Tema: Direito Administrativo
Subtema: Serviços Sociais (Educação)
Tese: O Poder Judiciário pode autorizar o aluno formando a cursar todas as disciplinas faltantes para a conclusão do curso, ainda que haja disciplina com pré-requisito pendente ou outro obstáculo administrativo.
Aplicação: Pleito administrativo ou judicial em favor de aluno formando que não foi autorizado pela universidade a cursar todas as disciplinas necessárias para concluir o curso. Trata-se de tese jurídica aplicável aos casos em que o aluno formando ainda deve cursar disciplinas com pré-requisito pendente ou que enfrenta outro obstáculo administrativo.
Conteúdo da tese jurídica:
I. ALUNO FORMANDO. DIREITO DE CURSAR TODAS AS DISCIPLINAS FALTANTES PARA A CONCLUSÃO DO CURSO. JURISPRUDÊNCIA SÓLIDA.
O artigo 207 da Constituição Federal estabelece que “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Nada obstante a existência do prestigiado princípio da autonomia didático-científica e administrativa das universidades, algumas situações excepcionais admitem a intervenção do Poder Judiciário, notadamente para corrigir condutas desarrazoadas e desproporcionais, que acarretem dano ou perigo de dano aos seus alunos, técnicos ou professores.
Para o que interessa ao presente caso, registre-se que uma das clássicas situações no contexto universitário que se caracterizam como ilegais, porque desarrazoadas e desproporcionais, é precisamente a proibição de que um aluno formando curse as disciplinas faltantes para a conclusão do curso.
A jurisprudência brasileira é firme no sentido de que a universidade não deve atrasar a formatura do aluno concluinte, ainda que o pretendido impedimento decorra de alguma condição curricular, como a pendência de disciplinas com pré-requisitos também não cursados, ou mesmo de condição regimental, como o número máximo de disciplinas a serem cursadas no semestre pelo aluno.
Neste sentido, a fim de ilustrar a solidez da jurisprudência sobre o assunto, cite-se os seguintes excertos do recente Acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, publicado em fevereiro de 2019, que analisou detalhada e exaustivamente a questão:
É certo que este Tribunal Regional Federal, há tempos, reputa ilegítima a intervenção do Poder Judiciário em matéria adstrita à autonomia didática das Instituições de Ensino Superior (de cujo conteúdo se extrai a prerrogativa de estipular o calendário e o currículo acadêmicos), por força das disposições do artigo 207 da CRFB, inexistindo direito adquirido à conclusão do curso superior com base na grade curricular vigente à época do seu início. Entretanto, esta Corte vem excepcionando a análise de decisões das IES quando se trata de vedação à quebra de pré-requisito de alunos formandos. Pode ser considerado aluno formando aquele que demonstrar que, mediante a quebra dos pré-requisitos pretendida, possui expectativa de colação de grau no semestre em curso. Este é o entendimento desta Corte:
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA EM DISCIPLINA COM QUEBRA DE PRÉ-REQUISITO. ALUNO FORMANDO. SENTENÇA MANTIDA.
Em se tratando de aluno formando, é possível, em caráter excepcional, a quebra de pré-requisito de modo a viabilizar a sua graduação, no seu interesse e da sociedade, inclusive porque a medida não acarreta prejuízo à instituição de ensino. Precedentes deste Tribunal.”
(TRF4, RNEC 50106285620164047209, Rel. Des. Fed. Candido Alfredo Silva Leal Junior, juntado em 05/04/2017)
“ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. QUEBRA DE PRÉ-REQUISITO. ALUNO FORMANDO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.
1. Não desconheço do entendimento jurisprudencial pacificado, por mim, inclusive, adotado, segundo o qual o Judiciário não deve interferir na autonomia universitária, que assegura às universidades determinar os respectivos currículos e os pré-requisitos das disciplinas que compõem a grade curricular (artigo 207 da CF/88). Entretanto, verifico que essa regra vem sendo flexibilizada em situações peculiares e excepcionais, como por exemplo a do provável formando que por algum motivo específico não pode cursar as disciplinas faltantes antes, admitindo-se a matrícula em disciplinas subsequentes (quebra de pré-requisito), em atenção ao princípio da razoabilidade.
2. Ressalto que o presente caso não diz respeito exatamente a um pedido de quebra de pré-requisitos, mas de exceção ao regulamento interno da Universidade que admite aos alunos cursar até 2 disciplinas dos anos anteriores em regime de dependência, no turno inverso ao que frequenta. Contudo, observo que a organização curricular da Universidade é anual e não semestral. Assim, não me parece razoável que a impetrante tenha que ficar um ano a mais para colar grau pela pendência de apenas duas disciplinas, cujos pré-requisitos já foram superados. Ainda mais considerando as peculiaridades fáticas do caso, em que a estudante teve que atrasar seus estudos em razão do nascimento de seu segundo filho e de complicações no seu estado de saúde. E, ainda, que a medida não acarreta nenhum prejuízo a UFPel, tendo em vista que as matérias serão ofertadas, ainda que a autora não as curse.
3. Assim, já tendo sido reconhecido o direito da autora a cursar mais do que duas disciplinas de anos anteriores, alinha-se ao entendimento do juízo ad quem também autorizar a autora a cursar a disciplina parcialmente conflitante com Direito Civil IV – a saber, Direito Constitucional – pela aplicação do mesmo princípio da razoabilidade, uma vez que, conforme relatado, a autora é capaz de cumprir a carga horária mínima de cada matéria. Com isso, e diante da ausência de novos argumentos aptos a modificar o entendimento acima transcrito, tenho que deve ser confirmada a medida liminar, a fim de reconhecer-se, em definitivo, o direito da autora à matrícula.”
(TRF4, AC 50009234020164047110, Rel. Des. Fed. Marga Inge Barth Tessler, juntado aos autos em 04/07/2017)
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. QUEBRA DE PRÉ-REQUISITO. ALUNO FORMANDO. AUTONOMIA DIDÁTICO-CIENTÍFICA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. Em se tratando de aluno formando no último período, o princípio da razoabilidade, em que pese a existência do princípio da autonomia administrativa universitária insculpido na Constituição Federal, autoriza o deferimento de matrícula de disciplinas seqüenciais que deveriam ser cursadas segundo o sistema de pré-requisito, desde que não haja prejuízo para a universidade, tampouco, para a formação do aluno que continuará submetido ao critério de avaliação de aprendizagem da instituição“
(TRF4, APELREEX 5004866-02.2015.404.7110, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 13/12/2015)
Importante destacar, no entanto, que o sistema de pré-requisitos é implantado para dispor a grade curricular de modo didático, visando um encadeamento lógico do conhecimento, em atenção ao rendimento do aluno, e somente pode ser afastado em hipóteses excepcionais, quando o aluno se enquadrar na condição de formando e não houver incompatibilidade de horário entre as disciplinas que devem ser cursadas dentro do mesmo período letivo. No presente caso, ainda que não seja caso de quebra de pré-requisito, deve ser adotado o mesmo entendimento. Com efeito, não parece razoável, apenas em nome da autonomia universitária, obrigar acadêmico na condição de formando a frequentar a faculdade por mais tempo do que o previsto, com os prejuízos financeiros e profissionais daí advindos, independentemente dele ter sido reprovado, ou não, anteriormente em qualquer disciplina.
(TRF-4 – AG: 50047799420194040000 5004779-94.2019.4.04.0000, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 14/02/2019, TERCEIRA TURMA)
Diante de todo o exposto, é seguro concluir que o Requerente não pode ser prejudicado pelos obstáculos que lhe estão sendo impostos pela Instituição de Ensino Superior em questão. Portanto, com o apoio da sólida jurisprudência sobre o assunto, ilustrada no precedente acima, como o Requerente se qualifica como um aluno formando, deve ser reconhecido o seu direito de cursar todas as disciplinas faltantes para a conclusão do curso.
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