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00005 APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.70.00.069048-9/PR
RELATOR : Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
APELANTE : RADIO E TELEVISAO CANAL 29 DO PARANA LTDA/
ADVOGADO : Marcelo Henrique de Campos Silva
APELANTE : PORTO DE CIMA RADIO E TELEVISAO LTDA/
ADVOGADO : Adriano Daleffe
APELADO : (Os mesmos)
APELADO : UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO : Luis Antonio Alcoba de Freitas
APELADO : RADIO E TELEVISAO ROTIONER LTDA/
ADVOGADO : Adriana Goncalves
REMETENTE : JUÍZO SUBSTITUTO DA 02A VF DE CURITIBA
EMENTA
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. CONCESSÃO DE RÁDIO-DIFUSÃO. REQUISITOS. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA.
IMPROVIMENTO DOS RECURSOS.
1. O cerne da argumentação da autora, muito embora também se insurja contra outros vícios na habilitação da ré CANAL 29, é uma
suposta tentativa desta última em escamotear a concorrência. Segundo a autora, a ré CANAL 29, antiga SESAL, foi vendida aos
controladores da empresa ROTIONER no curso da licitação. Em termos práticos, segundo a autora, houve fraude na licitação na
medida em que um mesmo grupo apresentou propostas por intermédio de duas empresas diferentes.
Pelo que dos autos consta, a tese da autora tinha vingado no cerne da administração, como se vê na contestação da UNIÃO. Em uma
primeira análise do caso, a Administração entendera pela impossibilidade de serem aceitas as modificações contratuais(fls. 433/434):
“(…) As irregularidades cometidas pela empresa proponente são consideradas insuperáveis do ponto de vista jurídico, econômico e
principalmente legal, levando-se em conta que alterar, por emplo, as pessoas naturais componentes do quadro societário, impõe
uma nova configuração às pretensões originais do concorrente, uma vez que esses sócios entrantes não atenderam às exigências do item 5, do Edital, no que se refere às certidões, entre outros requisitos e, por isto, torna-se inviável a permanência da empresa
proponente no certame, pois nada se aferiu dessas pessoas, o que deforma por completo a situação da sociedade, em comparação à
data da sessão inaugural da licitação.
Torna-se pois, insustentável a continuidade do proponente na licitação, considerando-se que a Terceira e Quinta alterações do
contrato social, ocorreram em datas subseqüentes à da reunião de recebimento da documentação de habilitação e das propostas, ou
seja, dita reunião foi realizada dia 17 de março de 1998 e as citadas alterações em 26 de março de 2001 e 06 de junho de 2002,
respectivamente.
O gravame maior, é o fato do Sr. Luiz Guilherme Gomes Mussi, sócio-gerente da Concorrente Rádio e Televisão Rotioner Ltda.,
possuir, também, poderes de gestão na empresa Sesal Comunicação e Informática Ltda, figurando como assistente do sócio e filho,
Guilherme Pimentel Mussi, conforme se verifica da quinta alteração contratual, acostada aos autos, fls. 229.
Cabe ressaltar que a Administração não pode celebrar contratos com pessoa jurídica em cujo quadro societário figure pessoa
natural sem capacidade jurídica para comerciar, e eventualmente não emancipada, que é o caso do sócio Guilherme Pimentel
Mussi, que está investido de funções na empresa, que configura claramente o controle das atividades gerais da empresa SESAL
Comunicação e Informática Ltda., pela Rádio e Televisão Rotioner Ltda., contrariando os termos do Anexo II do Edital.
Esta constatação configura como verdadeiro proprietário o Sr. Luis Guilherme Gomes Mussi, sócio-gerente da concorrente Rádio e
Televisão Rotioner Ltda, detentora de concessão do mesmo serviço, na cidade de Curitiba-PR, concorrência nº 110/97-SFO/MC,
contrariando frontalmente o Art. 12, do Decreto-Lei nº 236/67.
Assim, restou comprovada a participação do Sr. Luis Guilherme Gomes Mussi, no quadro societário de diferentes empresas, na
mesma concorrência, para a mesma localidade e serviço, ferindo, portanto, o caráter da livre concorrência e o princípio da
competitividade da licitação, previsto no Art. 3º, §1º, inciso I, da Lei 8.666/93.”
Ao contrário do que defendeu a ré CANAL 29, não está aqui a se julgar o direito de uma mesma família deter mais de uma
concessão de serviço de radiodifusão. Em tese, o Juízo entende que tal deveria ser de fato assim – evitar-se-iam os infindáveis
problemas que a concentração de um tal poder de mídia representa. Aliás, a Constituição Federal de 1988(CF/88) contém dispositivo
expresso contra a concentração do setor – o art. 220, §5º, assim redigido: “Os meios de comunicação social não podem, direta ou
indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”. Se, atualmente, são infindáveis os emplos em contrário, que uma mesma
família controle várias emissoras, demonstra, no mínimo, o esquecimento do princípio pela Administração. Aliás, é realmente
irônico, como demonstrado pela ré CANAL 29, que a própria autora esteja nessa situação.
Não, o que aqui se discute é a conduta dos licitantes nesta concorrência. Um deles teve sua composição societária alterada no curso
do processo administrativo, de modo coincidir o seu controle com o de uma outra participante. A alegação de que a procuração
outorgada a um dos sócios da ROTIONER, genitor de um dos sócios do CANAL 29, possuía apenas poderes para transferência de
cotas sociais busca apenas fazer divergir o foco da situação. Com efeito, tenta-se encobrir a tentativa, frustrada porque descoberta
pelos demais licitantes, de fazer com que um mesmo grupo tivesse duas propostas na mesma concorrência. Logo, a decisão
administrativa que reformou aquela acima transcrita operou rematado equívoco(fls. 854).
Houve flagrante violação de princípio basilar da concorrência, qual seja, o da moralidade. MARÇAL JUSTEN FILHO(in
Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 9ª ed., São Paulo: Dialética, 2002. p. 68/69) apresenta as seguintes
considerações acerca do tema:
“(…)Na licitação, a conduta moralmente reprovável acarreta a nulidade do ato ou do procedimento. Existindo imoralidade,
afasta-se a aparência de cumprimento à lei ou ao ato convocatório. A conduta do administrador público deve atentar para o
disposto na regra legal e nas condições do ato convocatório. Isso é necessário, mas não suficiente, para validade dos atos.
A moralidade e a probidade administrativa são princípios de conteúdo inespecífico, que não podem ser explicados de modo
eustivo. A explicitação, nesse ponto, será sempre aproximativa. Extrai-se a intenção legislativa de que a licitação seja norteada
pela honestidade e seriedade. Exige-se a preservação do interesse público acima do egoístico interesse dos participantes da
licitação ou da mera obtenção de vantagens econômicas pela própria Administração.
Os princípios aplicam-se tanto à conduta do agente da Administração como à dos próprios licitantes.”
O fato de o representante do CANAL 29 e da ROTIONER serem o mesmo na abertura das propostas é mais que um indício, é a
confirmação do malferimento do princípio. E pouco importa se ato foi ou não juridicamente inócuo – o que esse ato demonstra é a
real confusão de interesses entre as duas empresas.
Outro ponto da defesa é o fato de a alteração contratual ter sido, posteriormente, desfeita – ou seja, ter sido a empresa novamente
repassada aos antigos proprietários. Por ter sido posterior, o ato não apaga o que dantes ocorreu. Apenas ilustra o malogro da
tentativa, e demonstra, quando muito, o arrependimento tardio.
Destarte, a ação é procedente para declarar nula a habilitação da ré CANAL 29, e, portanto, desqualificá-la do certame.
Por outro lado, descabe ao Poder Judiciário suprir o ato administrativo da outorga da concessão, o qual é privativo do Eutivo e que, face à procedência da ação que desqualificou uma das concorrentes, deverá realizar novo julgamento, observado o
preenchimento das normas do edital e, somente então, proceder-se-á à assinatura do contrato administrativo.
Com efeito, quando do julgamento do RMS nº 19.309-PR, deliberou a Suprema Corte, verbis:
“Concorrência pública. Nulidade. A anulação da primeira proposta não permite atribuir a concessão ao segundo colocado.
Inexistência de nulidade. Não provimento ao recurso.” (In RTJ 48/96).
Em seu voto, disse o Relator, o eminente e saudoso Ministro THEMISTOCLES CAVALCANTI, verbis:
“(…)
A verdade, porém, é que a inabilitação do concorrente vencedor não basta para atribuir a concessão à recorrente.
E: verdade que essa inabilitação permitiria reabrir a concorrência, tanto mais que ela satisfez a concorrência.
Poder-se-ia conceder o mandado para anular a concorrência, reconhecendo a lesão do direito subjetivo da recorrente impetrante ?
O pedido é feito com dois objetivos:
a) eluir da concorrência a proposta nula;
b) reconhecer o direito da recorrente imediatamente situada.
Em mandado de segurança, não posso, segundo me parece, anular a decisão da concorrência, para eluir um dos concorrentes e
ainda menos, julgar a concorrência para atribuir a concessão a determinado concorrente.
A única solução possível seria a anulação da concorrência, para que fosse aberta nova concorrência, se tivesse havido,
efetivamente, irregularidade que prejudicasse direito subjetivo do impetrante, provado que um dos concorrentes não atendeu à
exigência do edital.
(In RIU 48/597-8 )
Nesse sentido, ainda, RE nº 101.732-PA, rel. Min. Carlos Madeira, in RTJ 117/233.
Da mesma forma, adotando a orientação da Suprema Corte, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, ao
julgar o MS nº 1.396, in JC 49/473, verbis:
“Mandado de Segurança. Concorrência pública. Anulação de decisão visando a classificação e adjudicação da obra à impetrante.
Impossibilidade. Não conhecimento.
Em mandado de segurança não se pode anular decisão de concorrência pública para eluir um dos concorrentes e, ainda menos,
julgar a concorrência para atribuir a concessão a determinado participante.”
No julgado acima transcrito, há referência a parecer do Professor MIGUEL REALE, publicado na RDA 57/465-6, que bem emina
a questão, verbis:
“Muito menos poder-se-á admitir que os concorrentes preteridos possam lograr êxito recorrendo ao remédio do mandado de
segurança.
Em primeiro lugar, não é o referido writ cabível na espécie, consoante acórdão do venerando Supremo Tribunal Federal
acompanhando voto vencedor do Ministro Afrânio da Costa que assim situou o problema:
Haverá direito líquido e certo para anular urra concorrência pública porque a autoridade incumbida da escolha preferiu um dos
concorrentes ao invés de outro ?
Evidentemente que não. O que está em causa não é a concorrência nas a escolha feita pela autoridade dita como coatora.”
2. Improvimento das apelações e da remessa oficial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, negar provimento às apelações e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2007.