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AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 905.725 – SP
(2006/0260751-7)
R E L ATO R : MINISTRO LUIZ FUX
AGRAVANTE : UNIBANCO UNIÃO DE BANCOS BRASILEIROS
S/A E OUTRO
ADVOGADO : LEO KRAKOWIAK E OUTRO(S)
AGRAVANTE : FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR : DJEMILE NAOMI KODAMA E OUTRO(S)
AGRAVADO : OS MESMOS
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL.
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO
POR HOMOLOGAÇÃO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO/
COMPENSAÇÃO. ARTIGO 3º, DA LEI COMPLEMENTAR
118/2005. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO.
ARTIGO 4º, DA LC 118/2005. DETERMINAÇÃO DE
APLICAÇÃO RETROATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL.
RESERVA DE PLENÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO FINSOCIAL.
COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. SUCESSIVAS MODIFICAÇÕES
LEGISLATIVAS. LEI 8.383/91. LEI 9.430/96. LEI
10.637/02. REGIME JURÍDICO VIGENTE À ÉPOCA DA PROPOSITURA
DA DEMANDA. LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE.
INAPLICABILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL.
TAXA SELIC. APLICAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535
DO CPC. INOCORRÊNCIA.
1. O prazo prescricional das ações de compensação/repetição de indébito,
do ponto de vista prático, deve ser contado da seguinte forma:
relativamente aos pagamentos efetuados a partir da vigência da Lei
Complementar 118/2005 (09.06.05), o prazo para se pleitear a restituição
é de cinco anos a contar da data do recolhimento indevido; e
relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao
regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo
de cinco anos a contar da vigência da novel lei complementar.
2. Isto porque a Corte Especial declarou a inconstitucionalidade da
expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da
Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”,
constante do artigo 4º, segunda parte, da Lei Complementar
118/2005 (AI nos ERESP 644736/PE, Relator Ministro Teori Albino
Zavascki, julgado em 06.06.200).
3. Deveras, a norma inserta no artigo 3º, da lei complementar em tela,
indubitavelmente, cria direito novo, não configurando lei meramente
interpretativa, cuja retroação é permitida, consoante apregoa doutrina
abalizada:
“Denominam-se leis interpretativas as que têm por objeto determinar,
em caso de dúvida, o sentido das leis existentes, sem introduzir
disposições novas. {nota: A questão da caracterização da lei interpretativa
tem sido objeto de não pequenas divergências, na doutrina.
Há a corrente que exige uma declaração expressa do próprio
legislador (ou do órgão de que emana a norma interpretativa), afirmando
ter a lei (ou a norma jurídica, que não se apresente como lei)
caráter interpretativo. Tal é o entendimento da AFFOLTER (Das
intertemporale Recht, vol. 22, System des deutschen bürgerlichen
Uebergangsrechts, 1903, pág. 185), julgando necessária uma Auslegungsklausel,
ao qual GABBA, que cita, nesse sentido, decisão de
tribunal de Parma, (…) Compreensão também de VESCOVI (Intorno
alla misura dello stipendio dovuto alle maestre insegnanti nelle scuole
elementari maschili, in Giurisprudenza italiana, 1904, I,I, cols.
1191, 1204) e a que adere DUGUIT, para quem nunca se deve
presumir ter a lei caráter interpretativo – “os tribunais não podem
reconhecer esse caráter a uma disposição legal, senão nos casos em
que o legislador lho atribua expressamente” (Traité de droit constitutionnel,
3a ed., vol. 2o, 1928, pág. 280). Com o mesmo ponto de
vista, o jurista pátrio PAULO DE LACERDA concede, entretanto, que
seria egero exigir que a declaração seja inseri da no corpo da
própria lei não vendo motivo para desprezá-la se lançada no preâmbulo,
ou feita noutra lei.
Encarada a questão, do ponto de vista da lei interpretativa por
determinação legal, outra indagação, que se apresenta, é saber se,
manifestada a explícita declaração do legislador, dando caráter interpretativo,
à lei, esta se deve reputar, por isso, interpretativa, sem
possibilidade de análise, por ver se reúne requisitos intrínsecos, autorizando
uma tal consideração.
(…)
… SAVIGNY coloca a questão nos seus precisos termos, ensinando:
“trata-se unicamente de saber se o legislador fez, ou quis fazer uma
lei interpretativa, e, não, se na opinião do juiz essa interpretação está
conforme com a verdade” (System des heutigen romischen Rechts,
vol. 8o, 1849, pág. 513). Mas, não é possível dar coerência a coisas,
que são de si incoerentes, não se consegue conciliar o que é inconciliável.
E, desde que a chamada interpretação autêntica é realmente
incompatível com o conceito, com os requisitos da verdadeira
interpretação (v., supra, a nota 55 ao n° 67), não admira que se
procurem torcer as conseqüências inevitáveis, fatais de tese forçada,
evitando-se-lhes os perigos. Compreende-se, pois, que muitos autores
não aceitem o rigor dos efeitos da imprópria interpretação. Há quem,
como GABBA (Teoria delta retroattività delle leggi, 3a ed., vol. 1o,
1891, pág. 29), que invoca MAILHER DE CHASSAT (Traité de la
rétroactivité des lois, vol. 1o, 1845, págs. 131 e 154), sendo seguido
por LANDUCCI (Trattato storico-teorico-pratico di diritto civile
francese ed italiano, versione ampliata del Corso di diritto civile
francese, secondo il metodo dello Zachariæ, di Aubry e Rau, vol. 1o
e único, 1900, pág. 675) e DEGNI (Linterpretazione della legge, 2a
ed., 1909, pág. 101), entenda que é de distinguir quando uma lei é
declarada interpretativa, mas encerra, ao lado de artigos que apenas
esclarecem, outros introduzido novidade, ou modificando dispositivos
da lei interpretada. PAULO DE LACERDA (loc. cit.) reconhece ao
juiz competência para verificar se a lei é, na verdade, interpretativa,
mas somente quando ela própria afirme que o é. LANDUCCI (nota 7
à pág. 674 do vol. cit.) é de prudência manifesta: “Se o legislador
declarou interpretativa uma lei, deve-se, certo, negar tal caráter
somente em casos extremos, quando seja absurdo ligá-la com a lei
i n t e r p re t a d a , quando nem mesmo se possa considerar a mais errada
interpretação imaginável. A lei interpretativa, pois, permanece tal,
ainda que errônea, mas, se de modo insuperável, que suplante a mais
aguda conciliação, contrastar com a lei interpretada, desmente a
própria declaração legislativa.” Ademais, a doutrina do tema é pacífica
no sentido de que: “Pouco importa que o legislador, para
cobrir o atentado ao direito, que comete, dê à sua lei o caráter
interpretativo. É um ato de hipocrisia, que não pode cobrir uma
violação flagrante do direito” (Traité de droit constitutionnel, 3ª ed.,
vol. 2º, 1928, págs. 274-275).” (Eduardo Espínola e Eduardo Espínola
Filho, in A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, Vol.
I, 3a ed., págs. 294 a 296).
4. Consectariamente, em se tratando de pagamentos indevidos efetuados
antes da entrada em vigor da LC 118/05 (09.06.2005), o prazo
prescricional para o contribuinte pleitear a restituição do indébito, nos
casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, continua
observando a cognominada tese dos cinco mais cinco, desde que, na
data da vigência da novel lei complementar, sobejem, no máximo,
cinco anos da contagem do lapso temporal (regra que se coaduna com
o disposto no artigo 2.028, do Código Civil de 2002, segundo o qual:
“Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código,
e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido
mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.”).
5. Por outro lado, ocorrido o pagamento antecipado do tributo após a
vigência da aludida norma jurídica, o dies a quo do prazo prescricional
para a repetição/compensação é a data do recolhimento
indevido.
6. In casu, os pagamentos indevidos ocorreram no período de outubro
de 1989 a junho de 1991, tendo sido a ação ajuizada em 29.08.1996
(muito antes da entrada em vigor da novel lei complementar), pretendendo
o reconhecimento de parcelas indevidamente recolhidas a
título de FINSOCIAL , o que, nos termos dos artigos 168, I, e 150,
§ 4º, do CTN, revela inequívoca a inocorrência da prescrição, porquanto
tributo sujeito a lançamento por homologação, cuja prescrição
opera-se 5 (cinco) anos após expirado o prazo para aquela atividade.
7. A compensação, posto modalidade extintiva do crédito tributário
(artigo 156, do CTN), exsurge quando o sujeito passivo da obrigação
tributária é, ao mesmo tempo, credor e devedor do erário público,
sendo mister, para sua concretização, autorização por lei específica e
créditos líquidos e certos, vencidos e vincendos, do contribuinte para
com a Fazenda Pública (artigo 170, do CTN).
8. A Lei 8.383, de 30 de dezembro de 1991, ato normativo que, pela
vez primeira, versou o instituto da compensação na seara tributária,
autorizou-a apenas entre tributos da mesma espécie, sem exigir prévia
autorização da Secretaria da Receita Federal (artigo 66).
9. Outrossim, a Lei 9.430, de 27 de dezembro de 1996, na Seção
intitulada “Restituição e Compensação de Tributos e Contribuições”,
determina que a utilização dos créditos do contribuinte e a quitação
de seus débitos serão efetuadas em procedimentos internos à Secretaria
da Receita Federal (artigo 73, caput), para efeito do disposto
no artigo 7º, do Decreto-Lei 2.287/86.
10. A redação original do artigo 74, da Lei 9.430/96, dispõe: “Observado
o disposto no artigo anterior, a Secretaria da Receita Federal,
atendendo a requerimento do contribuinte, poderá autorizar a
utilização de créditos a serem a ele restituídos ou ressarcidos para a
quitação de quaisquer tributos e contribuições sob sua administração”.
11. Consectariamente, a autorização da Secretaria da Receita Federal
constituía pressuposto para a compensação pretendida pelo contribuinte,
sob a égide da redação primitiva do artigo 74, da Lei
9.430/96, em se tratando de tributos sob a administração do aludido
órgão público, compensáveis entre si.
12. A Lei 10.637, de 30 de dezembro de 2002 (regime jurídico
atualmente em vigor) sedimentou a desnecessidade de equivalência da
espécie dos tributos compensáveis, na esteira da Lei 9.430/96, a qual
não mais albergava esta limitação.
13. Em conseqüência, após o advento do referido diploma legal,
tratando-se de tributos arrecadados e administrados pela Secretaria da
Receita Federal, tornou-se possível a compensação tributária, independentemente
do destino de suas respectivas arrecadações, mediante
a entrega, pelo contribuinte, de declaração na qual constem informações
acerca dos créditos utilizados e respectivos débitos compensados,
termo a quo a partir do qual se considera extinto o crédito
tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação, que
se deve operar no prazo de 5 (cinco) anos.
14. Deveras, com o advento da Lei Complementar 104, de 10 de
janeiro de 2001, que acrescentou o artigo 170-A ao Código Tributário
Nacional, agregou-se mais um requisito à compensação tributária
a saber:
“Art. 170-A. É vedada a compensação mediante o aproveitamento de
tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do
trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.”
15. Entrementes, a Primeira Seção desta Corte consolidou o entendimento
de que, em se tratando de compensação tributária, deve
ser considerado o regime jurídico vigente à época do ajuizamento da
demanda, não podendo ser a causa julgada à luz do direito superveniente,
tendo em vista o inarredável requisito do prequestionamento,
viabilizador do conhecimento do apelo extremo, ressalvando-
se o direito de o contribuinte proceder à compensação dos
créditos pela via administrativa, em conformidade com as normas
posteriores, desde que atendidos os requisitos próprios (EREsp
488992/MG).
16. In casu, a empresa recorrente ajuizou a ação ordinária em
29.08.1996, pleiteando a compensação de valores recolhidos indevidamente
a título de FINSOCIAL com as contribuições vincendas
devidas a título de CSSL.
17. Consectariamente, à época do ajuizamento da demanda, vigia a
Lei 8.383/91 que admitia a compensação apenas entre tributos e
contribuições da mesma espécie, sem a exigência de prévia autorização
da Secretaria da Receita Federal, sendo cediço, na Primeira
Seção, que o FINSOCIAL e a COFINS possuíam a mesma natureza
jurídico-tributária, destinando-se, ambas, ao custeio da Previdência
Social. Assente ainda que não são compensáveis os indébitos do
FINSOCIAL com os valores devidos a título de CSSL, de contribuição
destinada ao PIS, de contribuições previdenciárias e, muito
menos, de impostos (EREsp 78301/BA; e EREsp 89038/BA).
18. Os valores recolhidos indevidamente devem sofrer a incidência de
juros de mora aplicados no percentual de 1% (um por cento) ao mês,
com incidência a partir do trânsito em julgado da decisão, sendo os
juros pela Ta SELIC incidentes somente a partir de 01º.01.96, por
isso que, se a decisão ainda não transitou em julgado, aplica-se, a
título de juros moratórios, apenas a Ta SELIC, à luz do pedido e da
data da vigência da referida norma.
19. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem,
embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre
a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado
a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os
fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.
20. Recurso especial da FAZENDA NACIONAL parcialmente provido
para afastar o direito de a empresa recorrida compensar o indébito
de FINSOCIAL com a CSSL. E recurso especial das contribuintes
provido para determinar a aplicação da ta SELIC. (CPC,
artigo 557, § 1º-A).
21. Agravos regimentais improvidos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da PRIMEIRA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar
provimento aos agravos regimentais, nos termos do voto do Sr. Ministro
Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki (Presidente),
Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília (DF), 11 de dezembro de 2007(Data do Julgamento)