(TRF4, AC 18153/SC, Rel. Alcides Vettorazzi, j. 05/12/2000)
“EVENTUS DAMNI” E O “CONSILIUM FRAUDIS” DEMONSTRADOS. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO FRENTE AO CREDOR. CABIMENTO.
1. Toda a estrutura científica da fraude pauliana alicerça-se na consecução de dois elementos: o “eventus damni” e o “consilium fraudis”. O “eventus damni”, segundo Silvio Rodrigues, é todo o ato prejudicial ao credor, quer por tornar o devedor insolvente, quer por ter sido realizado em estado de insolvência.
2. O “consilium fraudis”, elemento subjetivo da fraude contra credores, não mais se confunde hoje com a má-fé. Ou seja, não tem mais relevância o “animus nocendi”. Para a sua configuração, basta a simples “scientia damni”, vale dizer, a consciência do devedor de que seu ato prejudicará o credor. Isso posto, nada impede a existência de fraude sem premeditação.
3. O ordenamento brasileiro entre prestigiar o direito creditório e alguém de boa-fé, em contrato oneroso, outorgou proteção ao terceiro de boa-fé.
4. Nessa linha de raciocínio, os bens alienados em fraude contra credores seriam considerados bens alheios enquanto não anulado o ato fraudulento. Uma vez decretada a anulabilidade do negócio, eles retornariam ao patrimônio do obrigado, não ensejando, assim, outro caso de responsabilidade sem débito.
6. Partindo da distinção entre os planos de validade e de eficácia dos atos jurídicos, vemos que a doutrina pátria não vem inserindo a fraude contra credores no plano adequado e, em função disso, acaba atribuindo à ação pauliana efeitos divorciados dos que lhe são reconhecidos pelo direito comparado.
9. Desse modo, no contexto dessa corrente tradicional de pensamento, somente a sentença desconstitutiva prolatada em ação pauliana teria o condão de ensejar o retorno dos bens alienados de modo fraudulento ao patrimônio do devedor, restabelecendo, com isso, a garantia geral dos credores.
11. Nessa linha de raciocínio, se a compra e venda for anulada por sentença pauliana e, posteriormente, o bem for penhorado, caso o devedor, ou alguém por ele, saldar a dívida sob execução, a penhora será levantada e o bem será liberado em benefício exclusivo do devedor.
12. Isso posto, podemos concluir que da própria prática jurídica nos chegam lições que, de tão absurdas, terminam afastando por completo a possibilidade de se atribuir à fraude contra credores a natureza de defeito invalidante do negócio jurídico.
14. É fato notório e incontroverso de que o réu Gilmar Valduga encontrava-se insolvente quando da transferência do imóvel, eis que a própria apelante reconhece expressamente em suas razões recursais.
15. Em 31 de janeiro de 1994 (fls. 45/48), celebrou, em comum acordo, mediante Escritura Pública de Divisão Amigável a posse e eventual direito sobre o imóvel consistente na matrícula nº 3.709, transmitindo ao seu pai e seus irmãos, parte ideal do terreno supramencionado.
16. Resta comprovado o evento objetivo da fraude -“eventus damni – , consistente no prejuízo decorrente do estado de insolvência por parte do devedor, comprovado pelos extratos de sua conta corrente (fls. 17/20), que demonstra plenamente sua insolvência, eis que passou, a partir de 11/93, a negativar sua conta, emitindo vários cheques sem provisão de fundos, obtendo em 28-12-93 um débito de CR$ 11.120.351,28.
18. Pela perícia efetivada, constata-se que houve depreciação no valor do imóvel após a divisão engendrada pela família Valduga, eis que diminuiu o valor patrimonial do devedor insolvente.
19. Apelação improvida
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