STF

Informativo nº 841 do STF

Brasília, 26 a 30 de setembro de 2016

Data de divulgação: 10 de outubro de 2016

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a publicação do acórdão no Diário da Justiça.

Sumário

Plenário

Uso estatal de valores sob disputa judicial e conflito legislativo

ISSQN e redução da base de cálculo

Repercussão Geral

Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento – 2

Direito à saúde e medicamento sem registro na Anvisa – 2

Administração de planos de saúde e incidência de ISSQN – 3

1ª Turma

CNJ: provimento de serventias extrajudiciais e segurança jurídica – 2

Honorários recursais e não apresentação de contrarrazões ou contraminuta

2ª Turma

Roubo: pena-base no mínimo legal e regime inicial fechado

Repercussão Geral

Clipping do DJe

Transcrições

Concurso público e restrição à tatuagem (RE 898.450/SP)

Inovações Legislativas

Outras Informações

 

Plenário

Uso estatal de valores sob disputa judicial e conflito legislativo

O Plenário, por maioria, referendou medida acauteladora em ação direta de inconstitucionalidade para suspender o andamento de todos os processos em que se discuta a constitucionalidade da Lei 21.720/2015 do Estado de Minas Gerais, assim como os efeitos de decisões neles proferidas, até o julgamento definitivo da ação.

A lei impugnada determina que os depósitos judiciais em dinheiro, tributários e não tributários, realizados em processos vinculados ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), sejam utilizados para o custeio da previdência social, o pagamento de precatórios e assistência judiciária e a amortização da dívida com a União.

No caso, o Estado-Membro havia ajuizado ação ordinária perante o TJMG com o objetivo de compelir o Banco do Brasil a dar consequências práticas à lei adversada. O pedido antecipatório havia sido acolhido com determinação de bloqueio e transferência de valores à conta do Executivo mineiro, sob pena de multa diária.

O STF ponderou que o tema de fundo, relativo ao aproveitamento, pelas unidades federadas, dos valores sob disputa judicial que estejam temporariamente submetidos à custódia das instituições financeiras, é objeto de controvérsia. Nesse sentido, há substanciosos contrastes entre a lei estadual em debate e a Lei Complementar 151/2015. O mais evidente deles diz respeito à natureza dos depósitos judiciais passíveis de transferência à conta única do Estado-Membro. A lei federal apenas autoriza o levantamento de valores objetos de depósitos vinculados a processos em que os entes federados sejam parte, enquanto a lei mineira contém autorização mais generosa, que se estende a todos os processos vinculados à Corte local. Além disso, a norma estadual permite que a transferência chegue a compreender, no primeiro ano de vigência, o equivalente a 75% do valor total dos depósitos. Tais discrepâncias geram cenário de insegurança jurídica.

Ademais, o Colegiado constatou que dissídios com semelhante gravidade têm sido noticiados em outras unidades federadas, em virtude de incompatibilidades entre a disciplina estadual da matéria e aquela estipulada pela LC 151/2015.

Tendo em vista o cenário de instabilidade criado pela exigibilidade imediata da lei atacada, a contrariedade do diploma com o regime estabelecido pela LC 151/2015, o risco para o direito de propriedade dos depositantes que litigam na Corte local e a predominância da competência legislativa da União para prover sobre depósitos judiciais e suas consequências, o Tribunal referendou a decisão cautelar.

Por fim, esclareceu que a medida acauteladora tem eficácia meramente prospectiva a partir da sua prolação em sede monocrática, ocorrida em 29-10-2015, destinando-se a inibir, daí em diante, a prática de novos atos e a produção de novos efeitos nos processos judiciais suspensos. A decisão , todavia, não autoriza nem determina a modificação do estado dos fatos então existente, nem a invalidação, o desfazimento ou a reversão de atos anteriormente praticados no processo suspenso, ou dos efeitos por eles já produzidos.

Vencido, no ponto, o ministro Marco Aurélio, por não referendar a liminar como pleiteada e implementar com eficácia “ex nunc”, desde a data dessa assentada, a medida acauteladora para suspender a eficácia da lei impugnada.

ADI 5353 MC-Ref/MG, rel. min. Teori Zavascki, julgamento em 28-9-2016. (ADI-5353)

ISSQN e redução da base de cálculo

É inconstitucional lei municipal que veicule exclusão de valores da base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) fora das hipóteses previstas em lei complementar nacional. Também é incompatível com o texto constitucional medida fiscal que resulte indiretamente na redução da alíquota mínima estabelecida pelo art. 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a partir da redução da carga tributária incidente sobre a prestação de serviço na territorialidade do ente tributante.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, conheceu em parte de arguição de descumprimento de preceito fundamental, converteu o exame do referendo da cautelar em julgamento de mérito e, na parte conhecida, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 190, § 2º, II; e 191, § 6º, II, e § 7º, da Lei 2.614/1997, do Município de Estância Hidromineral de Poá, Estado de São Paulo.

No caso, a lei impugnada excluiu da base de cálculo do ISSQN os seguintes tributos federais: a) Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ); b) Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL); c) Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep); e d) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

Preliminarmente, o Tribunal, por decisão majoritária, reconheceu violação ao preceito fundamental da forma federativa de Estado em sua respectiva dimensão fiscal. Verificou, ainda, a presença do requisito da subsidiariedade, uma vez que não se vislumbra qualquer outra ação constitucional com aptidão para evitar lesão ao preceito supracitado.

Reputou que a arguição não poderia ser conhecida em sua inteireza, pois  a autora apenas apresentou impugnação específica dos arts. 190, § 2º, II; e 191, § 6º, II, e § 7º, da Lei 2.614/1997 do Município de Poá.  Os demais dispositivos apontados não deveriam ser conhecidos, diante da patente ausência de fundamentação jurídica. Além disso, a Corte afirmou que a ação estava perfeitamente aparelhada para o julgamento definitivo da controvérsia, com as informações prestadas, sendo desnecessário revisitar a matéria novamente.

O ministro Marco Aurélio ficou vencido quanto a essas preliminares. Manifestou-se pela inadequação da via eleita. Para ele, o fato de um Município disciplinar a base de cálculo do ISSQN, tendo em conta o que entenda como receita bruta, não põe em risco o pacto federativo. Ademais, teria sido ajuizada ação direta de inconstitucionalidade contra a referida norma municipal perante o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Assim, não se teria observado o art. 4º, § 1º, da Lei 9.882/1999 (“Não será admitida arguição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”). Por fim, concluiu que a ADPF foi incluída em pauta com antecedência mínima de cinco dias úteis, como preconizado pelo novo Código de Processo Civil, para apreciar-se tão somente a liminar implementada pelo relator e não para chegar-se ao exame definitivo. Dessa forma, o processo não estaria aparelhado para julgamento.

Quanto ao mérito, a Corte constatou vícios de inconstitucionalidade formal e material, a partir de dois argumentos centrais: a usurpação da competência da União para legislar sobre normas gerais em matéria de legislação tributária e a ofensa à alíquota mínima estabelecida para o tributo em questão pelo poder constituinte no art. 88 do ADCT.

O Plenário enfatizou que a lei municipal não poderia definir base de cálculo de imposto, visto tratar-se de matéria reservada à lei complementar, conforme preceitua o art. 146, III, “a”, da CF (“Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes”).

Na hipótese, a lei impugnada estabelece que o ISSQN incide sobre o preço do serviço, o que exclui os tributos federais relativos à prestação de serviços tributáveis e o valor do bem envolvido em contratos de arrendamento mercantil. Assim, ao cotejar a lei atacada, o Decreto-Lei 406/1968 e a Lei Complementar 116/2003, percebe-se a invasão de competência por parte do Município em relação às competências da União, o que caracteriza vício formal de inconstitucionalidade.

No âmbito da inconstitucionalidade material, também haveria violação ao art. 88, I e II, do ADCT, incluído pela EC 37/2002. Tal normativo fixou alíquota mínima para os fatos geradores do ISSQN, assim como vedou a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, que resultasse, direta ou indiretamente, na redução da alíquota mínima estabelecida. Logo, a norma impugnada representa afronta direta ao mencionado dispositivo constitucional, pois reduz a carga tributária incidente sobre a prestação de serviço a um patamar vedado pelo poder constituinte.

O ministro Marco Aurélio ficou vencido quanto ao mérito. Para ele, a lei municipal apenas explicitou a base de incidência de tributo da respectiva competência normativa.

Por fim, o Tribunal deliberou que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade teriam como marco inicial a data do deferimento da cautelar.

ADPF 190/SP, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 29-9-2016. (ADPF-190)

 

Repercussão Geral

Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento – 2

O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute o dever de o Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave sem condições financeiras para comprá-lo.

No caso, o Estado-Membro havia sido condenado a fornecer medicação para tratamento de doença grave. Na decisão judicial atacada, o ente havia alegado que privilegiar o atendimento de um único indivíduo comprometeria políticas de universalização do serviço de fornecimento de fármacos, em prejuízo dos cidadãos em geral.  Dessa forma, debilitaria investimentos nos demais serviços de saúde e em outras áreas, como segurança e educação. Além disso, violaria a reserva do possível e a legalidade orçamentária — v. Informativo 839.

O ministro Marco Aurélio (relator) aditou o voto proferido na sessão anterior. Ele propôs a seguinte tese: o reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em política nacional de medicamentos ou em programa de medicamentos de dispensação em caráter excepcional, constante de rol dos aprovados, depende da demonstração da imprescindibilidade (adequação e necessidade), da impossibilidade de substituição, da incapacidade financeira do enfermo e da falta de espontaneidade dos membros da família solidária em custeá-lo, respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.649 a 1.710 do Código Civil e assegurado o direito de regresso.

Para o relator, a existência de familiar possuidor de meios para prover os custos do remédio, sem prejuízo de vida econômica normal e gratificante, poderia ser apontada como fato extintivo do direito pleiteado. Porém, tal condição é mitigada pelo condomínio de obrigações da União, dos Estados, dos Municípios e da família inerente à matéria.

Então, considerando-se o fator tempo, vital em questões relativas à saúde, e presumindo-se que haja familiar em situação econômico-financeira suficiente a proporcionar o remédio, se o Estado for acionado em Juízo, este deverá alegar o fato e requerer, ante o direito de regresso, a citação do familiar abastado e omisso. Afinal, ausente a espontaneidade do familiar, incumbe ao Estado atuar em nome da coletividade, sem prejuízo dos consectários legais. Descabe, a pretexto de ter-se membro da família com capacidade econômico-financeira de prover certo medicamento, eximir-se pura e simplesmente da obrigação de fornecê-lo, portanto.

Por fim, o ministro rememorou que o Estado-Membro recorrente havia silenciado quanto à integração da União na relação processual no polo passivo. Seria, portanto, impossível ressuscitar essa matéria. Esclareceu, ainda, que o recurso extraordinário havia sido analisado com base nas causas de pedir versadas pelo recorrente.

Em voto-vista, o ministro Roberto Barroso desproveu o recurso extraordinário em face da incorporação, no curso do processo, do medicamento em questão pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Afirmou que, no caso de demanda judicial, o Estado estaria obrigado a fornecer medicamento incorporado pelo SUS. Em tais circunstâncias, caberia ao Judiciário apenas efetivar as políticas públicas já formuladas no âmbito do sistema de saúde. Nessa hipótese, deve-se exigir apenas que o requerente comprove: a) a necessidade do fármaco; e b) a prévia tentativa de sua obtenção pela via administrativa.

Já no caso de demanda judicial por medicamento não incorporado pelo SUS, inclusive de alto custo, o Estado não pode ser, como regra geral, obrigado a fornecê-lo. Não há sistema de saúde que resista a um modelo em que todos os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiro, devam ser oferecidos pelo Estado a todas as pessoas. É preciso, tanto quanto possível, reduzir e racionalizar a judicialização da saúde, bem como prestigiar as decisões dos órgãos técnicos, conferindo caráter excepcional à dispensação de medicamentos não incluídos na política pública.

Segundo consignou, para o deferimento, pelo Poder Judiciário, de determinada prestação de saúde, cinco requisitos cumulativosdevem ser observados: a) a incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; b) a demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; c) a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; d) a comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e e) a propositura da demanda necessariamente em face da União, já que a ela cabe a decisão final sobre a incorporação ou não de medicamentos ao SUS.

Propôs, ainda, a observância de um parâmetro procedimental: a realização de diálogo interinstitucional entre o Poder Judiciário e os entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, a exemplo das câmaras e dos núcleos de apoio técnico em saúde dos tribunais, além dos profissionais do SUS e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). O diálogo, inicialmente, serviria para aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento. Em um segundo momento, no caso de deferimento judicial do fármaco, determinaria que os órgãos competentes (CONITEC e Ministério da Saúde) avaliassem a possibilidade de sua incorporação ao SUS, mediante manifestação fundamentada.

O ministro Edson Fachin deu parcial provimento ao recurso. Acolheu a alegação de que o Estado-Membro recorrente não poderia ser condenado a custear sozinho o medicamento, por tratar-se de dispensação excepcional. Ressaltou que haveria a necessidade de a União compor o polo passivo da ação. Afirmou ser o direito à saúde assegurado a todos na Constituição. Enfatizou, também, haver direito subjetivo às políticas públicas de assistência à saúde, configurando-se violação a direito individual líquido e certo a sua omissão ou falha na prestação, quando injustificada a demora em implementá-la.

Para o ministro, as tutelas condenatórias visando à dispensa de medicamento ou tratamento ainda não incorporado à rede pública devem ser, preferencialmente, pleiteadas em ações coletivas ou coletivizáveis, de forma a conferir-se máxima eficácia ao comando de universalidade que rege o direito à saúde. A tutela de prestação individual não coletivizável deve ser excepcional. Desse modo, para seu implemento, é necessário demonstrar não apenas que a opção diversa à disponibilizada pela rede pública decorre de comprovada ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente para o seu caso, mas também que há  medicamento ou tratamento eficaz e seguro, com base nos critérios da medicina baseada em evidências.

Para aferir tais circunstâncias na via judicial, propôs os seguintes parâmetros: a) prévio requerimento administrativo, que pode ser suprido pela oitiva de ofício do agente público por parte do julgador; b) subscrição realizada por médico da rede pública ou justificada impossibilidade; c) indicação do medicamento por meio da Denominação Comum Brasileira ou DCI – Internacional; d) justificativa da inadequação ou da inexistência de medicamento ou tratamento dispensado na rede pública; e e) laudo, formulário ou documento subscrito pelo médico responsável pela prescrição, em que se indique a necessidade do tratamento, seus efeitos, e os estudos da medicina baseada em evidências, além das vantagens para o paciente, comparando-o, se houver, com eventuais fármacos ou tratamentos fornecidos pelo SUS para a mesma moléstia.

Na espécie, o acórdão recorrido deixou nítida a conclusão de ser devida a dispensa do medicamento não incorporado em virtude da efetiva necessidade de manutenção da vida da autora, da inexistência de substituto na rede pública e do fato de ela não ostentar condições de adquiri-lo.

Por fim, em obediência ao princípio da segurança jurídica, propôs serem preservados os efeitos das decisões judiciais prolatadas nas instancias ordinárias que versem sobre questão constitucional submetida à repercussão geral, inclusive as sobrestadas até a data deste julgamento.

Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Teori Zavascki.

RE 566471/RN, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 28-9-2016. (RE-566471)

Direito à saúde e medicamento sem registro na Anvisa – 2

O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute o dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — v. Informativo 839.

O ministro Marco Aurélio (relator) aditou o voto proferido na sessão anterior e propôs a seguinte tese: O Estado está obrigado a fornecer medicamento registrado na Anvisa, como também o passível de importação, sem similar nacional, desde que comprovada a indispensabilidade para a manutenção da saúde da pessoa, mediante laudo médico, e tenha registro no país de origem.

 Rememorou que, na assentada anterior, havia concluído no sentido da impossibilidade de ter-se a obrigatoriedade do Estado de fornecer medicamento não aprovado pela Anvisa.

Assim se manifestou a partir do disposto no art. 12 da Lei 6.360/1976 (“Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”). A parte final do preceito sinaliza a necessidade de registro do remédio em órgão público. Porém, quando editada a lei, a Anvisa não estava encarregada de realizar o registro, segundo o próprio regulamento (Decreto 3.029/1999).

O ministro esclareceu que a formalidade legal é atendida pela manifestação da Anvisa. Dessa forma, é preciso levar em consideração não só os registros específicos verificados como também o teor da Resolução RDC 8/2014 da Anvisa, a “autorizar a importação de medicamentos constantes na lista de medicamentos liberados em caráter excepcional destinados unicamente a uso hospitalar ou sob prescrição médica, cuja importação esteja vinculada a uma determinada entidade hospitalar e/ou entidade civil representativa ligadas à área de saúde, para seu uso exclusivo, não se destinando à revenda ou ao comércio”.

A resolução estabelece, ainda, critérios para a inclusão de fármacos na lista de medicamentos liberados à importação em caráter excepcional, desde que siga as cautelas constantes da própria resolução. Uma vez enquadrado o remédio no que nela previsto, tem-se o cumprimento da exigência legal.

Sob o ângulo da inexistência do medicamento no Brasil, a resolução, ao versar regras para inclusão de remédios na lista para importação em caráter excepcional, o faz da seguinte forma: a) indisponibilidade do medicamento no mercado brasileiro; b) ausência de opção terapêutica para a indicação pleiteada; c) comprovação de eficácia e segurança do medicamento por meio de literatura técnico-científica indexada; d) comprovação de que o medicamento apresenta registro no país onde está sendo comercializado, na forma farmacêutica, com via de administração, concentração e indicação terapêutica requerida. O parágrafo único do art. 3º do ato normativo prevê, ainda, a exclusão do remédio constante de lista de liberados para importação excepcional se ele não atender a qualquer dos critérios de inclusão.

O ministro Marco Aurélio também ponderou que o art. 12 da Lei 6.360/1976 é explícito ao vedar a industrialização, a exposição à venda ou a entrega ao consumo de medicamento sem que antes haja o registro. Norma proibitiva deve ser considerada tal como se contém. Nesse sentido, foge ao alcance situação concreta, respaldada em laudo médico, a revelar necessário, indispensável à saúde, certo remédio, sem similar nacional, devidamente registrado no país de produção. Nesse caso, independentemente de constar ou não da lista de que cogita a resolução da Anvisa (RDC 8/2014), o Estado está compelido a cobrir o custo de importação do fármaco designado comumente como órfão.

Conclusão diversa implica submeter a sobrevivência do ser humano a ato estritamente formal (deliberação da Anvisa no sentido da inserção na lista de importação autorizada). Pois não se trata de industrialização ou comercialização, mas de atendimento a necessidade maior, individualizada, de pessoa acometida por doença rara. Em geral, nessas situações, o produto somente é encontrado em país de desenvolvimento técnico-científico superior, e o paciente não deve nem pode ficar à míngua.

Desse modo, com ou sem autorização da Anvisa, haja vista não ser o caso de industrialização ou comercialização no território brasileiro, e sim de importação excepcional para uso próprio, individualizado, cumpre ao Estado viabilizar a aquisição.

O ministro Roberto Barroso, em voto-vista, deu parcial provimento ao recurso, para determinar o fornecimento do medicamento pleiteado, já que, no curso da ação, ele foi registrado na Anvisa e incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para dispensação gratuita. Segundo o ministro, como regra geral, o Estado não pode ser obrigado a fornecer, por decisão judicial, medicamentos não registrados na Anvisa. Trata-se de um meio para garantir proteção à saúde pública, atestado de eficácia, segurança e qualidade dos fármacos comercializados no País, além de assegurar o devido controle de preços.

No caso de medicamentos experimentais, sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes, não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Estado a fornecê-los. Isso não interfere com a dispensação desses fármacos no âmbito de programas de testes clínicos, acesso expandido ou de uso compassivo, sempre nos termos da regulamentação aplicável.

No caso de medicamentos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos, mas ainda sem registro na Anvisa, seu fornecimento por decisão judicial assume caráter absolutamente excepcional e somente poderá ocorrer na hipótese de irrazoável mora da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior a 365 dias). Ainda nessa situação, porém, será preciso que haja prova do preenchimento cumulativo de três requisitos: a) pedido de registro do medicamento no Brasil; b) registro do medicamento pleiteado em renomadas agências de regulação no exterior; e c) inexistência de substituto terapêutico registrado na Anvisa. Ademais, haja vista que o pressuposto básico da obrigação estatal é a mora da agência, as ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.

O ministro Edson Fachin proveu integralmente o recurso extraordinário para determinar à parte recorrida o fornecimento imediato do medicamento pleiteado. Para ele, há, nos autos, notícia do registro do fármaco em questão, assim como de sua inclusão no âmbito da política de assistência à saúde. Portanto, há direito subjetivo da recorrente de obter o referido remédio.

Segundo o ministro, a definição do direito à saúde como demanda ética à equidade não conduz a outra resposta que não o reconhecimento de garantias de um mínimo existencial e de efetiva participação. Essa garantia, materializada na atuação do Poder Judiciário, impõe que se realize de modo não cumulativo: a) controle de legalidade, vale dizer, não deve haver erro manifesto na aplicação da lei nem pode existir abuso de poder; b) controle da motivação, ou seja, aferir se as razões do ato regulatório foram claramente indicadas, estão corretas e conduzem à conclusão a que chegou a Administração Pública; c) controle da instrução probatória da política pública regulatória, isto é, exigir que a produção de provas, no âmbito regulatório, seja exaustiva, a ponto de enfrentar uma situação complexa; e d) controle da resposta em tempo razoável, o que impõe à agência o dever de decidir sobre a demanda regulatória que lhe é apresentada, no prazo mais expedito possível (CF, art. 5º, LXXVIII).

Em caso de descumprimento dos parâmetros de controle da atuação da regulação, o Poder Judiciário deve garantir a participação. Pode, para tanto, determinar que o tema seja novamente apreciado ou que haja manifestação da Administração Pública sobre as situações pontuais que não foram objeto de deliberação. A participação garante, portanto, que a demanda dos cidadãos seja oposta à comunidade científica e por ela apreciada em devida conta. Não autoriza a validar como regra medicamento ou procedimento não reconhecido pela agência. Há, porém, exceção: demonstração, em juízo, do descumprimento dos controles fixados para a política regulatória.

Em seguida, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Teori Zavascki.

RE 657718/MG, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 28-9-2016. (RE-657718)

Administração de planos de saúde e incidência de ISSQN – 3

As operadoras de planos privados de assistência à saúde (plano de saúde e seguro-saúde) prestam serviço sujeito ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), previsto no art. 156, III, da CF.

Esse é o entendimento do Plenário, que, em conclusão de julgamento e por maioria, negou provimento a recurso extraordinário em que se discutia a incidência da referida exação relativamente às atividades de administração de planos de saúde.

No caso, segundo o acórdão recorrido, seria possível a incidência de ISSQN sobre a referida atividade. Afinal, não se resumiria a repasses de valores aos profissionais conveniados, mas configuraria real obrigação de fazer em relação aos usuários, não se podendo negar a existência de prestação de serviço. Sustentava-se a existência de violação aos arts. 153, V, e 156, III, da CF. Somado a isso, ressaltava que a principal atividade das empresas de seguro consistiria em obrigação de dar, e não de fazer, o que afastaria a incidência do tributo — v. Informativo 830.

O Colegiado afirmou que o aspecto primordial para a compreensão da incidência do ISSQN encontra-se no enquadramento do conceito de “serviço”. Apenas as atividades assim classificadas — à luz da materialidade constitucional do mencionado conceito (CF, art. 156, III) — seriam passíveis de atrair a obrigatoriedade do imposto, previsto na Lei Complementar 116/2003. Nesse sentido, o STF, no julgamento do RE 547.245/SC (DJE de 5-3-2010), entendera não haver, na matéria, um primado do Direito Privado; pois, sem dúvida, seria viável que o Direito Tributário — e primordialmente o Direito Constitucional Tributário — adotasse conceitos próprios. Desse modo, a possibilidade de o Direito Tributário elaborar conceitos específicos decorreria, em última análise, do fato de ser direito positivo. Assim, os conceitos conotados por seus enunciados poderiam identificar-se com aqueles consagrados em dispositivos já vigentes, embora essa identidade não seja imprescindível. Nem mesmo a necessidade de proceder-se à exegese rigorosamente jurídica do texto constitucional implicaria a inexorável incorporação, pela Constituição, de conceitos infraconstitucionais.

Com efeito, o art. 110 do Código Tributário Nacional (CTN) (“A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”) não veicula norma de interpretação constitucional. Não seria possível elaborar interpretação autêntica da Constituição a partir do legislador infraconstitucional, na medida em que esse não poderia balizar ou direcionar o intérprete do próprio texto constitucional. O referido dispositivo do CTN não tem a amplitude conferida por sua interpretação literal.

Nesse sentido, legislação infraconstitucional não poderia alterar qualquer conceito jurídico —do Direito Privado ou não — ou extrajurídico — da Economia ou de qualquer ramo do conhecimento — utilizado pelo constituinte para definir competências tributárias. Portanto, ainda que a contraposição entre obrigações de dar e de fazer para dirimir o conflito de competência entre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) fosse utilizada no âmbito do Direito Tributário, novos critérios de interpretação progressivamente teriam ganhado espaço.

O Tribunal asseverou, ainda, que a chamada “Constituição Tributária” deve ser interpretada de acordo com o pluralismo metodológico, abrindo-se para a interpretação segundo variados métodos, desde o literal até o sistemático e teleológico. Por isso, os conceitos constitucionais tributários não são fechados e unívocos, devendo-se recorrer também aos aportes de ciências afins para a sua exegese, como a Ciência das Finanças, a Economia e a Contabilidade. Dessa sorte, embora os conceitos de Direito Civil exerçam papel importante na interpretação dos conceitos constitucionais tributários, eles não exaurem a atividade interpretativa, conforme assentado no julgamento do precedente acima referido.

A doutrina é uníssona no sentido de que a Constituição, ao dividir as competências tributárias, valera-se eminentemente de tipos, e não de conceitos. Portanto, os elencos dos arts. 153, 155 e 156 da CF consistem em tipos; pois, do contrário, o emprego de lei complementar seria desnecessário para dirimir conflitos de competência, consoante a previsão do art. 146, I, da CF. Apesar de a Constituição usar de linguagem tipológica e potencialmente aberta, esse posicionamento jurídico não conduz a que a lei complementar possa dispor livremente sobre os impostos previstos na Constituição. No entanto, a lista de serviços veiculada pela LC 116/2003 tem caráter taxativo, contraponto ao conceito econômico de serviços, que possui razoável abertura semântica.

Essa contraposição confere segurança jurídica ao sistema, num país onde se decidiu atribuir competência tributária aos Municípios. Consequentemente, o STF, no julgamento do RE 547.245/SC, ao permitir a incidência do ISSQN nas operações de “leasing” financeiro e “leaseback”, sinalizou que a interpretação do conceito de “serviços” no texto constitucional tem um sentido mais amplo do o conceito de “obrigação de fazer”. Portanto, “prestação de serviços” não tem por premissa a configuração dada pelo Direito Civil. É conceito relacionado ao oferecimento de uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades imateriais, prestado com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugado ou não à entrega de bens ao tomador.

Igualmente e tendo em conta as premissas expostas, a natureza jurídica securitária alegada pelas operadoras de planos de saúde para infirmar a incidência do ISSQN não indica fundamento capaz de afastar a cobrança do tributo no caso. Diferentemente dos seguros-saúde, nos planos de saúde, a garantia oferecida é somente a utilidade obtida mediante a contratação do respectivo plano, o que não exclui o fato de as atividades por elas desempenhadas — operadoras de plano de saúde e operadoras de seguro-saúde — serem “serviço”. Nesse sentido, o ISSQN deve incidir sobre a comissão, assim considerada a receita auferida sobre a diferença entre o valor recebido pelo contratante e o repassado para os terceiros prestadores dos serviços médicos.

Vencido o ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso. Para ele, não incidiria ISSQN nas atividades desenvolvidas pelas operadoras de plano de saúde na intermediação entre o usuário e os profissionais de saúde, ante a inexistência de obrigação de fazer (prestação de serviço médico ou hospitalar).

RE 651703/PR, rel. min. Luiz Fux, julgamento em 29-9-2016. (RE-651703)

 

Primeira Turma

CNJ: provimento de serventias extrajudiciais e segurança jurídica – 2

A Primeira Turma concluiu julgamento e, por maioria, denegou a ordem em mandado de segurança impetrado contra ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que havia negado seguimento a recurso administrativo cujo objetivo era desconstituir decisão mediante a qual havia sido elaborada lista de serventias extrajudiciais vagas.

Na espécie, o impetrante foi nomeado, em 12-8-1993, para o cargo de tabelião, após prestar concurso público. Posteriormente, em 20-9-1993, mediante permuta, passou a titularizar o mesmo cargo em outra serventia, que foi declarada vaga pelo referido ato do CNJ. O impetrante sustentava ofensa à segurança jurídica e ao direito adquirido, pois o CNJ teria revisto o ato de designação após mais de dezessete anos, em afronta ao art. 54 da Lei 9.784/1999 (“O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”). Ressaltava, ademais, que a permuta teria sido realizada de acordo com a legislação até então vigente e que seria inviável o seu retorno à serventia originária, já extinta — v. Informativo 812.

A Primeira Turma afirmou não ser lícito que alguém ocupasse determinado cargo por força de titularização inconstitucional (no caso, a permuta sem concurso público); sequer perdesse o direito ao cargo de origem, para o qual havia ingressado mediante concurso público. Assim, o ato do CNJ que culminou na anulação da permuta estava correto.

O Colegiado determinou, entretanto, oficiar à Corte local. Assim, a situação seria equacionada, vedada a manutenção do impetrante no cargo fruto da permuta em desacordo com a Constituição.

Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que concedia a ordem.

MS 29415/DF, rel. orig. min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. min. Luiz Fux, julgamento em 27-9-2016. (MS-29415)

Honorários recursais e não apresentação de contrarrazões ou contraminuta

É cabível a fixação de honorários recursais, prevista no art. 85, § 11, do novo Código de Processo Civil, mesmo quando não apresentadas contrarrazões ou contraminuta pelo advogado (“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. (…) § 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2oa 6o, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2oe 3opara a fase de conhecimento”).

Com base nessa orientação, a Primeira Turma negou provimento a agravos regimentais e, por maioria, fixou honorários recursais.

O ministro Marco Aurélio (relator) ficou vencido. Assentou que a fixação de honorários tem como pressuposto o trabalho desenvolvido pelo profissional da advocacia. Se o advogado não teve trabalho e não apresentou contraminuta ou contrarrazões, considerado o recurso interposto, não seria possível a condenação do recorrente ao pagamento da referida verba. Ressaltou não ter recebido o advogado em audiência, tampouco memorial apresentado por ele.

AI 864689 AgR/MS e ARE 951257 AgR/RJ, rel. orig. min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. min. Edson Fachin. 27-9-2016. (AI-864689)

 

Segunda Turma

Roubo: pena-base no mínimo legal e regime inicial fechado

A Segunda Turma Iniciou julgamento de recurso ordinário em “habeas corpus” em que o recorrente pleiteia a fixação do regime inicial semiaberto para o início do cumprimento da pena. No caso, ele foi condenado pela prática de roubo duplamente circunstanciado, em razão do concurso de agentes e do uso de arma de fogo. Na sentença, o juízo fixou a pena-base no mínimo legal, mas estabeleceu o regime inicial fechado.

O ministro Ricardo Lewandowski (relator) negou provimento ao recurso. Entendeu que, de acordo com o art. 33, § 2º, do Código Penal, é faculdade do magistrado fixar regime mais brando para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, consideradas as particularidades do caso concreto.

Na espécie, a sentença está devidamente fundamentada pelo juízo. Entre as razões que culminaram na fixação de regime inicial mais gravoso, estão o número de agentes que praticaram o crime em coautoria (três), o fato de alguns deles já terem passagem pela polícia e o uso de arma de fogo municiada e apta à realização de disparos.

O relator acrescentou que o crime havia sido praticado em área urbana onde ocorrem diversos delitos da mesma natureza. Cumpre, então, ao juiz demonstrar maior reprovação no tocante a essa espécie de ilícito. Dessa forma, o julgador exerce determinada política criminal e sinaliza para a sociedade que a persecução penal deve ser mais rigorosa quanto a crimes que, como no caso, atentam contra a integridade física e a vida das pessoas.

Em seguida, pediu vista o ministro Teori Zavascki.

RHC 135298/SP, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 27-9-2016. (RHC-135298)

 

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos

1ª Turma 27.09.2016         —                   59

2ª Turma 27.09.2016          —                   12

R e p e r c u s s ã o  G e r a l

DJe de 26 a 30 de setembro de 2016

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 723.307-PR

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Constitucional e Previdenciário. 2. Execução contra a Fazenda Pública. Obrigação de fazer. Fracionamento da execução para que uma parte seja paga antes do trânsito em julgado, por meio de Complemento Positivo, e outra depois do trânsito, mediante Precatório ou RPV. Impossibilidade. 3. Repercussão geral da questão constitucional reconhecida. 4. Reafirmação de jurisprudência. Precedentes. 5. Conhecimento do agravo e provimento do recurso extraordinário para afastar o fracionamento da execução.

Decisões Publicadas: 1

C l i p p i n g  d o  D Je

26 a 30 de setembro de 2016

Ext N. 1.244-DF

RELATORA: MIN. ROSA WEBER

EMENTA: EXTRADIÇÃO EXECUTÓRIA. CRIMES DE TRANSPORTE, POSSE, AQUISIÇÃO E EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS ESTUPEFACIENTES. CORRESPONDÊNCIA COM O DELITO DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DUPLA INCRIMINAÇÃO CONFIGURADA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICES LEGAIS À EXTRADIÇÃO. SÚMULA 421/STF. CONTENCIOSIDADE LIMITADA. PRECARIEDADE DO ESTADO DE SAÚDE DO EXTRADITANDO. ENTREGA CONDICIONADA AO PRÉVIO EXAME MÉDICO OFICIAL.  CONDENAÇÃO POR OUTROS CRIMES NO BRASIL. ENTREGA ANTES DO CUMPRIMENTO DA PENA NO BRASIL SUJEITO A JUÍZO DE CONVENIÊNCIA DO PODER EXECUTIVO. EXIGÊNCIA DE ASSUNÇÃO DE COMPROMISSO QUANTO À DETRAÇÃO DA PENA.

1. Pedido de extradição formulado pelo Governo da França que atende os requisitos da Lei 6.815/1980 e do Tratado de Extradição específico.

2. Crimes de transporte, posse, aquisição e exportação de produtos estupefacientes, nos termos da legislação estrangeira, que correspondem ao crime previsto no art. 33, c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006. Dupla incriminação atendida.

3. Inocorrência de prescrição e inexistência de óbices legais.

4. Na dicção do verbete da Súmula 421/STF: “Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditando casado com brasileira ou ter filho brasileiro”.

5. A apreciação das teses defensivas pertinentes ao mérito da imputação extrapolam os limites da contenciosidade limitada que rege o processo de extradição (art. 85, § 1º, do Estatuto do Estrangeiro).

6. A precariedade do estado de saúde do Extraditando não constitui, por si só, óbice ao deferimento da extradição, mas tão somente condiciona a entrega do Extraditando ao prévio exame médico oficial, nos termos do parágrafo único do art. 89 da Lei 8.615/1980 (Ext 367, Rel. Min. Djaci Falcão, Plenário, DJ 21.12.1979; e Ext 1.365, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 11.3.2015).

7. Extraditando processado criminalmente no Brasil em duas ações penais em curso. Fato não impeditivo da extradição, ficando a entrega condicionada à extinção do feito ou ao cumprimento da pena no Brasil, sem prejuízo do juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo (arts. 89 e 67 da Lei 6.815/1980).

8. O compromisso de detração da pena, considerando o período de prisão decorrente da extradição, deve ser assumido antes da entrega do preso, não obstando a concessão da extradição. O mesmo é válido para os demais compromissos previstos no art. 91 da Lei nº 6.815/1980.

9. Extradição deferida.

*noticiado no Informativo 834

Inq 3.997-DF

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

Ementa:INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 317, § 1º, C/C ART. 327, § 2º, DO CÓDIGO PENAL E ART. 1º, § 4º, DA LEI 9.613/1998. RÉPLICA PELA ACUSAÇÃO ÀS RESPOSTAS DOS DENUNCIADOS. POSSIBILIDADE. JUNTADA DE DOCUMENTO ISOLADO APÓS A OFERTA DA DENÚNCIA. VIABILIDADE. INÉPCIA DA PEÇA ACUSATÓRIA. INOCORRÊNCIA. DESCRIÇÃO INDIVIDUALIZADA E OBJETIVA DAS CONDUTAS ATRIBUÍDAS AOS DENUNCIADOS, ASSEGURANDO-LHES O EXERCÍCIO DO DIREITO DE DEFESA. ATENDIMENTO AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. COMPREENSÃO DO CONJUNTO INVESTIGATÓRIO MESMO COM O FRACIONAMENTO DOS FATOS. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DO CONCURSO DE AGENTES. DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE EM FACE DOS ACUSADOS. MAJORANTE DO ART. 327, § 2º, DO CÓDIGO PENAL. EXCLUSÃO. DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA.

1. É possível assegurar, também no âmbito da Lei 8.038/1990, o direito ao órgão acusador de réplica às respostas dos denunciados, especialmente quando suscitadas questões que, se acolhidas, poderão impedir a deflagração da ação penal. Só assim se estará prestigiando o princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV, CF), que garante aos litigantes, e não apenas à defesa, a efetiva participação na decisão judicial.

2. Não importa em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa a juntada de documento isolado após a oferta da denúncia, pois, além de essa possibilidade estar prevista no art. 231 do Código de Processo Penal, no caso, tiveram as defesas a oportunidade de sobre ele se manifestar, em sua inteireza, não ocorrendo qualquer alteração ou incremento de acusação em virtude do referido documento.

3. Tem-se como hábil a denúncia que descreve, de forma individualizada e objetiva, as condutas atribuídas aos acusados, correlacionando-as aos tipos penais declinados. A separação das condutas em vários momentos, visando melhor apontar os diversos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, bem como a menção a pessoas investigadas em outras instâncias, não impede o processamento dos denunciados em demanda autônoma, notadamente quando esclarecida a participação de cada um deles nos eventos. Não existe afronta ao art. 41 do Código de Processo Penal quando a denúncia narra o contexto em que se deram os repasses ilegais à agremiação partidária, sempre expondo a relação do denunciado em cada uma das fases do ilícito. O fracionamento dessa investigação em várias ações penais não inviabiliza a compreensão do todo, porque a referência aos aqui acusados encontra-se perfeitamente delineada. Ademais, os denunciados defendem-se na medida de suas imputações, não tendo relevância condutas outras que não estejam materialmente imbricadas de modo a revelar a necessidade de reunião de processos. O concurso de agentes está descrito nas imputações da denúncia com suas variantes, a depender do grau de envolvimento de cada um dos acusados nos diversos crimes narrados.

4. A materialidade e os indícios de autoria, elementos básicos para o recebimento da denúncia, encontram-se presentes a partir do substrato trazido com o caderno indiciário. A análise inicial revela a existência de indícios robustos dando conta de que o parlamentar, auxiliado por seus filhos codenunciados, na condição de membro da cúpula de partido político, aderiu ao recebimento, para si, e concorreu à percepção por parte de outros integrantes da mesma agremiação, de vantagens indevidas. O recebimento desses valores, porque núcleo alternativo do próprio tipo, não pode ser descartado nesta ocasião como mero exaurimento da conduta de outrem, mormente porque as propinas pagas pelas empreiteiras continham destinação certa. Convém lembrar que: “Não é lícito ao Juiz, no ato de recebimento da denúncia, quando faz apenas juízo de admissibilidade da acusação, conferir definição jurídica aos fatos narrados na peça acusatória. Poderá fazê-lo adequadamente no momento da prolação da sentença, ocasião em que poderá haver a emendatio libelli ou a mutatio libelli, se a instrução criminal assim o indicar” (HC 87324, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, DJe de 18.5.2007).

5. Conforme decidido pelo Plenário, no INQ 3983, de minha relatoria, a causa de aumento do art. 327, § 2º, do Código Penal, é incabível pelo mero exercício do mandato parlamentar, sem prejuízo da causa de aumento contemplada no art. 317, §1º. A jurisprudência desta Corte, conquanto revolvida nos últimos anos (INQ 2606, Rel. Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, DJe de 2.12.2014), exige uma imposição hierárquica ou de direção (INQ 2191, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, DJe de 8.5.2009) que não se acha nem demonstrada nem descrita nos presentes autos.

6. Denúncia parcialmente recebida, com exclusão somente da causa de aumento prevista no art. 327, § 2º, do Código Penal.

HC N. 128.894-RS

RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA: Habeas corpus. Penal e processual penal militar. Posse de entorpecente em local sujeito à administração militar (art. 290, CPM). Ação penal. Interrogatório. Realização ao início da instrução (art. 302, CPPM). Nulidade. Inexistência. Processo já sentenciado. Prevalência do princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, CF). Precedente. Persecução criminal. Denúncia anônima. Deflagração de diligências preliminares. Admissibilidade. Precedentes. Laudo pericial. Subscrição por um único perito. Admissibilidade. Inteligência do art. 318 do Código de Processo Penal Militar. Artigo 290 do Código Penal Militar. Constitucionalidade. Norma penal em branco. Incidência da Portaria nº 344/98 da Secretaria da Vigilância Sanitária/Ministério da Saúde. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Precedente. Ordem denegada.

1. O Plenário do Supremo Tribunal, no HC nº 127.900/AM, de minha relatoria, DJe de 3/8/16, fixou orientação no sentido de que a realização do interrogatório ao final da instrução criminal, prevista no art. 400 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 11.719/08, também se aplica às ações penais em trâmite na Justiça Militar.

2. A Corte, após deliberar, em atenção ao princípio da segurança jurídica (CF, art. 5º, XXXVI), que aquela orientação se aplica, a partir da publicação da ata de julgamento do HC nº 127.900/AM, a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial,  determinou a sua incidência apenas nas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado.

3. Na espécie, como a sentença condenatória foi proferida em 22/7/14, não há que se cogitar de anulação da ação penal para que o paciente seja submetido a novo interrogatório.

4. Nos termos do art. 318 do Código de Processo Penal Militar, “as perícias serão, sempre que possível, feitas por dois peritos, especializados no assunto ou com habilitação técnica, observado o disposto no art. 48”.

5. A exigência de que a pericia seja subscrita por dois peritos admite exceções, não se tratando de imposição absoluta, razão por que é irrelevante que o laudo definitivo tenha sido subscrito por apenas um perito oficial.  Precedentes.

6. O art. 290 do Código Penal Militar, assim como o art. 33 da Lei nº 11.343/06, é uma norma penal em branco, cujo preceito primário necessita de complementação por outra disposição legal ou regulamentar.

7. Essa disposição regulamentar é a Portaria nº 344/98 da Secretaria da Vigilância Sanitária/Ministério da Saúde, que contém a lista das substâncias entorpecentes de uso proscrito no Brasil, dentre elas o THC (tetrahidrocanabinol), aplicável tanto ao Código Penal Militar quanto à Lei nº 11.343/06.

8. A Portaria SVS/MS nº 344/98 se aplica diretamente ao Código Penal Militar, por se tratar do ato normativo geral que dispõe sobre substâncias entorpecentes, sem necessidade de intermediação da Lei nº 11.343/06.

9. O Plenário do Supremo Tribunal, no HC nº 103.684/DF, Relator o Ministro Ayres Britto, DJe de 13/4/11, assentou a inaplicabilidade do princípio da insignificância à posse de quantidade reduzida de substância entorpecente em lugar sujeito à administração militar (art. 290 do Código Penal Militar), bem como suplantou, ante o princípio da especialidade, a aplicação da Lei nº 11.343/06.

10. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da constitucionalidade do art. 290 do Código Penal Militar.

11. Ordem denegada.

AG. REG. NO RE N. 916.824-SC

RELATORA: MIN. ROSA WEBER

EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. MILITAR. CUMULAÇÃO DA PENSÃO ESPECIAL COM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONDIÇÃO DE EX-COMBATENTE. CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.  RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. REELABORAÇÃO DA MOLDURA FÁTICA. PROCEDIMENTO VEDADO NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. RECURSO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/1973.

1. O entendimento da Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. Compreensão diversa demandaria a reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, a tornar oblíqua e reflexa eventual ofensa à Constituição, insuscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário.

2. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada.

3. Agravo regimental conhecido e não provido.

HC N. 134.573-SP

RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA: Habeas corpus. Penal. Tráfico de drogas. Condenação.  Dosimetria. Incidência da causa especial de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas. Não incidência. Paciente integrante de organização criminosa, conforme reconhecido pelas instâncias de mérito. Impropriedade do habeas corpus para se revolver o contexto fático-probatório da causa. Precedentes. Alegada valoração negativa da natureza e da quantidade da droga (3.031 g de cocaína) em dois momentos distintos da dosimetria. Não ocorrência. Bis in idem não caracterizado. Ordem denegada.

1. A negativa de aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 pelas instâncias ordinárias não está lastreada em presunções, ilações ou conjecturas. Pelo contrário, apresentaram elas elementos concretos que apontam que o paciente se dedicava à atividade criminosa, ficando demonstrado que ele teria realizado outras viagens ao Brasil em circunstâncias indicativas de transporte de drogas.

2. A invocação pelas instâncias ordinárias de que o paciente se dedicava à atividade criminosa obsta, de fato, a aplicação da benesse do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, sendo certo que “[a]fastar essa premissa demandaria o reexame dos fatos e das provas dos autos, ao que não se presta o habeas corpus (…)” (HC nº 120.518/SP, Segunda Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 3/4/14).

3. A tese de bis in idem não prospera, pois,pelo que se depreende da sentença, embora haja simples referência à quantidade de droga apreendida, ela não foi um fator preponderante na negativa de aplicação da causa especial de redução de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06.

4. Ordem denegada.

Acórdãos Publicados: 274

Transcrições

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do InformativoSTF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

 

Concurso público e restrição à tatuagem (Transcrições)

(v. Informativo 835)

RE 898.450/SP*

RELATOR: Ministro Luiz Fux

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 838 DO PLENÁRIO VIRTUAL. TATUAGEM. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL. REQUISITOS PARA O DESEMPENHO DE UMA FUNÇÃO PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI FORMAL ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO ART. 37, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DA CORTE. IMPEDIMENTO DO PROVIMENTO DE CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA DECORRENTE DA EXISTÊNCIA DE TATUAGEM NO CORPO DO CANDIDATO. REQUISITO OFENSIVO A DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS CIDADÃOS. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE, DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DA PROPORCIONALIDADE E DO LIVRE ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA ESTATAL DE QUE A TATUAGEM ESTEJA DENTRO DE DETERMINADO TAMANHO E PARÂMETROS ESTÉTICOS. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 5º, I, E 37, I E II, DA CRFB/88. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. RESTRIÇÃO. AS TATUAGENS QUE EXTERIORIZEM VALORES EXCESSIVAMENTE OFENSIVOS À DIGNIDADE DOS SERES HUMANOS, AO DESEMPENHO DA FUNÇÃO PÚBLICA PRETENDIDA, INCITAÇÃO À VIOLÊNCIA IMINENTE, AMEAÇAS REAIS OU REPRESENTEM OBSCENIDADES IMPEDEM O ACESSO A UMA FUNÇÃO PÚBLICA, SEM PREJUÍZO DO INAFASTÁVEL JUDICIAL REVIEW. CONSTITUCIONALIDADE. INCOMPATIBILIDADE COM OS VALORES ÉTICOS E SOCIAIS DA FUNÇÃO PÚBLICA A SER DESEMPENHADA. DIREITO COMPARADO. IN CASU, A EXCLUSÃO DO CANDIDATO SE DEU, EXCLUSIVAMENTE, POR MOTIVOS ESTÉTICOS. CONFIRMAÇÃO DA RESTRIÇÃO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. CONTRARIEDADE ÀS TESES ORA DELIMITADAS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. O princípio da legalidade norteia os requisitos dos editais de concurso público.

2. O artigo 37, I, da Constituição da República, ao impor, expressamente, que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei”, evidencia a frontal inconstitucionalidade de toda e qualquer restrição para o desempenho de uma função pública contida em editais, regulamentos e portarias que não tenham amparo legal. (Precedentes: RE 593198 AgR, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, DJe 01-10-2013; ARE 715061 AgR, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 19-06-2013; RE 558833 AgR, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 25-09-2009; RE 398567 AgR, Relator Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ 24-03-2006; e MS 20.973, Relator Min. Paulo Brossard, Plenário, julgado em 06/12/1989, DJ 24-04-1992).

3. O Legislador não pode escudar-se em uma pretensa discricionariedade para criar barreiras legais arbitrárias e desproporcionais para o acesso às funções públicas, de modo a ensejar a sensível diminuição do número de possíveis competidores e a impossibilidade de escolha, pela Administração, daqueles que são os melhores.

4. Os requisitos legalmente previstos para o desempenho de uma função pública devem ser compatíveis com a natureza e atribuições do cargo. (No mesmo sentido: ARE 678112 RG, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 25/04/2013, DJe 17-05-2013).

5. A tatuagem, no curso da história da sociedade, se materializou de modo a alcançar os mais diversos e heterogêneos grupos, com as mais diversas idades, conjurando a pecha de ser identificada como marca de marginalidade, mas, antes, de obra artística.

6. As pigmentações de caráter permanente inseridas voluntariamente em partes dos corpos dos cidadãos configuram instrumentos de exteriorização da liberdade de manifestação do pensamento e de expressão, valores amplamente tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro (CRFB/88, artigo 5°, IV e IX).

7. É direito fundamental do cidadão preservar sua imagem como reflexo de sua identidade, ressoando indevido o desestímulo estatal à inclusão de tatuagens no corpo.

8. O Estado não pode desempenhar o papel de adversário da liberdade de expressão, incumbindo-lhe, ao revés, assegurar que minorias possam se manifestar livremente.

9. O Estado de Direito republicano e democrático, impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade.

10. A democracia funda-se na presunção em favor da liberdade do cidadão, o que pode ser sintetizado pela expressão germânica “Freiheitsvermutung” (presunção de liberdade), teoria corroborada pela doutrina norte-americana do primado da liberdade (preferred freedom doctrine), razão pela qual ao Estado contemporâneo se impõe o estímulo ao livre intercâmbio de opiniões em um mercado de idéias (free marktplace of ideas a que se refere John Milton) indispensável para a formação da opinião pública.

11. Os princípios da liberdade e da igualdade, este último com esteio na doutrina da desigualdade justificada, fazem exsurgir o reconhecimento da ausência de qualquer justificativa para que a Administração Pública visualize, em pessoas que possuem tatuagens, marcas de marginalidade ou de inaptidão física ou mental para o exercício de determinado cargo público.

12. O Estado não pode considerar aprioristicamente como parâmetro discriminatório para o ingresso em uma carreira pública o fato de uma pessoa possuir tatuagens, visíveis ou não.

13. A sociedade democrática brasileira pós-88, plural e multicultural, não acolhe a idiossincrasia de que uma pessoa com tatuagens é desprovida de capacidade e idoneidade para o desempenho das atividades de um cargo público.

14. As restrições estatais para o exercício de funções públicas originadas do uso de tatuagens devem ser excepcionais, na medida em que implicam uma interferência incisiva do Poder Público em direitos fundamentais diretamente relacionados ao modo como o ser humano desenvolve a sua personalidade.

15. A cláusula editalícia que cria condição ou requisito capaz de restringir o acesso a cargo, emprego ou função pública por candidatos possuidores de tatuagens, pinturas ou marcas, quaisquer que sejam suas extensões e localizações, visíveis ou não, desde que não representem símbolos ou inscrições alusivas a ideologias que exteriorizem valores excessivamente ofensivos à dignidade dos seres humanos, ao desempenho da função pública pretendida, incitação à violência iminente, ameaças reais ou representem obscenidades, é inconstitucional.

16. A tatuagem considerada obscena deve submeter-se ao Miller-Test, que, por seu turno, reclama três requisitos que repugnam essa forma de pigmentação, a saber: (i) o homem médio, seguindo padrões contemporâneos da comunidade, considere que a obra, tida como um todo, atrai o interesse lascivo; (ii) quando a obra retrata ou descreve, de modo ofensivo, conduta sexual, nos termos do que definido na legislação estadual aplicável, (iii) quando a obra, como um todo, não possua um sério valor literário, artístico, político ou científico.

17. A tatuagem que incite a prática de uma violência iminente pode impedir o desempenho de uma função pública quando ostentar a aptidão de provocar uma reação violenta imediata naquele que a visualiza, nos termos do que predica a doutrina norte-americana das “fighting words”, como, v.g., “morte aos delinquentes”.

18. As teses objetivas fixadas em sede de repercussão geral são: (i) os requisitos do edital para o ingresso em cargo, emprego ou função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal e material, (ii) editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais.

19. In casu, o acórdão recorrido extraordinariamente assentou que “a tatuagem do ora apelado não atende aos requisitos do edital. Muito embora não cubra todo o membro inferior direito, está longe de ser de pequenas dimensões. Ocupa quase a totalidade lateral da panturrilha e, além disso, ficará visível quando utilizados os uniformes referidos no item 5.4.8.3. É o quanto basta para se verificar que não ocorreu violação a direito líquido e certo, denegando-se a segurança”. Verifica-se dos autos que a reprovação do candidato se deu, apenas, por motivos estéticos da tatuagem que o recorrente ostenta.

19.1. Consectariamente o acórdão recorrido colide com as duas teses firmadas nesta repercussão geral: (i) a manutenção de inconstitucional restrição elencada em edital de concurso público sem lei que a estabeleça; (ii) a confirmação de cláusula de edital que restringe a participação, em concurso público, do candidato, exclusivamente por ostentar tatuagem visível, sem qualquer simbologia que justificasse, nos termos assentados pela tese objetiva de repercussão geral, a restrição de participação no concurso público.

19.2. Os parâmetros adotados pelo edital impugnado, mercê de não possuírem fundamento de validade em lei, revelam-se preconceituosos, discriminatórios e são desprovidos de razoabilidade, o que afronta um dos objetivos fundamentais do País consagrado na Constituição da República, qual seja, o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV).

20. Recurso Extraordinário a que se dá provimento.

RELATÓRIO: Cuida-se de Recurso Extraordinário interposto por Henrique Lopes Carvalho da Silveira, com fulcro no art. 102, III, “c”, da Constituição da República, objetivando a reforma da decisão que inadmitiu seu Recurso Extraordinário interposto contra acórdão prolatado pelo c. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA – Concurso para preenchimento de vaga de soldado da polícia militar – Restrições a tatuagens – Previsão existente no edital – Na hipótese, a tatuagem do impetrante se enquadra na restrição existente no edital – Recurso provido.

Noticiam os autos que Henrique Lopes Carvalho da Silveira impetrou mandado de segurança em face do Diretor do Centro de Seleção, Alistamento e Estudos de Pessoal da Policia Militar do Estado de São Paulo, por tê-lo excluído de concurso público para o preenchimento de vagas de Soldado PM de 2ª Classe do referido ente da federação. Alega que sua desclassificação se deu pelo fato de que, na etapa do exame médico, foi constatado que o Recorrente possui uma tatuagem em sua perna esquerda, que, segundo a autoridade apontada como coatora, estaria em desacordo com as normas do edital do concurso.

Concedida a segurança, a Fazenda do Estado de São Paulo interpôs o cabível recurso de apelação, pugnando, em síntese, pela reforma do julgado. Asseverou, na oportunidade, que o edital estabeleceu, de forma objetiva, os parâmetros para que fossem admitidos candidatos que ostentassem tatuagens, aos quais o, então, apelado não atendia.

Em sede de apelação, o c. Tribunal de Justiça de São Paulo, ao prover o recurso e denegar a segurança, salientou, por maioria, que o edital é a lei do concurso e que a restrição em relação à tatuagem encontra-se, expressamente, prevista em sua disposição 5.4.8, de modo que os candidatos que se inscreveram no processo seletivo a teriam aceitado incondicionalmente. O citado edital DP 002/321/2008 previu as seguintes condições:

5.4. Dos Exames Médicos:

5.4.1. Os exames de saúde, também de caráter eliminatório, serão realizados por Junta Médica indicada pelo Chefe do Centro Médico e nomeada pelo Diretor de Pessoal, denominada Junta de Saúde-1 (JS-1), com critérios estabelecidos pelo Departamento de Perícias Médicas daquele Centro e aprovados pelo Comandante Geral da Polícia Militar;

5.4.2. O candidato será submetido a exame médico geral e exames laboratoriais (sangue e urina);

5.4.3. Exame Clínico Geral: […]

5.4.5. Exame odontológico: […]

5.4.6. Exame oftalmológico: […]

5.4.7. Exame otorrinolaringológico: […]

5.4.8. Os candidatos que ostentarem tatuagem serão submetidos à avaliação, na qual serão observados:

5.4.8.1. a tatuagem não poderá atentar contra a moral e os bons costumes;

5.4.8.2. deverá ser de pequenas dimensões, sendo vedado cobrir regiões ou membros do corpo em sua totalidade, e em particular região cervical, face, antebraços, mãos e pernas;

5.4.8.3 não poderá estar em regiões visíveis quando da utilização de uniforme de treinamento físico, composto por camiseta branca meia manga, calção azul-royal, meias brancas, calçado esportivo preto, conforme previsão do Regulamento de Uniformes da Polícia Militar do Estado de São Paulo (R-5-PM); (Grifamos)

O Tribunal local prossegue afirmando que quem faz tatuagem tem ciência de que estará sujeito a esse tipo de limitação e, ainda, que a disciplina militar engloba, também, – e principalmente – o respeito a regras. Ao pretender iniciar sua carreira questionando um preceito imposto a todos de modo uniforme, já estaria, segundo o aresto impugnado, iniciando mal a sua relação com o serviço público (fls. 5 do acórdão recorrido).

Não foram opostos Embargos de Declaração.

Irresignado, o candidato interpôs Recurso Extraordinário. Nas razões do apelo extremo, sustenta a preliminar de repercussão geral e, no mérito, aponta violação aos artigos 1º, inciso III, 5º, inciso II, e 37, caput e incisos I e II, da Constituição da República. Pleiteia, em síntese, a reforma do julgado, sob o argumento da inconstitucionalidade do edital, que criou hipótese de exclusão do certame sem respaldo no texto constitucional e em direta afronta aos princípios constitucionais da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.

A Procuradoria de Justiça do Estado de São Paulo foi ouvida, em sede de contrarrazões (fls. 214/221). Argumentou, preliminarmente, a ausência dos requisitos de admissibilidade do recurso (prequestionamento, repercussão geral e interesse de agir) e, no mérito, a compatibilidade do edital com a legislação estadual que regulamenta o ingresso na carreira da Polícia Militar de São Paulo: LC nº 697/1992 e Decretos nº 41.113/1996 e nº 42.053/1997.

Afirmou, ainda, que, ao se inscrever no concurso público, o recorrente anuiu às condições estipuladas no ato normativo, sabendo, portanto, “que seria submetido a exames médicos, de acordo com os parâmetros estabelecidos nos subitens 5.4 a 5.4.8.3 do edital mencionado”.

Segundo o Estado recorrido, o edital, ao dispor sobre a fase cognominada “exames de saúde”, previu a avaliação dos candidatos que ostentassem tatuagens, estabelecendo os requisitos para sua admissão, critérios segundo os quais o recorrente foi considerado inapto, daí a “absoluta legalidade de sua reprovação”.

O Tribunal a quo negou seguimento ao apelo derradeiro por entender não ser cabível recurso extraordinário interposto com fundamento no art. 102, III, “c”, da Constituição de 1988, quando não há aplicação de lei local em detrimento do Texto Maior. Contra esta decisão, Henrique Lopes Carvalho da Silveira interpôs o cabível Agravo em Recurso Extraordinário.

A Fazenda do Estado de São Paulo apresentou contrarrazões ao referido agravo, pugnando pela manutenção do despacho de inadmissão do RE ante a suposta incidência das Súmulas nº 2801 e nº 2822 do STF.

Concluso o ARE 893.212, dei-lhe provimento para determinar a conversão em Recurso Extraordinário, a fim de apreciar a existência de repercussão geral da matéria.

Em sequência, por entender que o tema constitucional versado nestes autos é relevante do ponto de vista político, social e jurídico, e ultrapassa os interesses subjetivos da causa, submeti-o ao Plenário Virtual (Tema 838). Por maioria, vencidos os Ministros Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, a repercussão geral do tema constitucional foi reconhecida por esta Corte, em acórdão assim ementado:

EMENTA: REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EDITAL. REQUISITOS. IMPEDIMENTO DO PROVIMENTO DE CARGO, EMPREGO OU FUNÇÃO PÚBLICA DECORRENTE DA EXISTÊNCIA DE TATUAGEM NO CORPO DO CANDIDATO. AFERIÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA ESTATAL DE QUE A TATUAGEM ESTEJA DENTRO DE DETERMINADOS PARÂMETROS. ARTS. 5º, I E 37, I E II DA CRFB/88. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.

(RE 898450 RG, Relator (a): Min. LUIZ FUX, julgado em 27/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-178 DIVULG 09-09-2015 PUBLIC 10-09-2015).

A Procuradoria-Geral da República, devidamente intimada, manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso, em parecer que porta a seguinte ementa:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. TATUAGEM EM DESACORDO COM AS REGRAS DO EDITAL. EXCLUSÃO DO CERTAME. RESTRIÇÃO QUE NÃO ENCONTRA FUNDAMENTO EXPRESSO NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL CORRESPONDENTE. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, IGUALDADE E LIVRE ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS. INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PROVIMENTO DO RECURSO.

1. É inconstitucional a criação de requisito de acesso a cargo público por meio de edital, sem expressa previsão legal.

2. É inconstitucional a cláusula de edital que restringe a participação em concurso público ou o acesso a cargo público de candidato que ostente tatuagem, por ofensa aos princípios da igualdade e razoabilidade.

3. Parecer pelo provimento do recurso.

O ingresso da AGU como amicus curiae foi deferido nos autos e indeferido o pedido de Alexandre Diniz Farias no mesmo sentido.

É o relatório.

VOTO: Senhor Presidente, egrégio Plenário, ilustre representante do Ministério Público, senhores advogados presentes, cumpre analisar, em sede de preliminar, a admissibilidade deste Recurso Extraordinário, para, em seguida, passarmos ao mérito da controvérsia.

I. Preliminar

Admissibilidade do Recurso Extraordinário

Ab initio, reafirmo a admissibilidade deste Recurso Extraordinário submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal.

A controvérsia sub examine consiste em saber, à luz dos arts. 1º, III,1 5º, I e II2 e 37, I e II3, da Constituição da República, se o fato de um cidadão ostentar tatuagens em seu corpo, visíveis ou não, é circunstância idônea e proporcional a impedi-lo de concorrer a um cargo ou emprego público, ainda que, eventualmente, o obstáculo esteja previsto em lei.

Em parte, a repercussão geral da matéria decorre da reiterada jurisprudência desta Corte, no sentido da inconstitucionalidade de cláusula editalícia que cria condição ou requisito capaz de restringir o acesso a cargo público, sem que haja previsão legal expressa a fundamentar a exigência (Precedentes: RE 593.198 AgRg, Relator Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, DJe 01-10-2013; RE 558.833 AgRg, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe 25-09-2009; e RE 398567 AgRg, Relator Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ 24-03-2006).

Para além disso, o tema sub judice reclama uma abordagem de maior envergadura, mormente diante da constatação de uma miríade de leis que criam restrições para o acesso a cargos, empregos e funções por parte de candidatos que possuem tatuagens fora de padrões supostamente aceitáveis pelo Estado.

Assim, no momento em que a proibição a determinados tipos e tamanhos de tatuagens obsta o direito de um candidato de concorrer a uma função pública, ressoa imprescindível a intervenção do Supremo Tribunal Federal para apurar se o citado discrímen encontra amparo constitucional. Essa matéria, mercê de dotada de um nítido efeito multiplicador, é de inequívoca estatura constitucional.

Sob o enfoque preliminar da admissibilidade recursal, consigno o preenchimento de todos os demais requisitos de admissibilidade do presente recurso, notadamente o da tempestividade, prequestionamento, legitimidade e o do interesse recursal, além do indispensável reconhecimento da repercussão geral da matéria (Tema 838 do Plenário Virtual).

Conheço, pois, do presente recurso extraordinário e passo ao exame de mérito.

II. Mérito

Como salientado, intenta-se, no presente Recurso Extraordinário, perquirir, de um lado, (i) se o edital de concurso para provimento de cargo ou emprego público pode conter restrição dirigida aos candidatos não prevista em lei, e, de outro, (ii) se uma tatuagem, visível ou não, pode obstaculizar a participação em certame para o desempenho de uma função pública, ainda que esse impeditivo esteja contido em lei.

No âmbito militar, é cediço que os padrões de apresentação dos integrantes das Forças Armadas e dos militares estaduais e do Distrito Federal são, deveras, rigorosos. Todavia, no momento em que uma exigência estatal específica interfere incisivamente na liberdade de expressão, bem como no direito ao livre desenvolvimento da personalidade, de modo a impedir um cidadão de trabalhar para o Estado, torna-se possível e, até recomendável, a intervenção judicial para verificar a compatibilidade da referida restrição com o texto constitucional.

Como premissa inicial, torna-se necessário REAFIRMAR a jurisprudência desta Corte, no sentido de que qualquer restrição para o acesso a cargo público constante em editais de concurso depende da sua específica menção em lei formal.

Nessa linha de entendimento, firmou-se a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal Federal, in verbis:

DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA DE ALTURA MÍNIMA. LIMITAÇÃO IMPOSTA APENAS POR EDITAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal possui o entendimento de que a exigência de altura mínima para o cargo de policial militar é válida, desde que prevista em lei em sentido formal e material, bem como no edital que regulamente o concurso. 2. Na hipótese, apenas o edital do concurso estabelecia a exigência, de modo que tal limitação se mostra ilegítima. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 906295 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/11/2015, DJe 15-12-2015); (Grifamos)

Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Concurso público. Policial. Altura mínima. Edital. Previsão legal. Necessidade. Precedentes. 1. É pacífica a jurisprudência do Tribunal no sentido de somente ser legítima a cláusula de edital que prevê altura mínima para habilitação para concurso público quando mencionada exigência tiver lastro em lei, em sentido formal e material. 2. Agravo regimental não provido. (RE 593198 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, DJe 01-10-2013); (Grifamos)

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – CONCURSO PÚBLICO – GUARDA MUNICIPAL – ALTURA MÍNIMA – EXIGÊNCIA PREVISTA APENAS NO EDITAL – AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI FORMAL – OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE E DA RAZOABILIDADE – DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDÊNCIA PREVALECENTE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – CONSEQUENTE INVIABILIDADE DO RECURSO QUE A IMPUGNA – SUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS QUE DÃO SUPORTE À DECISÃO RECORRIDA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (ARE 715061 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 14/05/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-117 DIVULG 18-06-2013 PUBLIC 19-06-2013) (Grifamos)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ALTURA MÍNIMA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA.

Concurso público. Policial militar. Exigência de altura mínima. Previsão legal. Inexistência. Edital de concurso. Restrição. Impossibilidade. Somente lei formal pode impor condições para o preenchimento de cargos, empregos ou funções públicas. Precedentes. Agravo regimental não provido. (RE-AgR 400.754/RO, Rel. Ministro Eros Grau, 1ª Turma – unânime. DJU 04/11/2005).

Essa orientação corrobora o que decidido por esta Corte quando do julgamento do MS 20.973, Relator o saudoso Ministro Paulo Brossard, julgado em 06/12/1989, DJ 24-04-1992, ocasião em que restou assentado que “a acessibilidade aos cargos públicos assegurada tanto pela atual Constituição Federal (artigo 37, inciso I), como pela Carta anteriormente outorgada (artigo 97), exige tão-somente o preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei”.

Desse modo, em respeito ao artigo 37, I da Constituição da República, que, expressamente, impõe que “os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei (grifo próprio), revela-se inconstitucional toda e qualquer restrição ou requisito estabelecidos em editais, regulamentos, portarias, se não houver lei dispondo sobre a matéria.

Portanto, de plano, voto pela REAFIRMAÇÃO da jurisprudência desta Corte, para, desde já, assentar a primeira tese objetiva à luz do caso sub examine:

Os requisitos do edital para o ingresso em cargo, emprego ou função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal e material.

Sob outro enfoque, da mera previsão legal do requisito criado pelo Estado, não exsurge o reconhecimento automático de sua juridicidade. O Legislador não pode escudar-se em uma pretensa discricionariedade para criar barreiras arbitrárias para o acesso às funções públicas, de modo a ensejar a sensível diminuição do número de possíveis competidores e a impossibilidade de escolha, pela Administração, daqueles que são os melhores. Assim, são inadmissíveis, porquanto inconstitucionais, restrições ofensivas aos direitos fundamentais, à proporcionalidade ou que se revelem descabidas para o pleno exercício da função pública objeto do certame.

Destarte, toda lei deve respeitar os ditames constitucionais, mormente quando referir-se à tutela ou restrição a direitos fundamentais, o que nos leva à conclusão de que os obstáculos para o acesso a cargos públicos devem estar estritamente relacionados com a natureza e as atribuições das funções a serem desempenhadas.

O tema, ressalte-se, ganha relevo quando se observa que, de um modo geral, a Administração Pública brasileira determina nos editais de concursos públicos, especialmente naqueles específicos do âmbito militar, a possibilidade de os candidatos serem considerados inaptos, nos exames médicos, se possuírem tatuagens em seu corpo fora dos padrões estabelecidos pelo Estado.

A melhor compreensão das razões que inspiram a utilização da pigmentação definitiva no corpo humano como fator eliminatório em um concurso público, reclama tecer alguns relevantes comentários acerca de seus antecedentes históricos e sociológicos.

Arte corporal milenar, a tatuagem, introduzida por viajantes e marinheiros no século XVIII, foi associada, no século XIX, a setores “marginais” da sociedade, como prostitutas e prisioneiros, sendo conhecida, por estes últimos, como a “flor do presídio” (GROGNARD, Catherine. Tatouages. Tags à lâme. Paris: Syros Alternatives, 1992). Sua associação à prática de ilícitos e a setores marginais da sociedade não é, assim, fenômeno recente.

Deveras no século XX, a tatuagem teve seu significado expandido, porém sem ser timbrada exclusivamente pelo estigma social de marginalidade. No final da década de 1960, era marca corporal comum entre roqueiros, hippies, punks e motociclistas (LE BRETON, David. Signes didentité. Tatouages, piercings et autres marques corporelles. Paris: Métailié, 2002).

Nesse contexto, e como é de conhecimento geral, o imaginário social a respeito do tema tatuagem foi, inevitavelmente, acompanhado, por mais de um século, da marca de marginalidade e da delinquência. Era, deveras, entrevista como o instrumento que determinados grupos sociais detinham para romper os padrões sociais e se declarar dissidentes das regras de convivência.

No entanto, constata-se, com base em pesquisas como a do professor de Sociologia e Antropologia da Universidade de Strasbourg, na França, David Le Breton (Antropología del cuerpo y modernidad. Buenos Aires: Nueva Visión, 1995), que o sentido estigmatizador do uso da tatuagem começou a mudar a partir dos anos 1980.

No Brasil, apenas a partir dos anos 1990 é que começaram a surgir os estúdios de tatuagem, caracterizadores da profissionalização dessa arte, com qualidade artística, que, aos poucos, foi conquistando aceitação social. A expansão da tatuagem se materializou de modo a alcançar os mais diversos e heterogêneos grupos, com as mais diversas idades, e, nesse diapasão, deixou de ser identificada como marca de marginalidade, mas como obra artística (PÉREZ, Andrea Lissett. A identidade à flor da pele: etnografia da prática da tatuagem na contemporaneidade).

Vítor Sérgio Ferreira, pós-doutor da Fundação para a Ciência e a Tecnologia no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, em artigo intitulado “OS OFÍCIOS DE MARCAR O CORPO: a realização profissional de um projecto identitário”, narra o exemplo de Portugal, país em que:

Hoje, as marcas corporais voluntárias saíram da economia marginal e informal onde estavam acantonadas, passando a integrar o mundo altamente competitivo da indústria de design corporal. Praticamente inexistentes há duas décadas atrás em Portugal, os estúdios de tatuagem e body piercing proliferaram na paisagem urbana do país a partir da década de 1990, instituindo uma oferta cada vez mais numerosa e profissionalizada, alimentada por uma procura maior e cada vez mais socialmente diversificada (Fortuna, 2002; Ferreira, 2004a). Se no início dos anos 90 apenas duas casas de tatuagem dividiam a clientela lisboeta (“Bad Bonnes Tatoo” e “El Diablo”), hoje são dezenas os estúdios de tatuagem e body piercing abertos em Portugal, já não apenas concentrados em Lisboa, mas também dispersos pelos seus arredores, bem como no restante território português.

Michele Larissa Zini Lise, em substanciosa pesquisa conduzida em sua dissertação de mestrado apresentada junto ao Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC – RS (Violência na pele: considerações médicas e legais na tatuagem. 2007. Porto Alegre) traz dados de que, no Reino Unido, estima-se que haja algo superior a 4.000 tatuadores produzindo cerca de um milhão de tatuagens por ano, enquanto na Itália, verbi gratia, o número pode chegar a mais de um milhão de pessoas tatuadas.

No mesmo seguimento, ressoa, deveras, oportuna a constatação oriunda de recente pesquisa ocorrida ao final de 2015 e realizada pelo The Harris Polls – empresa especializada em amostras de vários tópicos –, de que, atualmente, 3 em cada 10 norte-americanos possuem, pelo menos, 1 (uma) tatuagem em seu corpo, o que demonstra, ao lado do expressivo grupo de tatuados nos país, um aumento de mais de 50% se relacionado à mesma pesquisa realizada 3 anos antes em 2012.

Essas comprovações empíricas trazem a certeza de que, hodiernamente, as tatuagens, ou outras formas de marcas permanentes realizadas intencionalmente no corpo do indivíduo por sua livre escolha, passaram por intensa transformação quanto ao seu aceitamento social, de forma que, características que estigmatizavam determinados setores da sociedade, tornaram-se sinais que retratam valores, ideias e sentimentos. Hodiernamente, consistem em autêntica forma de liberdade de expressão de um indivíduo que se expressa por meio de uma marca em seu corpo.

De acordo com a Professora de Antropologia da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Débora Krischke Leitão (Mudança de significado da tatuagem contemporânea. Cadernos IHU Ideias, São Leopoldo, v.16, n. 2, mar. 2004. p. 4), quando nos referimos a uma mudança de significado da tatuagem na atualidade, “fala-se da perda de alguns de seus sinais mais transgressivos e de sua incorporação às possibilidades estéticas socialmente aceitas”.

O atual viés, portanto, corrobora a completa ausência de qualquer ligação objetiva e direta entre o fato de um cidadão possuir tatuagens em seu corpo e uma suposta conduta atentatória à moral, aos bons costumes ou ao ordenamento jurídico. Como anteriormente dito, a opção pela tatuagem relaciona-se, diretamente, com as liberdades de manifestação do pensamento e de expressão (CRFB/88, artigo 5°, IV e IX). Assim, ninguém pode, ressalvadas hipóteses muito excepcionais que mais adiante serão expostas, ser punido por tal fato, sob pena de flagrante ofensa aos mais diversos princípios constitucionais inerentes a um Estado Democrático de Direito.

Nesse ponto, destaca-se a possível vulneração ao princípio da igualdade, insculpido no artigo 5º, caput4, da Constituição da República, que preconiza a isonomia dos cidadãos sob o crivo do nosso ordenamento jurídico. Tal mandamento, todavia, deve ser interpretado cum grano salis, mormente porque não se veda ao legislador o tratamento desigual que porventura possa ser empregado a determinada parcela do corpo social, mas desde que em situações específicas e absolutamente justificáveis.

Não é demasiado afirmar que a vida em sociedade, por si, tem o condão de fazer exsurgir condições desiguais entre os indivíduos. Seja por meio de características naturais inerentes a cada ser humano, como as genéticas, que diferem e singularizam cada um de nós, seja em decorrência de fatores históricos, a realidade se apresenta com uma vasta diversidade social. O Constituinte, ao instituir a isonomia como um princípio de nosso Estado Democrático de Direito, teve como objetivo precípuo o implemento de medidas com o escopo de minorar estes fatores discriminatórios.

O fundamento da isonomia tem como destinatário não só a sociedade, como, também, o próprio legislador, uma vez que é vedada a elaboração de norma que estabeleça privilégios ou restrições injustificadas a alguém.

O reconhecimento de que este princípio não se resume ao tratamento igualitário em toda e qualquer situação se faz impositivo. Dentro deste preceito, há espaço para tratamento diferenciado entre indivíduos diante da particularidade de situações, desde que o critério distintivo seja pautado por uma justificativa lógica, objetiva e razoável. Sobre o tema, assim discorre Manoel Gonçalves (Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2001, p. 277):

O princípio da igualdade não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento. Veda apenas aquelas diferenciações arbitrárias. Assim, o princípio da igualdade no fundo comanda que só se façam distinções com critérios objetivos e racionais adequados ao fim visado pela diferenciação.

Consequentemente, o tratamento diferenciado só é justificável, quando destinado a alcançar determinados objetivos para toda uma parcela da sociedade, hipótese em que a desigualação milita em prol da própria isonomia.

É o caso, exempli gratia, da controvérsia jurídica acerca da constitucionalidade de restrições de idade ou de altura mínima de candidatos que concorrem a determinados cargos, empregos ou funções públicas – especialmente daqueles ligados a atividades de segurança pública e militar. A uníssona jurisprudência dessa Corte, recentemente reafirmada no Plenário Virtual, firmou-se no sentido de que, desde que previsto em lei, o estabelecimento de limite de idade para inscrição em concurso público é constitucional quando manifestamente justificado pela natureza das atribuições do cargo.

Nesse sentido, o teor do enunciado nº 683 da Súmula da jurisprudência dominante neste Pretório Excelso: O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido; e a ementa do julgamento da repercussão geral do tema (art. 323-A do RI/STF), verbis:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. LIMITAÇÃO DE IDADE FIXADA EM EDITAL. POLICIAL CIVIL. ART. 7º, XXX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

(ARE 678112 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 25/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe 17-05-2013)

É cediço que há, ainda, restrições à investidura em cargos públicos estampadas na própria Constituição da República, que estabelece, v. g., idade mínima, idade máxima e nacionalidade para a nomeação de determinados agentes políticos (e. g., CRFB/88, art. 14, § 3º), sem que isso ofenda, de maneira alguma, o princípio da isonomia, à luz da unidade da Constituição conquanto regra exegética assentada.

Consectariamente, a lei que restringe o acesso a cargo público somente se revela constitucional, caso plenamente justificável para o pertinente desempenho das atividades do servidor.

A doutrina, nessas hipóteses, apoiada no sistema jurídico vigente, adotou a teoria da chamada desigualdade justificada. Para simplificar essa análise, utilizamos os critérios adotados por Celso Antônio Bandeira de Mello (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 21):

Tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação e o fundamento racional abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda ou não harmonia com eles. (grifo próprio).

Segundo esse parâmetro jusfilosófico, cumpre aferir, em primeiro lugar, o denominado fator de desigualação. Esse elemento deve ser passível de reproduzir-se em indivíduos diferentes, ou seja, não pode ser característica que singularize perpetuamente seu destinatário. Quanto mais singularizado, mais próximo à irreprodutividade estará o citado fator.

O primordial deste ponto é que a norma não pode ser específica de forma a direcionar-se a pessoa certa e determinada. Ainda que trate de característica não generalizada, ou seja, voltada a um número inferior de destinatários, é necessário que ostente, de certa forma, uma generalidade, podendo ser atribuída a sujeitos da mesma classe, ainda, desconhecidos.

Impende destacar que o princípio da isonomia veda tanto a perseguição, com a imposição de gravame injustificável a um indivíduo ou grupo determinado, quanto o favorecimento de alguém nessas mesmas circunstâncias.

Outro aspecto relativo ao fator de desigualação é a inadmissibilidade de que este não se encontre na própria pessoa. O objeto do discrímen deve, necessariamente, residir em circunstância fática objetiva alvo da norma. Isso ocorre pelo seguinte motivo: um fator que não acarrete alterações significativas para a situação fática do objeto da diferenciação é incapaz de atrair a necessidade de uma norma diferente das demais. Características tais como o sexo, localização espacial, idade, raça, etc., quando não relacionados diretamente com a razão da distinção, não podem justificar a aplicação de norma específica.

O acima exposto atrai a análise da denominada correlação lógica entre fator de discrímen e a desequiparação procedida. Este ponto é, talvez, o mais importante para a análise de afronta ou não à isonomia. Para a verificação da validade da norma, o relevante é perquirir a justificativa plausível para o regime de tratamento diverso em situações com aparente condições de igualdade.

O tratamento desigual empregado deve estar diretamente associado ao motivo de sua necessidade, sendo certo que sua utilização injustificada é vedada. Neste contexto, trago a colação as diretrizes de Celso Antônio Bandeira de Mello (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 38), quando afirma que:

(…) no que atina ao ponto central da matéria abordada procede afirmar: é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto.

Na sequência, quanto à consonância da discriminação com os interesses protegidos na Constituição se faz necessário compreender que, tendo em vista que nossa Carta Magna tutela a igualdade dos indivíduos, é imprescindível que, nos casos em que incidente a diferenciação dos mesmos, haja uma justificativa, também, acobertada pela Constituição.

A legitimidade de diferenciações jurídicas não exige propriamente uma correlação lógico-formal entre o critério de diferenciação e o tratamento díspar estabelecido, o que se quer, na verdade, é uma adequada correlação valorativa acerca da razoabilidade da medida (substantive due process of law).

Ao fim e ao cabo, serão inconstitucionais as discriminações injustificadas, o que se verifica pela presença de elementos arbitrários no conteúdo intrínseco da norma analisada.

Sobre o tema, atualíssima a doutrina de Hans Kelsen (Teoria pura do Direito. Tradução Ch. Einsenmann. 2ª ed, Paris, 1962, p. 190):

A igualdade dos sujeitos na ordenação jurídica, garantida pela Constituição, não significa que estes devem ser tratados de maneira idêntica nas normas e em particular nas leis expedidas com base na Constituição. A igualdade assim entendida não é concebível: seria absurdo impor a todos os indivíduos exatamente as mesmas obrigações ou lhes conferir exatamente os mesmos direitos sem fazer distinção alguma entre eles (…)

Leciona a Min. Cármen Lúcia (Princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Jurídicos Lê, 1990. p. 118), em sede doutrinária, que:

O que se quer é a igualdade jurídica que embase a realização de todas as desigualdades humanas e as faça suprimento ético de valores poéticos que o homem possa desenvolver. As desigualdades naturais são saudáveis, como são doentes aquelas sociais e econômicas, que não deixam alternativas de caminhos singulares a cada ser humano único.

In casu, evidencia-se a ausência de razoabilidade da restrição dirigida ao candidato de uma função pública pelo simples fato de possuir tatuagem, posto medida flagrantemente discriminatória e carente de qualquer justificativa racional que a ampare. Assim, o fato de uma pessoa possuir tatuagens, visíveis ou não, não pode ser tratado pelo Estado como parâmetro discriminatório quando do deferimento de participação em concursos de provas e títulos para ingresso em uma carreira pública.

É dizer, inexiste a correlação na diferenciação ora sub examine e os ditames constitucionais. Consoante delimitado, a citada restrição, no caso, não se revela amparada por razão lógica e necessária, decorrendo de arbitrariedade administrativa sem qualquer imbricação com as funções desempenhadas, posto não concretizar conduta contrária à imagem e aos valores de instituições públicas, qualquer que seja o conceito que a eles se queira atribuir. Dito de outro modo, inexiste qualquer relação de pertinência entre a proibição de possuir tatuagem e as características e peculiaridades inerentes à função pública a ser desempenhada pelo candidato. Um policial não é melhor ou pior nos seus afazeres públicos por ser tatuado.

Vale destacar que a tatuagem, nos dias presentes, disseminou-se pela sociedade brasileira, sendo extremamente corriqueira entre pessoas das mais diferentes classes, gêneros e profissões. Como salientado linhas acima, ocorreu uma profunda mudança de seu significado em três principais aspectos: (i) no passado, os usuários restringiam-se a uma população marginal e, agora, abrangem todas as classes sociais; (ii) o próprio tatuador, que inicialmente era amador, passa, agora, a ser um profissional altamente especializado e, principalmente; (iii) a percepção da sociedade das pessoas tatuadas, que anteriormente eram discriminadas e execradas pela sociedade, e, hodiernamente, são encaradas como pessoas que exercem o seu direito de se expressar por meio da pigmentação definitiva de seus corpos.

Mister, portanto, superar a conclusão do antagonismo equivocado entre o fato de ser tatuado e a competência e disponibilidade de produção nos cargos públicos. Não há espaço, atualmente, para a exclusão de um concurso de determinada pessoa que quer e pode exercer sua liberdade de expressão por meio de uma tatuagem.

Nessa linha, resta claro, de plano, que, no contexto da sociedade democrática brasileira pós-88, descentrada, plural e multicultural, a mera circunstância de um candidato possuir tatuagens não pode ser fato que acabe por influir na sua capacidade para o desempenho das atividades de um cargo público, e, a fortiori, que constitua óbice para o acesso ao serviço público. A hipótese encaixa-se, perfeitamente, nos dizeres de Pimenta Bueno (Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857, p. 424), verbis:qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público, será uma injustiça e poderá ser uma tirania”.

Por isso, não há, numa séria e detida abordagem constitucional calcada nos princípios da liberdade e da igualdade, justificativa para que, em pleno século XXI, a Administração Pública e a sociedade visualizem, em pessoas que possuem tatuagens, marcas de marginalidade e de inaptidão física para exercer determinado cargo público.

Ao mesmo tempo, porém, não se pode admitir uma visão lúdica e dissociada por completo da realidade do thema decidendum.

Com efeito, tatuagens que representem, verbi gratia, obscenidades, ideologias terroristas, discriminatórias, que preguem a violência e a criminalidade, discriminação de raça, credo, sexo ou origem, temas inegavelmente contrários às instituições democráticas, podem obstaculizar o acesso a uma função pública e, eventual restrição nesse sentido não se afigura desarrazoada ou desproporcional.

Assim, sem prejuízo de a presença de uma tatuagem não ter aprioristicamente correlação alguma com a capacidade de um cidadão de ocupar um cargo na Administração, é cediço que alguns tipos de pigmentações podem simbolizar ideias, valores e representações inaceitáveis sob uma ótica plural e republicana e serem, pour cause, capazes de impossibilitar o desempenho de uma determinada função pública.

A opção do cidadão, exteriorizada de forma livre e deliberada, por tatuar ideias e/ou símbolos largamente repudiados pela sociedade, demonstra uma adesão a ideais totalmente incompatíveis com a própria função pública. Tatuagens que, verbi gratia, representam formas obscenas, que fazem referência a organizações ou condutas criminosas (v.g., “157”, em referência ao crime de roubo; “121”, em referência ao tipo do homicídio), ou que denotem condutas inaceitáveis sob o prisma da dignidade humana, como as de incentivo ao ódio, à discriminação, ao racismo e ao sexismo, exorbitam do que é aceitável de quem é remunerado para servir a uma sociedade plural sociedade.

A máxima de que cada um é feliz à sua maneira deve ser preservada e incentivada em grau máximo pelo Estado, sendo de destaque o papel que incumbe ao Poder Judiciário nessa missão. Por outro lado, a tatuagem reveladora de um simbolismo ilícito e incompatível com o desempenho da função pública pode mostrar-se inaceitável. Um policial não pode exteriorizar sinais corporais, como tatuagens, que conflitem com esta ratio, como, a título de ilustração, tatuagens de palhaços, que significam, no ambiente marginal, o criminoso que promove o assassinato de policiais.

Nesses casos, a experiência de outros países permite evidenciar não só a relevância dessa questão, mas, também, que o elemento cultural exerce importante e decisiva influência, como denotam algumas normas oriundas do Direito Comparado.

No sistema norte americano, é amplamente conhecido que a intensa tutela ao direito fundamental à liberdade de expressão foi incorporada em 1791 pela famosa e cultuada Primeira Emenda (Amendment I) da Constituição dos Estados Unidos, que assim dispõe:

O Congresso não deve fazer qualquer lei a respeito de se estabelecer uma religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringir a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações por ofensas.5

Ocorre que, a despeito do elevado valor atribuído a tal liberdade, o prestígio dispensado à figura do militar e da autoridade policial nos Estados Unidos também é um elemento cultural, deveras, relevante, de sorte que há muito debate acerca do uso de tatuagens por militares e policiais.

O U.S. Army Regulation 670-1 (Section 1.8 Page 3)6 proíbe, por exemplo, tatuagens na cabeça, no rosto e na parte do pescoço acima do colarinho do uniforme. Além disso, independentemente da parte do corpo, são proibidas tatuagens que prejudiquem a disciplina e a boa ordem, tais como as que sejam referências indecentes, de violência de gênero, racistas e extremistas, bem como as maquiagens ou artifícios que tentem encobrir as tatuagens feitas em partes do corpo não autorizadas. Em mudança recente no regulamento supracitado, operada em 10.04.2015, restou definido que não haveria mais limites quanto ao tamanho e à quantidade de tatuagens que os soldados do Exército poderiam ter nos braços e pernas, desde que elas se mantivessem cobertas pelo uniforme7.

Por outro lado, em recente atualização de suas regras sobre o tema, ocorrida em 31 de março de 2016, a Marinha norte-americana seguiu a tendência mundial de permitir que seus servidores possuam tatuagens visíveis, continuando a proibir, apenas, tatuagens racistas, sexistas, extremistas, indecentes, preconceituosas ou que atentem contra a Instituição. A novel Instrução8 (NAVADMIN 082/16), que entrou em vigor em 30 de abril de 2016, permite aos marinheiros uma tatuagem em seu pescoço, além de liberar tatuagens, sem restrição de tamanho ou quantidade, nos braços e nas pernas.

Em comunicado oficial, a Marinha norte-americana apontou, como justificativa para as alterações, que:

“A atualização de nossas políticas é uma resposta ao aumento da popularidade das tatuagens entre os marinheiros e a população da qual a Marinha alista seus recrutas. Também serve para assegurar que a Marinha não perde oportunidades de alistar jovens homens e mulheres talentosos que desejam servir”9.

Outro exemplo interessante é o caso da Alemanha, em que se verifica a existência de restrições quanto ao ingresso nas forças policiais, tanto no que diz respeito a tatuagens que não sejam cobertas pelos uniformes, tanto em relação as que fazem apologia a ideias discriminatórias ou ofensivas aos valores constitucionais. No âmbito federal, constata-se, nas informações relativas ao processo de recrutamento e admissão da Bundespolizei10, que, como regra:

Quando vestindo o uniforme – exceto quando estiver praticando esporte no serviço – não deve ter tatuagens visíveis, Mehndis (tatuagens de henna) e similares. Se as tatuagens ou similares não estiverem completamente cobertos pelos uniformes usados, eles devem ser cobertos de forma adequada e discreta11.

O mesmo se dá em Portugal12, cujas informações para recrutamento de soldados para o exército assenta que:

Apresentação e atavio

Masculino: (…)

Não são permitidos brincos, “piercings”, tatuagens ou outras formas de arte corporal que sejam visíveis, quando uniformizado.

De volta ao contexto brasileiro, marcado por sua heterogeneidade, é forçoso concluir que o fato de o candidato possuir tatuagens pelo corpo não macula, por si, sua honra pessoal, o profissionalismo, o respeito às Instituições e, muito menos, lhe diminui a competência. Assim, as tatuagens não podem, em uma análise meramente estética, ser inseridas no rol dos critérios para o reconhecimento de uma inaptidão. Cuida-se, na maioria dos casos, de uma idiossincrasia preconceituosa que não encontra amparo na realidade.

Eventual restrição só se justifica, caso seja necessária à finalidade que ela pretende alcançar e à natureza do cargo público. Nesse sentido, o contexto brasileiro, marcado pelo multiculturalismo, apenas aceita a eliminação de candidatos com fundamento na simbologia do desenho e nas finalidades e valores institucionais e constitucionais envolvidos, não sendo justificável estabelecer restrições com amparo na parte do corpo em que a pigmentação se encontra (visível ou invisível em relação ao traje de trabalho), como ocorre em Portugal e na Alemanha.

A tatuagem, desde que não expresse ideologias terroristas, extremistas e contrárias às instituições democráticas, que incitem a violência e a criminalidade, ou incentivem a discriminação ou preconceitos de raça e sexo, ou qualquer outra força de intolerância, é compatível com o exercício de qualquer cargo público.

No ordenamento jurídico pátrio, vale destacar a existência de diversas leis sobre o tema no âmbito das Forças Armadas, direcionadas especificamente para a Marinha13, Aeronáutica14 e Exército15, e que proíbem, apenas, tatuagens ofensivas a determinados valores institucionais ou que representem ofensa à ordem pública.

Quanto à lei específica do Exército, Lei nº 12.705/2012, nota-se a existência de veto da Presidência da República ao critério proposto de restrição ao ingresso de candidatos portadores de tatuagens que “pelas suas dimensões ou natureza, prejudiquem a camuflagem e comprometam as operações militares” (Lei nº 12.705/2012, art. 2º, VIII, “b”). Interessante é que a justificação para o veto amparou-se na hodierna orientação de que “quanto à apresentação de tatuagens, o discrímen só se explica se acompanhado de parâmetros razoáveis ou de critérios consistentes para sua aplicação”.

De todo modo, não está em jogo a legitimidade da opção individual e livre de cada um de se tatuar, que deve ser respeitada por todos, e, em maior extensão, pelo Estado. Sob outro prisma, diversamente do que ocorre na esfera privada, os agentes públicos se submetem a um conjunto de regras estatutárias e princípios próprios, e, mercê da teoria do órgão, exteriorizam a figura e vontade do Estado.

Em sintonia com a tese, merece transcrição parte do parecer do Ministério Público Federal, que assentou:

O fato de um candidato possuir, na pele, marca ou sinal gravado mediante processo de pigmentação definitivo não inviabiliza nem dificulta minimamente o desempenho de qualquer tipo de função, pública ou privada, manual ou intelectual, de modo a incidir, na hipótese, a vedação expressa no artigo 3º da Constituição Federal. Pensar contrariamente seria o mesmo que admitir que uma mancha ou sinal geneticamente adquirido poderia impedir alguém de seguir a carreira militar.

O que poderia ocorrer, em tese, seria a inadequação do candidato cuja tatuagem implicasse ofensa à lei (e não aos “bons costumes” ou à moral).

Também nesse sentido, a União, admitida no processo na qualidade de amicus curiae, trouxe aos autos a seguinte manifestação, verbis:

Nessa linha, a mera circunstância de um candidato possuir na pele marca ou sinal gravado mediante processo de pigmentação definitiva, por não influir em sua capacidade para o desempenho das atividades do cargo, não pode, a principio, constituir óbice para o acesso ao serviço público (…)

É necessário, todavia, distinguir, como também o faz a PGR, determinadas hipóteses, na quais o conteúdo ou a mensagem transmitida pela tatuagem ou marca são manifestamente incompatíveis com os valores éticos e sociais da atividade a ser desempenhada pelo seu detentor.

Conclui-se, portanto, que o critério de exclusão de um certame sob o fundamento da visibilidade de uma tatuagem não possui, por si, qualquer amparo constitucional, na medida em que não cumpre a imperiosa missão de auxiliar na aferição da capacidade de atuação do candidato no cumprimento de seu futuro mister. Apenas justifica-se a restrição, sem prejuízo do inafastável judicial review, em relação àquelas pigmentações definitivas que façam apologia a ideias discriminatórias ou ofensivas aos valores constitucionais, que expresse ideologias terroristas, extremistas, incitem a violência e a criminalidade, ou incentivem a discriminação de raça e sexo ou qualquer outra força de preconceito, mormente porque evocam ideais e representações diretamente contrárias à Constituição, às leis e às atividades e valores das Instituições.

Findando os comentários a respeito das teses objetivas deste voto, cumpre relembrar brilhante passagem do memorável filósofo italiano Norberto Bobbio (O terceiro ausente. Tradução de Daniela Beccaccia Versiani. Barueri, SP, 2009, p. 93), quando pontifica que:

O processo de justiça é um processo ora de diversificação do diferente, ora de unificação do idêntico. A igualdade entre todos os seres humanos em relação aos direitos fundamentais é o resultado de um processo de gradual eliminação de discriminações, e portanto de unificação daquilo que ia sendo reconhecido como idêntico: uma natureza comum do homem acima de qualquer diferença de sexo, raça, religião, etc.

O Estado não pode encarar a liberdade de expressão como algo absoluto, porque não o é, mas, também, não está autorizado a impedir que um cidadão exerça uma função pública, mormente quando tiver sido aprovado em um concurso público, pelo fato de ostentar, de forma visível ou não, uma pigmentação definitiva em seu corpo que simbolize alguma ideologia, sentimento, crença ou paixão. Independentemente de ser visível ou do seu tamanho, uma tatuagem não é sinal de inaptidão profissional, apenas podendo inviabilizar o desempenho de um cargo ou emprego público, quando exteriorizar valores excessivamente ofensivos à dignidade dos seres humanos, ao desempenho da função pública pretendida (como na hipótese, verbi gratia, de um candidato ao cargo policial que possua uma tatuagem simbolizando uma facção criminosa ou o desejo de assassinato de policiais), incitação à violência iminente, ameaças reais ou representar obscenidades.

Nunca é demais rememorar que, nos Estados Unidos, essas manifestações desarrazoadas estão fora da tutela proporcionada pela Primeira Emenda que assegura a liberdade de expressão. Especificamente quanto ao significado do que seria obscenidade, são seguros os critérios apontados pela Suprema Corte norte-americana no famoso aresto Miller vs. Califórnia de 1973 [413 U.S. 15 (1973)]. Nele, a Corte Constitucional dos Estados Unidos apontou que um ato será obsceno quando preencher três condições, desenhadas como os parâmetros do Miller-Test, a saber: um ato será obsceno quando: i) o homem médio, seguindo padrões contemporâneos da comunidade, considere que a obra, tida como um todo, atrai o interesse lascivo; ii) quando a obra retrata ou descreve, de modo ofensivo, conduta sexual, nos termos do que definido na legislação estadual aplicável; iii) quando a obra, como um todo, não possua um sério valor literário, artístico, político ou científico16.

No que diz respeito à violência iminente, uma tatuagem pode obstaculizar o ingresso em um cargo público quando tiver o condão de provocar uma reação violenta imediata naquele que a visualiza, nos termos do que a doutrina denomina de “fighting words”. Palavras que estimulam o emprego imediato da violência não podem ser abrigadas sob o manto da liberdade de expressão, e podem ser combatidas pelo Estado, bem como originar efeitos danosos para quem as utilizar. Além de serem capazes de originar um dano à sociedade, não expressam ideias ou possuem um valor social digno de tutela. Uma tatuagem contendo, por exemplo, a expressão “morte aos menores de rua” se encaixa perfeitamente neste contexto de “fighting words” e não pode ser aceita pelo estado, muito menos por quem pretenda ser agente público.

Nesse pormenor, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos, que foi internalizado em nosso país pelo Decreto nº 592 de 1992, estipula em seu art. 20 que “Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou a violência”. Cuida-se, assim, de uma nítida e legítima restrição à liberdade de expressão amparada por documento celebrado internacionalmente.

As restrições estatais de acesso ao exercício de funções públicas originadas do uso de tatuagens devem ser excepcionais, na medida em que implicam uma interferência do Poder Público em direitos fundamentais diretamente relacionados ao modo como o ser humano desenvolve a sua personalidade. Na avaliação de Friedrich Müller, consagrado professor da universidade de Heidelberg na Alemanha, existe no Estado de Direito uma presunção em favor da liberdade do cidadão, o que pode ser sintetizado pela expressão germânica por ele empregada “Freiheitsvermutung” (presunção de liberdade), lógica que é corroborada pela doutrina norte-americana do primado da liberdade (preferred freedom doctrine)17. Tais limitações não podem submeter o tão caro “direito ao livre desenvolvimento da personalidade” a idiossincrasias ou a conservadorismos morais descabidos. Sob o prisma da sociedade, e aí já não mais exclusivamente do indivíduo, existe o direito de livre intercâmbio de opiniões em um mercado de ideias (free marktplace of ideas a que se refere John Milton) indispensável para a formação da opinião pública. Democracia não se restringe ao direito de eleger o ocupante do poder, mas compreende o de participar ativamente da formação de ideias na sociedade, o que pode se materializar por meio de uma tatuagem. Na arguta percepção de Daniel Sarmento a respeito da relevância da tolerância na sociedade contemporânea:

(…) numa sociedade plural, marcada por um amplo desacordo moral, a tolerância é uma virtude fundamental, não só para a garantia da estabilidade como para a promoção da justiça. (…) Aceitar e respeitar o outro na sua diferença, reconhecendo o seu direito de viver à sua maneira, é cada vez mais essencial no contexto da crescente diversidade cultural, étnica e religiosa que caracteriza a vida nas sociedades contemporâneas18.

O desejo de se expressar por meio de pigmentações definitivas no corpo não pode ser inibido pelo Estado por meio da criação de obstáculos de acesso a cargos públicos. E a previsão desse rigoroso e injusto obstáculo na porta de entrada para o serviço público, que implica a eliminação equivocada de candidatos que, também, podem ser sérios, competentes e bem classificados na disputa, faz com que, na prática, o cidadão só insira as tatuagens em seu corpo após ter ingressado no cargo ou emprego público. Dois pesos duas medidas: quem entra não pode ostentar determinadas tatuagens, mas depois que o indivíduo já está na função pública, desaparece a preocupação estatal com essa matéria, o que corrobora a assertiva lógica de que tatuagem não é sinal de incompetência. Assim, sob o prisma consequencialista a restrição de acesso à função pública em razão da existência de tatuagens também não se justifica.

O Estado não pode querer desempenhar o papel de adversário da liberdade de expressão, incumbindo-lhe, ao revés, assegurar que minorias possam se manifestar livremente, ainda que por imagens estampadas definitivamente em seus corpos. O direito de livremente se manifestar é condição mínima a ser observada em um Estado Democrático de Direito e exsurge como condição indispensável para que o cidadão possa desenvolver sua personalidade em seu meio social. A liberdade implica, no dizer de José Adércio Leite Sampaio, a não intromissão e o direito de escolha19. Em relação à não intromissão, há um espaço individual sobre o qual o Estado não pode interferir, na medida em que representa um sentido afirmativo da personalidade. Nesse contexto, cada indivíduo tem o direito de preservar sua imagem como reflexo de sua identidade, ressoando indevido o desestímulo estatal à inclusão de tatuagens no corpo, o que ocorreria, caso fosse admitida como fator impeditivo à assunção de funções públicas.

A dogmática também reforça as conclusões propugnadas neste voto. De acordo com os ensinamentos de Antonio Enrique Pérez Luño, o texto constitucional deve, sob uma perspectiva defendida por Peter Häberle e John Hart Ely no que tange à correta exegese dos direitos fundamentais, ser interpretado de modo a fomentar a democracia e o pluralismo, verbis:

Las teorias de Häberle y Ely tienen como común denominador su voluntad de possibilitar uma interpretación de la constitución y de los valores y derechos fundamentales puesta al servicio de la democracia y del pluralismo20.

Pelo exposto, proponho que este Tribunal assente a seguinte tese objetiva em sede de Repercussão Geral:

Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais.

Do Caso Concreto

Bem delimitada essas premissas genéricas objetivas, passo à análise do caso concreto.

Na hipótese dos autos, tem-se uma constatação interessante. Após o reconhecimento da Repercussão Geral deste tema, em 28/08/2015, a notícia publicada no site do Supremo Tribunal Federal, só nos últimos meses de 2015, teve o interesse de 49.440 internautas21 Foi a segunda matéria mais acessada no sítio eletrônico do STF no ano de 2015. Nas redes sociais, também, a citada notícia encontrou forte repercussão, e sob um viés digno de registro: a indignação, da maior parte da sociedade, ao tomar ciência de que, até os dias atuais, vários editais, ainda, insistem na anacrônica restrição de acesso àqueles que possuem tatuagens, independentemente de seu conteúdo.

O caso sub examine: Recurso Extraordinário interposto por Henrique Lopes Carvalho da Silveira, com fulcro no art. 102, III, “c”, da Constituição da República, objetiva a reforma da decisão que inadmitiu seu Recurso Extraordinário interposto contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA – Concurso para preenchimento de vaga de soldado da polícia militar – Restrições a tatuagens – Previsão existente nº 5. – Na hipótese, a tatuagem do impetrante se enquadra na restrição existente no edital – Recurso provido.

Noticiam os autos que Henrique Lopes Carvalho da Silveira impetrou mandado de segurança em face do Diretor do Centro de Seleção, Alistamento e Estudos de Pessoal da Policia Militar do Estado de São Paulo, por tê-lo excluído de concurso público para o preenchimento de vagas de Soldado PM de 2ª Classe do referido ente da federação. Alega que sua desclassificação se deu pelo fato de que, na etapa do exame médico, foi constatado que possui uma tatuagem em sua perna esquerda, que, segundo a autoridade apontada como coatora, estaria em desacordo com as normas do edital do concurso.

Concedida a segurança, a Fazenda do Estado de São Paulo interpôs o cabível recurso de apelação, pugnando, em síntese, pela inversão do julgado. Asseverou, na oportunidade, que o edital estabeleceu, de forma objetiva, os parâmetros para que fossem admitidos candidatos que ostentassem tatuagens, aos quais o apelado não se enquadraria.

Em sede de apelação, o c. Tribunal de Justiça de São Paulo, ao prover o recurso e denegar a segurança, salientou, por maioria, que o edital é a lei do concurso e que a restrição em relação à tatuagem encontra-se, expressamente, prevista em sua disposição 5.4.8, de modo que os candidatos que se inscreveram no processo seletivo a teriam aceitado incondicionalmente. O citado edital DP 002/321/2008 previu as seguintes condições:

5.4. Dos Exames Médicos:

5.4.1. Os exames de saúde, também de caráter eliminatório, serão realizados por Junta Médica indicada pelo Chefe do Centro Médico e nomeada pelo Diretor de Pessoal, denominada Junta de Saúde-1 (JS-1), com critérios estabelecidos pelo Departamento de Perícias Médicas daquele Centro e aprovados pelo Comandante Geral da Polícia Militar;

5.4.2. O candidato será submetido a exame médico geral e exames laboratoriais (sangue e urina);

5.4.3. Exame Clínico Geral: […]

5.4.5. Exame odontológico: […]

5.4.6. Exame oftalmológico: […]

5.4.7. Exame otorrinolaringológico: […]

5.4.8. Os candidatos que ostentarem tatuagem serão submetidos à avaliação, na qual serão observados:

5.4.8.1. a tatuagem não poderá atentar contra a moral e os bons costumes;

5.4.8.2. deverá ser de pequenas dimensões, sendo vedado cobrir regiões ou membros do corpo em sua totalidade, e em particular região cervical, face, antebraços, mãos e pernas;

5.4.8.3. não poderá estar em regiões visíveis quando da utilização de uniforme de treinamento físico, composto por camiseta branca meia manga, calção azul-royal, meias brancas, calçado esportivo preto, conforme previsão do Regulamento de Uniformes da Polícia Militar do Estado de São Paulo (R-5-PM); (Grifamos)

O Tribunal local prossegue afirmando que quem faz tatuagem tem ciência de que estará sujeito a esse tipo de limitação e, ainda, que a disciplina militar engloba, também, – e principalmente – o respeito a regras. Ao pretender iniciar sua carreira questionando um preceito imposto a todos de modo uniforme, já estaria, segundo o aresto impugnado, iniciando mal a sua relação com o serviço público (fls. 5 do acórdão recorrido).

Irresignado, o candidato interpôs Recurso Extraordinário. Nas razões do apelo extremo, sustenta a preliminar de repercussão geral e, no mérito, aponta violação aos artigos 1º, inciso III, 5º, inciso II, e 37, caput e incisos I e II, da Constituição da República. Pleiteia a reforma do julgado sob o argumento de inconstitucionalidade do edital, que criou hipótese de exclusão do certame sem respaldo no texto constitucional e em direta afronta aos princípios constitucionais da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.

De plano, cumpre advertir que o fato de o edital criar um liame jurídico entre as partes e de ser confeccionado de acordo com a conveniência e oportunidade administrativa, como ressaltado pelo acórdão recorrido, não o torna imune à apreciação do Poder Judiciário, sob pena de a discricionariedade administrativa transmudar-se em arbitrariedade da Administração.

Nesse ponto, pela análise do contexto normativo aplicável, in casu, verifica-se que a reprovação do candidato se deu pela constatação da existência de tatuagem na perna direita do impetrante – “Tribal, medindo 14 x 13 cm” -, tendo concluído o laudo médico que “o candidato em questão apresenta tatuagem de grande dimensão na perna direita, que visível quando da utilização de uniformes da Corporação. Foi avaliado pelo médico psiquiatra, integrante da JS/1, que o considerou inapto por ferir o edital em relação ao grande porte e em locais visíveis quando da utilização de uniforme de educação física” (fl. 100).

Com efeito, da análise dos fatos trazidos, verifica-se que o acórdão recorrido colide com as duas teses firmadas nesta repercussão geral: (i) a manutenção de inconstitucional restrição elencada em edital de concurso público sem lei que a estabeleça; (ii) a confirmação de cláusula de edital que restringe a participação, em concurso público, do candidato por ostentar tatuagem visível, sem qualquer simbologia que implicasse ofensa ao ordenamento jurídico e à Instituição militar.

Destaque-se que, no caso concreto, não existe lei no sentido formal e material no ordenamento jurídico local que pudesse ser invocada para a existência da restrição editalícia que motivou a exclusão do recorrente do certame. As disposições legais e administrativas invocadas (LC estadual nº 697/92 – SP, e Decretos nº 41.113/96 e nº 42.053/1997, ambos de SP) não trazem qualquer critério de exclusão de candidatos que ostentem tatuagens, sendo inovação contida, apenas, no edital do concurso.

Assim, não bastasse a ausência de previsão legal, que por si só já aclamaria o provimento do recurso, também se constata a inconstitucionalidade da norma editalícia em questão.

Com efeito, as tatuagens existentes na perna do recorrente – “Tribal, medindo 14 por 13 cm (fl. 134) – não afetam a honra pessoal, o pudor ou o decoro exigido dos militares para o provimento de qualquer outro cargo público, mormente por não representar ideologias criminosas, ilegais, terroristas ou extremistas, contrárias às instituições democráticas ou que preguem a violência e a criminalidade, discriminação ou preconceitos de raça, credo, sexo ou origem, ideias ou atos libidinosos.

Portanto, adaptando-se o acórdão recorrido integralmente às teses fixadas neste Recurso Extraordinário, resta clarividente o direito do recorrente de ver seu apelo extremo prosperar.

Ex positis, de acordo com os fundamentos acima delineados, impõe-se a reforma do que decidido pelo acórdão recorrido.

Concluindo, Senhor Presidente, DOU PROVIMENTO ao Recurso Extraordinário e proponho que o Tribunal afirme as seguintes teses objetivas em sede de repercussão geral:

1. Os requisitos do edital para o ingresso em cargo, emprego ou função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal e material.

2. Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais.

É como voto.

*decisão publicada no DJe em 1º.7.2016

Notas de rodapé do RELATÓRIO:

Notas de rodapé do VOTO:

  1. 1          Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(…)

III – a dignidade da pessoa humana;

  1. 2          Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

  1. 3          Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998)

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; (Redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998)

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional 19, de 1998)

  1. 4          Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)
  2. 5          Tradução livre do original: Congress shall make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof; or abridging the freedom of speech, or of the press; or the right of the people peaceably to assemble, and to petition the Government for a redress of grievances.
  3. 6          Army Regulation 670-1 (Uniform and Insignia – Wear and Appearance of Army)

Found in Section 1.8 Page 3

(…)

e. Tattoo policy

(1) Tattoos or brands anywhere on the head, face, and neck above the class A uniform collar are prohibited.

(2) Tattoos or brands that are extremist, indecent, sexist, or racist are prohibited, regardless of location on the body, as they are prejudicial to good order and discipline within units.

(a) Extremist tattoos or brands are those affiliated with, depicting, or symbolizing extremist philosophies, organizations, or activities. Extremist philosophies, organizations, and activities are those which advocate racial, gender or ethnic hatred or intolerance; advocate, create, or engage in illegal discrimination based on race, color, gender, ethnicity, religion, or national origin; or advocate violence or other unlawful means of depriving individual rights under the U.S. Constitution, Federal, or State law (see para 4–12, AR 600–20).

(b) Indecent tattoos or brands are those that are grossly offensive to modesty, decency, or propriety; shock the moral sense because of their vulgar, filthy, or disgusting nature or tendency to incite lustful thought; or tend reasonably to corrupt morals or incite libidinous thoughts.

(c) Sexist tattoos or brands are those that advocate a philosophy that degrades or demeans a person based on gender, but that may not meet the same definition of “indecent.”

(d) Racist tattoos or brands are those that advocate a philosophy that degrades or demeans a person based on race, ethnicity, or national origin.

(…)

(5) Existing tattoos or brands on the hands that are not extremist, indecent, sexist, or racist, but are visible in the class A uniform (worn with slacks/trousers), are authorized.

(…)

(7) Soldiers may not cover tattoos or brands in order to comply with the tattoo policy.

  1. 7             Disponível em: https://www.army. mil/article/146268 /Revised_ uniform_ policy_changes_rules_for_ tattoos__wear_ of_combat_uniform. Acesso em 23/06/2016.
  2. 8          http://www.navy.mil/submit/display.asp?story_id=93938
  3. 9          Tradução livre do original em inglês: This policy update is being made in response to the increased popularity of tattoos for those currently serving and in the population from which the Navy draws its recruits. It is also meant to ensure the Navy does not miss opportunities to bring in talented young men and women who are willing to serve.
  4. 10        https://www.komm-zur-bundespolizei.de/bewerben/auswahlverfahren/
  5. 11        Tradução livre do original em alemão: Aus diesem Grund gilt: Beim Tragen der Dienstkleidung – ausgenommen beim Dienstsport – dürfen Tätowierungen, Brandings, Mehndis (Henna-Tattoos) und Ähnliches nicht sichtbar sein. Sofern sie durch die getragene Dienstkleidung nicht vollständig verdeckt werden, sind sie in geeigneter und dezenter Weise abzudecken.
  6. 12        http://www.exercito.pt/sites/recrutamento/Paginas/CidadaoInfoUteis.aspx
  7. 13        Lei nº 11.279/2006 – Art. 11-A, XII: XII – não apresentar tatuagem que, nos termos de detalhamento constante de normas do Comando da Marinha, faça alusão a ideologia terrorista ou extremista contrária às instituições democráticas, a violência, a criminalidade, a ideia ou ato libidinoso, a discriminação ou preconceito de raça, credo, sexo ou origem ou, ainda, a ideia ou ato ofensivo às Forças Armadas;
  8. 14        Lei nº 12.464/2011 – Art. 20, XVII – não apresentar tatuagem no corpo com símbolo ou inscrição que afete a honra pessoal, o pundonor militar ou o decoro exigido aos integrantes das Forças Armadas que faça alusão a: a) ideologia terrorista ou extremista contrária às instituições democráticas ou que pregue a violência ou a criminalidade; b) discriminação ou preconceito de raça, credo, sexo ou origem; c) ideia ou ato libidinoso; e d) ideia ou ato ofensivo às Forças Armadas ou à sociedade;
  9. 15        Lei nº 12.705/2012 – Art. 2º, VIII – não apresentar tatuagens que, nos termos de detalhamento constante de normas do Comando do Exército: a) faça alusão a ideologia terrorista ou extremista contrária às instituições democráticas, a violência, a criminalidade, a ideia ou ato libidinoso, a discriminação ou preconceito de raça, credo, sexo ou origem ou, ainda, a ideia ou ato ofensivo às Forças Armadas; b) (VETADO);
  10. 16        Os parâmetros foram objeto de uma tradução livre do inglês. Texto original: 1. Whether the average person, applying contemporary community standards, would find that the work, taken as a whole, appeals to the prurient interest;
  11. 17        Apud LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitución. Madrid: Tecnos, 1984, p. 321.
  12. 18        SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen, 2006, p. 243.
  13. 19        SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à Intimidade e à Vida Privada. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 264.
  14. 20        LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitución. Madrid: Tecnos, 1984, p. 313.
  15. 21        http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=307256&caixaBusca=N; (acesso em 26/05/2016)

Inovações Legislativas

26 a 30 de setembro de 2016

Lei nº 13.340, de 28.9.2016– Autoriza a liquidação e a renegociação de dívidas de crédito rural; altera a Lei no 10.177, de 12 de janeiro de 2001; e dá outras providências. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 188, p. 1, em 29.9.2016.

Outras Informações

26 a 30 de setembro de 2016

Decreto nº 8.858, de 26.9.2016 – Regulamenta o disposto no art. 199 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 186, p. 3, em 27.9.2016.

Decreto nº 8.863, de 28.9.2016 – Dispõe sobre a criação, a estrutura e as atribuições do Ombudsman de Investimentos Diretos e dá outras providências. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 188, p. 4, em 29.9.2016.

Decreto nº 8.861, de 28.9.2016 – Dispõe sobre a designação das autoridades centrais brasileiras no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, firmada em Cidade da Praia, em 23 de novembro de 2005. Publicado no DOU, Seção 1, Edição nº 188, p. 4, em 29.9.2016.

Secretaria de Documentação – SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

 CJCD@stf.jus.br

Como citar e referenciar este artigo:
STF,. Informativo nº 841 do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/stf-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-841-do-stf/ Acesso em: 21 nov. 2024
STF

Informativo nº 908 do STF

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Informativo nº 907 do STF

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Informativo nº 895 do STF

STF

Informativo nº 894 do STF

STF

Informativo nº 893 do STF

STF

Informativo nº 892 do STF