, já antes dos embargos, porque o prazo para embargar é 15 dias, assim como a contestação de ação condenatória.
Não muda nada. O meu ganho de tempo está se o réu não embargar. Supondo que isso aconteça, mesmo assim o juiz dará uma sentença. Dessa sentença, se o devedor não recorrer, haverá uma execução por quantia certa com TEJ.
Se ele embargar, como não há limitação de temas, o réu pode discutir tudo, e tudo aquilo que ele discutiria na execução por quantia certa contra devedor solvente ele discute nos embargos monitórios, com a grande diferença de que ele não precisa nomear bem a penhora.
Qual é a vantagem?…
Aí o juiz vai pronunciar a sentença (TEJ), vai começar a execução, e quando finalmente conseguir ajuizar, se é que vai conseguir um bem para penhorar, o executado vai embargar alegando erro na correção monetária, vai embargar pelo mesmo motivo que embargou a Ação Monitória: excesso de execução. Então, já que ele vai embargar lá no final alegando excesso de execução, reúne todas as alegações de excesso de execução em um embargo só.
O ideal seria que nos embargos monitórios o réu só pudesse alegar inexistência total ou parcial da relação jurídica. Aí sim haveria algum ganho de tempo. O juiz faria uma audiência inicial, e se o réu negasse a relação, aceitaria os embargos, suspendendo então o mandado de injunção, e aí ele vai poder provar.
Esses embargos de Ação Monitória são uma defesa interna.
O réu vai embargar a Ação Monitória alegando excesso de execução, e depois ele vai embargar a execução alegando a mesma coisa, e daí eu não chego a lugar nenhum.
Obs: Utiliza-se caução para instrumentalizar tutela antecipada em ações “revisionais” de contrato, para retirar nome do Serasa.
Obs: Na prova, não era arresto, porque não havia título executivo. Se não há título, seria uma medida cautelar inominada de indisponibilidade de bens. Para Ovídio Baptista, o arresto cabe sempre, mas não é o que o CPC diz no art. 814.
Obs: “Normalidade do crédito” = retirar nome do Serasa.
4) Inventário
Hoje vamos falar sobre um Procedimento Especial que, se Buzaid já não gostou de colocar Procedimentos Especiais no CPC, imagine-se o que ele tinha que fazer, o dilema dele, para tratar do Inventário. O que ele poderia falar do Inventário?
Naquela ordem relativamente lógica que estabelecemos ao analisar o índice do CPC, especificamente o índice do Livro IV, vimos que Buzaid tentou pelo menos organizar os Procedimentos Especiais por macro-temas.
Se pegarmos o índice do CPC, especificamente no Livro IV, encontraremos uma certa lógica:
– Ação de Consignação em Pagamento
– Ação de Depósito busca por
– Ação de Anulação e Substituição de Títulos ao Portador satisfação
– Ação de Prestação de Contas de crédito
– Ações Possessórias
– Demarcação posse,
– Divisão domínio
– Usucapião de imóveis
– Embargos de 3º
– Habilitação Ordem no
– Restauração de autos processo.
Aconteceu alguma coisa
dentro do P, seja com o
dto, seja com o P ppte
dito, q preciso
reconstruí-lo.
Mais ou menos o que acontece no atentado
Então, vejamos só o dilema do Buzaid ao lidar com o CPC/39, que tinha Procedimentos Especiais mas não tinha cautelares inominadas. Ele cria algumas cautelares nominadas dos próprios Procedimentos Especiais, extingue alguns Procedimentos Especiais ordinarizando-os, e sobram uns outros tantos que ele precisa organizar.
Mesmo dentro da organização do CPC, vemos que falta, mesmo assim, foi difícil para Buzaid estabelecer, aceitar. Isso porque estou lidando com Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa, e a primeira coisa que me vêm a cabeça quando falo de Inventário, não é o contencioso.
Na verdade, o Inventário nada mais é que um procedimento para-judicial, um procedimento de cunho eminentemente administrativo.
O primeiro dispositivo que devemos olhar ao começar a tratar de inventário não é o art. 982, e sim o art. 1000, p. ún, parte final.
CPC, art. 1000, p. ún., parte final – “… verificando que a disputa sobre a qualidade de herdeiro a que alude o n. III constitui matéria de alta indagação, remeterá a parte para os meios ordinários e sobrestará até o julgamento da ação na entrega do quinhão que na partilha couber ao herdeiro admitido”. O que nos interessa aí é que toda vez que houver um litígio com complexidade superior, algo que não seja apreciável de plano, isto é, que haja realmente um litígio, o juiz remete as partes para brigarem em “ações ordinárias”.
Então, na hora que p. ex. quero impugnar um herdeiro dizendo que ele não é filho legítimo e portanto não pode estar no inventário, o juiz remeterá para a vara cível para que lá se discuta a legitimidade dele. Nesse caso, sobrestar-se-á na entrega do quinhão que a ele couber, cada um dos herdeiros abre mão de um pedaço de seu quinhão e deixa reservado lá para o caso de ele ganhar a ação. Isso é uma daquelas medidas cautelares de ofício que existem no CPC, o juiz simplesmente determina, utilizando-se de seu poder geral de cautela.
O que interessa agora é o dilema de Buzaid. Eu tenho duas espécies de Procedimentos Especiais: Jurisdição Voluntária e Jurisdição Contenciosa. O Inventário, por que foi colocado como Jurisdição Contenciosa? Também não é Jurisdição Voluntária, é um caso de miscelânea. Não há como estabelecer a natureza jurídica do Inventário, pelo menos dentro dessa classificação.
É complicado estabelecer dogmas, regras fixas (Jurisdição Contenciosa e Jurisdição Voluntária) e de repente aparece algo que não é nem uma coisa nem outra. Então, deve-se fazer “esforços hermenêuticos” para classificar como Jurisdição Contenciosa, e se resolveu que seria Jurisdição Contenciosa. E o Inventário foi posto lá, porque versa sobre patrimônio, para não ter problemas, pelo menos em termos lógicos.
O ideal seria que o Inventário não estivesse no CPC, mas sim regulamentado em legislação extravagante, que disciplinasse direitos de sucessão, porque o Inventário se vincula estreitamente ao CC, como bom Procedimento Especial que é. Então, que não se viesse atrapalhar ainda mais uma questão que não é processual, é procedimental, mas tudo bem, Buzaid fez as suas escolhas.
Inventário e Partilha são uma situação lógica, eles são praticamente uma modalidade de concurso universal, como é a antiga falência, atual liquidação judicial (nova nomenclatura da falência).
O Inventário tem, digamos assim, como modalidade de concurso universal, tem um administrador do patrimônio, que o gere enquanto dura aquele concurso universal, tem uma fase de habilitações, uma fase de levantamento de ativos, uma fase de levantamento de passivos e finalmente os pagamentos.
Então, se pegarmos qualquer modalidade de concurso universal, vamos ter uma fase inicial de cunho declaratório.
Em todo concurso há duas sentenças, uma de abertura e outra de encerramento. Normalmente a sentença de abertura é de cunho declaratório.
Aí, quando abre, passo a ter três afluentes:
– levantamento de ativos
– levantamento de dívidas (passivo)
– investigações paralelas, outras investigações
E finalmente esses três afluentes convergem para dar início aos pagamentos.
Fase levantamento de ativo
Inicial levantamento de passivo pagamento
(declaratória) investigações paralelas
Todo concurso tem essas características. Essas são as características procedimentais.
Só que existem também características materiais em comum:
– Juízo universal: Ele atrai todas as causas pertinentes a ele, p. ex. as cobranças (em tese, todas têm que vir para cá antes de virar judicial, então há habilitações, etc., e eventualmente se houver alguma discussão se discute em paralelo nas “vias ordinárias”). Teoricamente, como é um concurso universal, só se pode lidar com aquilo sobre o qual não há discussão. Tudo aquilo sobre o qual houver discussão tira-se, porque senão vai paralisar o concurso universal. Lembrar sempre que estamos lidando com vários direitos, e não com um só, não é autor e réu.
Se formos pensar, há até dificuldades para classificar o Inventário como ação, porque ele não tem autor e réu, não se adapta àquela visão triangular que aprendemos como visão clássica. É uma situação mais sofisticada, mais típica do direito material, que tem circunstâncias em que ele admite várias pessoas num mesmo feito, ao contrário do Processo Civil, que só admite três partes.
– Administrador:
A insolvência civil só exige 5 anos após o encerramento do processo de insolvência para ter o perdão total de todas as dívidas e voltar à normalidade de crédito. Isso está lá no CPC, art. 778. Após esse prazo, o devedor pode até tirar seu nome do Serasa, ter bens novamente no seu nome, etc.
OBS: Cabe concordata de pessoa física (CPC, art. 783).
É óbvio que a fase inicial do procedimento é declaratória, porque ele tem que estabelecer o status quo, p. ex. na falência deve declarar a falência, na concordata deve declarar a concordata. A sentença aí não será terminativa, será a abertura do efetivo processo.
O mesmo ocorre no Inventário. Há uma decisão que abre o Inventário e depois lá adiante uma decisão que encerra o Inventário, com a entrega da prestação jurisdicional. Então, tenho uma primeira fase de cunho declaratório e uma segunda fase de cunho constitutivo, em que se atribui bens, ou se atribui dívidas, e assim por diante.
Então, fica bem claro que aquele esquema e aqueles princípios ali em cima valem. Se bem que nos concursos creditícios ainda tem mais uma característica, o princípio da pars conditio creditorum (igualdade das partes credoras), o que é uma grande falácia porque leis de concurso universal foram feitas por credores privilegiados, entre eles o Estado e os bancos, e aí nenhum credor quirografário conseguirá nunca receber.
Então, no caso específico do Inventário (saindo da regra geral e entrando na regra particular), temos um procedimento também lógico, compatível com essa fase.
Se pegarmos as seções do Inventário, teremos:
Capítulo IX – DO INVENTÁRIO E DA PARTILHA.
O que vem a ser Inventário?
Nós, de uma certa forma, já vimos uma medida cautelar que tem uma similitude com o Inventário, que é a medida cautelar de arrolamento de bens. O arrolamento de bens é uma modalidade de inventariança.
Inventariar é elencar, registrar, anotar, arrolar o conjunto de direitos e deveres, bens e dívidas, que uma pessoa tem num determinado momento.
No caso da medida cautelar de arrolamento de bens, o momento é aquele que antecede uma dissolução de sociedade conjugal, ou uma dissolução societária, etc. Então, o arrolamento tem muito maior mobilidade e na realidade ele não se reporta a algo pacífico, porque ninguém discute a situação da morte e o direito de herança, pelo menos não em regra. Em regra, não se discute o fim daquela relação.
No caso, p. ex., de uma cisão empresarial. Não existe fusão no Direito brasileiro, exceto o caso da Companhia Siderúrgica Nacional, caso raro (na fusão há troca de ações, passa-se a não distinguir mais as personalidades jurídicas). Mas existe incorporação no ordenamento brasileiro. De qualquer forma, uma cisão leva a um arrolamento, porque os sócios não desejam mais conviver, eu quero tirar a minha parte da empresa mas não quero prejudicar a empresa, não quero a dissolução da sociedade. Há uma grande diferença entre cisão e dissolução. Na dissolução eu quero o fim da sociedade, não quero que sobre nada, não quero que nem eu nem ele fique com a CNPJ, quero que ele em sua pessoa física leve os bens que forem seu direito e eu levo os meus. Por isso, na dissolução societária o recomendado para o réu que queira permanecer com a empresa é uma reconvenção, não para a dissolução social, mas para que o juiz declare a permanência da empresa. No caso da cisão, p. ex. de uma empresa de transporte, que lida com concessões públicas, ela não pode perder o CNPJ, porque assinou contratos com a Prefeitura, então preferirá fazer a cisão.
Então, há inúmeras circunstâncias em que eu sou obrigado a inventariar bens. Esses exemplos de Direito Comercial ilustram outras circunstâncias, um espectro de atuação amplo para medida cautelar de arrolamento.
No caso aqui específico do Inventário, eu não posso usar medida cautelar de arrolamento, e nem preciso, porque estou lidando com fatos concretos e irreversíveis: a morte. E se eu estou lidando com a morte, tenho que imediatamente estabelecer um administrador, não pelo crédito dele, mas pela proximidade dele com os bens. Muitas vezes o inventariante pode ser determinado em testamento.
Temos basicamente três partes fundamentais no Inventário:
1ª PARTE – Fase preliminar ou inicial (Seções I a III)
? Nomeia-se o administrador
? Arrolam-se bens
Nessa fase preliminar noticia-se o falecimento do autor da herança, arrolam-se unilateralmente os bens e nomeia-se o administrador.
Quando lidamos com essa fase de declaração, como ela é unilateral, ela não tem validade absoluta.
2ª PARTE – Fase intermediária (Seções IV e V)
? Define-se o objeto da herança
? Levantam-se as dívidas
? Avaliação dos bens e cálculo dos vários impostos devidos
Procede-se às citações e impugnações. Começa-se a definir o objeto, porque se houver citação e não houver nenhum tipo de impugnação, você aceita aqueles bens e eles se tornam incontroversos.
Avaliam-se os bens e se calculam os impostos devidos.
3ª PARTE – Fase final (Seções VI a VIII)
? Colações
? Pagamentos das dívidas
? Adjudicações
? Partilha (Seção VIII)
As duas primeiras partes constituem a Fase do Inventário (arrolamento, grande definição de bens), e ao final tem-se o pagamento e a partilha.
Depois, há outras formas de inventário, dentre as quais o Arrolamento.
OBS: Arresto – No artigo 814, I do CPC não consta “exigível”, mas consta Título Executivo líquido e certo. A medida cautelar nominada de arresto tem exigências claras e específicas.
Não havendo título executivo, não é possível ajuizar arresto.
Jamais se troca arresto por cautelar inominada de indisponibilidade de bens. Um não é igual ao outro.
A concessão do arresto exige prova literal da dívida líquida e certa. Tendo um título líquido e certo, cabe arresto. Não tendo nada, cabe medida cautelar inominada de indisponibilidade de bens, p. ex. título sem qualquer eficácia de executivo (ou seja, nada), que não é nem líquido, nem certo, nem exigível (logo, não cabe arresto).
(Continuação – Inventário e Partilha)
Foi explicado que a formatação do CPC já foi difícil para Buzaid no que toca ao inventário exatamente porque ele escolheu um figurino apertado, muito estreito, com Livros (Processo Cautelar).
Em 1939 nem existia Processo Cautelar, existia um poder geral de cautela, uma tutela cautelar. E aí, Buzaid criou o Processo Cautelar no CPC/73 e extinguiu um livro do CPC/39 que eram os Processos Acessórios, nos quais estavam incluídas as cautelares preparatórias e vários procedimentos especiais. Buzaid tirou boa parte dos procedimentos acessórios e dividiu, colocando parte no Processo Cautelar e parte nos Procedimentos Especiais. Assim, o atentado, que era um procedimento acessório, virou uma cautelar.
Buzaid, na medida do possível, criou uma coisa lógica, coerente, ainda que criticável.
Aí, quanto ao Inventário Buzaid teve que fazer escolhas, e assim excluiu outras correntes. Ao pegar esse figurino justo (Processo de Conhecimento, Processo de Execução, Processo Cautelar, Procedimentos Especiais), extinguindo os procedimentos acessórios e boa parte dos procedimentos especiais (p. ex. a imissão de posse, que se ordinarizou; pede-se quando se pretende a posse originária, não houve turbação nem esbulho, você simplesmente é o primeiro a tomar posse).
Mas estava lá o Inventário, que não podia ser remetido para o rito ordinário. Então Buzaid optou por colocá-lo nos Procedimentos Especiais. E aí surgiu um segundo problema, pois ele tinha Procedimentos Especiais de Jurisdição Contenciosa e Jurisdição Voluntária, e nós vimos que o Inventário aceita apenas aqueles litígios administrativos, ordinatórios do Procedimento Especial. Não aceita altas indagações.
Ex: Um sujeito acordou de manhã ao lado da namorada sentindo-se mal. Resolveu ir ao hospital, a pé. Saiu por volta de 9h. Foi caminhando vagarosamente, chegando lá 9h20min. Foi atendido em seguida, às 9h25min, ficou em observação por algum tempo e foi liberado para casa às 10h20min. Nesse horário, ele saiu, voltou para casa vagarosamente, e chegou em casa por volta de 10h35min.
O atestado de óbito declara que a morte ocorreu em 11h35min, por aneurisma de aorta. O aneurisma de aorta causa uma dor horrível.
Logo após o enterro, para a surpresa da família, a namorada abriu o inventário rapidamente, dizendo-se esposa. Aí se descobre que ela, naqueles 55min, detectou que ele ia morrer, aproveitou os últimos momentos de consciência dele e chamou 5 testemunhas que atestaram o seu último desejo de se casar com ela (casamento nuncupativo).
Só que algumas coisas não batiam. Ela processou, pois o casamento nuncupativo é um dos Procedimentos Especiais que não estão regulados no CPC, estava regulado no CC/16. O mesmo ocorre com o testamento, p. ex. testamento privado deve ser aberto, há toda uma liturgia que não está regulada no CPC.
O juiz, no processo do casamento, ouviu as 5 testemunhas. A primeira era uma parente que estranhamente saiu de sua casa e chegou na casa do casal antes dos paramédicos. A segunda e a terceira eram a faxineira e o porteiro, que desapareceram. E havia também mais dois vizinhos.
A família quis anular. A primeira atitude é tentar impugnar ela como inventariante. Como essa impugnação implica diagnóstico médico, perícia, etc, o juiz disse que era matéria de altíssima indagação e remeteu às vias ordinárias. Ajuizaram então uma ação de anulação de casamento, com uma liminar através de uma medida cautelar que suspendesse o inventário, pois a família não ia permitir que aquela mulher, na qualidade de inventariante, administrasse todos os bens do sujeito.
O advogado da família sustentou que se 11h35min ele morreu, isso significa que o aneurisma rompeu por volta de 11h. Até então ele estava num estado em que o sangue gotejava na cavidade torácica, o que gera muita dor. Entre 10h45min e 11h, portanto, ele estava consciente. Até que o aneurisma estourou às 11h. Só que quando o aneurisma estoura, ocorre uma dor insuportável, que a medicina chama de obnubilação, mas não está inconsciente. Inconsciente ele fica nos últimos 15min, quando entra em choque de dor. Então, nos últimos 15 minutos (de 11h20 a 11h35min), ele estava inconsciente, e nos 20min anteriores ele estava obnubilado (11h a 11h20min), não tendo condições de emitir uma vontade conscientemente.
Logo, não é verossímil que em 15min, que ela: diagnosticasse que ele ia morrer (não tinha esse conhecimento de medicina legal); soubesse que era um aneurisma; detectasse que fossem indispensáveis ali 5 testemunhas para o casamento nuncupativo, ligasse para a irmã avisando que o sujeito estava morrendo e a irmã chegasse em 15min. Era óbvio que havia uma fraude.
Ontem separamos o Inventário em 3 partes básicas.
Como as matérias de alta indagação são relegadas a um segundo plano, remetidas às vias ordinárias, e eles que se virem para suspender o Inventário, o Inventário é em regra um procedimento simples. Os honorários são de 3% sobre o valor dos bens inventariados. E é teoricamente um procedimento rápido. Mas só teoricamente.
Procedimento:
? Petição inicial
A petição inicial de Inventário é muito simples.
CPC, art. 987.
Como é um procedimento administrativo, essa petição inicial não tem requisitos, não se requer provas, procedência do pedido. Não precisa fazer nada além de requerer a abertura do inventário (lembrar que há uma fase inicial de abertura, de cunho declaratório, e depois há uma segunda fase de cunho constitutivo ou declaratório). O requerimento será instruído com a certidão de óbito do autor da herança.
No requerimento, noticia-se a morte, comprovando com a certidão. Esses são os requisitos que a lei dá.
Deve-se também informar se deixa bens (evidentemente, se se está pedindo Inventário, está-se pretendendo que sejam inventariados os bens), e se deixa herdeiros, nominando-os. Pode-se fazer uma inicial um pouco mais completa juntando as certidões de nascimento, uma relação de bens, mas nada disso é obrigatório. Tanto é que uma das três características dos Procedimentos Especiais é a alteração total das regras processuais, dentre elas regras de legitimidade. Se virmos o art. 989, é o exemplo que foi dado em sala de aula: a situação é tão simples, tão instrumentalizada, que o juiz pode requerer a abertura do Inventário. Isso porque há um prazo previsto no art. 983: 30 dias a contar da abertura da sucessão (morte). Esse artigo diz também que o Inventário ultimar-se-á nos 6 meses subseqüentes, o que seria bom se fosse verdade. Eventualmente o juiz pode dilatar esse prazo.
A fase inicial (Fase declaratória) é aquela em que há a colocação em campo dos jogadores: juiz, MP se houver menor envolvido no inventário (intervenção do MP – art. 85). Aí começa a correr o cronômetro de 6 meses.
? Legitimidade:
Quem requer? A legitimidade (quem será o inventariante) em regra é determinada por quem tem a posse dos bens. CPC, art. 987.
Mas há uma legitimação concorrente no art. 988.
CPC, art. 988.
Inciso III – Legado é p. ex. a coleção de LPs do Pink Floyd. O legatário quer receber seu legado, então pode requerer a abertura do Inventário.
Inciso IV – Testamenteiro.
OBS: Herdeiro, legatário, testamenteiro, têm na realidade uma necessidade de voltarmos ao conceito de testamento. Espécies de testamento: cerrado, público e privado (dentre os quais está o militar). O privado é o que mais tem necessidade de ser processado em juízo. Se houver testamento, deve-se primeiro processar o testamento para depois abrir o inventário, por isso o prazo de 30 dias (mas nunca termina de ser processado nos 30 dias). Por isso é que o legatário tem legitimidade, porque ele quer receber seu legado.
Inciso VI – Ex: A família não pagou a conta do hospital em que o falecido ficou internado antes de morrer. O hospital, como credor, pode abrir o inventário.
Inciso VII – “O síndico da falência do herdeiro” é uma contradição em termos: não é síndico, é administrador, e da insolvência civil.
Inciso VIII – MP se houver herdeiros incapazes, pois entra como legitimado.
Inciso IX – Fazenda Pública.
CPC, art. 989 – Legitimação extraordinária do juiz.
? Petição das Primeiras Declarações
Essa petição é uma cópia.
Aí sim deve-se preencher alguns requisitos porque se vai delimitar, propor ao juiz o tamanho da piscina (Pontes de Miranda). Então, as Primeiras Declarações são uma proposta. É exatamente aí que o inventariante, já nomeado (ele toma posse, é investido nesse cargo, assina um termo), prestará as Primeiras Declarações.
CPC, art. 993.
É uma peça trabalhosa.
Deve-se descrever tudo, p. ex. descrever os 20 imóveis: “uma casa de alvenaria, etc etc”, transcrevendo o que há no Registro de Imóveis, inclusive as confrontações.
Nas primeiras declarações deve haver (art. 993):
Inciso I – Se deixou testamento, deve-se fazer o processamento.
Inciso II – Isso não tem mais eficácia.
Inciso IV – Descrever os imóveis é chato, mas fácil. Descrever os móveis. Descrever os semoventes. Referir o dinheiro e descrever as jóias (normalmente o que há de mais valioso). Ou seja, o administrador declara a morte, abre o Inventário e propõe aquele estado de coisas.
Qualquer bem que não esteja nessas Primeiras Declarações, há duas saídas: ou se acusa o sujeito de sonegação, ou simplesmente depois de fechado o Inventário e surge um bem novo (o que não é incomum), p. ex. a viúva inventariante descobre posteriormente vários imóveis em que moravam as supostas “viúvas” do falecido. Esse exemplo não é caso de sonegação.
A sonegação, muitas vezes, ocorre com jóias (não tanto com bens imóveis ou automóveis porque eles têm registro), e na época do CPC, ocorria com ações ao portador.
A avaliação de bens é típico litígio apto a ser dirimido no Inventário. Não deve ser nas vias ordinárias. Isso porque a avaliação é inerente à administração de bens que o Inventário representa. Tem-se aí claramente então uma típica situação. O juiz mandará avaliar.
Mesmo na hora em que se concorda, o juiz submete à avaliação porque a Fazenda Pública não concorda.
O avaliador avalia os bens, e o juiz determinará ainda que se proceda aos atos previstos no CPC, art. 993, p. ún. Inciso II – Pois se fosse S.A. (sociedade de capitais), o elemento característico é o montante do investimento.
CPC, art. 994 – Sonegação.
CPC, art. 995 – Condições em que se impugna. Mesquinharias iniciais. Remoção de inventariante.
A função do inventariante é manter os bens. Se houver qualquer tipo de risco, p. ex. um carregamento de frutas, que não resiste a um mês, há um Procedimento Especial de Jurisdição Voluntária chamado alienação judicial de bens, para converter em dinheiro o que rapidamente pode se deteriorar. Hoje em dia, poderia ser aplicável até a veículos (perda do valor de mercado).
CPC, art. 996.
Esses são os chamados incidentes do Inventário:
– Processamento do testamento
– Remoção de inventariante (em paralelo ao processamento do testamento, ou a qualquer tempo, porque é atemporal)
Há ao longo do Inventário uma série de pequenos litígios de cunho ordinatório, exatamente como ocorre no processo, p. ex. o impedimento e suspeição do juiz, incompetência, argüição de falsidade documental (situações ordinatórias). Pára-se o curso do processo, ordena aquilo, e depois continua.
No Inventário também há incidentes de curso ordinatório. O processo não pode seguir sem a resolução deles, e por isso o Inventário acaba demorando mais que 6 meses.
CPC, art. 997 – A decisão de remoção do inventariante é interlocutória, portanto cabe agravo.
CPC, art. 998 – O inventariante removido entregará ao substituto os bens do espólio, inclusive eventualmente o que ele mora, se for o que estiver deteriorando.
? Fase das citações e impugnações:
Até agora houve apenas uma declaração.
Da mesma forma que na concordata, p. ex. eu declarava que devia ao BB R$ 10.000,00, o BB será citado para aquela concordata e ia contestar o valor.
Da mesma forma como acontece isso naquele concurso universal da concordata e naquele concurso universal da falência, ocorre aqui. O herdeiro pode impugnar a avaliação de uma casa, porque afinal de contas aquilo ali é apenas uma proposta, e às vezes se passa tanto tempo que a impugnação acaba acontecendo pela desvalorização do bem.
CPC, art. 999 – CITAR. Teoricamente, dentro do conceito de processo civil, é aqui, na citação, no chamamento a um processo para que se defenda, que começa uma lide. Acontece que a palavra “citação” aqui existe em função daquelas lides potenciais e a questão da partilha de bens.
As citações são feitas de acordo com o procedimento ordinário.
CPC, art. 1000 – Vista em cartório, em prazo comum de 10 dias para analisar, fazer sua própria avaliação, e aí terminada a fase de citações, começa a fase das impugnações (mesquinharias).
Aí é que vem a questão da complexidade: CPC, art. 1000, p. ún. Causas de alta indagação, p. ex. alegação de que o inventariante não é filho.
CPC, art. 1001 – Ex: Alguém se diz filho do autor da herança. Esse é o momento de se habilitar. Daí a necessidade de o juiz e o MP ter legitimidade para abrir o Inventário, porque pode-se acabar sonegando.
CPC, art. 1002 – A Fazenda Pública sempre estará presente quando você morrer. Ela deverá ser citada, e terá 20 dias (prazo privilegiado) após o prazo comum de 10 dias (em que todo mundo se mata para ver). P. ex. o procurador da Fazenda Nacional analisará, de acordo com os dados que constam no cadastro imobiliário do finado, o valor dos bens de raiz descritos nas Primeiras Declarações.
OBS: A habilitação tem 2 vieses: alta indagação e baixa indagação. Se for alta indagação, p. ex. há dúvidas se aquela pessoa é filha do falecido, deve-se parar o Inventário, reservar o quinhão e apurar nas vias ordinárias através de uma ação declaratória de paternidade. Se ninguém impugnar, cabe ao MP ou ao juiz, se desconfiarem que há algo de errado, impugnar a filiação.
? Da avaliação e do cálculo do imposto
Fase final.
Antes houve apenas uma proposta de avaliação.
O juiz deve analisar.
Muitas vezes, a avaliação de um imóvel para fins de incidência do IPTU é muito mais baixa. Então, normalmente, utiliza-se aquele valor venal que é lançado no IPTU e normalmente a Fazenda Pública aceita como base.
Na verdade a avaliação é extremamente subjetiva. Quem faz a avaliação, salvo situações de impugnações, é o avaliador judicial, ou o oficial de justiça que acumula as duas funções.
CPC, art. 1003 – Critérios de avaliação. Cálculo do imposto.
CPC, art. 1013, § 2º – Pode dar a impressão que é uma sentença, mas não é. É uma decisão agravável. OBS: Há algumas sentenças no CPC agraváveis, p. ex. a homologação de cálculo em execução.
Feito o cálculo do imposto, chega-se na fase mais complicada do Inventário: as colações.
? Colações
Vendas de ascendente a descendente exigem autorização. No entanto, as doações não exigem. Na compra e venda, desde que devidamente fiscalizada, sai um bem do patrimônio mas entra dinheiro, então não pode ser considerado como um favor, uma vez que todo mundo anuiu e foi transparente não houve perda de patrimônio. Já nas doações não preciso de qualquer tipo de fiscalização. Falecido o doador, aquele que foi o herdeiro beneficiário da doação vai ter que declarar, porque se não o fizer os demais vão denunciar que ele recebeu aquela doação quando o falecido era vivo.
Aí fica uma coisa complicada, p. ex. doação de apartamento, o sujeito doa mas já o registra em nome do donatário, e aí se torna uma matéria de alta indagação.
Então, depois do cálculo de imposto, há as colações. Há uma situação clara de nova hipótese: situações de alta indagação e situações de baixa indagação.
OBS: A qualquer momento ao longo do Inventário, pode-se fazer um atalho, através de um instrumento particular de cessão de direitos hereditários. Não é renúncia de direitos hereditários. A cessão de direitos hereditários é direcionada de um herdeiro para alguém; é diferente da renúncia porque nesta o sujeito renuncia mas a estirpe dele assume no lugar dele, entrando no Inventário. Já na cessão para um terceiro, esse terceiro se substitui em sua posição no Inventário.
As cessões mais freqüentes são exatamente aquelas em que os filhos já estabelecidos, absolutamente sem qualquer interesse, cedem à viúva os direitos hereditários e ela concentra. Isso é uma grande burrice, porque se pagará tributo duas vezes. É melhor fazer a partilha e deixar a viúva com usufruto de tudo que ela quiser, mas os bens no nome dos filhos.
Essa cessão é uma forma de simplificar o Inventário, mas não na contramão da natureza. Não se vai ceder pro mais velho, prepara-se a herança. Existem outras formas de preparar um Inventário sem pagar impostos, através da criação de sociedades de participações, colocando tudo em nome das sociedades e colocando uma cláusula de cessão automática das quotas sociais. Aí nunca se tem herança porque existem as cessões automáticas das quotas no caso de falecimento de um sócio, e como todos os bens estão no nome da sociedade não há problema quanto a isso.
Feitas as colações, tem-se a fase final, o encerramento, aquela terceira fase. Pagam-se as dívidas e se faz a partilha. A partilha é decidida por sentença. O que se partilha é um patrimônio líquido, não é o patrimônio total (existe o imposto causa mortis, que é estadual, e as duas fases finais).
CPC, art. 1029 – É outra forma de fazer um atalho no inventário.
p. ún.
É óbvio que essa ação, apesar de estar prevista no capítulo do Inventário e da Partilha, é uma daquelas ações de alta indagação, não corre na vara de sucessões, corre na Justiça comum.
Essa ação anulatória é aquela do art. 486 (atos jurídicos em geral). É muito comum, porque ninguém é obrigado a deixar herança, a pessoa pode gastar em vida todo o seu patrimônio como quiser e não deixar nada, não há um direito. É muito comum essa ação para anular vícios de vontade em vida, alegando-se coação, como se a pessoa, porque cedeu o único bem que ela tinha. Muitas vezes há a questão do sujeito deserdado informalmente, p. ex. doar em vida todos os seus bens para uma instituição de caridade é uma forma de deserdar informalmente.
* Texto enviado de forma anônima.
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