STF

Informativo nº 839 do STF

Brasília, 12 a 16 de setembro de 2016

Data de divulgação: 26 de setembro de 2016

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a publicação do acórdão no Diário da Justiça.

Sumário

Plenário

Conflito de competência e discussão sobre depósito de FGTS

Art. 7º, XIII, da CF e jornada especial de trabalho

Convenção 158 da OIT e denúncia unilateral – 9

Repercussão Geral

Art. 384 da CLT e recepção pela CF/1988: segundo julgamento

Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento

Direito à saúde e medicamento sem registro na Anvisa

1ª Turma

Colaboração premiada e requisitos para concessão de perdão judicial

Administração Pública: ressarcimento e decadência – 3

2ª Turma

Intimação da Defensoria Pública e sessão de julgamento de HC

Repercussão Geral

Clipping do DJe

Transcrições

Extradição e causa de interrupção da prescrição (Ext 1.346 ED/DF)

Inovações Legislativas

 

Plenário

Conflito de competência e discussão sobre depósito de FGTS

Compete à justiça trabalhista processar e julgar causa relativa a depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de servidor que ingressou no serviço público antes da Constituição de 1988 sem prestar concurso.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, conheceu de conflito de competência entre Tribunal Superior do Trabalho e tribunal de justiça estadual.

No caso, após o trânsito em julgado de decisão que declarara a improcedência de reclamação trabalhista, teria sido proposta ação rescisória. Na peça, o reclamante sustentou a incompetência absoluta da justiça do trabalho devido à transformação do regime jurídico de celetista para estatutário com base em lei municipal editada em 1994.

Prevaleceu o voto do ministro Marco Aurélio (relator). Em seu entendimento, a competência seria uma decorrência da jurisdição atribuída pela Constituição ou por lei ao órgão judicial. Além disso, ela seria definida conforme a ação proposta de acordo com a causa de pedir.

Desse modo, em relação jurídica de natureza celetista na qual se pretendam parcelas trabalhistas, a análise do tema cabe à justiça do trabalho, e não à justiça comum. Àquela incumbiria até mesmo o exame de possível carência da ação.

Os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso, tendo em vista a apreciação do Tema 853 da repercussão geral pelo STF, acompanharam a conclusão do relator. Em tal precedente, a Corte havia assentado que compete à justiça do trabalho processar e julgar demandas relacionadas à obtenção de prestações trabalhistas ajuizadas contra órgãos da Administração Pública por servidores que ingressaram em seus quadros sem concurso público, antes da CF/1988, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A ministra Cármen Lúcia (presidente) e os ministros Gilmar Mendes e Roberto Barroso ressalvaram que a “causa petendi” do pedido não definiria a competência.

O ministro Dias Toffoli ficou vencido, ao entender que a competência para julgar a causa é da justiça estadual comum. Pontuou que já havia decidido nesse sentido em caso análogo (CC 7.876/PR, DJE de 3-2-2015).

CC 7.950/RN, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 14-9-2016.

Art. 7º, XIII, da CF e jornada especial de trabalho

É constitucional o art. 5º da Lei 11.901/2009 [“A jornada do Bombeiro Civil é de 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) horas de descanso, num total de 36 (trinta e seis) horas semanais”].

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido formulado em ação direta que questionava o referido dispositivo.

Segundo oTribunal, a norma impugnada não viola o art. 7º, XIII, da CF/1988 [“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”].

A jornada de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso encontra respaldo na faculdade conferida pelo legislador constituinte para as hipóteses de compensação de horário. Embora não exista previsão de reserva legal expressa no referido preceito, há a possibilidade de negociação coletiva. Isso permite inferir que a exceção estabelecida na legislação questionada garante aos bombeiros civis, em proporção razoável, descanso de 36 horas para cada 12 horas trabalhadas, bem como jornada semanal de trabalho não superior a 36 horas.

Da mesma forma, não haveria ofensa ao art. 196 da CF/1988. A jornada de trabalho que ultrapassa a 8ª hora diária pode ser compensada com 36 horas de descanso e o limite de 36 horas semanais. Ademais, não houve comprovação, com dados técnicos e periciais consistentes, de que essa jornada causasse danos à saúde do trabalhador, o que afasta a suposta afronta ao art. 7º, XXII, da CF/1988.

Vencidos, em parte, os ministros Roberto Barroso, Rosa Weber e Marco Aurélio. Para eles, era procedente o pedido para fixar interpretação conforme à Constituição no sentido de que a norma poderia ser excepcionada por acordo coletivo ou pelo exercício legítimo da liberdade de contratação das partes.

ADI 4.842/DF, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 14-9-2016.

Convenção 158 da OIT e denúncia unilateral – 9

O Plenário retomou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ajuizada em face do Decreto 2.100/1996. Por meio dessa norma, o presidente da República tornara pública a denúncia, pelo Brasil, da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativa ao término da relação de trabalho por iniciativa do empregador — v. Informativos 323, 421, 549 e 807.

Em voto-vista, o ministro Teori Zavascki julgou improcedente o pedido formulado. Entendeu, contudo, que a denúncia de tratados internacionais pelo presidente da República dependeria de autorização do Congresso Nacional. Propôs, então, que se outorgasse eficácia apenas prospectiva.  Assim, seriam preservados, dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, o decreto atacado — o que ensejaria juízo de improcedência do pedido formulado na ADI — e os demais atos de denúncia isoladamente praticados pelo presidente da República até a data da publicação da ata de julgamento da referida ação.

O relator afirmou ser indiscutível que o Poder Executivo ocupa posição de destaque na geometria institucional das relações exteriores. Afinal, esse Poder é responsável pela representação do País na comunidade internacional e está à frente das atividades de chancelaria (CF/1988, art. 84, VII), especialmente daquelas que envolvem a celebração de tratados internacionais, que, pela sua relevância, teriam ganhado fundamento constitucional próprio (CF/1988, art. 84, VIII). No entanto, o protagonismo do presidente da República na promoção das relações exteriores não o transformaria numa espécie de autoridade desconstitutiva especial.  Tampouco o capacitaria a revogar, a qualquer tempo, e apenas pela manifestação de sua vontade individual, ato normativo que tivesse sido incorporado ao direito interno, com alcance geral e abstrato, em decorrência da celebração de tratado internacional.

Segundo consignou o relator, o modo sucinto pelo qual a Constituição Federal verbaliza a distribuição de poderes nas relações internacionais brasileiras não traduziria silêncio eloquente, capaz de superficializar a missão do Legislativo no tema. Também não cassaria a palavra do Poder legiferante quanto a deliberações estatais submetidas à regra geral da legalidade. Portanto, nem o laconismo das disposições constitucionais, nem a previsão específica de denúncia nos instrumentos internacionais poderiam conduzir a erosão das competências exclusivas do Poder Legislativo.

A declaração da vontade do Estado brasileiro no plano externo — mediante assinatura de acordos, entrega de notas de ratificação ou exercício de denúncia — está compreendida nas competências próprias do presidente da República e só por ele podem ser exercidas. No entanto, quando a denúncia puder acarretar transformação da realidade normativa já acomodada no direito interno, o presidente da República só poderia proceder mediante autorização do Congresso Nacional, sob pena de sacrifício do postulado da legalidade.  

Fixadas essas premissas, seria desnecessário, para a solução do caso concreto, fazer qualquer juízo sobre a eficácia das disposições veiculadas pela Convenção 158 da OIT ou sobre a natureza dos padrões jurídicos por ela trazidos. Ficaria dispensada, também, qualquer avaliação a respeito de a mencionada convenção ser ou não um tratado de direitos humanos. Bastaria considerar que a Convenção 158 da OIT e o Decreto 1.855/1996, que a promulgou internamente, instituiriam obrigações para o Poder Legislativo. Esse fator já demonstraria a impossibilidade de que tais normas fossem desconstituídas sem a expressa aquiescência do parlamento.

Todavia, caberia reconhecer a longevidade de um contexto institucional, até agora prevalente no País, que se beneficiaria de certa indiferença dos demais Poderes constituídos em relação a episódios de extroversão presidencial. Ressalte-se, nesse sentido, a existência de ao menos quatorze convenções da OIT já denunciadas desde 1934. Ainda que não se pudesse identificar costume constitucional nessa conjuntura, seria inevitável perceber a existência de prática suficientemente projetada e consolidada no tempo. Em situações como essas, o STF, diante da necessidade de resguardar a segurança jurídica, acionaria a cláusula de modulação de efeitos prevista do art. 27 da Lei 9.868/1999, de maneira a diferir as consequências executivas de suas decisões.

No caso, portanto, haveria que se proceder à modulação temporal dos efeitos da decisão eventualmente tomada. Desse modo, a prudência de chancelar atos praticados segundo o centenário entendimento em outro sentido levaria ao julgamento de improcedência do pedido formulado na ação direta em comento.

Em seguida, pediu vista dos autos o ministro Dias Toffoli.

ADI 1.625/DF, rel. min. Maurício Corrêa, julgamento em 14-9-2016.

 

Repercussão Geral

Art. 384 da CLT e recepção pela CF/1988: segundo julgamento

O Plenário iniciou o segundo julgamento de recurso extraordinário em que se discute, à luz do princípio da isonomia, a compatibilidade do art. 384 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [“Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho”] com a Constituição Federal/1988. O dispositivo, inserido no capítulo de proteção do trabalho da mulher, concede-lhe o referido intervalo com exclusividade. Além disso, como sanção pelo não atendimento da norma, há o pagamento, previsto em lei, de indenização com adicional de 50% pela empresa empregadora.

O ministro Dias Toffoli (relator) esclareceu tratar-se do segundo julgamento do recurso. Tal situação ocorreu devido ao acolhimento de embargos declaratórios (RE 658.312 ED/SC, DJe de 3-9-2015) para anular o acórdão proferido pelo Tribunal na primeira apreciação do recurso (DJe de 10-2-2015). Naquela ocasião, verificara-se que os advogados devidamente constituídos não haviam sido intimados para comparecer à sessão de julgamento.

No mérito, o relator desproveu o recurso. Assentou que o art. 384 da CLT foi recepcionado pela CF/1988 e, portanto, se aplica a todas as mulheres trabalhadoras.

Ressaltou, ainda, que a cláusula geral da igualdade consta expressamente em todas as constituições brasileiras, desde 1824. Entretanto, somente a partir da CF/1934, o tratamento igualitário entre homens e mulheres recebeu destaque.

Tal realidade jurídica, porém, não garantiu a plena igualdade entre os sexos no mundo dos fatos. Por isso, a CF/1988 explicita, em três mandamentos, a garantia da igualdade: a) fixa a cláusula geral de igualdade, ao prescrever que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; b) estabelece cláusula específica de igualdade de gênero, ao declarar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; c) excepciona a possibilidade de tratamento diferenciado, que seria dado nos termos constitucionais.

Desse modo, situações expressas de tratamento desigual foram dispostas formalmente na própria Constituição, que utiliza critérios para a diferenciação, a exemplo dos artigos 7º, XX; e 40, § 1º, III, “a” e “b”. Primeiramente, a distinção considera a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impõe ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e legislativas de natureza protetora no direito do trabalho. Ainda de acordo com o texto constitucional, há componente biológico a justificar o tratamento diferenciado, haja vista a menor resistência física da mulher. Por fim, há a existência de componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no ambiente de trabalho.

No caso em tela, o dispositivo da CLT não retrata mecanismo de compensação histórica por discriminações socioculturais. Leva em conta os outros dois critérios: componentes biológico e social. Entretanto, os parâmetros constitucionais legitimam tratamento diferenciado desde que a norma instituidora amplie direitos fundamentais das mulheres e atenda ao princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças.

Sendo assim, o relator destacou que, ao se analisar o teor da norma discutida, é possível inferir que ela trata, proporcionalmente, de aspectos de evidente desigualdade, ao garantir à mulher período mínimo de descanso de quinze minutos antes da jornada extraordinária de trabalho.

 

Embora, com o tempo, tenha ocorrido a supressão de alguns dispositivos sobre a jornada de trabalho feminina na CLT, o legislador mantivera a regra do art. 384. O objetivo seria garantir proteção diferenciada à mulher, dada sua identidade biossocial peculiar.

Por sua vez, não existe fundamento sociológico ou comprovação por dados estatísticos a amparar a tese de que essa norma dificultaria ainda mais a inserção da mulher no mercado de trabalho. O discrímen não viola a universalidade dos direitos do homem. Afinal, o legislador vislumbrara a necessidade de maior proteção a um grupo de trabalhadores de forma justificada e proporcional. Inexiste, também, violação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, recepcionada pela Constituição, que proclama, inclusive, outros direitos específicos das mulheres: a) nas relações familiares, ao coibir a violência doméstica; b) no mercado de trabalho, ao proibir a discriminação e garantir proteção especial mediante incentivos específicos.

Além disso, o preceito atacado não viola o art. 7º, XXX, da CF/1988. Não há, no dispositivo, tratamento distinto quanto ao salário a ser pago a homens e mulheres, tampouco critérios diferenciados de admissão ou exercício de funções.

A norma não gera, no plano da eficácia, prejuízos ao mercado de trabalho feminino. O intervalo previsto só tem cabimento quando a trabalhadora labora ordinariamente com jornada superior ao limite permitido em lei por uma exigência do empregador. Adotar a tese da prejudicialidade faria inferir, também, que outros direitos, como salário-maternidade, licença-maternidade, prazo reduzido para aposentadoria, proibição de dispensa da trabalhadora por contrair matrimônio ou estar grávida e outros benefícios assistenciais e previdenciários existentes em favor das mulheres acabariam por desvalorizar a mão de obra feminina.

Concluiu-se que, no futuro, poderia haver efetivas e reais razões fáticas e políticas para a revogação da norma, ou mesmo para a ampliação do direito aos trabalhadores de ambos os sexos.

Por fim, o ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo.

RE 658.312 2º julg/SC, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 14-9-2016.

Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute o dever de o Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave sem condições financeiras para comprá-lo.

No caso, o Estado-membro havia sido condenado a fornecer medicação para tratamento de doença grave. Na decisão judicial atacada, o ente havia alegado que privilegiar o atendimento de um único indivíduo comprometeria políticas de universalização do serviço de fornecimento de fármacos, em prejuízo aos cidadãos em geral. Dessa forma, debilitaria investimentos nos demais serviços de saúde e em outras áreas, como segurança e educação. Além disso, violaria a reserva do possível e a legalidade orçamentária.

O ministro Marco Aurélio (relator) desproveu o recurso extraordinário. Em seu voto, afirmou que reconhecer o direito individual à oferta, pelo Estado, de remédio de alto custo não incluído na Política Nacional de Medicamentos ou em Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional depende de comprovada imprescindibilidade — adequação e necessidade — ou impossibilidade de substituição do fármaco. É necessário demonstrar, ainda, a incapacidade financeira do enfermo e dos membros da família solidária, respeitadas as disposições sobre alimentos previstas nos arts. 1.694 a 1.710 do Código Civil (CC).

O relator rememorou que, no País, há a Política Nacional de Medicamentos. Por meio dela, elaboram-se listas de remédios a serem distribuídos aos necessitados, com destaque para o Programa de Medicamentos de Dispensação em Caráter Excepcional, referente às medicações de alto custo ou excepcionais. Mencionou, também, ser esperado que essas políticas levem, progressivamente, à distribuição universal e ao uso racional de medicamentos.

Entretanto, ressaltou não estar em discussão o controle jurisdicional do mérito amplo dessas políticas, e sim a tutela judicial de situações especiais, quando não alcançadas por essas medidas. Afinal, não caberia ao Poder Judiciário formular políticas públicas, mas corrigir injustiças concretas.

Assim, verificada a transgressão ao mínimo existencial, o direito individual à saúde se revelaria imponderável frente aos mais relevantes argumentos de ordem administrativa. É o caso do comprometimento de políticas de universalização da prestação aos demais cidadãos e de investimentos em outras áreas. Objeções de cunho administrativo não podem prevalecer diante de ofensas ao mínimo existencial. Argumentos genéricos ligados ao princípio estruturante da separação de Poderes tampouco têm sentido prático em face de inequívoca transgressão a direitos fundamentais.

Ainda segundo o relator, para a configuração do mínimo existencial passível de tutela mediante intervenção judicial, seria imperioso verificar a imprescindibilidade do medicamento para a concretização do direito à saúde — elemento objetivo— e a incapacidade financeira de aquisição — elemento subjetivo.

A imprescindibilidade estaria configurada quando provado que o estado de saúde do paciente reclama o uso do medicamento de alto custo ausente dos programas de dispensação do governo para o procedimento terapêutico apontado como necessário ao aumento de sobrevida ou à melhora da qualidade de vida, condições da existência digna do enfermo. Tal prova se daria em processo e por meio de laudo, exame ou indicação médica lícita.

Nesse caso, caberia ao Estado prova em contrário tanto da inadequação como da desnecessidade do medicamento. Revelada a sua absoluta inutilidade ou, ao menos, a inequívoca insegurança quanto a resultados positivos, bem como a existência de outro fármaco com menor custo e mesma eficácia, a imprescindibilidade seria afastada.

O segundo elemento a ser considerado é a incapacidade financeira. O dever de tutela estatal do mínimo existencial estaria definitivamente configurado se provada a ausência de capacidade financeira para a aquisição de medicação reconhecidamente adequada e necessária ao tratamento de saúde do indivíduo. Tal ótica estaria em conformidade com as decisões do STF.

Quanto à situação financeira do paciente, o relator frisou que, na família contemporânea, não pode haver direitos sem responsabilidades. A igualdade e a autonomia dos integrantes reclamam reciprocidade e solidariedade. Essa concepção é clara no art. 229 da Constituição, segundo o qual os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores; e os filhos maiores, o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. O dispositivo abrange, portanto, os deveres de cuidado com a saúde como manifestação cogente de solidariedade familiar. Logo, a dignidade humana, considerado o direito à saúde, seria comprometimento não só do Estado mas também da família. E, tendo em vista que não há hierarquia formal entre esses diferentes deveres de solidariedade, cabe ao intérprete harmonizá-los.

Por ser específico, o dever familiar precede o estatal, que é custeado por toda a sociedade por meio de tributos. Nesse sentido, o Estado atua subsidiariamente, ou seja, exclusiva ou complementarmente, a depender do nível de capacidade financeira da família solidária.

Entretanto, para o relator, ainda que os deveres de solidariedade familiar estejam presentes, o mínimo existencial dos membros da família deve ser respeitado. A obrigação dos familiares é limitada pela capacidade financeira de custeio dos direitos básicos — saúde, educação, alimentação, moradia — de si mesmos e dos parentes mais próximos. Dessa forma, o dever solidário de cada um surge apenas quando não prejudicado o sustento individual do próprio mínimo existencial e o dos familiares mais próximos, assim categorizados conforme a disciplina legal pertinente. Para isso, as nuances de prioridades devem ser resolvidas pela observância das regras do Código Civil sobre a estrutura da família, das relações de parentesco e dos deveres alimentares.

De acordo com o art. 1.694 do CC, o direito aos alimentos está vinculado às relações conjugais, de união estável e de parentesco. Quanto às relações conjugais hétero e homoafetivas, a obrigação recai sobre o cônjuge; já no caso da união estável, o companheiro é o responsável.

Quanto ao parentesco, tanto na relação natural quanto na civil, ou até mesmo na socioafetiva, o dever observaria o art. 1.697 do CC (“Na falta dos ascendentes, a obrigação de alimentos cabe aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, na falta destes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais”). O dispositivo abarcaria as relações de parentesco em linha reta e colateral, caso em que, aquelas precederiam estas.

Nesse sentido, considerando-se parentes em linha reta, a obrigação prioritária é dos pais (ascendentes em primeiro grau). Tal responsabilidade pode recair de forma exclusiva, sucessiva ou complementar sobre os demais ascendentes, avós ou bisavós (CC, art. 1.696). Na ausência dos ascendentes ou na incapacidade financeira deles, o dever é atribuído aos descendentes, observada a ordem de sucessão (filhos, netos e assim por diante).

Na falta de ascendentes e descendentes, surge o dever de solidariedade por relação de parentesco em linha colateral, considerados os irmãos, germanos ou unilaterais.

Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Roberto Barroso.

RE 566.471/RN, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 15-9-2016.

Direito à saúde e medicamento sem registro na Anvisa

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute o dever de o Estado fornecer medicamento não registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

O ministro Marco Aurélio (relator) negou provimento ao recurso. Em seu voto, afirmou que o Estado não está obrigado a fornecer medicamento se revelada sua absoluta inutilidade ou, ao menos, se houver inequívoca insegurança quanto a resultados positivos, bem como a existência de outro produto com menor custo e mesma eficácia.

Enfatizou, ainda, que o registro do fármaco no órgão do Ministério da Saúde é condição para industrialização, comercialização e importação com fins comerciais, segundo o art. 12 da Lei 6.360/1976 (“Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”). A inobservância desse preceito configura ilícito, portanto.

Ao final, sublinhou que o registro ou cadastro do medicamento é condição indispensável para que a Anvisa possa monitorar a segurança, a eficácia e a qualidade terapêutica do produto. Diante da ausência de tal procedimento, a inadequação é presumida.

O julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Roberto Barroso.

RE 657.718/MG, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 15-9-2016.

 

Primeira Turma

Colaboração premiada e requisitos para concessão de perdão judicial

A Primeira Turma iniciou julgamento de “habeas corpus” em que se discute a necessidade de “espontaneidade” ou unicamente de “voluntariedade” na colaboração premiada para conceder perdão judicial.

O ministro Marco Aurélio (relator) indeferiu a ordem. Foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Rosa Weber. O relator afirmou que, segundo o art. 13 da Lei 9.807/1999, o juiz pode, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado primário que cooperar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal. Porém, dessa colaboração deve resultar: a) a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa; b) a localização da vítima, com integridade física preservada; c) a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Consignou que os vocábulos “voluntariedade” e “espontaneidade” teriam sido utilizados pelo tribunal “a quo” sem distinção de sentido, ressaltando-se a necessidade de a colaboração do réu, para efeito de concessão do perdão judicial, decorrer de livre vontade, desprovida de qualquer tipo de constrangimento.   

Verificou, por meio de definição colhida em dicionário da língua portuguesa, a sinonímia entre os termos. De acordo com a obra, “voluntário” seria “aquilo que não é forçado, que só depende da vontade; espontâneo”.

Salientou, ainda, que o tribunal de origem, ao afastar a aplicabilidade do benefício, teria considerado ausente a efetividade da colaboração em comento como meio para obter provas. As investigações policiais, em momento anterior ao da celebração do acordo, teriam revelado os elementos probatórios acerca do esquema criminoso integrado pela paciente, especializado em enviar pessoas ilegalmente para o exterior.

No mais, sustentou que, no julgamento impugnado, teria sido levado em conta, na dosagem da diminuição da pena, o alcance da colaboração prestada.

O ministro Edson Fachin divergiu parcialmente, apenas quanto à sinonímia entre “voluntariedade” e “espontaneidade”. Destacou que a Lei 9.807/1999 prevê expressamente apenas o elemento “voluntariedade”. Assim, na ausência de previsão legal, esse critério bastaria para a colaboração premiada. A presença de “espontaneidade”, portanto, seria desnecessária.

Em seguida, o ministro Luiz Fux pediu vista dos autos.

HC 129.877/RJ, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 13-9-2016.

Administração Pública: ressarcimento e decadência – 3

Por não vislumbrar preclusão temporal e por considerar inadequada a via eleita, a Primeira Turma, em conclusão de julgamento e por maioria, denegou a ordem em mandado de segurança.

O Tribunal de Contas da União (TCU) havia determinado que órgão da Administração Pública federal adotasse providências para que fosse restituída quantia relativa a auxílio-moradia paga a servidora pública entre outubro de 2003 e novembro de 2010. A impetrante sustentava a decadência do direito de a Administração Pública anular os atos dos quais decorreram efeitos favoráveis. Alegava, ainda, a necessidade de observância do princípio da proteção da confiança, ante a presunção de legalidade dos atos praticados por agentes públicos. Salientava a boa-fé no recebimento dos valores — v. Informativo 807.

Prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin. Para ele, não há que se falar em prescrição e decadência em casos de pretensão ressarcitória do Estado, tendo em conta o disposto no art. 37, § 5º, da CF/1988 (“A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”). Por outro lado, verificar a legitimidade da percepção do auxílio-moradia e a existência de boa-fé da impetrante demandaria incursão na análise de fatos e provas. Tal questão, portanto, deveria ser debatida em ação ordinária, de ampla cognição, e não na via estreita do mandado de segurança.

O ministro Roberto Barroso, por sua vez, considerou evidente a má-fé da impetrante, que residia no mesmo local havia mais de dez anos, mas simulara situação de deslocamento. Assim, o prazo decadencial previsto no art. 54, “caput”, da Lei 9.784/1999, não fluiria em virtude do recebimento indevido dos valores.

Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que concediam o “writ”. O relator originário invocava o princípio da segurança jurídica e não vislumbrava a ocorrência de má-fé na percepção dos valores.

MS 32.569/DF, rel. orig. min. Marco Aurélio, rel. p/ o ac. min. Edson Fachin, julgamento em 13-9-2016.

 

Segunda Turma

Intimação da Defensoria Pública e sessão de julgamento de HC

A intimação pessoal da Defensoria Pública quanto à data de julgamento de “habeas corpus” só é necessária se houver pedido expresso para a realização de sustentação oral.

Com base nesse entendimento, a Segunda Turma denegou a ordem. Pleiteava-se, no caso, a declaração de nulidade de sessão de julgamento de recurso ordinário em “habeas corpus” ante a ausência de prévia intimação da Defensoria. Alegava-se cerceamento de defesa.

A Turma reiterou, assim, orientação firmada no julgamento do RHC 116.173/RS (DJe de 10-9-2013) e do RHC 116.691/RS (DJe de 1º-8-2014).

HC 134.904/SP, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 13-9-2016.

 

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos

1ª Turma 13.9.2016           —                   27

2ª Turma 13.9.2016           —                    7

R e p e r c u s s ã o  G e r a l

DJe de 12 a 16 de setembro de 2016

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 968.574-MT

RELATOR : MIN. TEORI ZAVASCKI

Ementa: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SERVIDOR PÚBLICO. ÍNDICE RELATIVO À PERDA SALARIAL DECORRENTE DA CONVERSÃO DO CRUZEIRO REAL EM UNIDADE REAL DE VALOR (URV). TERMO FINAL DA INCORPORAÇÃO. REESTRUTURAÇÃO REMUNERATÓRIA DA CARREIRA. VERIFICAÇÃO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

 

1. Possui natureza infraconstitucional a controvérsia relativa à ocorrência ou não de reestruturação remuneratória da carreira de servidor público, para fins de estabelecimento do termo final da incorporação do percentual relativo à perda salarial decorrente da conversão do Cruzeiro Real em URV.

2. É cabível a atribuição dos efeitos da declaração de ausência de repercussão geral quando não há matéria constitucional a ser apreciada ou quando eventual ofensa à Carta Magna ocorra de forma indireta ou reflexa (RE 584.608-RG, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJe de 13/3/2009).

3. Ausência de repercussão geral da questão suscitada, nos termos do art. 1.035 do CPC/2015.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 892.238-RS

RELATOR : MIN. LUIZ FUX

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DO EMPREGADO. ADICIONAL DE FÉRIAS. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. DÉCIMO TERCEIRO PROPORCIONAL. AUXÍLIO DOENÇA. HORAS EXTRAS. NATUREZA JURÍDICA DAS VERBAS. SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO. ENQUADRAMENTO. INTERPRETAÇÃO DA LEI 8.212/1991, DA LEI 8.213/1991 E DO DECRETO 3.038/1999. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. TEMA 908. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 928.943-SP

RELATOR : MIN. LUIZ FUX

Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO E CONSTITUCIONAL. CONTRIBUIÇÕES DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO INCIDENTES SOBRE REMESSAS AO EXTERIOR. LEIS 10.168/2000 E 10.332/2001. PERFIL CONSTITUCIONAL E PARÂMETROS PARA O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. TEMA 914. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.

REPERCUSSÃO GERAL EM ARE N. 979.764-PR

RELATOR : MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA: Recurso extraordinário com agravo. Salário educação. Sujeição passiva. Produtor rural pessoa física. Equiparação a empresa. Matéria infraconstitucional. Afronta reflexa. Efeitos da ausência de repercussão geral.

Decisões Publicadas: 4

C l i p p i n g  d o  D Je

12 a 16 de setembro de 2016

ADI N. 5.287-PB

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. AÇÃO PROPOSTA PELA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFENSORES PÚBLICOS – ANADEP. ART. 103, IX, DA CRFB/88. LEGITIMIDADE ATIVA. PERTINÊNCIA TEMÁTICA CARACTERIZADA. LEI Nº 10.437/2015 DO ESTADO DA PARAÍBA. LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL QUANTO À MATÉRIA. POSSIBILIDADE DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. DEVER PROCESSUAL DE IMPUGNAÇÃO DO OBJETO NÃO INTEIRAMENTE CUMPRIDO. AÇÃO CONHECIDA PARCIALMENTE. DEFENSORIA PÚBLICA. AUTONOMIA FUNCIONAL, ADMINISTRATIVA E ORÇAMENTÁRIA. ART. 134, § 2º, DA CRFB/88. REDUÇÃO UNILATERAL, PELO GOVERNADOR DO ESTADO, DOS VALORES CONSTANTES DA PROPOSTA ORÇAMENTÁRIA ELABORADA E APRESENTADA PELA DEFENSORIA PÚBLICA ESTADUAL. APRECIAÇÃO DA PROPOSTA DE LEI ORÇAMENTÁRIA. ATRIBUIÇÃO DO PODER LEGISLATIVO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. ARTS. 2º E 166 DA CRFB/88. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM A PRONÚNCIA DE NULIDADE. AÇÃO DIRETA PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA PARTE, JULGADA PROCEDENTE PARA A FIXAÇÃO DE TESE.

1. Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa, bem como a prerrogativa de formulação de sua própria proposta orçamentária (art. 134, § 2º, da CRFB/88), por força da Constituição da República (Emenda Constitucional nº 45/2004).

2. O acesso à Justiça, garantia constitucional prevista no art. 5º, XXXV, da CRFB/88, exige a disponibilidade de instrumentos processuais idôneos à tutela dos bens jurídicos protegidos pelo direito positivo, por isto que a Constituição da República atribui ao Estado o dever de prestar a assistência jurídica integral aos necessitados (CRFB, art. 5º, LXXIV) e destinou à Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado (CRFB, art. 134), essa atribuição que representa verdadeira essencialidade do próprio Estado Democrático de Direito.

3. À Defensoria Pública Estadual compete a prerrogativa de elaborar e apresentar sua proposta orçamentária, a qual está condicionada tão somente a (i) obedecer a Lei de Diretrizes Orçamentárias; (ii) ser encaminhada em conformidade com a previsão do art. 99, § 2º, da CRFB/88.

4. O Poder Executivo, que detém a competência para deflagrar o processo legislativo (art. 165, I, II e III, da CRFB/88), uma vez atendida essa dupla de requisitos, não pode realizar qualquer juízo de valor sobre o montante ou o impacto financeiro da proposta orçamentária apresentada pela Defensoria Pública Estadual, preconizada nos termos dos artigos 99, § 2º, c/c 134, § 2º, da CRFB/88, cabendo-lhe tão somente consolidar a proposta encaminhada e remetê-la ao órgão legislativo correspondente, sem introduzir nela quaisquer reduções ou modificações.

5. A lei orçamentária deve ser apreciada pelo Poder Legislativo correspondente, ao qual caberá deliberar sobre a proposta apresentada pela Defensoria Pública Estadual, fazendo-lhe as modificações que julgar necessárias dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos (§§ 3º e 4º do art. 166 da CRFB/88).

6. In casu, a redução unilateral do valor da proposta orçamentária elaborada pela Defensoria Pública estadual apresentada em consonância com as disposições da Lei de Diretrizes Orçamentárias e demais requisitos constitucionais, por ato do Governador do Estado da Paraíba no momento da consolidação do projeto de lei orçamentária anual a ser enviada ao Poder Legislativo, revela verdadeira extrapolação de sua competência, em clara ofensa à autonomia da referida instituição (art. 134, § 2º, da CRFB/88) e à separação dos poderes (arts. 2º e 166, da CRFB/88).

7. A Lei Estadual nº 10.437/2015, do Estado da Paraíba, que constitui a Lei Orçamentária Anual daquela unidade federativa, revela-se inconstitucional na parte em que fixou a dotação orçamentária à Defensoria Pública estadual com prévia redução unilateral e inconstitucional perpetrada pelo Governador do Estado.

8. A Associação Nacional de Defensores Públicos é parte legítima a provocar a fiscalização abstrata de constitucionalidade (art. 103, IX, da CRFB/88). Precedentes:  ADPF 307-MC-Ref, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 27/3/2014; ADI 4.270, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 28/9/2012; ADI 2.903, rel. min. Celso de Mello, DJe 19/09/2008.

9. É admissível a impugnação de lei de diretrizes orçamentárias em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes:  ADI 4.048-MC, rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe de 21/8/2008;  ADI 4.049-MC, rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJe de 8/5/2009; ADPF 307-MC-Ref, rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 27/3/2014; ADI 4.270, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 28/9/2012; ADI 3.949, rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe de 7/8/2009; ADI 4.049-MC, rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJe de 7/5/2009; ADI 2.903, rel. Min. Celso de Mello, DJe 19/09/2008.

10. O Supremo Tribunal Federal, no exercício da fiscalização abstrata de constitucionalidade, não está circunscrito a analisar a questão tão somente por aqueles fundamentos jurídicos constantes da petição inicial, o que não desincumbe a parte autora do ônus processual de fundamentar adequadamente a sua pretensão, indicando os dispositivos constitucionais tidos por violados e como estes são violados pelo objeto indicado, sob pena de não conhecimento da ação ou de parte dela (art. 3º da Lei nº 9.868/99). Precedentes:  ADI 561, rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJ de 23/3/2001; ADI 1.775, rel. Min. Maurício Corrêa, Pleno, DJ de 18/5/2001.

11. In casu, diante da impugnação genérica da lei orçamentária e considerando que os pedidos são manifestação de vontade que devem ser interpretados, a presente ação deve ser conhecida apenas no que diz respeito à redução unilateral do Poder Executivo estadual dos valores da proposta orçamentária encaminhada pela Defensoria Pública do Estado da Paraíba.

12. Ação parcialmente conhecida e, nesta parte, julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, sem a pronúncia de nulidade, da Lei Estadual nº 10.437/2015, do Estado da Paraíba, apenas quanto à parte em que fixou a dotação orçamentária à Defensoria Pública estadual em razão da prévia redução unilateral perpetrada pelo Governador do Estado, para fixar a seguinte tese: “É inconstitucional a redução unilateral pelo Poder Executivo dos orçamentos propostos pelos outros Poderes e por órgãos constitucionalmente autônomos, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, na fase de consolidação do projeto de lei orçamentária anual, quando tenham sido elaborados em obediência às leis de diretrizes orçamentárias e enviados conforme o art. 99, § 2º, da CRFB/88, cabendo-lhe apenas pleitear ao Poder Legislativo a redução pretendida, visto que a fase de apreciação legislativa é o momento constitucionalmente correto para o debate de possíveis alterações no Projeto de Lei Orçamentária”.

*noticiado no Informativo 826

ADI N. 4.462-TO

RELATORA: MIN. CÁRMEN LÚCIA

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.  ART. 78, § 1º, INCS. III, IV E V, DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 10/1996. PROMOÇÃO POR ANTIGUIDADE  NA MAGISTRARURA TOCANTINENSE. INOBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS ESTABELECIDOS NA LEI ORGÂNICA DA MAGISTRATURA NACIONAL – LOMAN. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO NO ESTADO OU DE TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO. CONTRARIEDADE AO ART. 93 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. VALIDADE  DA ADOÇÃO DO CRITÉRIO DE IDADE PARA  DESEMPATE: PRECEDENTE. CONFIRMAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA PARCIALMENTE À UNANIMIDADE. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DO  ART. 78, § 1º, INCS. III E IV, DA LEI COMPLEMENTAR TOCANTINENSE N. 10/1996.

*noticiado no Informativo 633

AG. REG. NO RMS N. 32.817/DF

RELATOR: MIN. TEORI ZAVASCKI

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. CASO “PROPINODUTO”. VARIAÇÃO PATRIMONIAL SIGNIFICATIVA SEM ORIGEM LÍCITA COMPROVADA. DEPÓSITOS EM CONTAS BANCÁRIAS NO EXTERIOR. DEMISSÃO FUNDADA NO ART. 132, IV, DA LEI 8.112/1990 (IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA). LEGALIDADE. DESPROPORCIONALIDADE DA PENA. NÃO CONFIGURAÇÃO.

AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

MS N. 33.008/DF

RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO

Ementa: DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE PENSÃO POR MORTE PELO TCU. RATEIO ENTRE COMPANHEIRA E VIÚVA DE SERVIDOR PÚBLICO. EXIGÊNCIA DE RECONHECIMENTO JUDICIAL DE UNIÃO ESTÁVEL E SEPARAÇÃO DE FATO.

1. É possível o reconhecimento de união estável de pessoa casada que esteja separada judicialmente ou de fato (CC, art. 1.723, § 1º).

2. O reconhecimento da referida união estável pode se dar administrativamente, não se exigindo necessariamente decisão judicial para configurar a situação de separação de fato.

3. No caso concreto, embora comprovada administrativamente a separação de fato e a união estável, houve negativa de registro de pensão por morte, fundada unicamente na necessidade de separação judicial.

4. Segurança concedida.

AG. REG. EM MS N. 33.981/PA

RELATOR: MIN. LUIZ FUX

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATOS DE MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO CABIMENTO DO WRIT. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. É inadmissível mandado de segurança contra atos praticados por membros do Supremo Tribunal, no exercício da prestação jurisdicional, sejam eles proferidos por seus Ministros, monocraticamente, ou por seus órgãos colegiados. Precedentes: MS 31.019-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 16/6/2014 e RMS 31.214-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 14/12/2012.

2. In casu, o impetrante se insurge contra atos praticados pelo Ministro Gilmar Mendes na AC 2.716, no RE 633.954 e na AC 3.818, e pelo Ministro Ricardo Lewandowski na Arguição de Impedimento nº 9.

3. Agravo regimental a que se NEGA PROVIMENTO.

HC N. 134.240/MT

RELATOR: MIN. EDSON FACHIN

Ementa: HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE AGRAVO REGIMENTAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INADEQUAÇÃO DA VIA. NÃO CONHECIMENTO. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO CALCADA EM ELEMENTOS CONCRETOS. IMPOSSIBILIDADE DE AGUDO REVOLVIMENTO DO QUADRO PROBATÓRIO EM SEDE DE HABEAS CORPUS.

1. A decisão monocrática que, no âmbito Superior Tribunal de Justiça, nega seguimento a habeas corpus, desafia agravo regimental, a fim de que a matéria seja analisada pelo respectivo Colegiado.

2. Inocorrência de ilegalidade evidente que atinja os pressupostos e requisitos da prisão preventiva, cuja presença é sinalizada por intermédio de elementos concretos da situação em exame. Descabimento de análise minuciosa do conjunto fático-probatório que dá suporte à medida gravosa, tendo em vista a impossibilidade de se fazer por meio da via restrita do habeas corpus.

3. Presentes distinções processuais, anterior concessão da ordem não se projeta para o fim de alcançar fatos até então não submetidos ao STF. Ausência de desrespeito à autoridade da Corte.

4. Writ não conhecido.

*noticiado no Informativo 832

AG. REG. NA AR N. 2.098/SC

RELATOR: MIN. EDSON FACHIN

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO RESCISÓRIA. REVISÃO GERAL ANUAL. INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE MORA DO PODER PÚBLICO. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA PELO STF. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO DO FEITO COM BASE EM EXPECTATIVA DE MODIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO  STF. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES.

1. Inexiste previsão legal que autorize o sobrestamento de ação rescisória para que se aguarde eventual alteração da jurisprudência deste Tribunal. O sobrestamento previsto no Código de Processo Civil, face ao reconhecimento da existência de repercussão geral, aplica-se apenas aos recursos extraordinários em curso que versem sobre a mesma matéria em debate no recurso paradigma.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.

RE N. 601.314/SP

RELATOR: MIN. EDSON FACHIN

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. MECANISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01.

1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogoverno coletivo.

2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira.

3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo.

4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer  sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal.

6. Fixação de tese em relação ao item “a” do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: “O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”.

7. Fixação de tese em relação ao item “b” do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: “A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN”.

8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

*noticiado no Informativo 815

Acórdãos Publicados: 237

Transcrições

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do InformativoSTF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

 

Extradição e causa de interrupção da prescrição (Transcrições)

(v. Informativo 838)

Ext 1.346 ED/DF*

Relator: Ministro Dias Toffoli

Voto: Preliminarmente, registro que, conforme relatado, o Estado Requerente comunicou que o Primeiro Juizado Penal de Málaga desistiu do pedido de extradição fundado na “Ejecutoria 174/2011” (fls. 504/506).

Ocorre que apenas quando negada a extradição não se admitirá novo pedido baseado no mesmo fato (art. 88 da Lei nº 6.815/80).

Dessa feita, diante da eventual possibilidade de reiteração do pedido extradicional, há que se enfrentar os presentes embargos declaratórios.

Conheço dos embargos, haja vista sua tempestividade.

Razão assiste ao embargante, uma vez que o aresto recorrido, de fato, ressente-se da omissão apontada.

Ao tratar do requisito da dupla punibilidade, assentou o acórdão ora hostilizado que,

“[n]o tocante ao requisito da dupla punibilidade, é mister verificar se ocorreu a prescrição das pretensões punitiva ou executória sob a óptica da legislação de ambos os Estados (art. 77, VI, da Lei nº 6.815/80 e art. 4º, inciso 1, d, do Tratado de Extradição firmado entre a República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha).

Como já exposto, a condenação do extraditando transitou em julgado (‘firme de fecha’) em 16/3/11 (vide fls. 146 e 169).

Em princípio, de acordo com a legislação alienígena, a prescrição da pretensão executória, tomando-se por base a pena total imposta ao extraditando, opera-se em 10 (dez) anos, nos termos do art. 133 do Código Penal espanhol (fl. 178).

O art. 131, inciso 5, do Código Penal espanhol, invocado pela defesa – o qual determina que, ‘nos casos em que se verifique o concurso de infrações ou de infrações conexas, o prazo de prescrição será aquele a que corresponder o crime mais grave’ – não trata da prescrição da pretensão executória (‘prescrição da pena’, na dicção espanhola), mas sim da prescrição da pretensão punitiva (‘prescrição dos crimes’).

De toda sorte, no Brasil, a teor do art. 119 do Código Penal, no concurso de infrações, a prescrição da pretensão executória incide sobre a pena de cada um dos crimes, isoladamente, sendo que, por força da Súmula 497 do Supremo Tribunal Federal, quando se tratar de crime continuado, a prescrição se regulará pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.

Na espécie, as penas do extraditando foram fixadas, de maneira conglobada, em 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, sem a individualização das penas aplicadas aos crimes de estafa e falso e sem que fosse discriminado o acréscimo decorrente da continuidade delitiva, a impossibilitar que o cálculo da prescrição tenha como parâmetro a pena isoladamente imposta a cada crime.

Quid juris?

Essa questão não é nova e já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal.

Na Ext. 909/IS-Israel, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 22/4/05, a Suprema Corte reputou ser ônus do Estado Requerente discriminar as penas impostas ao extraditando para possibilitar o cálculo separado da prescrição, sob pena de indeferimento do pedido de extradição.

Transcrevo, na parte que interessa, a ementa desse julgado:

PEDIDO EXTRADICIONAL – CONCURSO DE INFRAÇÕES – MERA INDICAÇÃO DA PENA GLOBAL, SEM REFERÊNCIA INDIVIDUALIZADORA DAS SANÇÕES PENAIS IMPOSTAS A CADA UM DOS DELITOS EM CONCURSO – NECESSIDADE DE DISCRIMINAÇÃO DAS DIVERSAS PENAS APLICADAS AO EXTRADITANDO, PARA EFEITO DE CÁLCULO DA PRESCRIÇÃO PENAL.

Impõe-se, ao Estado estrangeiro, demonstrar, relativamente aos delitos em concurso, o ‘quantum’ penal a eles abstratamente cominado (extradição instrutória) ou efetivamente imposto (extradição executória), em ordem a permitir, na perspectiva da legislação brasileira e/ou do ordenamento positivo do Estado requerente, o cálculo separado da prescrição penal concernente a cada delito individualmente considerado. Precedentes.

Exigência não atendida pelo Estado requerente, não obstante a reiteração, pelo Brasil, por via diplomática, de tal solicitação. Conseqüente indeferimento parcial do pedido de extradição, acolhido, unicamente, quanto aos delitos de tráfico de entorpecentes e de associação criminosa para a prática desse ilícito penal.’

No mesmo sentido, vide Ext. 902-QO/URU-República do Uruguai, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 26/8/05, em que, pelo fato do Estado Requerente não ter demonstrado o quantum de pena fixado para cada crime, impossibilitando o exame da prescrição da pretensão executória (art. 119, CP), o pedido extradicional foi indeferido.

Ocorre que, posteriormente, no julgamento da Ext. nº 906/RC-República da Coreia, Pleno, Relator Marco Aurélio, DJe de 1º/6/07, o Supremo Tribunal Federal assentou que, na hipótese de conglobamento de penas que impossibilite a sua individualização, deverá ser considerada para o cálculo da prescrição a pena mínima cominada ao tipo penal equivalente.

Transcrevo a ementa desse julgado:

‘EXTRADIÇÃO – DUPLA TIPICIDADE – PRESCRIÇÃO. Impõe-se a apreciação do pedido de extradição consideradas as legislações dos países requerente e requerido.

EXTRADIÇÃO – PENA IMPOSTA – CRITÉRIO UNITÁRIO – PRESCRIÇÃO – VIABILIDADE DO EXAME. O sistema revelador do conglobamento da pena – junção das penas de crimes diversos sem especificação – não prejudica o exame da extradição quando, segundo a legislação brasileira e tomada a pena mínima prevista para os tipos, não incide a prescrição.’

Nesse sentido, aliás, já havia se pronunciado o Supremo Tribunal Federal na Ext. 559/FR-França, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Paulo Brossard, DJ de 25/2/94. Destaco, do voto condutor desse acórdão, o seguinte trecho:

O fato suscitado pela defesa, da decisão condenatória da Justiça Francesa ter englobado a pena de dois anos de prisão, sem especificar e fundamentar o quantum que foi imposto isoladamente a cada um dos delitos, não constitui obstáculo à concessão da extradição. O fato da legislação brasileira ter estabelecido, expressamente, o procedimento que o juiz deve observar na fixação da pena e outro ter sido o observado, segundo as leis do país requerente, na condenação do requerido, não constitui impedimento à concessão da extradição.

O procedimento legal adotado pelo país requerente na fixação da pena não pode estar submisso ao adotado pela legislação brasileira. Como já observou o Ministro CELSO DE MELLO, quando do julgamento da Extradição 542 (RTJ 140/436), não pode o Estado brasileiro, a pretexto de deferir o pedido de extradição, impor a observância necessária do seu modelo legal no que se refere às regras concernentes à aplicação da pena, sob risco de afetar a própria integridade da soberania do Estado requerente.

Não cabe ao Supremo Tribunal Federal reexaminar, no âmbito do pedido de extradição, a sentença penal condenatória, principalmente no que diz respeito aos critérios de aplicação da pena.’

Em suma, na hipótese de pena conglobada, diante da impossibilidade de se calcular a prescrição com base na pena isoladamente imposta a cada crime, como exige a legislação brasileira, há que se optar pela interpretação mais favorável ao extraditando, tomando-se, por parâmetro, a pena mínima cominada ao crime pela legislação alienígena e seu equivalente no Código Penal brasileiro.

Sob a óptica da legislação brasileira, a pena mínima cominada aos crimes de estelionato e de falsificação de documento particular é de 1 (um) ano de reclusão (arts. 171 e 298, CP), cuja prescrição se verifica em 4 (quatro) anos, nos termos do art. 109, V, do Código Penal, lapso temporal que não decorreu entre a data do trânsito em julgado e a data do protocolo, no Supremo Tribunal Federal, do pedido de extensão da extradição (22/9/14 – fl. 143).

Por sua vez, o Código Penal espanhol comina ao crime de burla, na modalidade imputada ao extraditando, a pena mínima de 1 (um) ano de prisão (art. 251), cuja prescrição da pretensão executória se verifica em 5 (cinco) anos, nos termos do art. 133 daquele diploma legal.

Outrossim, o Código Penal espanhol comina ao crime de falsificação de documentos ‘oficiais e comerciais’ a pena mínima de 6 (seis) meses de prisão (art. 392), cuja prescrição da pretensão executória se verifica em 5 (cinco) anos, nos termos do art. 133 daquele diploma legal.

Ocorre que essa mesma pena, nos termos do art. 109, VI, do Código Penal brasileiro, com a redação vigente à época dos fatos, prescreve em 2 (dois) anos.

Logo, em relação ao crime de falsificação de documento comercial, operou-se, à luz da legislação brasileira, a prescrição da pretensão executória.

No tocante à prescrição da pretensão punitiva, determina o art. 132, inciso 2, do Código Penal espanhol, que ‘a prescrição será interrompida, deixando-se sem efeito o tempo decorrido, quando existir processo contra a pessoa presumivelmente responsável pelo crime ou infração’.

Os estelionatos imputados ao extraditando foram praticados em 28/12/05 e 4/4/06, sendo que o processo foi instaurado em 2009 (‘juicio oral 311/2009) e a sentença condenatória foi publicada em 16/3/11.

Logo, não se operou a prescrição da pretensão punitiva do crime de ‘estafa’ (estelionato), razão por que está presente, em relação a ele, o requisito da dupla punibilidade.”

Como se observa, entendeu-se que não se havia operado a prescrição da pretensão executória quanto à pena mínima de 1 (um) ano de reclusão cominada ao crime de estelionato, cujo prazo prescricional é de 4 (quatro) anos, nos termos do art. 109, V, do Código Penal, porque esse lapso temporal não teria decorrido “entre a data do trânsito em julgado e a data do protocolo, no Supremo Tribunal Federal, do pedido de extensão da extradição (22/9/14 – fl. 143)”.

Não se indicou, no julgado, todavia, o fundamento legal para se considerar a data do protocolo de pedido de extradição como marco interruptivo da prescrição, e nisso reside precisamente sua omissão.

Prescrição, como sabido, “é a perda da pretensão concreta de punir o criminoso ou de executar a punição, devido à inércia do Estado durante determinado período de tempo” (Fernando Capez. Curso de direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 2014, 18. ed. p. 614).

A extinção do direito de executar a sanção imposta, portanto, pressupõe o não exercício da pretensão executória.

Ao deduzir o pedido extradicional, o Estado Requerente manifesta, de forma inequívoca, seu interesse em executar a sanção por ele imposta em desfavor do extraditando.

Essa é a razão por que, no acórdão embargado, considerou-se a data do protocolo do pedido de extensão da extradição como marco interruptivo da prescrição da pretensão executória.

Tratar-se-ia, a rigor, de corolário do próprio conceito de prescrição, o que dispensaria a indicação de fundamento legal específico.

De toda sorte, melhor refletindo sobre essa questão, ao indeferir, em 24/2/16, o pleito deduzido na Ext. nº 1.359/República da Eslovênia, de minha relatoria, assentei o entendimento de que

“o Código Penal brasileiro e a Lei nº 6.815/80 não preveem, como causa interruptiva da prescrição, a apresentação do pedido de extradição.

E, à míngua de previsão em tratado específico, por força do princípio da legalidade estrita, não há como se criar um marco interruptivo em desfavor do extraditando.

Ante o exposto, em face da prescrição da pretensão executória, indefiro o pedido de extradição”.

Essa é exatamente a hipótese dos autos.

O Tratado de Extradição firmado entre a República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha, promulgado pelo Decreto nº 99.340/90, não prevê que o recebimento do pedido de extradição interrompa o prazo prescricional.

Tratamento diverso à matéria é conferido, v.g., pelo Tratado de Extradição firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, promulgado pelo Decreto nº 883/93, cujo artigo 3º, inciso 1, b, determina que a extradição não será concedida “se, na ocasião do recebimento do pedido, segundo a lei de uma das Partes, houver ocorrido prescrição do crime ou da pena”.

Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal na Ext nº 1.261/Governo da Itália, Primeira Turma, Relator o Ministro Roberto Barroso, DJe de 19/9/13.

Conforme destacado pelo voto condutor desse acórdão,

“[o] Pleno do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, ao apreciar o tema no julgamento da Ext no. 870, rel. Min. Joaquim Barbosa, em 27/05/2004, considerou ser o Tratado Bilateral instrumento idôneo para a estipulação de causa interruptiva do prazo prescricional, como regra especial em relação à normatização geral do Código Penal. Da mesma forma foi o entendimento da Corte quando do julgamento pelo Pleno na Ext no. 770, rel. Min. Néri da Silveira, em 21/06/2001. Os dois precedentes referidos fundaram-se em pedidos formulados pela República Italiana. Na Ext. 834, rel. Min. Néri da Silveira, em 20/04/2002, em pleito da Confederação Helvética, houve a mesma conclusão, diante da existência de regra semelhante prevista em tratado bilateral”.

Na espécie, o pedido de extradição foi parcialmente deferido, “para a execução da pena imposta ao nacional espanhol José Antonio Cortés Jiménez pelo Primeiro Juizado Penal de Málaga pela prática de um crime continuado de estafa (estelionato)”.

Por se tratar de pena conglobada, o julgado embargado decidiu que

“diante da impossibilidade de se calcular a prescrição com base na pena isoladamente imposta a cada crime, como exige a legislação brasileira, há que se optar pela interpretação mais favorável ao extraditando, tomando-se, por parâmetro, a pena mínima cominada ao crime pela legislação alienígena e seu equivalente no Código Penal brasileiro”.

Assim, considerando-se que a condenação do extraditando pelo crime de estelionato (“estafa”) transitou em julgado (“firme de fecha”) em 16/3/11 e que, à míngua de previsão expressa no tratado específico, o recebimento do pedido de extensão da extradição (22/9/14 – fl. 143) não constitui causa interruptiva da prescrição, há que se reconhecer a prescrição da pretensão executória, a qual, em face da pena mínima cominada ao delito em questão (um ano de reclusão), se opera em 4 (quatro) anos, nos termos do art. 109, V, do Código Penal.

Por fim, registro que, nos termos do art. 117, V, do Código Penal, o início ou continuação do cumprimento da pena interrompe a prescrição.

Na espécie, em 28/5/14, decretei a prisão preventiva do extraditando, cujo mandado foi cumprido em 7/7/14 (fl. 42).

Posteriormente, em 18/8/14, revoguei a prisão preventiva do extraditando, substituindo-a por medidas cautelares diversas.

Nesse diapasão, caso se entendesse que, por se tratar de extradição executória, o cumprimento do mandado de prisão significaria início de cumprimento de pena, a prescrição teria se interrompido em 7/7/14 e, portanto, não haveria que se falar em prescrição da pretensão executória.

Ocorre que, a meu ver, mesmo se tratando de extradição executória, a prisão preventiva não se desveste de sua natureza cautelar.

Como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a prisão preventiva é condição de procedibilidade para o processo de extradição e, tendo natureza cautelar, destina-se, em sua precípua função instrumental, a assegurar a execução de eventual ordem de extradição (Ext nº 579-QO, Pleno, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 10/9/93).

Logo, não se trata de prisão para execução da pena imposta ao extraditando no estrangeiro, mas sim de prisão para viabilizar o próprio procedimento extradicional, o que é bem diverso.

Nessa conformidade, acolho os embargos de declaração, com efeitos modificativos, para, reconhecida a prescrição da pretensão executória do crime de “estafa” (estelionato), indeferir o pedido de extradição.

É como voto.

* acórdão pendente de publicação

Inovações Legislativas

12 a 16 de setembro de 2016

Lei nº 13.334 de 13.9.2016 – Cria o Programa de Parcerias de Investimentos – PPI; altera a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, e dá outras providências. Publicada no DOU, Seção 1, Edição Extra, p. 8, em 15.9.2016.

Lei nº 13.335 de 14.9.2016 – Altera a Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, para dispor sobre a extensão dos prazos de inscrição no Cadastro Ambiental Rural e adesão ao Programa de Regularização Ambiental. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 178, p. 1, em 15.9.2016.

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Como citar e referenciar este artigo:
STF,. Informativo nº 839 do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/stf-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-839-do-stf/ Acesso em: 22 nov. 2024
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