A OAB SP realizou na última segunda-feira (9/4) , às 20 horas, em seu salão nobre, uma emocionada cerimônia de nominação da sala da Comissão de Direitos Humanos, que recebeu o nome do advogado Pedro Yamaguchi Ferreira, morto em 2010, aos 27 anos, quando nadava no Rio Negro (AM) e trabalhava como missionário leigo para a Pastoral Indigenista.
O nome de Pedro Yamaguchi Ferreira foi escolhido pelos pais – o deputado federal Paulo Teixeira e a advogada Alice Yamaguchi Ferreira – para homenagear Dom Pedro Casaldáliga – bispo emérito de São Félix do Araguaia – e o poeta Pedro Tierra, ambos autores da “Missa da Terra Sem Males”, obra voltada aos povos indígenas do Brasil, os mesmos que, de forma idealista, Pedro buscou ajudar como advogado.
Para o presidente da OAB SP, Luiz Flávio Borges D´Urso – que abriu os trabalhos da sessão – Pedro Yamaguchi, desde os tempos de estudante em São Paulo abraçou a causa dos direitos humanos, trabalhando com os apenados e defendendo os mais carentes. “Decidiu ir para a Amazônia, para os rincões do país para defender os direitos do povo ribeirinho e dos indígenas, quando poderia viver no conforto, no amparo de todos. E nessa missão deu a sua vida. A sua trajetória é um exemplo de tenacidade em defesa dos direitos humanos. A Sala da Comissão dos Direitos Humanos recebe seu nome, homenagem a todos os que lutaram pelos direitos humanos e que o Pedro sirva de inspiração para aqueles que ainda virão e que no exercício da advocacia possam fazer a diferença na vida das pessoas. Pedro passou por essa vida, como todos nos passaremos e deixou sua marca para que nos possamos olhar a sua missão e viver em harmonia, amando o semelhante. Essa Casa se engalana para prestar uma homenagem póstuma. Mas não é um momento de tristeza, queremos que seja momento de alegria, da Páscoa, da renovação, a atestar que a morte não é o fim”, afirmou.
O coordenador da Comissão de Direitos Humanos Martim de Almeida Sampaio leu um texto biográfico de Pedro, encaminhado pela sua mãe, Alice Yamaguchi Ferreira e ressaltou o importante trabalho realizado pelo jovem advogado na área da advocacia social e seu idealismo.
O cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, congratulou a OAB SP e seu presidente pela feliz iniciativa de atribuir o nome de Pedro Yamaguchi à Sala de Direitos Humanos, preservando seu idealismo. Lembrou que não o conhecia, a não ser a partir da “ Missa de Envio” para a Amazônia, aonde iria trabalhar na Diocese, Pastoral carcerária e ser advogado do bispo local (Dom Edson). “Foi enviado como missionário leigo a São Gabriel da Cachoeira, divisa da Venezuela e Colômbia, para uma região carente, onde há 22 povos que falam 23 línguas diferentes, mais o português. Pedro dedicou-se aos indígenas, aos encarcerados e todos os que precisavam de assistência. Quero destacar desse jovem advogado que, em vez de ir atrás da sua carreira, que poderia ser brilhante, ele resolveu dedicar-se a ações de solidariedade social; dedicando-se espontaneamente a gratuitamente às pessoas que mais precisam dele como advogados. Pedro representa o capital jovem da nossa sociedade. Hoje, os jovens são atraídos por caminhos que não ajudam a desenvolver o altruísmo e solidariedade. Enquanto houver jovens como Pedro, haverá futuro de esperança para a sociedade e humanidade”, ressaltou dom Odilo Scherer.
O advogado Cândido da Silva Dinamarco, representando seu pai Cândido Rangel Dinamarco, titular do escritório em que Pedro trabalhou como estagiário em São Paulo leu texto encaminhado por seu pai. Também ressaltou o desapego de Pedro aos bens materiais:“Contrariando o que se espera de todo jovem com curso universitário, renunciou às ambições pessoais, teve a coragem de dar vazão a toda uma carga de impulsos humanitários e solidariedade humana, dedicando-se à luta dos encarcerados e da população amazônica, onde foi movido pelos seus ideais de extremado amor ao ser humano”.
José de Jesus Filho, coordenador do Departamento Jurídico da Pastoral Carcerária Nacional , lembrou o primeiro contato que teve com Pedro Yamaguchi em 2006, na qualidade de estagiário e que negociava o salário que receberia na Pastoral, que considerava baixo, porque precisava sobreviver sem os recursos paternos. Contou que Pedro ficou um ano na Pastoral, saiu e voltou, iniciando sua caminhada de conversão. “Era carismático, exigente, afetuoso e visitava as prisões semanalmente com os estagiários. Fazia petições intensas e provocativas e convidava os juízes e promotores para visitarem a prisão, como expressava a lei”, comentou. Por fim, destacou que Pedro Yamaguchi o ensinou a ser firme na defesa dos presos e dos pobres.
Paulo Vanucchi, ex-ministro de Secretaria Especial de Direitos Humanos, falou sobre sua experiência pessoal, já que era amigo da família e viu o Pedro nascer. Referiu-se com emoção sobre a visita que fez São Gabriel da Cachoeira com representante do CNJ para ter uma audiência com o juiz local, uma vez que por problemas de alcoolismo, os índios ficavam presos ao longo de meses. O juiz justificava as ausências por problemas de saúde e falta de advogados. Acabou sendo substituído por outro magistrado jovem, assim como Pedro. Vanucchi destacou a necessidade de os jovens assumirem o bastão e levarem à frente a luta dos direitos humanos. Também comentou a dor da perda para a família e sua superação.
O desembargador do TJ-SP Antonio Carlos Malheiros, que foi professor de Pedro Yamaguchi na PUC-SP, disse que aprendeu com ele, porque Pedro era um agente provocador e quando entrava em um debate na sala de aula provocava todos os colegas. “Deixou o trabalho em um grande escritório para trabalhar na pastoral carcerária e me ligava para falar sobre alguns dos problemas do Judiciário, alguns insolúveis, como os maus tratos aos presos”, afirmou, destacando que via o Pedro como a um filho querido.
O jurista Fabio Konder Comparato abriu sua fala, afirmando que a história do mundo moderno foi aos poucos consolidando na consciência dos povos a convicção de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Proclamação que abre a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Apontou que na mensagem evangélica, os deveres vêm antes dos direitos, como por exemplo, na Parábola do Juízo Final, que diz: “ quando tive fome, me destes de comer; tive sede, me destes de beber; era forasteiro, me acolhestes; estava nu, me vestistes; adoeci, me visitastes; estava na prisão e fostes ver-me. Cada vez que deixaste de fazer a um destes mais pequeninos, deixastes de o fazer a mim”.
Segundo o professor, esses deveres fundamentais formam a condição indispensável à salvação eterna e correspondem aos direitos humanos de caráter social. “São, no entanto, os mais desconsiderados pela sociedade brasileira, marcada por 4 séculos de escravidão legal”, ressaltou. Citou que Pedro compreendeu esse ensinamento, teve uma vida curta, mas profunda, porque esteve voltada a defender os mais desprotegidos – os encarcerados. De acordo com o professor, todos deveriam seguir o modelo de vida de Pedro, especialmente a OAB, e citou dois abusos inomináveis que acontecem nos cárceres paulistas – a tortura, denunciada em relatório da Pastoral Carcerária de 2010, no qual Pedro trabalhou, e a realização de partos com gestantes algemadas. “Oxalá, a consagração desse espaço a novas gerações de advogados leve ao exemplo de amor ao próximo praticado por Pedro”, exortou. O presidente D´Urso esclareceu que a OAB SP vem se posicionando contra o emprego da tortura nas prisões, tendo desenvolvido campanha nesse sentido, e que divulgou nota pública criticando e pedindo providências contra o parto de presas algemadas.
O pai de Pedro Yamaguchi, deputado federal Paulo Teixeira, preferiu retratar lado de advogado de seu filho, ressaltando que teve uma grande missão na área dos direitos humanos, teve seus inspiradores, como os professores Antonio Carlos Malheiros, Fábio Konder Comparato e Maria Vitória Benevides, também presente à cerimônia. Afirmou que o Estado brasileiro não chega a toda a população brasileira e que o atual sistema de justiça não se adapta a todas as regiões porque em algumas regiões tem juiz, mas não falta promotor e advogado e defendeu o modelo da Justiça restaurativa. “Devemos nos inspirar para garantir a todos o acesso a Justiça e a uma justiça melhor e o entendimento de que a justiça e a atuação do advogado não se resumem apenas à proposição de uma ação, porque o advogado se inseri no processo de transformação social e esse é, sim, garantidor do direito da cidadania”, concluiu.
A advogada Alice Yamaguchi, mãe de Pedro, agradeceu a todos os familiares a amigos pela solidariedade e afirmou que seu filho foi um grande advogado e que, mesmo durante o almoço de domingo, saia muitas vezes para atender presos porque eles não tinham ninguém, às vezes apenas a mãe a acompanhar a execução penal “Era atencioso, terno, caprichoso na elaboração jurídica, extremamente generoso. Amou e respeitou os condenados”, afirmou. Para ela o maior legado que Pedro deixou aos jovens foi “sejam corajosos, apostem nos seus sonhos e não tenham medo de amar”.
Também estavam presentes à cerimônia: Frei Beto; José Carlos Madia de Souza, presidente da Associação dos Antigos Alunos da USP, Margarida Genevois, presidente de honra da Comissão de Justiça e Paz e os irmãos do homenageado Ana Maria, Caio, Manoela e Julia Ferreira. (Assessoria de Imprensa: Santamaria Nogueira Silveira).
Biografia
Pedro nasceu no dia 11 de abril de 1983, contava com 27 anos de idade. O nome Pedro foi dado em homenagem a Dom Pedro Casaldáliga, hoje Bispo Emérito de São Félix do Araguaia e a Pedro Tierra, que escreveram “Missa da Terra Sem Males”, obra em homenagem aos povos indígenas brasileiros.
Era o mais velho de dos 6 irmãos entre Ana Maria, Caio, Laís, Manoela e Júlia. Tinha 6 tios e 11 primos, por parte da mãe Alice, de origem japonesa e 8 tios e 21 primos por parte do pai Paulo, de família de Águas da Prata, interior de São Paulo.
Pedro nasceu, se criou e estudou em São Miguel Paulista, Zona Leste da cidade de São Paulo, lá cursando do pré- primário ao colegial. Apaixonado por futebol, treinou no time de base do Corinthians, logo desistindo por não conseguir conciliar a vida de estudante com a de esportista.
Morou dos 17 aos 18 anos na Califórnia, Estados Unidos, apreendendo inglês e trabalhando numa loja de sucos. No 11 de setembro de 2001, estava lá, e arriou a meio pau a bandeira norte – americana de sua casa. Aos 23 anos, foi ao Japão trabalhar como “dekasseki” numa fábrica de alimentos. Ali conheceu a Ilha de Okinawa, adentrou a casa onde nasceu seu avô imigrante, Eijun Yamaguchi, e pode reverenciar sua ancestralidade com incensos.
Era fã do grupo “Rappa” e do “Mano Brown”. Nos últimos anos, conheceu o samba de raiz e frequentava as roda do “Samba da Vela”, em Santo Amaro.
Pedro foi batizado, crismou-se e fez a primeira comunhão na Igreja Católica e frequentava as missas em São Gabriel da Cachoeira, sua última morada.
A religiosidade da Fraternidade “Charles de Foucauld”, sempre o acompanhou desde a infância, através dos pais e amigos da família
Pedro também tinha amigos no Jongo, grupo de resistência, de dança de matiz afro, na cidade de Guaratinguetá.
Na PUC de São Paulo fez sua graduação em Direito, num ambiente de fiéis amigos e preocupação com os problemas sociais. Seu trabalho de conclusão de curso foi sobre o voto do preso.
Trabalhou como estagiário no escritório de advocacia do Professor Cândido Rangel Dinamarco, onde apreendeu grandes lições de Direito.
Em 2006, já advogado, passou a atuar na área penal. Trabalhou brevemente na Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo e foi convidado para trabalhar na Pastoral Carcerária, pela missionária Heidi Cerneka e pelo Padre Valdir João da Silveira
Trabalhando como estagiário e depois como advogado na Pastoral Carcerária, conheceu, de perto, o sistema penitenciário brasileiro atendendo os presos, as presas e suas famílias. Interessou-se pelo estudo do sistema penitenciário, pelos direitos dos presos, passou a entendê-lo e querer mudá-lo.
Nesse tempo, 2009, cursou a Escola de Governo aprimorando seus estudos sobre a sociedade brasileira.
Após 3 anos de trabalho e convivência na Pastoral Carcerária, recebe convite para ir advogar em São Gabriel da Cachoeira, último município do Estado do Amazonas, fronteira com a Colômbia e a Venezuela.
Vai para a Amazônia, contratado como missionário leigo da CNBB Sul 1 e CNBB Norte1, em 28 de fevereiro de 2010, para colaborar como cidadão e advogado, com as comunidades ribeirinhas, com os povos indígenas e as questões ambientais.
Em março de 2010, chega ao município de São Gabriel da Cachoeira, município mais indígena do país, distante duas horas e meio de avião, ou 3 dias de barco da capital Manaus.
Passa a atuar como advogado da Diocese de São Gabriel da Cachoeria, junto do Bispo Dom Edson Damian, começando os trabalhos pelo que conhecia, visitando a delegacia e os presos.
Estuda os processos, e juntamente com o Bispo, propõe a liberdade dos presos que já teriam direito ao benefício, com o compromisso de frequentarem o trabalho na paróquia.
Junto com o vicentino Yves, seu amigo, arrecadava alimentos para as famílias pobres da cidade, passando a ter contato com os problemas sociais da população de origem indígena.
Participa de fóruns para a busca de soluções para os problemas da cidade junto com o Exército, Câmara Municipal, Prefeitura e instituições como o ISA-Instituto Sócio Ambiental e o FOIRN- Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.
Conheceu os problemas da cidade, como o alcoolismo dos indígenas, a falta de água potável, a falta de iluminação pública e o déficit nutricional da população local.
Em outra realidade, para atuar nas comunidades indígenas e ribeirinhas, percorria horas de barco, subindo o Rio Negro.
Como jovem advogado, era demandado para palestras sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, Conselhos Tutelares e Cidadania.
Tinha um programa de rádio que denominava “Samba e Cidadania”, onde tocava músicas de Leci Brandão, Cartola e Jorge Aragão.
Jogava futebol no torneio da cidade, pelo time Boa Esperança, time de indígenas pelo qual passou se apaixonou e quase se esquece do Corinthians.
Atuou e dançou, juntamente com Minnie, missionária leiga, numa peça teatral denominada “A morte da Marreca da Amazônia”, paródia à dança clássica O Cisne Negro.
Tomava aulas de Tukano e Nheengatú, língua dos indígenas da região, para melhor se comunicar com a população local. Ganhou de sua professora o apelido de Bucúcuri, que quer dizer coruja, na língua nheengatú.
Fazia atendimentos jurídicos à população carente, na sala da paróquia de São Gabriel da Cachoeira, todas as manhãs.
No dia 1º de junho de 2010, como fazia toda tarde, foi banhar-se nas águas do Rio Negro e foi levado por suas águas e se dissolveu na profusão da floresta amazônica.
Em sua missa de envio para São Gabriel da Cachoeira, pediu que cantassem a música de Mercedes Sosa que dizia: “Eu só peço a Deus, que a dor não me seja indiferente, que a morte não me encontre um dia, solitário sem ter feito o que eu queria…”
Em sua carta de despedida, que deixou como um verdadeiro testamento, fala também dos seus desejos de viver perto da natureza e recitava a música do sambista Candeia, cantada por Cartola:“deixe-me ir, preciso andar, vou por ai a procurar, sorrir pra não chorar. Quero assistir ao sol nascer, ver as águas do rio correr, ouvir os pássaros cantar, eu quero nascer, quero viver”.
Dom Edson Damian, disse sobre ele: “Pedro testemunhou que a vida não é um capital para ser acumulado, mas um dom de Deus para ser partilhado. Vida a serviço da vida dos pobres, dos Povos Indígenas para pagar-lhes a imensa dívida social que lhes devemos pelos massacres e genocídios perpetrados desde o “descobrimento”.
Sua mãe, na missa de corpo presente disse: “Meu filho morreu feliz no meio do rio, da floresta, entre os Povos Indígenas. Apesar de sua breve existência, ele soube viver tão intensamente que tenho a impressão de que ele viveu 100 anos em 27”.
Seus amigos cantaram em sua despedida a música de Geraldo Filmes: “Silêncio o sambista está dormindo, Ele foi, mas foi sorrindo, A notícia chegou quando anoiteceu; Escola eu peço o silêncio de um minuto; O Bixiga está de luto; O apito do Pato n’água emudeceu”
E hoje, a Comissão de Direitos Humanos da OAB- Seção São Paulo, presta a sua homenagem a ele, nominando sua sala, com o nome de Pedro Yamaguchi Ferreira, cuja evocação da alegria e da caridade, foram suas marcas como jovem advogado.
Fonte: OAB/SP