Economia Internacional

Resenha de obra: O petróleo e a política dos EUA no Golfo Pérsico: A atualidade da doutrina Carter – Igor Fuser

FUSER, Igor. O petróleo e a política dos EUA no Golfo Pérsico: A atualidade da doutrina Carter.

               

Igor Fuser organizou uma retrospectiva histórica referente ao relacionamento entre os Estados Unidos da América e um dos países mais preponderantes quanto ao comércio internacional de petróleo, o Iraque. Para tanto, o autor partiu da análise da administração de George W. Bush, e concluiu que o comportamento agressivo apresentado pela administração republicana, dita neoconservadora, não é o único fator a ser considerado quando da análise dos motivos que levaram tal governo a empreender uma guerra contra o Iraque. O que Fuser propõe é que existe, desde a II Guerra Mundial, uma espantosa continuidade nas políticas assumidas por democratas ou por republicanos em relação ao Oriente Médio. Mais precisamente desde a década de 1980, quando os EUA adotaram a chamada Doutrina Carter, que determinava o uso de intervenções militares para garantir o acesso ao interesse vital da economia: o petróleo do Golfo Pérsico. Na administração George W. Bush, contudo, tal doutrina passou a se vincular às estratégias para a maximização da extração do petróleo em todas as partes do mundo.

 

Já nas décadas de 1940 e 1950, os governos dos EUA apresentavam, ainda que sutilmente, a idéia de que o país possuía algum “direito” sobre o petróleo do Golfo Pérsico. Em 1958 o Presidente Eisenhower enviou tropas para localidades próximas com o objetivo assegurar, frente às iniciativas nacionalistas e soviéticas os interesses ditos ocidentais na região. O uso das forças armadas para tal finalidade já constituía uma discussão constante e recorrente entre os intelectuais e entre os dirigentes governamentais norte-americanos. Para alguns, aliás, a escolha já havia sido feita.

 

Até que, no início da década de 1980, o Presidente Jimmy Carter utilizou a expressão “interesse vital” para descrever a relação que os EUA mantinham com o Golfo Pérsico, e que usariam qualquer maneira considerada necessária para assegurar o acesso seguro à região. Este discurso, apresentado em um momento em que as relações internacionais, concernentes ou não ao Golfo, estavam passando por uma conjuntura caótica, foi uma ruptura com as políticas empreendidas desde 1945 até então, as quais tentavam assegurar o fluxo da matéria-prima sem empregar o uso do poderio bélico.É relevante assinalar que a doutrina Carter – definida pelo historiador Douglas Little como uma doutrina Monroe para o Oriente Médio – possuía um desafio duplo: 1) assegurar o controle das reservas de petróleo do Golfo Pérsico e 2) reagir à ação militar na Ásia Central, interpretada, ao menos publicamente, como uma ameaça.Além disso, havia a possibilidade de concretizar outros objetivos considerados mais político-ideológicos, como: reorganizar plenamente a influência estadunidense no Oriente Médio e maximizar a cooperação dos países da região para com os objetivos internacionais do país, aproximando, para tanto, o maior número de nações possíveis de Israel, além de estruturar uma maneira de contenção dos ideais da Revolução Iraniana.

 

Onze anos depois, durante a Guerra do Golfo, pela primeira vez os EUA declararam Guerra contra um país árabe inteiro, imprimindo, em sua totalidade, o enunciado da doutrina Carter. Pela primeira vez o domínio sobre determinada região petrolífera era, e abertamente, o fator central determinante de um confronto. Isto é, o Presidente George Bush (pai), assim como aqueles que o haviam antecedido e os que o sucederam, interligou o interesse “vital” com a garantia da segurança nacional norte-americana. Assim sendo, alegou que sua preocupação fundamental seria conter o avanço de alguma potencia regional com ambições hostis. No entanto, é fato que nesta época, o perigo do expansionismo soviético não era mais insurgente, ou seja, estava nitidamente referindo-se aos países do próprio Oriente Médio, neste caso o Iraque de Saddam Hussein, mesmo que este fosse um país subdesenvolvido que estava interessado na concretização de interesses intrínsecos ao próprio crescimento econômico, e não a citada superpotência. O inimigo havia deixado de ser externo ao Oriente Médio e passava a ser um país da região, o que transmutava os objetivos iniciais da doutrina Carter, a qual fora inicialmente utilizada em referência aos soviéticos.

 

Também se torna relevante lembrar que era fundamental ao estadista norte-americana, o qual compartilhava semelhante opinião com o restante dos dirigentes nacionais, que o país constantemente reafirmasse a hegemonia conquistada no período Pós-guerra Fria. Acabado tamanho confronto, ainda durante uma década, o objetivo norte-americano continuou sendo derrubar o governo Saddam Hussein por meios indiretos. Haja vista tal meta não ser suficiente para a manutenção do seu poder na localidade, no governo Bill Clinton partiu-se para uma dupla contenção, direcionada simultaneamente para Irã e Iraque. Acreditavam que só assim, garantindo que as forças armadas atuassem na região, alcançariam o que prescreve a doutrina Carter.

 

Fuser retoma a teoria de que quanto à preocupação acerca dos interesses petrolíferos não existem muitas diferenças, consideradas as administrações democratas e republicanas, inclusive os republicanos neoconservadores. As diretrizes fundamentais não se alteram substancialmente, sendo que ganharam elevada importância na plataforma de George W. Bush, antes mesmo dos ataques terroristas de 11 de setembro. O que há de novo é a intenção de projetar a força nacional em regiões distantes, sendo que estas, obviamente, interessariam economicamente o país.

 

Grande parte dos dirigentes que assumiram posições de destaque na administração de Bush (filho) já haviam relatado anteriormente a opinião de que um aumento da presença militar dos EUA no Iraque era indispensável há muito tempo, transcendendo até a clara objeção ao mando de Saddam Hussein. Informações confidenciais à pouco divulgadas revelam que com um mês de mandato a equipe de governo já havia elencado algumas reservas petrolíferas iraquianas e enumerado uma série de empresas que se interessariam em sua exploração. E, quando alertados sobre o perigo representado pela Al Quaeda, pouco os dirigentes se desviavam de sua intenção fixa.

 

Dono da segunda maior reserva de petróleo do mundo, o Iraque é um foco exeqüível de tensão. Não deixou de ser o “interesse vital” citado por Carter há duas décadas. O obstáculo representado por Saddam Hussein obrigou os EUA à traçarem um plano linear de diminuição de poder que o país poderia atingir, haja vista sua extrema influencia no mercado petrolífero. No entanto, as sanções econômicas e a influência ideológica que possuem no mundo inteiro não eram mais suficientes. Tiveram que partir para o confronto físico, e as conseqüências dessa escolha ainda não são exatamente compreensíveis. Segundo Igor Fuser: “uma decisão estratégica que, apesar dos resultados desastrosos que vem demonstrando, nada tem de irracional”.

 

Como citar e referenciar este artigo:
ANÔNIMO,. Resenha de obra: O petróleo e a política dos EUA no Golfo Pérsico: A atualidade da doutrina Carter – Igor Fuser. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2010. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/economia-internacional/resenha-de-obra-o-petroleo-e-a-politica-dos-eua-no-golfo-persico-a-atualidade-da-doutrina-carter-igor-fuser/ Acesso em: 27 dez. 2024