BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Linguagem Jurídica. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. pp. 288 – 306.
O presente texto tem por fonte parte da obra de Eduardo Bittar, o qual é advogado brasileiro, professor, pesquisador, Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela USP e autor de vários livros, como “Metodologia da Pesquisa Jurídica”, “Curso de Ética Jurídica”, “Os Direitos da Personalidade”, “O Direito na Pós-Modernidade”, “História do Direito Brasileiro”, “Curso de Filosofia do Direito” e “Curso de Filosofia Política”.
O discurso burocrático, conforme a preleção do autor supramencionado, é garantidor da marcha procedimental, quer no âmbito administrativo, quer no âmbito judiciário. Enfatiza-se, também, que está a tratar-se especificamente do discurso burocrático-jurídico, afastando o discurso que permeia as burocracias de empresas ou de outras instituições privadas.
Desse modo, tal discurso tem o Estado como personagem principal, e pode ser visualizado na produção dos cartórios, tanto judiciais como extrajudiciais, secretarias públicas, instâncias fiscais, entre outros. Vislumbra-se, por exemplo, em despachos, formulários e entre outras peças prontas, que dão marcha ao processo, e sem cunho decisório.
Cabe ressaltar que o discurso burocrático é isento de ideologias, pois funciona, em verdade, apenas como transmissor de uma linguagem institucional, a qual possui sentido próprio e, consequentemente, autônomo. Assim, caracteriza-se pela subordinação ao discurso normativo, tendo em vista que obedece aos regramentos de uma norma prévia, ou mesmo de um ato de poder ou de autoridade.
No discurso burocrático, a interpretação não é elemento necessário, de modo que ela só ocorre de forma acidental. Isso se dá em virtude do caráter meramente mediador desse discurso, que dá mecanismo às estruturas normativas, impulsionando os procedimentos. Além disso, assinala-se pela incapacidade de persuadir, uma vez que resulta no “fazer”, e não no “saber”, o que vem a exigir exercício interpretativo e argumentativo.
De acordo com Bittar, o discurso burocrático submete-se tanto à supervisão de uma autoridade, que está hierarquicamente acima do burocrata, como aos próprios pareceres do discurso normativo. O actante-burocrata, assim chamado o enunciador do discurso em questão, é investido, ou lotado, em seu cargo através dos meios de admissão previstos em lei, sendo que sua função já preexiste ao seu investimento.
Tal investidura ocorre em virtude das necessidades da própria coletividade, que é a comunidade-destinatária. Daí, decorre que, em alguns casos, é possível que o actante-burocrata que não age com eficiência em sua lotação venha a dissimular sua incompetência, em virtude da tecnicidade do discurso, de difícil compreensão para a população leiga.
O discurso burocrático baseia-se no poder-fazer-fazer, na medida em que o burocrata cumpre suas obrigações funcionais a partir da reunião de discursos, ordenados de forma lógica, com cronologia e normatividade, o que corresponde ao procedimento. Assim, o autor afirma que o sujeito actante faz nascer o texto burocrático.
Faltando ao burocrata o saber-fazer, podem ocorrer diversas deficiências que ocasionam impedimentos ao normal prosseguimento da marcha procedimental, como, por exemplo, redação defeituosa do texto. Faltando, por sua vez, o dever-fazer, o texto não tem validade, e isso pode decorrer, por exemplo, da incompetência para determinada matéria.
O percurso narrativo do discurso burocrático, segundo Bittar, perfaz-se em dois momentos: no primeiro, verifica-se o comprometimento do discurso no decorrer do procedimento; no segundo, o envolvimento funcional diante da instituição. Isso implica em que o discurso burocrático labora como programa acessório ao discurso decisório. Além disso, os destinatários, que são as partes, tendo interesses enredados, exigem desempenho e eficiência por parte do destinador, e tal desempenho é o objeto de valor perseguido.
Cabe, ainda, ressaltar que o programa narrativo emanado da autoridade é o mesmo da instituição a qual ela está ligada. E, desse modo, as consequências das atitudes do burocrata acabam por refletir na própria instituição, dado que ele a representa. Neste caso, pois, o objeto de valor que se busca é o próprio comportamento institucional positivo.
O autor afirma acertadamente que o discurso burocrático por vezes não é considerado propriamente um discurso, tendo em vista que não é criado, mas apenas reproduzido. De fato, para exercer tal discurso não é necessário um exercício mental muito elevado, ainda mais considerando que a maioria está presente em modelos prontos. Porém, não é diminuída sua necessidade, tampouco sua importância.