Rafael Becker*
ROULAND, Norbert. Nos confins do direito: a antropologia jurídica da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2003
O nascimento da antropologia jurídica
‘’A antropologia jurídica se propõe estudar os direitos de culturas não ocidentais e voltar em seguida, com um olhar novo, aos das sociedades ocidentais (p.70)’’. Como ciência, nasce realmente no século XIX, momento da Revolução Industrial e do colonialismo. Sua primeira corrente é a evolucionista. Sir H. Summer Mayne (1822-1888) formulou ‘’hipóteses gerais sobre a maneira pela qual evoluíram as sociedades que ele conhece (p.71)’’. A sociedade passaria por um estágio arcaico e logo por um tribal, quando surgiriam leis. Noções de território e a codificação originariam as sociedades que podem ser distinguidas em ‘’estacionárias’’, como a Índia, e as ‘’progressivas’’, européias, a ‘’ponta extrema da civilização (p.72)’’ o que servia para ‘’legitimar de modo científico e elegante a colonização (p.72)’’. Houve também uma escola alemã com o mesmo caráter evolucionista com estudiosos como J. Kohler e H.E. Post.
Sobreveio, então, a antropologia moderna. Iniciada por R. Thurnwald e B. Malinowski, essencialmente foi desencadeada pela observação participante. A partir daí, toda a formação surpreendente da matéria tomou fôlego para todo o século XX. Nos anos 1970, muito antropólogos chegam a inverter a condição inicial da concepção evolucionista dizendo que ‘’o progresso se acha mais entre os ‘’primitivos’’ (p.73)’’, pois eles conseguiram ‘’brecar o fatal encadeamento que leva à divisão política e social, fonte de muitos males (p.73)’’. Durante o mesmo século, com o Tratado de Versalhes retirando as colônias de domínio alemão –reduzindo o acesso de seus estudiosos à pesquisa em campo- e com o nazismo, a escola de antropologia na Alemanha desaba.
Nos EUA ocorre, então, um grande fluxo de pesquisas, sobretudo no campo de solucionamento de conflito e, portanto, no campo do direito comparado.
Para que serve a antropologia jurídica?
Ao antropólogo jurídico, dois fins. Inicialmente, o descritivo. Sobre a ‘’sociedade juridicamente indiferenciada (p.86)’’, ‘’Esse mito é fecundo e sem dúvida necessário: ele é que permite às nações e aos Estados edificar-se e persistir (p.86)’’. Permanece mito, no entanto. Mito no sentido de que admitimos, como sociedade de concepções jurídicas européias, pluralismos jurídicos. Eles se dão no âmbito familiar ou de trabalho, por exemplo, onde algumas práticas são impermeáveis ao direito estatal. É para clarear essas noções que permeiam toda a vida social que os antropólogos servem.
Seguinte, há o fim prospectivo, o fim de proposição. Frente às dificuldades que se avolumam numa época globalizada, o antropólogo deve estar atento a noções de Estado e valor. Sua responsabilidade envolve tanto o desenvolvimento de uma cultura jurídica cada vez mais habilitada a tratar do complexo gênero humano como a conciliação de culturas jurídicas diversas.
Sua responsabilidade está, basicamente, na abertura de novas possibilidades de interpretação axiológica pelo direito, pois, diz-se:
‘’E, no entanto, o que será um direito, que uma moral ou crenças não irriguem? Um galho morto. (p.92)’’
*Acadêmico de Direito da UFSC
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