Tema: Direito Administrativo
Subtema: Concurso Público
Tese: Candidato aprovado simultaneamente às vagas reservadas e à ampla concorrência tem direito a ocupar a primeira vaga a ser preenchida.
Aplicação: Requerimento administrativo, petição inicial, réplica ou recursos judiciais para reconhecimento do direito de candidato aprovado simultaneamente, em concurso público, nas vagas reservadas e nas vagas destinadas à ampla concorrência de ocupar a primeira vaga a ser preenchida. Além da jurisprudência aplicável, a tese traz também considerações a partir da da Lei Federal nº 12.990/2014.
Conteúdo da tese jurídica:
I. CANDIDATO COM PONTUAÇÃO SUFICIENTE PARA FIGURAR NAS VAGAS DESTINADAS À AMPLA CONCORRÊNCIA, PORÉM EM POSIÇÃO RELATIVA INFERIOR À POSIÇÃO DA VAGA RESERVADA. DIREITO À NOMEAÇÃO NA PRIMEIRA VAGA PREENCHIDA.
A parte autora se candidatou e foi devidamente aprovada em concurso público. Embora a parte autora tenha se candidatado às vagas reservadas, alcançou nota suficiente para se classificar dentro das vagas destinadas à ampla concorrência, o que, supostamente, implicaria a sua exclusão das vagas reservadas e inclusão nas vagas destinadas à ampla concorrência.
Ocorre que, a partir de sua nota, comparando com as notas de classificação dos demais candidatos, resta claro que se fosse mantida na vaga reservada, a sua posição relativa seria muito superior à posição que se encontra após a inclusão na lista de ampla concorrência.
A lógica é a seguinte: se fosse mantida sua classificação na vaga reservada, seria convocada antes da posição atual em que se encontra na vaga destinada à ampla concorrência.
Este prejuízo vai de encontro à lógica da ação afirmativa, que objetiva justamente conceder um tratamento mais benéfico aos candidatos destinatários desta política. No caso, por ter alcançado uma boa nota, a parte autora restou prejudicada e, das duas, uma: ou será convocada tardiamente, em comparação com a convocação que teria se estivesse na sua posição da vaga reservada, ou sequer será convocada.
A propósito, cumpre registrar que o Estado Brasileiro promulgou o Estatuto da Igualdade Racial, em 2010, por meio da Lei Federal nº 12.288. Anos depois, com o objetivo de dar concretude ao disposto no Estatuto de Igualdade Racial, editou-se a Lei Federal nº 12.990/2014, a qual preve? a obrigatoriedade de adoc?a?o de ac?o?es afirmativas em concursos pu?blicos para provimento de cargos efetivos ou empregos pu?blicos da administrac?a?o pu?blica federal e suas respectivas entidades da administrac?a?o indireta.
As ac?o?es afirmativas foram desenhadas na forma de reserva de vagas na proporc?a?o de 20% do total das vagas ofertadas no respectivo concurso, conforme disposto no artigo 1º da Lei 12.990/20142 e devem estar previstas no edital de concurso, onde deve-se especificar o nu?mero de vagas ofertadas a? ampla concorre?ncia e o nu?mero aberto a candidatos negros.
Conforme disposto no art. 3º da Lei Federal nº 12.990/2014, os candidatos têm direito a concorrer às vagas de ampla concorrência e às vagas reservadas, observada a sua classificação:
Art. 3º Os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso.
Este trecho final do artigo é relevantíssimo para compreensão do caso. Quer-se dizer: se os candidatos aprovados nas vagas reservadas alcançarem uma nota alta o suficiente para que possa ser classificado nas vagas destinadas à classificação geral, ele deve ser realocado, desde que isso não gere uma perda de posição -, ou, nas palavras do legislador, de acordo com a sua classificação no concurso.
A título exemplificativo, veja-se a seguinte situação.
Se o candidato aprovado em primeiro lugar nas vagas reservadas tem nota para se classificar em primeiro lugar na ampla concorrência, deve-se realocá-lo para ampla concorrência, pois sua posição relativa no concurso seria superior nas vagas de ampla concorrência (deve-se considerar que os candidatos cotistas têm direito a 20% das vagas).
No entanto, se o candidato classificado em primeiro lugar, se realocado para as vagas de ampla concorrência, ficar classificado abaixo do 4º colocado, ele deve ser mantido nas vagas reservadas. Isso porque, já que são 20% de vagas reservadas a negros, a prática do concurso é de que sejam convocados quatro candidatos de ampla concorrência e um candidato negro.
Deste modo, no presente caso, considerando que a parte autora, ao ser deslocada para lista de ampla concorrência, ficou em situação “pior”, deve-se reconhecer seu direito a permanecer nas vagas reservadas.
Inclusive, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região adotou este raciocínio em precedente de março de 2019:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. INSURGÊNCIA CONTRA REGRAS EDITÁLICIAS. VAGAS DESTINADAS ÀS PESSOAS NEGRAS E PARDAS. LEI 12.990/2014. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ÓRGÃO PROMOTOR DO CERTAME. EXCLUSÃO DE CANDIDATO DAS VAGAS RESERVADAS. IMPOSSIBILIDADE. ART. 3º DA LEI 12.990/04. SENTENÇA MANTIDA.
1. O órgão promotor do certame é o responsável por determinar as diretrizes constantes no edital regrador do concurso público, sendo, por isso, parte legítima para integrar o polo passivo do mandado de segurança quando a insurgência for contra suposta ilegalidade constante no edital, sendo a banca examinadora mera executora das determinações emanadas da referida autoridade.
2. O art. 3º da Lei 12.990/2014 dispõe que os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, de acordo com a sua classificação no concurso.
3. A inteligência desse dispositivo deve ser compreendida com o sentido de que a nomeação do candidato negro ou pardo aprovado no certame deve ter realizada com base na melhor classificação por ele obtida para esse fim.
4. Ausência de razoabilidade na possibilidade de candidato aprovado com melhor classificação nas vagas reservadas ser preterido por outro com classificação inferior na mesma lista.
5. Compreensão de que o § 1º do art. 3º da Lei 12.990/14 visa apenas a garantir que o total final das vagas destinadas aos candidatos negros ou pardos será igual à soma do número desses candidatos aprovados pela ampla concorrência com a soma das vagas reservadas, mas sem possibilitar a indevida preterição do candidato que, aprovado em ambas as listas, terminaria sendo nomeado em momento posterior a outro candidato com colocação inferior à sua. 6. Remessa oficial e apelação a que se nega provimento.[1]
Diante do exposto, é de se reconhecer, o direito subjetivo da parte autora em ser mantida na melhor sua posição relativa, a qual, neste caso, configura-se como a posição alcançada na lista de vagas reservadas.
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[1] TRF-1, Apelação nº 1008444-97.2015.4.01.3400, Relator Des. ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA, 5ª Turma, julgado em 27 de março de 2019.