Hernane Elesbão Wiese*
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada.
As razões de um título
Propõe-se “analisar as dimensões jurídicas fundamentais do chamado Estado Constitucional Ecológico. […] O que se pretende com estes enunciados ou fórmula é isto: (1) o Estado constitucional […] deve ser também um Estado regido por princípios ecológicos; (2) o Estado ecológico aponta para formas novas de participação política […]”[1].
Os olhares do jurista: as “diferenças” e partilhas na compreensão do direito do ambiente
Para se analisar os problemas jurídicos do ambiente são usados vários postulados, são eles:
1. O postulado globalista:
“a proteção do ambiente não deve ser feita a nível de sistemas jurídicos isolados (estatais ou não) mas sim a nível de sistemas jurídico- políticos, internacionais e supranacionais, de forma a que se alcance um Standard ecológico ambiental razoável a nível planetário e, ao mesmo tempo, se estruture uma responsabilidade global […] quanto às exigências de sustentabilidade ambiental […].
[…] A leitura do ambientalismo global dirige-se sobretudo para aquilo que se passou a chamar problemas ecológicos da segunda geração (camada de ozônio, mudanças climáticas, biodiversidade). O problema central da leitura globalista resida na exata, compreensão do princípio da sustentabilidade ambiental”[2].
2. A perspectiva individualista:
“pode compreender-se num sentido moderno-publicista, querendo com isso significar-se a existência de um direito individual fundamental ao ambiente, constitucionalmente consagrado, ou num sentido privatista, pretendendo dizer-se que a defesa do ambiente passa ainda, hoje, pela utilização de direito (e ações, recursos) marcadamente privatísticos (direito de propriedade, direito à integridade física, ações de vizinhança). As duas perspectivas tendem a convergir quando se coloca o problema da proteção judicial do ‘direito ao ambiente’ (ou do ‘interesse difuso ao ambiente’)”[3].
3. A perspectiva publicística:
“a centralidade do regime jurídico do ambiente deveria assentar na idéia do ambiente como bem público de uso comum e na proteção do ambiente como função essencialmente pública”[4].
4. A perspectiva associativista:
“arranca fundamentalmente da idéia de democracia ambiental. Apresenta alguns traços comuns à perspectiva publicística, – sobretudo a consideração do ambiente como bem público de uso comum – mas é adversa à idéia tecnocrática de gestão do ambiente (‘governo de sabichões ambientais’)”[5].
aproximação jurídico-constitucional ao estado ecológico
1. Concepção integrada ou integrativa do ambiente:
“aponta para a necessidade de uma proteção global e sistemática que não se reduza à defesa isolada dos componentes ambientais naturais (ar, luz, água, solo vivo e subsolo, flora, fauna) ou dos componentes humanos (paisagem, patrimônio natural e construído, poluição.
[…] Não se trata apenas de policiar os perigos das ‘instalações’ ou das ‘atividades’, mas também de acompanhar todo o processo produtivo e de funcionamento sob um ponto de vista ambiental. […] Postula, em segundo lugar, a passagem de uma compreensão monotemática para um entendimento multitemático que obriga a uma ponderação ou balanceamento dos direitos e interesses existentes de uma forma substancialmente inovadora. […] Em terceiro lugar, um direito de ambiente integrativo produz conseqüências no modo de atuação dos instrumentos jurídicos do Estado de direito ambiental.
[…] Uma coisa é certa: a concepção integrativa do ambiente não significa o regresso à idéia de Estado de direito ambientalmente planificado”[6].
2. Institucionalização dos deveres fundamentais ecológicos: “relaciona-se com a problemática do sentido jurídico-constitucional dos deveres fundamentais ecológicos”[7].
É indiscutível que a proteção do ambiente, planeta terra e proteção das gerações futuras não pode nem deve ser apenas uma tarefa do Estado ou das entidades públicas. Em documentos recentes (como a Agenda 21) se fala da responsabilidade comum e da cooperação dos cidadãos na defesa do ambiente.
Rigorosamente, a existência dum dever fundamental ecológico carece de suporte constitucional.
“O dever fundamental ecológico [é] formulado aproximadamente da seguinte forma: ‘age de forma a que os resultados da tua ação que usufrui dos bens ambientais não sejam destruidores destes bens por parte de outras pessoas da tua ou das gerações futuras”[8].
3. Mandado de injunção ecológico:
“trata é de saber se quando as normas constitucionais, internacionais e legais, em matéria de ambiente, apresentarem inequívocos déficits de exeqüibilidade, poderá reconhecer-se um qualquer direito à emanação de normas concretizadoras. A experiência demonstra, de resto, que muitas leis referentes ao ambiente são de total ou parcialmente inexeqüíveis, o que agrava o problema da efetividade do direito ambiental. […] O Estado terá o direito de agir normativamente quando a edição de uma norma é condição indispensável à proteção do ambiente [que tem por objetivo, também, eliminar a insegurança jurídica]”[9].
4. O agir interativo da administração:
“a proteção sistemática e global do ambiente não é uma tarefa solitária dos agentes públicos, antes exige novas formas de comunicação e de participação cidadã. […] Integrar os cidadãos e as suas organizações nas estratégias regulativas do ambiente representa, afinal, uma das dimensões indispensáveis a concepção integrativa do ambiente, sob pena de esta concepção se transformar num encapuçado plano global do ambiente, sem quaisquer comunicações com o ambiente humano e social”[10].
tensões e conflitos do estado constitucional ecológico
A construção do Estado Constitucional Ecológico não pode desconsiderar as
“condições do ambiente nas diversas regiões, do desenvolvimento econômico e social, das vantagens e encargos que podem resultar da atuação e ausência de atuação e das estruturas jurídicas existentes. Nem sempre o objetivo de se alcançar um nível de proteção elevado toma na devida conta as estruturas jurídicas existentes que não podem ser totalmente neutralizadas por medidas e planos ambientalmente dirigidos. Vamos referir-nos a alguns destes problemas”[11].
1. A criação de “redes naturais”:
“A criação de uma rede européia de áreas protegidas pretende responder à necessidade de se estabelecer uma rede ecológica européia coerente. A inclusão de zonas na rede ‘Natura 2000’ (ou a sua inclusão em zonas reservadas) parte do pressuposto que a definição de reserva ecológica ou incide sobre terrenos públicos ou se limita a criar vínculos ambientais sobre determinados espaços privados. […] A idéia integrada de ambiente […] aponta para a indispensabilidade de reconhecer aos titulares de direitos (proprietários, possuidores) o direito de audição relativamente a quaisquer decisões autoritárias incidentes sobre esses direitos”[12].
2. O Estado constitucional ecológico e princípio da responsabilidade:
“o Estado constitucional não pode prescindir de um sistema de responsabilidade por danos ao ambiente suficientemente operatório. […] Propomos como eixo de análise três modelos correspondentes […]:
Modelo I – O ambiente como bem autônomo e imputação da responsabilidade por danos ao ambiente por condutas ilícitas;
Modelo II – Tipicização de bens (tradicionalmente tutelados) e sistema de responsabilidade objetiva por todos os danos causados à saúde e integridade de pessoas e coisas que sejam conseqüência de emissões ambientalmente lesivas;
Modelo III – Ambiente como base de proteção sem tipicização de condutas danosas.
O cerne do problema num Estado Constitucional é […] este:
(1) quais os danos cobertos por um sistema de responsabilidade ambiental?
(2) quais as atividades causadoras de danos ambientais?
Tende a aceitar-se que o Estado Constitucional Ecológico postula necessariamente a consagração de um sistema de responsabilidade que compreenda o ressarcimento de danos ambientais. Reconhece-se, porém, que não basta prever uma responsabilidade dirigida à tutela de bens ambientais, impondo-se a necessidade de tipicizar com rigor os danos ecológicos suscetíveis de reparação. A sugestão mais recente […] é no sentido de recortar dois tipos de danos ambientais: (1) danos à biodiversidade [ao hábitat, à flora, à fauna]; (2) danos originadores de contaminação de sítios [envenenamento de espaços protegidos].
O Estado Constitucional Ecológico terá talvez de reconstruir os esquemas processuais de legitimação ativa nas ações de responsabilidade, mas parece seguro que: (1) em primeiro lugar, o Estado deve dinamizar ações de responsabilidade tendentes a garantir a reparação dos danos à biodiversidade e descontaminação das áreas poluídas, utilizando as verbas indenizatórias pagas pelos agentes lesivos; (2) em segundo lugar, abrir a possibilidade (pelo menos) às associações não governamentais de defesa do ambiente de agirem a título subsidiário quando o Estado não intervenha ou não atue da forma adequada”[13].
* Acadêmico de Direito da UFSC.
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[1] CANOTILHO, p. 1.
[2] CANOTILHO, p. 2.
[3] CANOTILHO, p. 3.
[4] CANOTILHO, p. 3.
[5] CANOTILHO, p. 3.
[6] CANOTILHO, p. 3-4.
[7] CANOTILHO, p. 4.
[8] CANOTILHO, p. 4.
[9] CANOTILHO, p. 5.
[10] CANOTILHO, p. 6.
[11] CANOTILHO, p. 6.
[12] CANOTILHO, p. 6.
[13] CANOTILHO, p. 6-7.