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00001 APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.71.99.005645-3/RS
RELATORA : Juíza Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH
APELANTE : FUNDACAO HOSPITALAR DE IBIACA
ADVOGADO : Romoaldo Pelissaro
APELADO : INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO : Joao Ernesto Aragones Vianna
EMENTA
TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE. ENTIDADE FILANTRÓPICA. CONCEITO. CONTRIBUIÇÕES
SOCIAIS. ART. 195, § 7º, DA CF/88. ART. 55 DA LEI 8.212/91. LEI COMPLEMENTAR VERSUS LEI ORDINÁRIA. POSIÇÃO
ECLÉTICA. PRECEDENTES DO STF. POSIÇÃO CONSOLIDADA NA CORTE ESPECIAL DESTE TRIBUNAL. DIREITO
ADQUIRIDO. LEI N.º. 3.577/59. MANUTENÇÃO. PROVA PERICIAL. NECESSIDADE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.
1. No julgamento da ADIn 2028, o STF se posicionou sobre quais são as entidades abrangidas pela imunidade do art. 196, §7º, da
CF, afirmando que elas são aquelas beneficentes de assistência social, não estando restrito o preceito, portanto, às instituições
filantrópicas. Indispensável, é certo, que se tenha o desenvolvimento da atividade voltada aos hipossuficientes, àqueles que, sem
prejuízo do próprio sustento e o da família, não possam se dirigir aos particulares que atuam no ramo buscando lucro, dificultada que
está, pela insuficiência de estrutura, a prestação do serviço pelo Estado.
2. A cláusula inscrita no art. 195, §7º, da Carta Política – não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a
Seguridade Social – contemplou com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que preenchidos os requisitos fios em
lei. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, §7º, da Constituição
da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades
beneficentes de assistência social.
3. Dispondo o referido § 7º do artigo 195 da Constituição Federal sobre limitação constitucional ao poder de tributar, cumpre a sua
regulamentação à lei complementar, nos precisos termos do inciso II do artigo 146 da mesma Constituição.
4. Confirma essa regra o entendimento que compatibiliza o seu enunciado com a possibilidade de veiculação por lei ordinária das
exigências específicas para o alcance às entidades beneficentes de assistência social do benefício de dispensa do pagamento de
contribuições sociais para a Seguridade Social, na forma do já mencionado § 7º do artigo 195 da Constituição Federal.
5. Assim, fica reservado o trato a propósito dos limites do benefício de dispensa constitucional do pagamento do tributo, com a
definição do seu objeto material, mediante a edição de lei complementar, pertencendo, de outra parte, à lei ordinária o domínio
quanto às normas atinentes à constituição e ao funcionamento das entidades beneficiárias do favor constitucional.
6. Constitucionalidade dos artigos 55 da Lei n.º 8.212/91, 5º da Lei n.º 9.429/96, 1º da Lei n.º 9.528/97 e 3º da MP n.º 2.187/01, o
primeiro na sua integralidade e os demais nos tópicos em que alteraram a redação daquele, os quais versam sobre os requisitos
necessários à fruição do benefício constitucional de dispensa do pagamento de contribuições sociais para a Seguridade Social,
contemplado no § 7º do artigo 195 da Constituição Federal em favor das entidades beneficentes de assistência social. Recente
jurisprudência do Elso Supremo Tribunal Federal, bem como da Colenda Corte Especial deste Tribunal (Incidente De Argüição
De Inconstitucionalidade na AC N.º 2002.71.00.005645-6/RS, Rel. Des. Federal Dirceu De Almeida Soares, Rel. para acórdão Desª.
Federal Marga Inge Barth Tessler, D.E. Publicado em 29/03/2007).
7. Ainda tomando-se por base a corrente intermediária adotada pelo Egrégio STF e pela Colenda Corte Especial deste Regional,
também é possível concluir-se que a necessidade de obtenção e renovação dos certificados de entidade de fins filantrópicos é
requisito formal para a constituição e funcionamento das entidades e, portanto, constitui matéria que pode ser tratada por lei
ordinária. Precedente desta Turma.
8. Dois são os regimes – no tempo – dos requisitos legais ao reconhecimento da imunidade prevista no art. 195, §7º, da CF/88. O
primeiro deles foi recepcionado pelo constituinte de 1988, como expressamente previsto na Lei 8.212/91, e pressupõe um direito
adquirido à imunidade consoante a Lei 3.577/79. O segundo regime, posterior e atual, é aquele disposto na própria Lei 8.212/91.
9. O artigo 1º da Lei n. 3.577, de 04.07.59, prescrevia que “ficavam isentas da ta de contribuição de previdência aos Institutos de
Cais de Aposentadoria e Pensões as entidades de fins filantrópicos reconhecidas como de utilidade pública, cujos membros de
suas diretorias não percebam remuneração”. Destarte, era necessário para que a uma entidade filantrópica fosse reconhecida imune
ao pagamento da cota patronal o seu prévio reconhecimento de utilidade pública (à época de vigência da Lei 3.577/59) somado à
ausência de remuneração da diretoria da entidade. O reconhecimento de utilidade pública a que se refere tal lei é ato pressuposto e já
deveria estar incorporado ao patrimônio da entidade para ser considerado adquirido, motivo pelo qual não cabe ao Poder Judiciário,
agora, proceder na análise de tal mérito para suprir retroativamente o ato na via judicial. As entidades filantrópicas e beneficentes de
assistência social, reconhecidas como de utilidade pública federal, de acordo com a legislação pertinente (Lei 3.577/59) e
anteriormente à promulgação do Decreto-lei n.º 1.572, de 01/09/77, têm direito adquirido à imunidade tributária e, em conseqüência,
ao Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos. E resta claro que a entidade ao tempo da Lei 3.577/99 já deveria ter sido
reconhecida de utilidade pública. Caso contrário, após o Decreto-lei 1.572/77 não teria mais direito à imunidade consoante a Lei
3.577/59 submetendo-se, então, a novel legislação sobre a matéria.
10. A 1ª Seção do STJ vem entendendo, de forma reiterada, que as entidades filantrópicas constituídas anteriormente à edição do
Decreto-Lei 1.572/77 e que preencham os requisitos estatuídos na Lei 3.577/79 têm, à luz da norma inscrita no art. 55, § 1º, primeira
parte, da Lei 8.212/91, direito adquirido à manutenção do reconhecimento à imunidade tributária confinada no art. 195, § 7º, da
Carta Política. A respeito do Decreto-lei n.º. 752/93, é impossível à autoridade administrativa restringir a eficácia da regra
constitucional contida no art. 195, § 7º, da CF/88, como já proclamou o pretório elso, intérprete maior da Carta Política. A
imunidade conferida em lei com resguardo na Constituição Federal jamais poderia ser revogada por decreto, o que iria ferir o
princípio da hierarquia das leis, notadamente no caso concreto em que o decreto não se reveste da natureza de regulamento
autônomo.
11. Nesse contexto, atendidos os requisitos exigidos na Lei 3.577/59, anteriormente à sua revogação pelo Decreto-Lei 1.572/77, é de
se reconhecer, em consonância com a orientação perfilhada pela Corte responsável pela uniformização da interpretação da lei
federal, o direito à imunidade anteriormente obtida. Impende enfatizar, por oportuno, que o reconhecimento do direito à fruição da
benesse fiscal capitulada no art. 55 da Lei 8.212/91 condiciona-se à manutenção do preenchimento dos requisitos exigidos na Lei
3.577/79 e no Decreto-Lei 1.572/79. Noutras palavras, apresenta-se rebus sic stantibus.
12. No caso de a entidade beneficente não demonstrar o seu direito adquirido consoante a Lei 3.577/79 e o Decreto-Lei 1.572/79,
terá, então, que se submeter ao regime atual de concessão, previsto na Lei 8.212/91 e seus regulamentos. Esclareça-se que a
mudança desses requisitos, pretendida pelo art. 1º da Lei n.º 9.732/98, regulamentada pelo Decreto n.º 3.039/99, foi objeto de
controle abstrato de constitucionalidade, já havendo pronunciamento do STF a respeito do assunto. Com efeito, decidiu o STF no
julgamento da medida cautelar na ADI n.º 2.028-5 (Rel. Ministro Moreira Alves, DJU, ed. 16.06.2000) por suspender a eficácia do
art. 1º da Lei n.º 9.732/98, na parte que alterou a redação do art. 55, III, da Lei n.º 8.212/91 e acrescentou-lhes os §§ 3º, 4º e 5º, bem
como dos arts. 4º, 5º e 7º, todos do citado diploma legal. Dessa forma, é o art. 55 da Lei n.º 8.212/91, na sua redação original, que
deve ser observado para fruição da imunidade prevista no art. 195, § 7º, da Constituição Federal.
13. Da análise dos documentos dos autos, não há juntada de todos os documentos, bem como não resta uma conclusão contábil ou
financeira sobre o verdadeiro percentual dos serviços ao SUS em gratuidade, isto é, ainda não está demonstrado que a parte autora
preenche todos os requisitos para reconhecimento de seu direito adquirido consoante a Lei 3.577/79 e o Decreto-Lei 1.572/79.
Etamente por esse motivo, é que a entidade embargante requereu no juízo a quo a produção de ampla prova (inclusive a pericial).
Portanto, não há como saber se, materialmente, há o preenchimento do requisito da gratuidade (60%). A prova pericial é, nesses
termos, imprescindível à resolução da lide.
14. Anulação da sentença para reabertura da fase de instrução, com oportunidade da produção de ampla prova, inclusive a pericial,
conforme requerido pela embargante. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de outubro de 2007.