Recurso – Reconhecimento de Concubinato C/C Partilha De Bens
Sergio Wainstock*
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2º Vara de Família da Comarca de São Gonçalo
Processo nº
S P M, nos autos da ação de reconhecimento de concubinato c/c Partilha de Bens, que lhe move R M P, não se conformando, data venia, com a r. sentença de fls. 100/102 quer da mesma apelar para que os seus fundamentos sejam novamente apreciados e julgados em instância superior.
Que seja recebido, o presente recurso, em seus regulares efeitos de direito.
Termos em que,
E. Deferimento.,
S G, 7 de Agosto de 2001
RAZÕES DE RECURSO DE APELAÇÃO
Apelante: X
Apelado: Y
Eg. Câmara:
Trata-se de ação de Reconhecimento de Concubinato c/c Partilha de Bens proposta por Roselane Moreira Panema, em face de seu convivente Sinésio Pimentel Madeira, alegando, a autora, ora apelada, ter convivido com o réu, em união estável, por cerca de onze anos, desde 07 de outubro de 1988 até setembro de 1999, período durante o qual teria o casal formado um patrimônio, conforme bens especificados às fls. 3 da inicial. Que, dessa união, resultou o nascimento dos menores, Tabatha e Shayane.
Regularmente citado, o réu ofereceu contestação, na qual admite tenha mantido relacionamento íntimo com a autora embora negando a convivência “more uxorio” durante o período mencionado na inicial. Contesta, também, a contribuição da autora para a formação do patrimônio mencionado na inicial. Requer, em síntese, a improcedência do pedido, considerando a fidelidade pressuposto para a caracterização de uma união séria. Com a contestação foram juntados os documentos de fls. 38/45.
Impossibilitada a conciliação, foram produzidas pelas partes provas testemunhais e documentais, através das quais entendeu o MM. Julgador que devia ser julgada, parcialmente, procedente a pretensão autoral, nos seguintes termos:
“Consiste a sociedade concubinatária numa convivência duradoura, pública, a qual confere as partes os mesmos direitos conferidos as pessoas casadas. Não há união estável se não ocorre convivência more uxória. A dissolução de sociedade de fato só pode ocorrer diante da prévia existência da sociedade. Por mais que tente o réu macular a conduta da autora e com isto tentar ilidir o reconhecimento da sociedade de fato, insta acentuar, que a mesma restou comprovada nos documentos constantes dos autos, bem como nos depoimentos de fls. Faz-se mister informar que o autor em sua contestação não comprovou que a união concubinatária não ocorrera de 07/10/88 até 5etembro de 1999, prevalecendo por conseguinte as alegações autorais. Pelo que se infere dos autos, vê-se que, apesar da autora não ter contribuído efetivamente com dinheiro em espécie, exerceu outra espécie de contribuição, a dedicação o seu trabalho, ao lar, a criação dos filhos do casal e o auxílio que prestou na criação dos filhos do réu. 0 imóvel situado a rua lguaçu, nº 70, no bairro Mutuá, recibos fls. . 39/40, foi adquirido antes da sociedade concubinatária, e, portanto, não faz juz a requerente a partilha do mesmo. Por outro lado, a transferência do VW Brasilia ocorreu em 08/05/88, data anterior a sociedade concubinatária. Face ao exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido, reconhecendo a sociedade concubinatária, existente entre as partes no período de 07/10/88 até setembro de 1999, bem como, o direito da autora a meação dos bens adquiridos no período compreendido entre 07/10/88 até setembro de 1999; o imóvel situado a rua Carlos Gianerini em zona urbana do 1º Distrito, barco de pesca conforme recibo acostado às fls. 45, direito a linha celular 021-9122-5922 , titulo de sócio proprietário do camping club do brasil, No tocante ao veículo Brasilía e o telefone 701-
A sentença de fls. merece reforma, data venia.
Preliminarmente, cumpre ressaltar que o Poder Judiciário não pode, pela relevância de sua missão constitucional como guardião do direito infraconstitucional, se deixar impressionar por alegações emocionais por parte de uma mulher, que possui filhos menores, vindo a proceder a um julgamento injusto, principalmente, sem atentar para os argumento da parte contrária e sem atentar para as provas produzidas no feito.
Tema da atualidade, a questão da “união estável” tem chamado a atenção da sociedade, em especial, a atenção do legislador pois tais relações produzem efeitos na ordem jurídica, refletem direitos de ordem patrimonial e de sucessão, e em relação aos filhos do casal, quando houver.
A tendência de nossa legislação sempre foi no sentido de proteger ou resguardar os direitos da mulher onde o homem era chefe da sociedade conjugal, função que exercia com a colaboração da mulher, de acordo com o artigo 233 do Código Civil.
Tal disposição, em nosso modesto entendimento, foi derrogada em face do constante no art. 226, parágrafo 5º, da Constituição Federal que dispõe que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”
Quanto a proteção da “união estável” é importante destacar que a Constituição Federal, no seu art. 226, parágrafo 3º dispõe:
“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
A Lei nº 8.971/94 teve o grande mérito de autorizar a concessão de alimentos aos companheiros desde que solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos e desde que, também, a convivência tivesse pelo menos cinco anos. E, posteriormente, em 10 de Maio de 1996, foi editada a Lei nº 9.278, valendo, no caso, destacar o art. 8º que assim dispõe:
“Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial de Registro Civil da circunscrição de seu domicílio.”
Assim, em função do disposto na Lei nº 8.971/94 e na Lei nº 9.278/96, pode-se afirmar que, atualmente, as relações entre homem e mulher, não casados entre si, desde que solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos – a chamada “união estável” – os conviventes tem deveres entre si; passou a existir reflexo patrimonial, nessas relações, independentemente de prazo do período da chamada “união estável”; os conviventes poderão, por contrato, estabelecer disposições quanto aos bens móveis ou imóveis; o patrimônio comum é administrado por ambos, em conjunto; os conviventes poderão pedir alimentos um ao outro; fica garantido o usufruto dos bens do casal, dentro dos limites da lei; defere-se a herança ao convivente supérstite, da mesma forma que o art. 1.603, do Código Civil, defere a herança ao cônjuge sobrevivente, não havendo herdeiros necessários.
Dúvida não há de que a “união estável”, mais ou menos prolongada, como se casados fossem companheiro e companheira, irradia direitos e obrigações – é um fato jurídico – que, como tal, desafia a proteção estatal, e não obstante ser considerada entidade familiar, como dito, não é reconhecida senão para dispensar proteção aos seus partícipes, razão pela qual, a jurisprudência à vista dessa consideração, tão-só, percebeu a possibilidade de, sem juridicizar o concubinato, apresentar solução ao problema, o que veio de ocorrer, primeiramente, através o entendimento de que desse podia resultar uma sociedade de fato, quando presente a participação da mulher na aquisição do patrimônio do companheiro pois que a união, ainda que more uxório, não presumia, nem autorizava a suposição de uma sociedade fática (STF-2ª T., RÉ 98.800-/SP, DJU de 22.06.84, p. 10.134 e STF-Pleno, RÉ 85.391/RJ, RTJ 100/226).
Pois bem, a Súmula 380, do Supremo Tribunal Federal, desafia seu entendimento, quanto a imperiosa necessidade de a concubina provar a sociedade de fato e, também, de haver contribuído com “recursos” para a consecução do patrimônio disputado, o que pode ser conferido nas decisões do RTJs 75/936, 78/619, 79/229, 80/260 e 112/332.
Deve-se reconhecer, no entanto, que existe uma tendência dos Tribunais no sentido de reconhecer que a prova da contribuição não pode ser considerada apenas a direta, ou seja, aquela em que a mulher contribui decisivamente para a formação do patrimônio amealhado, mas, também, a indireta pois já se admite, hoje em dia, que essa colaboração possa decorrer do próprio trabalho doméstico, nos casos em que, graças à administração do lar pela mulher, se façam, ou se ampliem economias, graças as quais se forma o patrimônio comum (RSTJ 25/335).
Mas, de qualquer forma, relativamente a tanto, relevo se mostra o entendimento do acórdão proferido na já mencionada AC nº 145.071-1, da 2ª Câm. Cív. do TJSP, que, abriu de forma excepcional a compreensão do que se deve entender com a expressão colaboração indireta: “afeto, apoio, inspiração, compreensão, cumplicidade e segurança psicológica enquanto persistir a correspondência afetiva, de sorte que, é a mulher, enquanto presença, estímulo, amparo e refúgio, que na aventura da parceria, possibilita, ou facilita, todas as outras aquisições, inclusive as de ordem patrimonial”. (REVISTA JURÍDICA, 185/77).
Assim, vislumbram-se dois aspectos relevantes, no caso dos presentes autos, que merecem uma análise mais profunda.
O primeiro é quanto a não configuração, na hipótese, da “união estável”, por não haver, entre os litigantes, comprovadamente, o sentido de fidelidade, da dedicação monogâmica, de afeto, de apoio, de inspiração, de compreensão, de cumplicidade e segurança psicológica, conforme incontestavelmente demonstrado pela prova testemunhal.
Certamente, por isto, é que se pronunciou desta forma o TJMG, ao referir que: “O intérprete, ao contrário do legislador, não manipula ilusões. Vive realidades e deve buscar, no exame dessas realidades, o equilíbrio da ordem jurídica afetada. A ordem ética deve sempre ser observada e o exegeta não pode esquecer que as relações, causas e efeitos são constantes e inelutáveis. Por isto, faz sentido a ensinança deixada por SÉRGIO G. PEREIRA de que o amor, o afeto, a convivência efetiva, a dedicação mútua, o real companheirismo, são os verdadeiros valores fundantes do casamento, o que nele há de principal e essencial, não há sentido em manter uma comunhão de bens quando não mais existe no casal a comunhão espiritual e amorosa. Pensar contrariamente seria como que colocar em plano principal o que é secundário, acessório, ou seja, querer que o aspecto material, patrimonial, monetário, prevaleça sobre a faceta eletiva, pois, não mais presente esta, se entende ainda vinculado o casal para efeitos meramente patrimoniais, se está asseverando – ainda que não se pretenda tal resultado esdrúxulo – nada mais nada menos do que o fato de ter permanecido o casal em união conjugal exclusivamente por causa de um vínculo de dinheiro. É difícil encontrar uma ética capaz de sustentar esta tese”.
TERESA ARRUDA ALVIM PINTO diz que a ratio essendi das regras relativas à comunhão de bens entre cônjuges é a existência real e concreta de vida em comum. Carece de sentido, quer jurídico, quer moral, aplicar-se um regime de comunhão a um casal que nem mais casal é, ou era, por ausência absoluta de affectio maritalis, de identidade de espíritos, vontades, planos, trabalho e bem comum.
Ao símile do casamento, “as pessoas que vivem em concubinato pretendem iniciar uma vida em comum, de forma a viverem como se casados fossem, assimilando todas as obrigações e responsabilidades do casamento” (RICARDO GALBIATI, RT 678/65-70). Exige-se, assim, dos concubinos, a mesma lealdade, fidelidade, companheirismo e colaboração com a administração e as despesas domésticas que se espera dos cônjuges, tudo dirigido ao fundo comum, que é a convivência harmoniosa dos pais e suas relações com os filhos.
Deve repugnar, portanto, ao direito e à moral que a ausência absoluta de affectio maritalis, que a ausência de fidelidade, de companheirismo, de afeto, de dedicação mútua, como se caracteriza na hipótese dos autos, possa se projetar no plano do direito de família e na esteira das novidades nele introduzidas, no irreversível caminho da natural geração de efeitos liberatórios tão próprios e justos, quando decorrentes de uma efetiva separação judicial.
Em segundo lugar, indemonstrada restou, nos presentes autos, a participação da autora na aquisição do patrimônio em nome do réu, pelo que deveria se considerar inviável o pedido de sua participação nos bens de Sinesio Pimentel Maderia. É preciso demonstrar a “medida” da contribuição de cada um mas, em especial, da contribuição da ora apelada, sob pena de injustiça.
Na hipótese dos autos, destaca o apelante que resultou comprovado que a autora, ora apelada, nunca contribuiu, de qualquer modo ou forma, para a aquisição dos bens enquanto conviviam as partes como se casados fossem, ressaltando que todos os bens foram adquiridos com recursos próprios do ora apelante, adquiridos antes do período de convivência entre as partes contendoras.
De fato, analisando-se as evidências colhidas nos autos, em especial as provas documentais e testemunhais, deduz-se que não tem cabimento se reconhecer a contribuição da autora, ora apelada, para a aquisição do imóvel nº 360, da rua Carlos Gianerini, situado no Colubandê, SG (fls. 15/21), notadamente quando se constata que o imóvel pertencente ao réu, localizado na rua Iguassú 70, Bairro do Mutuá, São Gonçalo, RJ, fora vendido em Outubro de 1985 (fls. 39/40), e os valores investidos deste aquela data e mais o levantamento do FGTS (do apelante) conseguiu, o ora apelante, complementar o preço total e passou a ser possível e viável a aquisição do novo imóvel, situado no nº 360, da rua Carlos Gianerini, situado no Colubandê, SG, sem qualquer ajuda ou participação da ora apelada, direta ou indiretamente.
Faz-se necessário, no caso da existência de uma “união estável”, provar, por todos os meios, se realmente as partes colocaram recursos e esforços em comum para a obtenção do patrimônio e se houve a intenção de participarem dos lucros e perdas, pois a simples vida sob o mesmo teto é insuficiente para configurar uma participação direta ou indireta da mulher.
Reitere-se que a Súmula 380, do Supremo Tribunal Federal, desafia seu entendimento, quanto a imperiosa necessidade de a concubina provar a sociedade de fato e, também, de provar haver contribuído com “recursos” para a consecução do patrimônio disputado, o que pode ser conferido nas decisões do RTJs 75/936, 78/619, 79/229, 80/260 e 112/332.
O ilustre Desembargador BARBOSA MOREIRA, no entanto, foi quem melhor apropriou o tema “união estável”. Depurou-o, tornando desnecessária qualquer outra elocubração exegética em relação ao mesmo. Assim: “Para que se reconheça a existência da sociedade de fato entre concubinos, continua a ser necessária a prova da conjugação de esforços economicamente relevantes, no sentido da formação de patrimônio comum. O art. 226, § 3º, da CF/88, não eliminou a diferença entre o casamento e a união estável, não formalizada entre homem e mulher, nem submeteu esta última, para todos os efeitos, à disciplina do direito de família. Depois de estatuir, no caput do art. 226, que a ‘família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado’, reza a CF no § 3º, do mesmo dispositivo: ‘Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’. .
Também a jurisprudência é no mesmo sentido:
CIVIL – DECLARATÓRIA DE SOCIEDADE DE FATO CUMULADA COM PARTILHA DE BENS – CONCUBINATO – ESFORÇO COMUM NÃO DEMONSTRADO – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – 1) Para que a concubina faça jus a partilha dos bens havidos pelo companheiro na constância do concubinato, mister que demonstre haver a aquisição resultado do esforço comum do casal. Omissa a autora em provar, seja a aquisição dos bens durante a relação, seja o esforço comum, incensurável a sentença que julga improcedente a pretensão de partilha. 2) improvimento do recurso. (TJAP – AC 051798 – CU – Santana – Rel. Juiz Raimundo Vales – DJAP 10.12.1998)
Por último, ainda que se reconheça que faz jus, a ora apelada, a uma participação no patrimônio do ora apelante – só para argumentar – a partilha dos bens pode não ser, obrigatoriamente, de meio a meio mas há de considerar a maior ou menor colaboração da “mulher”.
Ou seja, o Recurso Especial nº 4.599, da 4ª Turma. (REVISTA JURÍDICA 166/109), e os RE números 3.715 e 1.412, também da 4ª Turma, mostram de forma clara que a partilha não deve ser, obrigatoriamente, meio a meio, conquanto, é o que assinalam, não se há perder de vista a maior ou menor colaboração apresentada pela mulher, o que representa uma variante que vai de 50% a 1/4.
Este arrazoado, é uma tentativa de mostrar que o legislador, que a doutrina e os Tribunais vem procurando buscar, no tempo e no fato, em concreto, as fronteiras justas e reais, de uma sociedade conjugal, que, ao ser encerrada pela intervenção do Judiciário, procura atribuir valor e efeito jurídico à antecipada volição dos cônjuges envolvidos nesta mesma sociedade, porquanto, eles sim, não os outros, são os reais senhores da certeza e exatidão temporal em que a sua sociedade e seus interesses verdadeiramente se dissolveram.
E, para finalizar, destaca o apelante, que uma suposta “união estável” destituída de existência real e concreta de uma vida em comum, de uma comunhão de vida, ou seja, de amor, de afeto, de convivência efetiva, de dedicação mútua, de real companheirismo, que são os verdadeiros valores fundamentais do casamento, lhe retira o sentido e a razão da conjunção de interesses materiais. Destarte, verter para dentro desse tipo de “sociedade conjugal” bens não amealhados no período de convivência e, principalmente, bens adquiridos sem a participação efetiva da mulher, implicaria, certamente, em judicializar o próprio e sempre condenado princípio do enriquecimento sem causa.
Isto posto, pede e requer que seja acolhido e dado provimento ao presente recurso para julgar improcedente a presente ação, por ser de Direito e merecida,
Justiça.
Termos em que,
E. Deferimento.
Rio, 7 de Agosto de 2001
* Consultor Jurídico
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