Em parceria indita com a Academia Catarinense de Letras, a ACMP est prestando apoio cultural ao lanamento do livro Idade 21: Walmor Cardoso da Silva sessenta anos depois, de autoria do associado Artemio Zanon, e que trata da nica obra lanada pelo tambm nosso associado Walmor Cardoso da Silva, scio-fundador da nossa entidade. Ser no dia 3 de novembro, s 19 horas, na sede da Academia.
O autor, ocupante da cadeira 37 na ACL, faz um ensaio sobre os poemas de Idade 21, obra lanada por Walmor Cardoso da Silva em 1949, abrindo a srie de Cadernos Sul produzida pelos intelectuais catarinenses do Crculo de Arte Moderna – posteriormente batizado de Grupo Sul. Foi o grupo que trouxe para a literatura catarinense o movimento modernista, que j ocorria em So Paulo h duas dcadas.
O livro de Zanon um ensaio de 120 pginas dividido em quatro partes. Na primeira h uma breve contextualizao sobre o que acontecia no mbito das letras no mundo, no Brasil e em Santa Catarina em 1949. A segunda traz ao leitor algumas consideraões sobre Walmor Cardoso da Silva, o Grupo Sul e a literatura catarinense. No terceiro captulo h uma abordagem sobre os poemas de Idade 21 sob um olhar contemporneo, e a parte final dedicada s observaões e notas do autor, juntamente com uma bibliografia do ensasta.
Walmor Cardoso da Silva
Procurador de Justia, Walmor Cardoso da Silva iniciou a carreira no MPSC em 1956 e ingressou na aposentadoria em 1982. Ele formou-se em Direito em 1951 na antiga Faculdade de Direito de Florianpolis e concluiu mestrado em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 1979.
Em 1949, junto com ele, integravam o Grupo Sul nomes como Anbal Nunes Pires, Salim Miguel e Ody Fraga e Silva. Alm de uma notvel trajetria como escritor, so destaque em sua carreira os 26 anos de atuao no Ministrio Pblico e sua participao como scio-fundador da ACMP. Integra ainda o Instituto Histrico e Geogrfico de Santa Catarina.
Entrevista: Artemio Zanon
Como surgiu a iniciativa do seu livro e por que, 60 anos depois, retomar estes poemas de Walmor Cardoso da Silva?
Artemio Zanon – Posso dizer, sem vaidade, que sou Escritor (nascido em Santa Catarina), com mais de trinta livros solo publicados: contos, poemas, teatro, ensaios (inclusive dois grandes ensaios em Portugal), alm das obras jurdicas. Assim, de maneira alguma eu poderia desconhecer a existência do Crculo de Arte Moderna, conhecidos os seus integrantes como os do Grupo Sul: um a um, seus ideais, as potencialidades, suas trajetrias, suas produões literrias e, inclusive, as obras que passaram a publicar nas, digamos, sries Cadernos Sul e Ediões Sul, sem que qualquer um deles, durante todo esse tempo, disso soubesse. pena que no tenho todas as obras publicadas, mas o que dessas conheo, e, com suporte nas lidas e relidas, posso dizer que estudei Idade 21, como poucos, inclusive com relao aos detentores de ttulos acadêmicos de mestrado e doutorado, que h vrios, e sei dos contedos. H muitos anos, em um dos encontros anuais da Associao Catarinense do Ministrio Pblico, dirigi-me ao Walmor (era assim que eu o chamava), e indaguei-lhe de como poderia conseguir um exemplar de Idade 21. Ele, sempre calmo, de poucas palavras, introvertido – pessoa admirvel –, disse: “Artêmio, h anos eu tinha um (nico) exemplar, emprestei a um amigo e… nunca mais”. Desde ento, lancei mo de todas as possibilidades de conseguir um exemplar. Em momento algum passou-me pela ideia de procurar algum do Grupo Sul e procurar saber como poderia obter essa obra. Tambm, h muitos anos, a cada quinze vinte dias, percorro, religiosamente, todos os “sebos” da grande Nossa Senhora do Desterro. Quando tenho tempo, vou a Blumenau, a Joinville, Balnerio Cambori, Itapema, Navegantes, Itaja, etc. Foi em uma manh de sbado, h uns quatro anos, que, na Casa Aberta, em Itaja, autorizado pela proprietria, tive a fortuna de encontrar, em uma escadaria, dentro de caixas e caixas de livros ainda sem catalogao e preo, entre obras de primeira edio, Idade 21. Como a proprietria no fazia ideia do preo, e nada havia no Google e na Estante Virtual, paguei o que ela pediu. Do original, com muito carinho, consegui fazer uma cpia fac-similada.
A ideia surgiu de maneira bem simples. Como eu conhecia e conheo o que se tem feito nesses sessenta anos em torno dos integrantes do Grupo Sul, e percebi que os lembrados so quase sempre os mesmos, formando como que um crculo virtuoso (ou seria vicioso), que uns j no mais so desta terrena vida, que outros quase nada mais produziram, apesar de estarem ainda entre ns, e que Walmor, a meu entender, deveria ter nos escaninhos da vida outros textos, com a vênia de todos eles – mortos e vivos –, resolvi, sem nenhuma provocao, sem ningum saber, investir em Idade 21.
Sessenta anos depois, porque o ensaio estava projetado para ser publicado em 2009, tendo em vista que Idade 21 foi publicado em 1949. No incio deste ano realizou-se um encontro no qual apenas uns poucos do Grupo Sul participam, e entre eles estava o Walmor. Pedi a fotgrafa Francisca Nery (crdito da capa do livro) que aproveitasse um momento de distrao do Walmor, e lhe captasse imagens para meu ensaio. Assim, agora, decorridos mais dois anos, tudo est consumado, nica e exclusivamente por amor Literatura, sem nenhum desejo de reconhecimento, de que haja alguma resenha, de importar-me com qualquer opinio de quem quer que seja. No gosto de pecar por falsa humildade e sei de meus limites, de minhas precariedades, mas no abro mo do que entendo que sei o que fazer e como fazer. Qualquer outrem tem direito a tambm criar e recriar. No retomei os poemas do Walmor Cardoso da Silva. Minha disfarada inteno que outros colegas do Ministrio Pblico, e a alguns deles rendo minha homenagem na pgina das dedicatrias, sejam mais que uma simples fênix, pois sei de suas potencialidades e de seus guardados nos escaninhos de suas atividades extra-jurdicas.
O senhor tinha 9 anos quando Idade 21 foi lanada. Como foi o desafio de resgatar essas memrias e de contextualizar a obra?
Artemio Zanon – O desafio de regatar e contextualizar se deu atravs do estudo constante, durante muitos anos, da literatura catarinense. Atravs de leitura e releituras sobre o Crculo de Arte Moderna acumulei um grande acervo e ento me surgiu a ideia de resgatar a vida literria de Walmor Cardoso da Silva. Com nove anos eu era uma criana muito pobre, mas no cheguei viver a misria. Pela manh, frequentava a escola da roa (no rude inverno, ps descalos pisando gelo), tarde tinha que trabalhar em capinas, providenciar alimento para o gado, fazeres domsticos, etc. Eram quatro sries com aula ao mesmo tempo, na mesma sala, sem merenda, sem bolsa-famlia, a cada final de mês fazamos os nossos convescotes (essa palavra eu j a conhecia naquela idade), as professoras nunca fizeram greve, no tinham carro do ano, andavam a cavalo e olhe l, quando no moravam de favor em alguma casa de famlia. Todas as sextas-feiras, pela manh, em frente escola, havia formatura cvica: declamaões de poesias. Hoje sei a diferena que se quer fazer entre poesia e poema. Casimiro de Abreu, Castro Alves, Gonalves Dias, Olavo Bilac e outros nomes que para mim eram mais que deuses e astronautas, e no me diziam nada. Lia o ressumo das vidas deles e de outros, mas no tinha nenhuma noo do que era ser Poeta, alis, escritor. Um pormenor: no final do ritual, cada um podia levar para casa um livro que era guardado em um “armrio” e deveria ser devolvido na segunda-feira.
Diante de nomes como Salim Miguel, Guido Wilmar Sassi e Anbal Nunes Pires, qual a principal caracterstica que destaca/diferencia a obra de Walmor dos demais?
Artemio Zanon – Eu sei o necessrio e suficiente a respeito de todos os integrantes do Grupo Sul. Dos nomes da pergunta, dois so falecidos. Nunca tomaram conhecimento da minha existência. Nunca leram um livro meu. Do primeiro nome, poderia at escrever um ensaio a respeito, mas jamais vou fazê-lo. Tenho razões para isso. No que eu tenha algo em desacordo com ele e sua obra. que nunca, nesses quarenta anos que o conheo, e foram vrias as circunstncias e as jornadas literrias em que nos encontramos e participamos, jamais ele sequer mencionou o meu nome e, pasme-se, no foram poucas as vezes, na minha presena, embora tendo-o cumprimentado, nunca pronunciou o meu nome, e sempre mencionando nomes e outros escritores presentes. A obra do Walmor Cardoso da Silva – Idade 21 – no deve ser comparada de ningum, e muito menos a qualquer uma publicada pelos do Grupo Sul. Walmor, por esse nico livro, no d para dizê-lo tenha sido dessa ou daquela escola. Ele o produto de um movimento, de curta durao (1948–1958), mas de muita importncia para a Histria da Literatura de Santa Catarina, e que chegou na Ilha, algumas dcadas aps a to cantada Semana da Arte Moderna acontecida em So Paulo (1922). Walmor, foi, efetivamente, um Poeta, como o reconhece Celestino Sachet. Em meu ensaio lano uma angustiante indagao: o que ter acontecido para que Walmor Cardoso da Silva no mais retomasse a lira? H em uma pgina do ensaio, uma manifestao de um dos primeiros integrantes do Grupo Sul e, embora Walmor jamais tenha se manifestado a respeito, havendo sempre cavalheirismo entre eles, que me fez e faz pensar que o tenha ferido em algum ponto de seu recndito. Ele, Walmor, que era uma promessa como os demais, e somente alguns continuaram produzindo.
Para o senhor, qual a principal herana/contribuio do movimento modernista e de Walmor Cardoso para a literatura catarinense?
Artemio Zanon – Em Santa Catarina no houve o que se possa entender como “movimento modernista”. Esse centrou-se em So Paulo e Rio de Janeiro. Os reflexos, como j referi, chegaram tardios nesta Ilha. Para Santa Catarina, no h que se pr em dvida, e de maneira nenhuma negar-se, que o Grupo Sul, para a poca, foi uma plêiade de intelectuais desprendidos de seus interesses pessoais vividos em prol de uma proposta fechada, coletiva. Sabiam o que pretendiam, lutaram, tiveram o almejado lugar ao sol de ento e, hoje, poderiam ser mais estudados, deveriam ter suas obras reeditadas. Mas o que se h de esperar quando, entre ns, alguns escritores (e so quase sempre os mesmos), têm seus nomes e obras anunciadas ainda em projeto (e com fotografia e tudo em jornal) e outros que se dedicam ano aps anos, no so nem conhecidos em uma “academia de letras”? Posso assinar isso sem nenhum remorso, sem reportar-me a Carlos Drumonnd de Andrade – Toda histria remorso – pelo que vejo, pelo que observo, pelo que sinto, pelo que presencio em todas as participaões literrias que se realizam nos quatro cantos deste Estado. H os tericos que dividem o Estado de Santa Catarina em vrias “ilhas culturais”, se isso possa ser aceito, e a Literatura Catarinense no merece esse tratamento, ento diria que se a “Grande Ilha da Ilha e adjacências” for uma das “ilhas culturais”, ele, Walmor Cardoso da Silva, ser sempre visto como um ponto inconfundvel, como um marco, como uma rocha, em meio s guas ou demais “ilhas” dos tempos, exatamente como eu o celebro sessenta anos depois de vê-lo situado no tempo e no espao, como ele permanece h sessenta anos. O que escrever-se- daqui a sessenta anos de Walmor Cardoso da Silva e de Artemio Zanon? Algum se lembrar de rever a importncia de Walmor em Idade 21, ou de escrever algum ensaio a respeito da importncia da obra literria de Artemio Zanon? Onde estaro os nossos quinze minutos de glria de gerao em gerao?
Lanamento de Idade 21: Walmor Cardoso da Silva sessenta anos depois
Local: Academia Catarinense de Letras, Av. Herclio Luz, 523 – Centro, Florianpolis
Data: 3 de novembro, s 19h
Fonte: ACMP