Relator apresenta primeira parte do voto sobre gestão fraudulenta no Banco Rural
O ministro Joaquim Barbosa proferiu nesta quinta-feira (30) a primeira parte de seu voto em relação ao item V da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) na Ação Penal 470, que trata do crime de gestão fraudulenta de instituição financeira imputado aos réus Kátia Rabello, José Roberto Salgado, Vinícius Samarane e Ayanna Tenório – que, à época dos fatos, eram dirigentes do Banco Rural.
Acusação
O ministro iniciou seu voto citando a denúncia, segundo a qual o crime de gestão fraudulenta consistiu na concessão de empréstimos supostamente simulados que serviriam tanto para o financiamento do esquema de compra de apoio político quanto para a lavagem dos valores ilicitamente movimentados. O MPF afirma que os dirigentes teriam sido coniventes com mecanismos fraudulentos como a renovação sucessiva desses empréstimos fictícios, ocultando o real risco dos créditos concedidos.
Dados
O ministro Joaquim Barbosa citou informações constantes nos autos, tais como um laudo de exame contábil e procedimentos administrativos do Banco Central que, segundo ele, dão “suporte à tese da acusação”. Para o ministro, esses documentos “examinados em conjunto revelam a violação dolosa de normas legais e infralegais aplicáveis à espécie”. Ele fez referência a diversas regras do Banco Central que deixaram de ser cumpridas pelo Banco Rural. Entre elas, a atualização cadastral dos clientes e compatibilidade entre as movimentações de recursos, atividade econômica e capacidade financeira. E acrescentou que, segundo a perícia, o Banco Rural também descumpria regras de combate à lavagem de dinheiro.
O ministro destacou que, de acordo com o laudo de exame contábil, o Banco Rural não observava as exigências relativas aos cadastros dos seus clientes, especialmente do Partido dos Trabalhadores, da SMP&B Comunicação e da Graffiti Participações. Assim, teria deixado de verificar, por exemplo, a capacidade financeira das pessoas jurídicas ligadas a Marcos Valério por ocasião da concessão e das sucessivas renovações dos empréstimos.
“Fica evidente que o Banco Rural, ao conceder o empréstimo, não observou a deficiência financeira do PT no ano de 2002”, afirmou o relator. “Quanto às renovações, também continuou omisso, sem exigir qualquer garantia real para as novas negociações”.
Após apurar essas infrações de natureza grave, o Banco Central comunicou ao MPF a ocorrência de irregularidades praticadas pelos administradores do Banco Rural no período de 2003 a 2005 e indicou que tais fatos indicariam a ocorrência de delitos previstos na Lei 7.492/1986 (crimes contra o sistema financeiro nacional).
Empréstimos
O ministro Joaquim Barbosa afirmou que o Banco Rural manipulou dados sobre os empréstimos concedidos em 2003 às empresas de Marcos Valério e ao PT, empréstimos esses que, segundo o ministro, não seriam pagos. Ele citou os empréstimos de, respectivamente, R$ 10 milhões e R$ 19 milhões, tomados pelas empresas, e de R$ 3 milhões, tomado pelo PT. Conforme o relator, tais créditos somente começaram a ser cobrados pelo Banco Rural após os fatos se tornarem públicos. Os empréstimos não foram quitados e vinham sendo renegociados sucessivamente em desacordo com as normas do Banco Central, do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do próprio Banco Rural.
O ministro-relator ressaltou informação técnica segundo a qual o Banco Rural “extraviou dezenas de microfichas de livros, balancetes diários e balanços, incluindo todas as do segundo semestre de 2005”. Além disso, toda a movimentação referente ao mês de novembro de 2004 foi ocultada, como também não foram apresentados livros auxiliares autenticados com registros das operações, ratificando o descumprimento legal.
Segundo os peritos, na época, o Rural alegou extravio ou problemas operacionais. Tais justificativas, entretanto, segundo eles, “do ponto de vista técnico, são descabidas, tendo em vista o volume dos empréstimos e o tipo de operações realizadas”.
O ministro citou laudo de 2007, segundo o qual não há prova de quitação dos empréstimos da SMP&B e Graffiti, bem como do PT, tomados em 2003. Conforme Joaquim Barbosa, a própria ex-presidente do Rural Kátia Rabello afirma nos autos que os empréstimos não foram quitados porque o caso veio a público, e o Rural teria suportado o prejuízo. Quanto ao crédito renovado para o PT, ela disse que foi objeto de acordo para pagamento parcelado. “À luz desse acervo probatório, verifica-se que, na realidade, o Banco Rural somente decidiu cobrar os valores após a divulgação do escândalo pela imprensa”, afirmou o relator.
Outras irregularidades
Entre as principais violações caracterizadoras de gestão fraudulenta, o ministro Joaquim Barbosa apontou a ausência de levantamento de dados contábeis confiáveis das empresas e entidades tomadoras dos empréstimos e seus avalistas e a utilização de dados discrepantes em empréstimos diversos.
O ministro disse que tanto o Banco Central quanto o Instituto Nacional de Criminalística (INC) detectaram que os diretores do banco, ao conceder e autorizar as renegociações de créditos, ignoraram pareceres técnicos de funcionários da própria instituição financeira que apontavam alto risco em tais operações. Numa delas, as garantias eram muito frágeis, já que tanto a movimentação financeira das empresas quanto os dados financeiros pessoais de seus proprietários eram muito inferiores aos valores dos empréstimos concedidos.
Da mesma forma, segundo ele, além de o Banco Rural aceitar como garantia o valor de um contrato de publicidade da DNA Propaganda (outra empresa do grupo) com o Banco do Brasil, insuficiente para cobrir os empréstimos, tal garantia é proibida pela legislação bancária brasileira.
CM,FK/AD
Fonte: STF