Tema: Direito Administrativo
Subtema: Servidor Público
Tese: É possível a acumulação de cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que resulte em carga horária superior a 60 horas, bastando a comprovação da compatibilidade de horários.
Aplicação: Pleito administrativo ou judicial para que reconhecimento da possibilidade de acumulação de cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde, ainda que a carga horária total seja superior a 60 horas, bastando a comprovação da compatibilidade de horários. A tese é construída a partir da deferência à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e pode ser utilizada tanto no âmbito administrativo como no judicial.
Conteúdo da tese jurídica:
I. ACUMULAÇÃO DE CARGOS COM CARGA HORÁRIA SUPERIOR A 60 HORAS. ADMISSÃO. COMPROVAÇÃO DA COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS.
Sabe-se que, em regra, os cargos públicos são inacumuláveis, conforme disposto no inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal. Ou seja: só é possível uma mesma pessoa ocupar um único cargo, sendo que, para ocupar outro, é preciso que seja devidamente exonerado do que ocupa atualmente.
No entanto, a própria disposição constitucional explicita exceções a regra geral. Vejamos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
Perceba-se que a Constituição estabelece somente dois critérios gerais que devem ser respeitados: (i) estar entre as profissões dispostas no rol de alíneas do inciso XVI e, ao mesmo tempo, (ii) comprovar a compatibilidade de horários.
No presente caso, é notório que o primeiro requisito foi devidamente preenchido, uma vez que se trata de profissionais da saúde com profissão devidamente regulamentada, subsumindo-se ao disposto na leta “c” do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal.
Além disso, foi devidamente comprovada a compatibilidade de horários, como demonstrado na documentação anexa.
Assim sendo, é irrelevante o fato de que as cargas horárias, quando somada, perfazem mais de 60 horas – bastando, tão somente, que seja demonstrada a compatibilidade de horários. E, diga-se, isto está mais do que demonstrado.
Este entendimento foi consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça após intenso debate, prevalecendo o entendimento decorrente dos estritos termos da Constituição, que estabeleceu como requisito apenas a compatibilidade de horárias. Vejam-se dois precedentes, destacando aquele que foi julgado, em abril de 2019, pela Primeira Seção do STJ:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS REMUNERADOS. ÁREA DA SAÚDE. LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. REQUISITO ÚNICO. AFERIÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES DO STF.
RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Primeira Seção desta Corte Superior tem reconhecido a impossibilidade de acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos privativos de profissionais da área de saúde quando a jornada de trabalho for superior a 60 (sessenta) horas semanais.
2. Contudo, ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, posicionam-se “[…] no sentido de que a acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais previsto em norma infraconstitucional, pois inexiste tal requisito na Constituição Federal” (RE 1.094.802 AgR, Relator Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 11/5/2018, DJe 24/5/2018).
3. Segundo a orientação da Corte Maior, o único requisito estabelecido para a acumulação é a compatibilidade de horários no exercício das funções, cujo cumprimento deverá ser aferido pela administração pública. Precedentes do STF.
4. Adequação do entendimento da Primeira Seção desta Corte ao posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
5. Recurso especial a que se nega provimento. [Grifou-se]
(STJ, REsp 1767955/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/03/2019, DJe 03/04/2019)
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS REMUNERADOS. ÁREA DA SAÚDE. LIMITAÇÃO DA CARGA HORÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. REQUISITO ÚNICO. AFERIÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
1. A Primeira Seção desta Corte Superior tem reconhecido a impossibilidade de acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos privativos de profissionais da área de saúde quando a jornada de trabalho for superior a 60 horas semanais.
2. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, posiciona-se “[…] no sentido de que a acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais previsto em norma infraconstitucional, pois inexiste tal requisito na Constituição Federal” (RE 1.094.802 AgR, Relator Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 11/5/2018, DJe 24/5/2018).
3. Segundo a orientação da Corte Maior, o único requisito estabelecido para a acumulação é a compatibilidade de horários no exercício das funções, cujo cumprimento deverá ser aferido pela administração pública. Precedentes.
4. Recurso especial a que se nega provimento.[1] [Grifou-se]
Aliás, em prestígio a este entendimento, o Tribunal de Contas da União decidiu em fevereiro de 2019, sobre a possibilidade de acumulação de cargos nas condições mencionadas acima:
9. De início, insta destacar que, com base na denominação dos cargos exercidos pelos interessados, a acumulação dessas ocupações é permitida. Tal situação encontra amparo na redação atual da alínea ‘c’, inciso XVI, do art. 37 da Constituição Federal de 1988, resguardada no período anterior à EC 19/98 pelo Art. 17, § 2º, do ADCT, uma vez que, tanto os cargos que os interessados exercem na União, quanto nas outras esferas, são privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
10. No que concerne às respostas encaminhadas pela Unidade Jurisdicionada, verificou-se que as escalas de horários dos vínculos são compatíveis.
[…]
23. Desse modo, com base nos Acórdãos 1.338/2011-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Augusto Nardes, e 1.168/2012-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro José Jorge, nos quais se firmou o entendimento de que a questão da incompatibilidade de horários entre os cargos acumuláveis deve ser estudada caso a caso, sem a limitação objetiva de 60 horas semanais, conclui-se que inexiste irregularidade nas admissões das interessadas.
24. Nota-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a exemplo dos julgamentos do MS 24.540/DF e do MS 26.085/DF, está alinhada às referidas decisões deste Tribunal, ou seja, a acumulação de cargos, para as situações permitidas constitucionalmente, está condicionada à compatibilidade de horários.
25. Portanto, com base no conjunto de verificações a que os atos foram submetidos não foi possível constatar qualquer óbice a apreciação pela legalidade, cabendo proposta para que sejam considerados legais.[2]
Em precedente paradigmático, assim decidiu o Supremo Tribunal Federal:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS NA ÁREA DE SAÚDE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIO. INCURSIONAMENTO NO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA 279 DO STF. INCIDÊNCIA.
1. A Constituição Federal autoriza a acumulação remunerada de dois cargos públicos privativos de profissionais da saúde quando há compatibilidade de horários. Precedente: RE 553.670-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, Dje 1º/10/2010.
2. A acumulação remunerada de cargos públicos, quando sub judice a controvérsia sobre a compatibilidade de horários, demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 desta Corte, a qual dispõe, verbis: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. Precedentes: RE 613.100-AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, Dje 26/5/2014, e ARE 773.327-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, Dje 20/11/2013.
3. In casu, o acórdão extraordinariamente recorrido assentou: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – Cumulação de dois cargos de fonoaudiólogo – Possibilidade – Incidência do art. 37, inc. XVI, alínea “c”, da CF – Incompatibilidade de horários – Ônus da Administração – Somatório das cargas horárias – Limitação à sessenta (60) horas semanais – Parecer GQ – 145, da AGU – Inaplicabilidade – Mandado de segurança – Concessão – 1) À luz do que dispõe o art. 37, inc. XVI, alínea “c” e § 2º, da Constituição da República, provada a compatibilidade de horários é possível a cumulação remunerada de dois cargos privativos de profissionais de saúde (fonoaudiólogo), ainda que um deles seja desempenhado na rede Estadual de Ensino – 2) Incumbe à Administração Pública o ônus de provar a incompatibilidade de horários, não sendo suficiente a simples menção ao montante das cargas horárias – 3) Segundo consolidado entendimento dos Tribunais Superiores, o Parecer GQ-145 da Advocacia Geral da União, que limita a carga horária dos servidores públicos federais a sessenta (60) horas semanais não tem força normativa e, por isso, não obsta a cumulação remunerada de cargos, quando presentes os requisitos autorizadores – 4) Segurança concedida”. 4. Agravo regimental DESPROVIDO.[3] [Grifou-se]
Pelo exposto, tendo sido cabalmente demonstrada a compatibilidade de horários e que se está frente a uma das hipóteses descritas no inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal, deve-se reconhecer o direito da parte autora de acumular os cargos para o qual foi aprovada em concurso público.
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[1] STJ – REsp: 1739789 AL 2018/0107495-0, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 16/08/2018, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2018
[2] TCU, Acórdão nº 1315/2019, Segunda Câmara, Relator Ministro André de Carvalho, julgado em 26/02/2019.
[3] STF – ARE: 823904 AP, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 30/09/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-203 DIVULG 16-10-2014 PUBLIC 17-10-2014