EXCELENTÍSSIMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 3ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL – SC
Autos nº: XXXXXXXXXXXXXXX (XXXXXXXXXXXXXXXXXXX)
FULANA DE TAL, brasileira, solteira, aposentada, residente e domiciliada na Rua [endereço], nesta capital, portadora do RG nº XXXXXXXX e inscrita no CPF nº XXXXXXXXXX, vem, através de seus procuradores devidamente firmados (procuração doc. 1), apresentar:
CONTESTAÇÃO
em face de ação que lhe move BELTRANA DE TAL, devidamente qualificada na petição inicial, nos termos em que passa a expor:
I. DOS FATOS:
1. A autora move Ação de Nunciação de Obra Nova contra a Requerida objetivando a suspensão de construção de mureta de contenção, requerendo seja ordenada a reconstituição do terreno.
2. Primeiramente, é de suma importância esclarecer que, após devidamente intimada da decisão de fl. 35, a qual embargou a obra objeto deste litígio, a ré imediatamente cessou a sua construção, não devendo incidir, portanto, a multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) fixada em caso de descumprimento da ordem judicial.
3. O terreno em que a demandada reside desde o ano X, de Inscrição Imobiliária XXXXXXXXXXXXXX, localizado na Rua X, pertence à sua irmã (Sicrana de Tal) desde o ano X, tendo sido regularizado o seu registro em [data] (doc. 2 em anexo).
4. Em meados de [data], por questões de manutenção do imóvel, a requerida compareceu ao local com a intenção de “limpar o terreno”, a fim de tirar o excesso de vegetação e eventuais objetos abandonados. Nessa ocasião verificou que entre o seu imóvel e o terreno vizinho não existia qualquer “barranco” ou acúmulo de terra, ou seja, o espaço que separava os terrenos das partes era contínuo, conforme será devida e oportunamente comprovado por prova testemunhal.
5. Em [data], a autora iniciou a construção de sua residência no terreno vizinho ao da requerida. Observa-se que, de acordo com a fotos nº 1 e 2 (doc. 3) a casa está 1 (um) metro acima do nível da rua, o que evidencia a ocorrência de aterramento no terreno da autora, visto que, conforme dito acima, não existia tal desnível anteriormente.
6. Das terras soltas oriundas do aplainamento realizado no terreno de posse da autora, criou-se um “barranco”, de aproximadamente 3 (três) metros, entre os dois imóveis no espaço destinado ao acesso para o imóvel da requerida, de forma que este restou obstado (conforme se extrai da planta abaixo):
PLANTA
7. Sendo assim, na intenção de construir acesso adequado à sua residência, a reclamada iniciou a construção de mureta de arrimo, de altura de 80 (oitenta) cm, ao nível da rua, na área interna de sua propriedade, promovendo adequada contenção das terras soltas, bem como providenciando a canalização das águas oriundas do terreno aplainado imediatamente acima (conforme item IV do Auto de Defesa anexo – doc. 4).
8. Portanto, vê-se que a obra contestada na presente demanda foi realizada a fim de viabilizar acesso à residência da requerida, este obstado por terra oriunda do aplainamento do terreno da autora, além de conter desabamentos de tal monte de terra e canalizar fluxo de águas pluviais.
9. Diante da necessidade e urgência da construção de contenção de terras entre os terrenos, a autora iniciou a obra com suas próprias mãos, visto que não possui recursos suficientes para contratação de mão de obra especializada. Importa ressaltar que dita mureta foi construída conforme instrução de engenheiro civil da Prefeitura, que compareceu à residência da ré, aconselhando a construção da mesma a fim de conter a terra acumulada.
10. Assim, conclui-se que a nunciada não teria a necessidade de iniciar a obra, não fosse o incorreto despejo de terras em seu terreno pela nunciante e que a ré está agindo conforme as orientações de profissional da área, de forma a prevenir eventual desmoronamento entre os dois lotes.
II. DO DIREITO:
II.1. Da Ilegitimidade da Autora para Alegar Irregularidades Administrativas:
11. A autora alegou que a obra realizada pela requerida encontra-se irregular, por não ter “aprovação da Secretaria de Urbanismo e Serviços Públicos” e não estar sendo feita por profissionais da área e, sim, por suas próprias mãos. Ocorre que a legitimidade para alegações de irregularidades administrativas interessam apenas ao Poder Público, neste sentido:
“Ao contrário das demandas de cunho coletivo, a ação de nunciação de obra nova intentada pelo particular deve ter por objeto unicamente a proteção decorrente dos direitos de vizinhança. Não pode servir ela para atacar eventual irregularidade administrativa da construção” (TJSC, AC n. 2008.005832-8, da Capital, rel. Des. Ronei Danielli, j. em 06/10/2011)
“A legitimidade do autor para propor a ação de nunciação de obra nova está relacionada à violação aos direitos de vizinhança, não às irregularidades administrativas da construção, as quais interessam apenas ao Poder Público” (TJSC, Ag n. 2002.026735-5, da Capital, rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, j. em 11/08/2003).
12. Assim, constata-se que não cabe à parte autora a alegação de que não há licença junto à Secretaria Municipal de Urbanismo e Serviços Públicos (SUSP) e que a obra está sendo realizada sem assessoria técnica, uma vez que tais análises cabem ao Município de Florianópolis.
13. Além disso, não há que se falar em irregularidade na construção, visto que o caminho objeto da obra em questão, conforme citado, está previsto em planta devidamente aprovada e registrada pela Prefeitura do Município de Florianópolis, desde o ano de 2007, conforme doc. 5.
II.2. Da Inexistência de Risco ao Imóvel da Autora:
14. No caso em tela, o direito de construir não pode ser obstacularizado pelo vizinho, visto tratar-se de obra destinada a possibilitar acesso da nunciada à sua própria residência, além de ter a essencial função de contenção de desabamento de terras advindas do terreno vizinho em razão das chuvas frequentes na região e do declive entre os terrenos.
15. Nesse sentido, dispõe o art. 934, I, do Código de Processo Civil:
“Art. 934. Compete esta ação:
I – ao proprietário ou possuidor, a fim de impedir que a edificação de obra nova em imóvel vizinho lhe prejudique o prédio, suas servidões ou fins a que é destinado;”
16. Assim, só poderá intentar ação de nunciação de obra nova aquele que tiver seu imóvel prejudicado. Ocorre que, como se vê na foto nº 6 (doc. 3), não há qualquer prejuízo à autora, conforme explicação a seguir.
17. O imóvel da autora encontra-se em terreno elevado em relação ao da requerida, sendo que qualquer deslocamento, seja de terra ou de água, prejudicará o terreno que está em nível inferior, ou seja, o da ré.
18. Além disso, da altura total de aproximadamente 3 (três) metros do barranco entre os terrenos, está sendo retirada terra de menos de 1 (um) metro. Tal importância é fundamental para possibilitar o acesso da requerida à sua residência, bem como incapaz de gerar risco de desmoronamento ao terreno vizinho.
19. Portanto, estando o imóvel da ré em nível inferior (o que se comprova através das fotos anexas), é esta quem sofrerá os danos de eventual desmoronamento de terras.
20. Assim, tendo a nunciante despejado dolosamente as terras no imóvel da nunciada e sendo esta última quem terá maiores danos em caso de desmoronamento das terras soltas entre os terrenos, compete à requerida o direito de fazer cessar tais interferências, prejudiciais à sua segurança, sossego e saúde, conforme leciona o art. 1.277 do Código Civil:
“Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.”
21. Resta caracterizado, pois, que a demandada age de acordo com o seu direito, porquanto não pode ser prejudicada pelas atitudes infortunas decorrentes do imóvel vizinho. Em razão disso, pode-se claramente afirmar que a requerida atua no exercício regular de um direito, frente ao abuso cometido pela autora na sua propriedade.
22. Sobre o assunto, pertinente é a lição de Sergio Cavalieri Filho:
“Exercício regular de um direito – o nome já diz – é o direito exercido regularmente, normalmente, razoavelmente, de acordo com o seu fim econômico, social, a boa fé e os bons costumes. Quem exerce o seu direito subjetivo nesses limites age licitamente, e o lícito exclui o ilícito” (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 19. Grifamos.).
23. Oportuno, ainda, faz-se os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves:
“Abusivos são os atos que, embora o causador do incômodo se mantenha nos limites de sua propriedade, mesmo assim vem a prejudicar o vizinho […]. Consideram-se abusivos não só os atos praticados com o propósito deliberado de prejudicar o vizinho, senão também aqueles em que o titular exerce o seu direito de modo irregular, em desacordo com a sua finalidade social” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: direito das coisas. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 351).
24. De fácil compreensão que o ato de despejar terras em terreno vizinho a fim de aplainar imóvel próprio configura ato abusivo praticado pela autora, estando a ré agindo de modo a cessar a irregularidade praticada.
25. Frisa-se, ademais, que as fotos acostadas aos autos pela demandante (fls. 17 a 20), com o intuito de demonstrar a plausibilidade do direito, bem como o dano iminente, não atingem esse objetivo, pois se encontram completamente ilegíveis, sendo impossível identificar os terrenos mencionados na presente lide. Assim, percebe-se que a autora não trouxe aos autos a necessária comprovação do direito alegado, nos moldes do disposto pelo art. 333,I, do CPC.
25. Nesse sentido, não havendo elementos suficientes para amparar o direito alegado, tem-se por descabida a alegação de risco de dano ao imóvel vizinho, devendo o pedido da autora ser julgado improcedente, já que o dano constitui requisito essencial para a procedência da presente ação, conforme já se decidiu:
“Daí porque a demonstração do dano experimentado pelo autor em decorrência de obra edificada, representa requisito intransponível ao sucesso de sua pretensão” (TJSC, AC n. 2005.042576-4, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 09/11/2009).
26. Com isso, conclui-se que a nunciada agiu em conformidade com os seus direitos no tocante à construção embargada, tendo em vista que apenas tenta cessar abuso praticado por sua vizinha, no caso, a nunciante, que irregularmente, despejou terras provenientes de aplainamento de seu imóvel no terreno de outrem, impedindo, assim, devido acesso da requerida à sua residência, além de proporcionar riscos de desabamentos, que poderão causar enormes prejuízos à nunciada, visto que seu imóvel encontra-se em nível inferior ao da autora no declive da rua dos imóveis.
III. REQUERIMENTOS
Ante o exposto, requer:
a) A concessão do Benefício de Justiça Gratuita, para a qual junta declaração de hipossuficiência e comprovante de renda (docs. 1);
b) A revogação da liminar e a continuidade da obra objeto da presente lide;
c) A improcedência da presente ação, na medida em que não houve qualquer ilícito cometido pela requerida quando da construção do caminho no interior de seu imóvel;
d) A produção de todas as provas em direito admitidas, em especial a documental, pericial, depoimento das partes e testemunhas, se necessário.
e) A condenação da autora aos ônus sucumbenciais.
Termos em que pede deferimento.
[município], [data].
Advogado
OAB/SC XXXXX