Execução

Modelo de Embargos à Execução Fiscal – irregularidade em certidão de dívida ativa

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE …..

EXECUÇÃO Nº ……..

 

….., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ….., com sede na Rua ….., n.º ….., Bairro ……, Cidade ….., Estado ….., CEP ….., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ….., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ….., portador (a) do CIRG nº ….. e do CPF n.º ….., por intermédio de seu advogado (a) e bastante procurador (a) (procuração em anexo – doc. 01), com escritório profissional sito à Rua ….., nº ….., Bairro ….., Cidade ….., Estado ….., onde recebe notificações e intimações, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor

EMBARGOS À EXECUÇÃO

em face da Fazenda do Estado do ………, pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

PRELIMINARMENTE

1. DA INÉPCIA DA INICIAL

A presente execução tem como títulos as Certidões de Dívida Ativa, documento que deve gozar de presunção de liquidez e certeza, sendo circunstanciada, vez que a qualidade da autora embargada não lhe retira a obrigação processual de demonstrar o fato e o fundamento jurídico do pedido.

Contudo, a petição inicial impressa e as CDA’s são flagrantemente ineptas, pois o credor deixa de informar a origem do pretenso crédito e ainda mais não o discrimina ou individualiza. Portanto, não basta remeter as certidões que nada informam e definem.

Constitui a inicial da Fazenda Estadual, petição estereotipada e aleatória, que não demonstra especificamente o débito, o que ocorre em específico nas certidões já elencadas.

Ora, Excelência, o Art. 614 do Código de Processo Civil é claro ao exigir o devido demonstrativo do débito e deve ser aplicado subsidiariamente ao processo de Execução Fiscal (LEF), conforme previsto no Art. 1º da lei 6.830/80, vejamos:

ART. 1º A execução judicial para cobrança de Dívida Ativa da União, dos Estados ou do Município e respectivas autarquias será regida por esta lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

Neste passo, apesar da presunção de liquidez e certeza, as CDA’s apresentadas pela Fazenda Pública Estadual podem ser ilididas por prova inequívoca pelo executado ou terceiro interessado, quando estes constatarem que o título não cumpre todos os requisitos necessários, conforme dispõe o parágrafo único, do artigo 3º da Lei nº 6.830/80.

Esses requisitos são elencados no parágrafo 5º, do artigo 2º, que assim versa, in verbis:

Parágrafo 5º. O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:

I – o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros;

II – o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;

III – a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;

IV – a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para cálculo;

V – a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa;

VI – o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.

Parágrafo 6º. A Certidão de Dívida Ativa conterá os mesmos elementos do Termo de Inscrição e será autenticada pela autoridade competente.

No entanto, as CDA’s juntadas à peça inicial não obedecem às determinações impostas pelo texto legal supracitado, dificultando o entendimento e a defesa da embargante, e consequentemente comprometendo sua presunção de liquidez e certeza.

Da análise das referidas certidões, podemos concluir que o disposto no inciso III, do parágrafo 5º, não foi observado, pois não há como identificar a origem e a natureza do débito cobrado, vez que não se determinou o fato gerador.

Não basta que a embargada apenas se limite a mencionar que o débito fiscal é originário do tributo ICMS, é necessário que identifique e destaque o “fato gerador” (FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO PRATICADO PELA EMBARGANTE E NÃO A HIPÓTESE GENÉRICA DA LEI) no qual incide o tributo na situação específica da embargante, ainda mais em se tratando de COOPERATIVA.

Isto ocorre, porque a embargante na qualidade de COOPERATIVA, não realiza operações comerciais (circulação de mercadorias e serviços) com o objetivo de obtenção de lucro devido sua operabilidade social, o que lhe confere um regime jurídico “sui generis”, determinado pela Lei 5764 de 16/12/1971, vejamos:

ART. 3º Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

Ademais, como está instruída a inicial, impossível é vislumbrar qual a origem e a natureza do débito e se a natureza e regime jurídico da embargante foi considerado.

No caso em tela, portanto, perfeitamente possível verificar a falta dos requisitos que configurariam a necessária certeza e liquidez dos títulos, o que induz a nulidade das Certidões de Dívida Ativa que sustentam a presente execução.

Nesse sentido, esclarece o douto SAMUEL MONTEIRO:

“Existindo qualquer dúvida ou incerteza sobre o “an debeatur”, a origem, causa e cabimento da dívida do contribuinte, ou sobre o “quantun debeatur”, o valor legal exigível ou o próprio cabimento da exigibilidade em face do contribuinte , a liquidez e certeza do título fica abalada, e a certidão resta nula, já que tais requisitos representam a certeza da dívida e sua liquidez”

Ressalte-se que as Certidões de Dívida Ativa, gozam de presunção de certeza e liquidez, porém, em relação a esta presunção, admite-se prova em contrário. Com a palavra, Dejalma de Campos:

“Assim a dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez. A certidão de inscrição respectiva tem efeito de prova pré-constituída. Essa presunção, todavia, é relativa, podendo ser elidida por prova constituída a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a quem aproveite.”

Portanto, diante da imprecisão da inicial, da inobservância do inciso III, do parágrafo 5º, do artigo 2º, da Lei nº 6.830/80, e do consequente comprometimento da liquidez e certeza das CDA’s, requer seja, preliminarmente, decretada a nulidade das aludidas Certidões de Dívida Ativa, julgando-se completamente procedente os presentes embargos, com base no artigo 295, I, do Código de Processo Civil.

2. DA AUSÊNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

A exequente-embargada nem se dignou a efetuar a juntada do Processo Administrativo Fiscal. A necessidade do respeito ao princípio da ampla defesa e do contraditório assegura ao sujeito passivo a cientificação de todo o processo administrativo.

O Art. 23 incisos I a III do Decreto nº 70.235/72, que rege o processo administrativo fiscal, preceitua as formas através das quais o contribuinte toma ciência de todo o procedimento.

Afinal, somente desta forma se poderia ter e dar ciência se os valores pleiteados pela ora embargada, são líquidos, certos e exigíveis, vez que somente assim, ter-se-ia conhecimento de que todo os atos do processo administrativo.

Desta forma a embargante se certificaria da ausência de qualquer vício e se os fatos descritos são verdadeiros, já que somente a existência das Certidões de Dívida Ativa não possuem os fatos, nem maiores informações que presumissem verdadeiras as infrações imputadas à embargante.

Ressalve-se que o Art. 41 da lei de Execução Fiscal (Lei 6830 de 22/09/1980) contempla a possibilidade da parte solicitar a juntada do processo administrativo aos autos da execução:

ART. 41 “O processo administrativo corresponde à inscrição da dívida ativa, à execução fiscal ou à ação proposta contra a Fazenda Pública será mantido na repartição competente, dele se extraindo as cópias autenticadas ou certidões que forem requeridas pelas partes, ou requeridas pelo Juiz ou pelo Ministério Público.”

Portanto, é determinação legal que o processo administrativo fique a disposição das partes, mais que isso, o Tribunal Regional Federal, entende que há cerceamento de defesa quando não juntado o processo administrativo, vejamos:

“Caracteriza-se cerceamento de defesa na execução fiscal o julgamento do processo sem a disponibilidade do processo administrativo ou sem que a executada tenha sido dada a oportunidade de requerer o translado das peças do processo administrativo cuja requisição for por ela pedida nos embargos, tendo sido a sentença proferida.”

Por conseguinte, a própria maneira vaga com que as leis fiscais foram simplesmente citadas nas CDA’s, prejudicam o entendimento e a devida defesa da embargante, pois o expediente de somente citar as leis supostamente ofendidas carece de clareza e precisão, ainda mais em se considerando que a embargante é simplesmente uma cooperativa não podendo a Receita exigir que se conheça o completo e exato teor das leis elencadas nas certidões.

Tal procedimento obscuro e incompleto da Receita Estadual prejudica qualquer manifestação da embargante nesse sentido, validando a pretensão ao acesso ao procedimento administrativo e pedido de juntada aos presentes autos.

Acerca da matéria, o Prof. Hely Lopes Meirelles nos passa a seguinte lição:

“A forma em que se deve exteriorizar o ato administrativo constitui elemento vinculado e indispensável à sua perfeição. Enquanto a vontade dos particulares pode manifestar-se livremente, a da Administração exige procedimento especiais e forma legal para que se expresse validamente. Daí podemos afirmar, que se no direito privado a liberdade de forma do ato jurídico é regra, no direito público é exceção. Todo ato administrativo é em princípio formal. E compreende-se essa exigência, pela necessidade que tem o ato administrativo de ser contrastado com a lei e aferido, freqüentemente, pela própria Administração e até pelo Judiciário, para verificação de sua validade.”

José Cretella Jr. é ainda mais preciso em suas lições quanto à forma dos atos administrativos:

“A omissão de forma prescrita por lei ou regulamento constitui ilegalidade de consequências maiores ou menores, conforme a importância do bem tutelado. Quando as formas se destinam a imprimir harmonia ao serviço público, meras operações de rotina, que omitidas, a ninguém prejudicam, o esquecimento é catalogado entre os vícios ou defeitos secundários, sem maiores consequências. Entrando, porém, em jogo, altos interesses da Administração ou dos administrados, a omissão acarreta a invalidade do ato. Erigindo-se em garantia dos particulares contra decisões precipitadas, mal estudadas e, portanto errôneas ou injustas, constituem as formas verdadeiro direito subjetivo que pode ser invocado contra possível excesso de poder por inobservância de forma.”

Seguindo-se, portanto, as lições de renomados doutrinadores do Direito Administrativo Brasileiro, e analisando as CDA’s juntadas aos autos, conclui-se que não houve determinação segura das supostas infrações e da infrigência legal que justificariam a inscrição em Dívida Ativa e o posterior ajuizamento de execução fiscal.

Vale ressaltar, para reflexão de Vossa Excelência, as palavras da Dra. Juíza Gisele Lemke, titular da 2ª Vara de Execuções Fiscais da Seção Judiciária de Curitiba, nos autos nº 97.0014417-8, in verbis:

“Quando a lei determina que conste da CDA o fundamento legal, não se trata de uma exigência meramente formal, mas de determinação que visa possibilitar ao executado o exercício do direito constitucional de ampla defesa. Ora, para tal, é preciso que o exequente faça constar da certidão o dispositivo legal específico aplicável à espécie, e não toda a legislação que a regula ou que a regulou no passado.”

Consequentemente, fica a embargante privada de informações claras e precisas, o que impossibilita a apresentação de defesa eficaz, pois não sabe ao certo, nem do que se defender.

Sendo assim, preliminarmente, deve ser declarada a nulidade das CDA’s, e consequentemente da peça inicial, em virtude das mesmas estarem em desacordo com os requisitos formais, ofendendo inclusive o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.

Diante desses entendimentos, requer seja a embargada intimada para que junte aos autos as peças do processo administrativo fiscal, oferecendo-se após, vistas ao embargante para manifestar-se, sob pena de caracterizar-se violação ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.

DO MÉRITO

1. DA MULTA E DOS JUROS

Ao analisarmos os números apresentados pela receita Estadual destaca-se , a prima face, a cobrança de valores indevidos e exorbitantes a título de multa e de juros.

A quantia referente à multa e juros representa acréscimo exorbitante e abusivo de 100% ao valor originário do débito apresentado pela embargada. Isto observa-se facilmente em todas as certidões de dívida ativa ora impugnadas:

CERTIDÃO

Nº DÍVIDA ORIGINAL MULTA DO

ICMS JUROS VALOR A PAGAR

O que se evidencia na tabela acima é uma verdadeira afronta ao contribuinte, à Constituição Federal, e à ordem moral e jurídica que devem pautar as relações do Estado com seus administrados.

Fica evidente que o quantun alegado como devido (dívida original) mais que dobra o seu valor através da aplicação da multa e juros exorbitantes que adquirem não só o caráter de abuso, já que não se trata de operações no mercado financeiro, mas de características de confisco.

Tal imposição adquire a verdadeira conotação de CONFISCO, por conseqüência da abusividade na correção do valor da dívida original, cobrança de multas e juros comuns somente pertinentes ao mercado financeiro, sendo inaplicáveis à cobrança do Fisco, pois tal conduta da Receita Estadual adquire o caráter de operador financeiro o que conflita com a sua função social de única e exclusivamente cobrar o tributo devido originalmente.

A Constituição da República, em seu artigo 150, inciso IV, versa o seguinte, in verbis:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV – utilizar tributo com efeito de confisco;”

A vergonhosa intenção da embargada, de utilizar a cobrança de tributos e seus acessórios com caráter de confisco, merece dura reprimenda por parte do Poder Judiciário, pois vem se tornando uma constante nas execuções fiscais propostas pelas Fazendas Públicas.

José Cretella Jr., renomado tributarista, seguindo o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência brasileira, escreveu as seguintes linhas:

“É vedado no direito brasileiro o exercício de tributação confiscatória. Atribuir ao imposto ou à taxa ou à contribuição de melhoria, o efeito de confisco, isto é, cobrar pelo tributo importância equivalente ao patrimônio do contribuinte é inconstitucional. Se a lei o fizer, será arguida sua inconstitucionalidade. Se tratar de ato administrativo confiscatório – Decreto, Resolução, Portaria – , o ato é eivado de desvio de poder, o que o torna nulo.”

No presente caso, o que se vislumbra é a clara característica de confisco por parte da embargada, pois em relação ao valor da alegada dívida, não pode incidir multa e juros que representam mais que o dobro do valor alegado como devido.

Bem colocadas as palavras do mestre Sacha Calmon Navarro Coelho, acerca da matéria, in verbis:

“Há que considerar o qualitativo e o quantitativo. Sob o primeiro aspecto, importa verificar quais os tipos de sanções possíveis, e sob o último, até que limite (quantum) pode ser o contribuinte ou responsável sancionado pela lei fiscal.”

Portanto, não há dúvida de que deve haver um limite para a cobrança da exação fiscal, e este limite foi flagrantemente ultrapassado no presente caso, violando o princípio constitucional que veda o confisco através de imposição tributária e da determinação constitucional do Art. 146 da CF.

Diante do exposto, requer a nulidade ou exclusão da cobrança da multa e dos juros apresentados nas certidões pela embargada, em não sendo esse o entendimento de Vossa Excelência, seja determinada a quantia razoável a ser paga pela embargante a título de multa, desconsiderando-se ainda os juros aplicados, em favor dos juros legais.

2. DA TAXA SELIC

Em relação à correção monetária do débito, não pode a embargada pretender impor ao contribuindo o reajuste dos débitos tributários pela Taxa Referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – SELIC, por ser totalmente inconstitucional.

A Taxa SELIC não pode ser utilizada como taxa de juros de mora para débitos tributários, pois sua composição foi feita com a finalidade de regular situações referentes à política monetária nacional, e não servir de fator de recomposição da moeda.

Como a SELIC é fator de correção utilizado em mercado de capitais, estão embutidos em seu bojo, outros custos que não representam somente a remuneração do capital através da correção monetária. Na composição da SELIC, além da correção monetária, são computados fatores como risco, corretagem e custo de outros serviços referentes às operações financeiras.

O Estado emite títulos no mercado e os negocia, movimentando as taxas de juros de acordo com suas necessidades, a fim torná-los mais atrativos no mercado financeiro.

Assim, quando precisa entrar no mercado para comprar títulos, aumenta a oferta de dinheiro reduzindo a taxa de juros, e quando precisa vendê-los, reduz a existência de dinheiro na economia, fazendo com que os juros subam.

Contudo, a dinâmica do mercado financeiro, principalmente em tempos de globalização, é extremamente variável, fazendo com que essas taxas oscilem de forma constante.

O Estado, ao se utilizar da Taxa SELIC, pretende não ter somente o débito corrigido, mas sim obter vantagem econômica sobre o contribuinte, lucrando com aplicação de taxa que vai além da simples correção monetária.

Portanto, não pode a correção de débitos tributários ser feita através dessa taxa que não tem por finalidade somente a correção do valor da moeda desvalorizada pela inflação, mas possui em sua composição, características político-econômicas que vão além da correção do capital.

A legislação que remete ao uso da Taxa SELIC, seja para fins moratórios ou compensatórios, não delineia como a mesma se configura, representando notável e inconstitucional delegação legislativa a textos infralegais, violando, de plano, o princípio da legalidade tributária, esculpido no artigo 150, I, da Constituição Federal, que diz:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

Além do descumprimento do princípio constitucional da legalidade, quem regula a taxa SELIC é o Banco Central, autarquia federal, que por atos normativos inferiores e aplicáveis exclusivamente às relações praticadas no âmbito do sistema financeiro nacional, também delimita sua aplicação sobre os tributos arrecadados pela União Federal.

Importante destacar, ademais, que a jurisprudência de Tribunais Superiores é numerosa e pacífica no sentido de ser ilícita a estipulação de encargos financeiros sujeitando o seu dimensionamento ao arbítrio exclusivo do credor da obrigação. A irrazoabilidade de o credor da obrigação tributária, o Poder Executivo Federal e Estadual por aderir a aplicação da SELIC nos casos de ICMS, manifesta a total injuridicidade da pretensão.

A jurisprudência vem se consolidando no sentido de considerar inaplicável a Taxa SELIC, conforme observa-se pela ementa abaixo:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – TAXA SELIC

São indevidos expurgos inflacionários no cálculo de correção monetária e, por se tratar de índice de rendimento de títulos públicos, é inaplicável a Taxa SELIC instituída pelo Banco Central. (Tribunal Regional Federal 1ª Região – Apelação Cível nº 2079-4/DF – Relator Juiz Aloísio Palmeira – 1998)

Assim sendo, sob qualquer ângulo que se analise a questão da taxa SELIC, como índice de juros aplicáveis a tributos, sejam moratórios ou compensatórios, não há qualquer viabilidade jurídica a suportar sua utilização.

A variação da Taxa SELIC no período de 01/97 a 01/99 foi de 50,11%, enquanto que, no mesmo período, a variação do INPC foi de 7,63% e a do IGP-DI foi de 10,58%. Portanto, mesmo acrescentando a esses índices os juros de mora de 1% ao mês, a variação da SELIC foi absurdamente maior.

No ordenamento jurídico pátrio, apesar de controvérsias, ainda vigora a disposição de que comete crime de usura aquele que cobrar juros superiores a 12% ao ano. Se esta é a regra geral, deveria o Estado segui-la, sob pena de se não proceder assim, estar ferindo o princípio da moralidade.

Não resta dúvida de que o Estado pode, e tem até o dever de cobrar os juros, a fim de desestimular o contribuinte a ficar inadimplente e também ser remunerado pelo atraso no pagamento do tributo.

Contudo, o Estado não pode usar desses argumentos para atuar como instituição financeira, cobrando dos particulares, inclusive, juros maiores do que os praticados na agiotagem.

Não há dúvida de que essa atitude fere a moralidade pública, pois o próprio Estado condena a prática da agiotagem, e proíbe os particulares de cobrarem juros superiores ao limite de 12% ao ano. Se aos particulares é vedada a aplicação dessa taxa de juros por ser considerada imoral, por que seria moral sua aplicação por parte do Estado?

Em decisão proferida nos autos nº 98.0013104-3, da 2ª Vara de Execuções Fiscais de Curitiba, a Juíza Gisele Lemke tratou com extrema propriedade do assunto. Vejamos:

“Não se pode argumentar com a exceção relativa às instituições financeiras, porque, como se disse, o Estado não é instituição financeira. Se o Estado se compromete a pagar juros bárbaros no mercado, ele não pode transferir o ônus decorrente de tal atitude, imoral, ao contribuinte, que nenhuma influência tem sobre a fixação de juros pelo mercado financeiro. O mesmo acontece, aliás, nos negócios entre os particulares. Se um particular é obrigado a tomar empréstimo bancário em razão de alguns de seus créditos não haverem sido pagos no prazo, nem por isso poderá repassar aos seus devedores as taxas de juros pagas às instituições financeiras. E o Estado, cabe lembrar, encontra-se, nesse ponto, em situação muito melhor do que a dos particulares, pois se lhe parecerem exorbitantes os juros pagos por sua dívida pública interna, dispõe de todos os instrumentos necessários para simplesmente reduzir os juros praticados no mercado.”

Ressalte-se ainda que a utilização da taxa SELIC fere também o princípio da legalidade. Na continuidade da brilhante sentença proferida pela Dra. Gisele Lemke, destaca-se também este tópico. Vejamos:

“A lei instituidora da SELIC faz menção somente a que os juros serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia para títulos federais, acumulada mensalmente. Não diz a lei como será feito o cálculo dessa taxa nem no que consiste esse sistema, o qual é organizado pelo Conselho Monetário Nacional e pelo BACEN, conforme informações por este órgão remetidas. Em outras palavras, não estabelecendo a lei qualquer característica do sistema em questão, o BACEN pode alterá-lo completamente, se assim o decidir, o que acarretará alteração na taxa de juros calculada de acordo com esse mesmo sistema. Parece evidente, portanto, que esse sistema não atende ao princípio da legalidade, já que a lei não deixou a cargo do BACEN apenas o cálculo e divulgação da taxa de juros, mas o estabelecimento mesmo dessa taxa.

E taxa de juros é matéria a ser especificamente estabelecida em lei, porque se trata de uma obrigação ex lege que implica em pagamento de valores pelo contribuinte ao Estado. Ainda que não se admita sua natureza estritamente tributária, mas sim indenizatória (compensação pela mora), o fato é que se trata de obrigação pecuniária, através da qual o Estado retira parcela da propriedade do contribuinte. E o Estado só pode estatuir obrigações para os indivíduos por meio de lei, sobretudo quando estas obrigações impliquem em interferência no direito de propriedade do cidadão (e dinheiro também é propriedade), qualquer que seja sua causa.”

Portanto, a cobrança de juros pretendida pela embargada está coberta de ilegalidade, não merecendo prosperar devido ao caráter inconstitucional e confiscatório da aplicação da Taxa SELIC nos débitos tanto federais, bem como do ICMS na esfera estadual.

Em conformidade com as decisões recentes da jurisprudência pátria e especialmente neste Estado, requer-se a desconsideração da taxa SELIC pela substituição por juros legais de 1%.

3. DA LIMITAÇÃO DOS JUROS À 12% AO ANO – ANATOCISMO

Com a aplicação da Taxa SELIC, a embargada ainda se utiliza de juros aplicados e calculados progressivamente, ultrapassado o limite constitucional de 12% ao ano, afrontando o disposto no artigo 192, parágrafo 3º, do Texto Constitucional.

Caracteriza-se nesse caso, duas ilegalidades que há muito tempo vêm despertando o debate jurídico: a limitação constitucional dos juros a 12% ao ano e a prática do anatocismo, ou seja, a capitalização de juros.

A limitação constitucional de juros de 12% ao ano é prevista no artigo 192, parágrafo 3º, da Constituição Federal, e é auto-aplicável.

Assim dispõe o parágrafo 3º do artigo 192, do Texto Constitucional, in verbis:

Art. 192…

“Par. 3º. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.”

A redação do artigo é clara e não permite interpretações por demais abrangentes e distorcidas.

Não se pode imaginar que Lei Ordinária, ou muito menos, atos normativos e medidas provisórias, afrontem o Texto Constitucional, em desobediência à hierarquia das leis.

Outro tópico, é a prática do anatocismo, que também tem levantado controvérsias com farta fundamentação.

Explicitamente vedada pelo Decreto nº 22.626/33, chamado também de Lei da Usura, a capitalização de juros vem sendo praticada deliberadamente, prejudicando os contribuintes.

E é esse o caso em tela, uma vez que a Taxa SELIC acumula os índices mensalmente apurados além da cobrança de taxa de juros de 1% ao mês.

A chamada usura já foi rechaçada pelos nossos Tribunais, sendo inclusive matéria objeto da súmula nº 121, do Supremo Tribunal Federal, que ainda encontra-se em vigor.

A emenda abaixo transcrita é apenas um exemplo do entendimento já dominante em nossa jurisprudência, que afasta completamente a capitalização de juros, in verbis:

“DIREITO PRIVADO – ANATOCISMO – VEDAÇÃO INCIDENTE TAMBÉM SOBRE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – EXEGESE DO ENUNCIADO Nº 121, EM FACE DO Nº 596, AMBOS DA SÚMULA STF – PRECEDENTES DA EXCELSA CORTE

A capitalização de juros é vedada pelo nosso direito, mesmo quando expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do art. 41, do Decreto nº 22.626/33 pela Lei nº 4.595/64. (Recurso Especial nº 1.285/GO; 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça; Relator Ministro Sálvio Figueiredo).

Pelo princípio da hierarquia das leis, ao impor o limite constitucional de juros à taxa de 12% ao ano, perde a validade qualquer legislação infraconstitucional que pretenda regulamentar taxa de juros acima do disposto no Texto Constitucional.

Portanto, conclui-se, pelos argumentos aqui expendidos, que a Taxa SELIC não pode servir de fator de juros para débitos tributários e estaduais, uma vez que supera em muito o limite constitucional de 12% ao ano.

Consequentemente, a Taxa SELIC faz com que o Estado obtenha lucro sobre a cobrança dos tributos, ferindo assim diretamente princípios constitucionais como o da moralidade, da vedação ao enriquecimento ilícito, e do não confisco.

DOS PEDIDOS

Diante do exposto, requer-se seja distribuídos os presentes embargos por dependência aos autos de Execução Fiscal nº ……, em trâmite neste Juízo, suspendendo-se o curso da mesma até ulterior julgamento;

Requer-se, ainda, seja acatada a preliminar de inépcia da inicial e ofensa ao princípio do contraditório e ampla defesa, em virtude da inobservância ao Art. 2º, parágrafo 5º, inciso III da Lei 6.830/80 que rege o procedimento administrativo fiscal.

Também, seja acatada a preliminar de imunidade ou inexigibilidade do ICMS em face da qualidade da embargante, que é cooperativa, resguardada por preceito constitucional do Art. 146 CF que lhe garante tratamento diferenciado;

Alternativamente, caso este não seja o entendimento deste juízo, requer-se seja tributado somente os atos praticados com terceiros, excluindo-se a negociações entre os cooperados, declarando-se, consequentemente, nulas as Certidões de Dívida Ativa em questão;

Outrossim, requer-se a juntada dos processos administrativos, oferecendo após, vistas ao embargante para manifestar-se, sob pena de caracterizar-se violação ao princípio da ampla defesa e do contraditório;

No mérito, deverão ser julgados procedentes os presentes embargos, condenando-se a embargada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, para:

a) afastar a cobrança da multa nos valores impostos pela embargada, em face do caráter confiscatório da mesma;

b) afastar a incidência da Taxa SELIC como índice de correção, aplicando-se somente os juros de 1% ao mês, uma vez que caracteriza a capitalização de juros e ilegalidade da aplicação do referido índice aos tributos estaduais e federais;

Por fim, requer-se o deferimento da produção de todas as provas em direito admitidas, em especial a prova testemunhal cujo rol segue anexo, prova pericial, conforme quesitos anexos, indicando como assistente técnico o Sr. ……………….., brasileiro, casado, contador, domiciliado na Rua ………., ……, conj. ….., …………..

Após, na hipótese de juntada de qualquer novo documento, seja notificada a embargante a manifestar-se a respeito do mesmo, sob pena de nulidade dos atos praticados posteriormente.

Dá-se à causa o valor de R$ ……

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura do Advogado]

[Número de Inscrição na OAB]

Como citar e referenciar este artigo:
MODELO,. Modelo de Embargos à Execução Fiscal – irregularidade em certidão de dívida ativa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2013. Disponível em: https://investidura.com.br/peticoes/execucao/modelo-de-embargos-a-execucao-fiscal-irregularidade-em-certidao-de-divida-ativa/ Acesso em: 22 nov. 2024