Hernane Elesbão Wiese*
LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado.
Sociedade de risco e estado
“A Teoria da Sociedade de Risco, característica da fase seguinte ao período industrial clássico, representa a tomada de consciência do esgotamento do modelo de produção, sendo esta marcada pelo risco permanente de desastres e catástrofes”[1].
Na sociedade de risco há um fenômeno chamado irresponsabilidade organizada, que se dá pela consciência da existência dos riscos, porém sem ações políticas de gestão destes.
Discute-se uma maneira pela qual os malefícios, inerentes a qualquer produção de bens, podem ser distribuídos, ou seja, verifica-se a autolimitação do desenvolvimento e a necessidade de se estabelecer novos padrões de responsabilidade, segurança, controle, limitação e conseqüências do dano. Porém, somam-se os limites científicos de previsibilidade, quantificação e determinação dos danos.
“Pode-se afirmar que a sociedade moderna criou um modelo de desenvolvimento tão complexo e avançado, que faltam meios capazes de controlar e disciplinar esse desenvolvimento.
[Anthony] Giddens diz que o risco é a expressão característica de sociedades que se organizam sob a ênfase da inovação, da mudança e da ousadia.
A falta de conhecimento científico e a sua incerteza implicam uma disfunção, podendo ocasionar, segundo [Ulrich] Beck, duas formas de risco ecológico possíveis, sobre os quais o Estado atua, de forma paliativa, como mero gestor do controle dos riscos:
a) risco concreto ou potencial (visível e previsível pelo conhecimento humano);
b) risco abstrato (invisível e imprevisível pelo conhecimento humano)”[2].
O dano ambiental pode projetar seus efeitos no tempo sem certeza de controle de sua periculosidade. São exemplos: “os danos anônimos (impossibilidade de acontecimento atual), os cumulativos, os invisíveis, o efeito estufa, a chuva ácida e muitos outros”[3], vitimizando gerações presentes e futuras.
Beck alerta para a publicidade dos riscos, alertando para aqueles onde o perigo ocorre sem saber sua extensão ou origem, resultando na irresponsabilidade organizada.
“Os riscos possuem, agora, grande aptidão de expor uma série indeterminada de sujeitos a estados de desfavorabilidade, estendendo-se potencialmente em uma escala global, e afetando, também, os membros das futuras gerações”[4].
É clarividente a necessidade do Estado “melhor se organizar e facilitar o acesso aos canais de participação, gestão e decisão dos problemas e impactos oriundos da irresponsabilidade política no controle de processos econômicos de exploração inconseqüente dos recursos naturais em escala planetária”[5].
“A proliferação de causas ameaçadoras expressa-se, agora, na forma de riscos inseguráveis, que são originados de processos de decisão desenvolvidos em espaços institucionais de acentuado déficit democrático.
São riscos cujo perfil é caracterizado pela indeterminação e, no grau máximo, pelo completo anonimato que paira sobre seus responsáveis, suas causas e vítimas, sua extensão, seus efeitos sobre a própria qualidade perigosa das causas”[6].
O Direito Ambiental tem uma mera atuação figurativa na sociedade de risco, criando a falsa impressão de uma assistência ecológica por parte do Estado, produzindo uma realidade fictícia.
“Embora o ordenamento jurídico-ambiental brasileiro possua instrumentos que não se limitam ao controle da produção e da proliferação de riscos, ressalta-se a necessidade de afastar o Direito Ambiental da racionalidade da irresponsabilidade organizada e desvinculá-lo da intenção do exercício de uma função meramente simbólica. Apenas com o reconhecimento dos riscos da atualidade, o que pressupõe que sejam eles trazidos a público, o Direito Ambiental poderá ser alicerçado sobres novas bases que viabilizarão a efetiva utilização de seus instrumentos como forma de salvaguardar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações presentes e futuras”[7].
Dilemas éticos ambientais e conceituais na formulação do Estado Constitucional brasileiro
Dilemas éticos ambientais e Constituição brasileira
“O modo de vida humano, baseado, preponderantemente, em valores econômicos, causou impactos no ambiente nunca vivenciados em toda a história.
Existem dois principais dilemas éticos relacionados à temática ambiental: o antropocentrismo e a ecologia profunda. O antropocentrismo pode ser desmembrado em economicocentrismo e em antropocentrismo alargado.
O economicocentrismo reduz o bem ambiental a valores de ordem econômica.
Já o antropocentrismo alargado […] propugna por novas visões do bem ambiental. […] Centra a preservação ambiental na garantia da dignidade do próprio ser humano, renegando uma estrita visão econômica do ambiente. […] O ambiente não é visto como passaporte à acumulação de riquezas, sendo compreendida como elementar à vida humana digna.
De fato, a visão antropocêntrica tradicional caracteriza-se pela preocupação única e exclusiva com o bem-estar do homem.
Por seu turno, de forma oposta ao antropocentrismo tradicional, a ecologia profunda visa a fundamentar a idéia de que o ser humano precisa integrar-se ao ambiente.
De acordo com Steingleder, o primeiro pressuposto da ecologia é fazer da natureza um sujeito de direito, superando-se a concepção de que a natureza é mero objeto de direitos”[8].
Porém o ser humano ainda não se concebe de acordo com a ecologia profunda.
“Nesse contexto, cabe a constatação de que o próprio Direito só passou a tratar de concepções ambientais nas últimas décadas, havendo Estados que ainda consideram o ambiente a partir de concepções notadamente economicocêntricas”[9].
Como o Direito é produzido pelos humanos e para os seus valores, é normal, que numa sociedade internacional predominantemente economicocêntrica, o ambiente fique refém das necessidades econômicas.
Diante disto não seria de esperar que a Constituição da República (CF/88) não usasse também a visão antropocêntrica. Porém não se ateve a matiz economicocêntrica, não contemplando o meio ambiente como mero instrumento para a geração de riquezas.
A CF/88 adotou o antropocentrismo alargado por considerar o ambiente de uso comum do povo (macrobem). O art. 225 dá uma visão ampla de ambiente, não o restringindo apenas a florestas, lagos e rios, por exemplo.
“No regime constitucional brasileiro fica claro que o ambiente é tratado como bem de interesse comum da coletividade, sendo sua proteção dependente de responsabilidade compartilhada entre o Estado e a coletividade”[10].
“Na proposição constitucional brasileira do antropocentrismo alargado, há uma ruptura com a existência de dois universos distantes: o humano e o natural, avançando no sentida da interação entre eles. Abandonam-se as idéias de separação, dominação e submissão; busca-se uma interação entres os universos distintos e a ação humana”[11].
Na Constituição brasileira podemos ver também elementos preventivos no art. 225, como: exigência de “estudo prévio de impacto ambiental […]; controle de produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco”[12].
Ainda no art. 225, o legislador estabelece que a fauna deve ser protegida, vedando-se práticas cruéis.
Definição conceitual do bem ambiental no sistema jurídico brasileiro
Pela análise da lei 6.938/81, art. 3º, I, chega-se à conclusão que o legislador considerou o ambiente como macrobem, sendo o ambiente considerado como “o conjunto de relações e interações que condiciona a vida em todas as suas formas”.
Como a lei não aponta os elementos corpóreos do ambiente, considerou-o como um bem incorpóreo e imaterial.
“No que se refere à atividade privada, deve-se considerar a qualidade do meio ambiente, pois o constituinte diz que a atividade econômica deverá observar, entre outro, o princípio da proteção ambiental.
No processo reparatório do macrobem ambiental, o que se busca é, primeiramente, a recuperação do dano e, como segunda hipótese, uma compensação pecuniária à coletividade, de que foi subtraída a qualidade do bem, e não a reparação para seu proprietário, seja ele público, seja privado.
Não se deve aceitar, dessa forma, a qualificação do bem ambiental como patrimônio público. […] Conclui-se que o bem ambiental (macrobem) é um bem de interesse público, afeto à coletividade”[13].
Porém o Código Civil considerou o bem ambiental “como pertencente ao Poder Público e não a toda a coletividade, como dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil”[14].
* Acadêmico de Direito da UFSC.
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito
[1] LEITE, p. 2.
[2] LEITE, p. 3.
[3] LEITE, p. 3.
[4] LEITE, p. 4.
[5] LEITE, p. 5.
[6] LEITE, p. 5.
[7] LEITE, p. 6.
[8] LEITE, p. 7-9.
[9] LEITE, p. 10.
[10] LEITE, p. 12.
[11] LEITE, p. 13.
[12] LEITE, p. 13
[13] LEITE, p. 16-17.
[14] LEITE, p. 18.