STF

Informativo nº 617 do STF

Brasília, 21 a 25 de fevereiro de 2011 Nº 617

 

Data (páginas internas): 3 de março de 2011

 

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

 

Sumário

 

Plenário

Decreto-lei 2.052/83 e contribuintes do PASEP – 2

Remoção de titular de serventia extrajudicial – 1

Remoção de titular de serventia extrajudicial – 2

Concurso público: títulos classificatórios e princípio da isonomia

Decreto expropriatório e transmissão “mortis causa” – 3

Processo seletivo de estagiários e entidades do Poder Público

Reclamação e legitimidade de Ministério Público estadual – 3

Reclamação e legitimidade de Ministério Público estadual – 4

Reclamação e legitimidade de Ministério Público estadual – 5

Legitimidade do Ministério Público: ação civil pública e patrimônio público municipal – 4

Remoção de servidor e ajuda de custo – 2

Juiz de Paz: remuneração e custas para habilitação de casamento

Repercussão Geral

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 1

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 2

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 3

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 4

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 5

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 6

1ª Turma

Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento de pena

Agravo em matéria penal e deficiência do traslado – 2

MEC: registro de diploma de mestrado em curso de caráter experimental

2ª Turma

Prisão em unidade militar e progressão de regime

Liberdade provisória e tráfico ilícito de entorpecente

ISS e cessão de direito sobre uso de marca

Repercussão Geral

Transcrições

Justiça Militar – Réu Civil – Crime Militar – Juiz Natural – Direito Comparado (HC 106171-MC/AM)

Inovações Legislativas

 

Plenário

 

Decreto-lei 2.052/83 e contribuintes do PASEP – 2

Em conclusão de julgamento, o Plenário, ao prover recurso extraordinário, declarou a inconstitucionalidade do art. 14, VI, do Decreto-lei 2.052/83, que inclui, como contribuintes do PASEP, “quaisquer outras entidades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público”. Na espécie, companhia de seguros questionava acórdão que decidira pelo seu enquadramento como contribuinte do PASEP, por ser ela controlada pelo Poder Público — v. Informativo 402. Preliminarmente, por maioria, conheceu-se do recurso, vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que entendia haver questão relativa ao próprio sistema, a exigir, em primeiro lugar, o pronunciamento do STJ para, após, ser julgado, se não prejudicado pela decisão daquele tribunal, o extraordinário simultaneamente interposto. No mérito, reputou-se que o PIS e, da mesma forma, o PASEP — por ter perdido a natureza tributária a partir da EC 8/77 e não se inserir no âmbito das finanças públicas — não poderia ser alterado por decreto-lei.

RE 379154/RS, rel. orig. Min. Carlos Velloso, red. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 23.2.2011.  (RE-379154)

 

Remoção de titular de serventia extrajudicial – 1

Por vislumbrar afronta ao art. 236, § 3º, da CF, o Plenário julgou procedente pedido formulado em duas ações diretas propostas, respectivamente, pelo Procurador-Geral da República e pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB para declarar, com efeitos ex tunc, a inconstitucionalidade do art. 299, inserido no Código de Organização e Divisão Judiciárias do Estado do Paraná, pela Lei estadual 14.351/2004 (“Art. 299. O agente delegado, ingressado no concurso na forma do disposto pelo § 3º do art. 236, da Constituição Federal, que esteja respondendo por diferente delegação, poderá ser para esta última removido com a aprovação do conselho da magistratura, assim o requerendo, comprovada: a) a baixa rentabilidade da serventia para a qual recebeu a delegação; b) que a designação perdure por dois anos ou mais; c) a vacância da serventia a ser preenchida”). Inicialmente, quanto ao argumento da boa-fé dos que ocuparam as serventias pelos critérios expostos, observou-se que o Governador, à época, vetara o referido artigo sob a justificativa de que, como estava posto, ensejaria via de provimento sem o respectivo concurso exigido pela Carta Magna. Assinalou-se que a Assembléia Legislativa local, mesmo assim, decidira derrubar o veto. Assentou-se, então, que os serventuários removidos o fizeram por sua conta e risco. Em seguida, reputou-se que o dispositivo adversado confiaria à discricionariedade do conselho da magistratura local a aprovação de requerimento formulado pelo interessado na remoção, sem fazer qualquer referência à realização de concurso público para tanto.

ADI 3248/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.2.2011. (ADI-3248)

ADI 3253/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.2.2011. (ADI-3253)

 

Remoção de titular de serventia extrajudicial – 2

Enfatizou-se que, na hipótese de provimento derivado de serventia vaga, forçosamente, deveria ser aberto concurso de remoção. Explicitou-se que o aventado art. 299 traria critérios de caráter discricionário incompatíveis com o teor da Constituição, inclusive em afronta ao princípio da isonomia. Ressaltou-se, por fim, que a declaração de inconstitucionalidade não excluiria a necessidade de confirmação dos atos praticados pelos notários ou registradores removidos com base no dispositivo inconstitucional até o ingresso de serventuário removido após a realização de concurso. Nesse sentido, com fundamento na aparência de legalidade dos atos por eles praticados, dever-se-iam respeitar os efeitos que atingiram terceiros de boa-fé.

ADI 3248/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.2.2011. (ADI-3248)

ADI 3253/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23.2.2011. (ADI-3253)

 

 

Concurso público: títulos classificatórios e princípio da isonomia

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Progressista contra os incisos IV a IX, XII e XIII do art. 16 da Lei 11.183/98, do Estado do Rio Grande do Sul, que dispõem sobre os critérios de valorização de títulos para concursos de ingresso e remoção nos serviços notarial e de registro. Alegava o requerente que as mencionadas normas, ao valorar apenas títulos diretamente relacionados à função notarial ou de registro e ao desempenho profissional anterior de atividades concernentes às áreas de advocacia, judicatura e promotoria, violariam o princípio da isonomia, conferindo aos integrantes dessas categorias profissionais vantagem indevida em relação aos demais candidatos. Considerou-se que, por se tratar de critérios ligados à função notarial ou de registro, eles seriam razoáveis, na medida em que buscariam arregimentar os melhores para os cargos e funções ofertados.

ADI 3830/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 23.2.2011.  (ADI-3830)

 

Decreto expropriatório e transmissão “mortis causa” – 3

Em conclusão, o Plenário, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente da República que, por meio de decreto, declarara de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel rural — v. Informativos 367 e 379. Ressaltou-se a necessidade de se interpretar o art. 1.784 em conjunto com o disposto no art. 1.791 e seu parágrafo único, ambos do Código Civil, de modo que a saisine somente tornaria múltipla a titularidade do imóvel, o qual permaneceria uma única propriedade até a partilha, unidade que não poderia ser afastada quando da apuração da área do imóvel para fins de reforma agrária, razão por que não se poderia tomar cada parte ideal como propriedade distinta. Salientou-se não ser aplicável, à espécie, o § 6º do art. 46 do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), já que a expressão “para os fins desta Lei” nele contida teria o objetivo apenas de instrumentar o cálculo do coeficiente de progressividade do Imposto Territorial Rural – ITR, não servindo o procedimento previsto de parâmetro para o dimensionamento de imóveis rurais destinados à reforma agrária, matéria afeta à Lei 8.629/93. No que tange ao apontado erro de cálculo da área do imóvel, afirmou-se que, para os fins dessa última lei, deveria ser levada em conta a área global, sem dedução das áreas não aproveitáveis e da reserva legal (Lei 4.771/65, art. 16, § 2º), o que seria considerado somente no cálculo da produtividade do imóvel (Lei 8.629/93, art. 6º). Com base nisso, e tendo em conta o laudo técnico do INCRA, considerou-se o imóvel em questão uma grande propriedade rural improdutiva passível de desapropriação. Afastaram-se as demais alegações dos impetrantes, por considerar que demandariam dilação probatória, incabível na via eleita.

MS 24924/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, 24.2.2011. (MS-24924)

 

Processo seletivo de estagiários e entidades do Poder Público

O Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pela então Governadora do Distrito Federal para declarar a inconstitucionalidade do art. 4º da Lei distrital 3.769/2006. O preceito impugnado dispõe sobre o estágio de estudantes nos órgãos e entidades da Administração Pública do Distrito Federal. Salientou-se, de início, que a arregi­mentação de estagiários não poderia ser vista como alternativa menos onerosa para se suprir eventual carência de mão-de-obra no quadro funcional da Administração Pública. Aduziu-se, ademais, que o processo meritoriamente seletivo conferiria concreção ao princípio da impessoalidade e permitiria o tratamento isonômico dos interessados no certame. Concluiu-se que o dispositivo adversado seria materialmente contrário à Constituição. Os Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, Presidente, assentavam também o vício de iniciativa ao fundamento de que o artigo em questão, de iniciativa parlamentar, implicaria interferência no desempenho de atribuições e no próprio funcionamento dos órgãos do Poder Executivo.

ADI 3795/DF, rel. Min. Ayres Britto, 24.2.2011.   (ADI-3795)

 

Reclamação e legitimidade de Ministério Público estadual – 3

O Plenário concluiu julgamento de reclamação ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo con­tra acórdão que provera agravo de execução interposto em favor de condenado preso para restabelecer seu direito à remição dos dias trabalhados, cuja perda fora decretada em razão do cometimento de falta grave. Sustentava o reclamante violação ao Enunciado da Súmula Vinculante 9 [“O disposto no artigo 127 da Lei nº 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58”] — v. Informativo 580. Inicialmente, por maioria, reconheceu-se a legitimidade ativa autônoma do Ministério Público estadual para propor reclamação perante o STF. O Min. Marco Aurélio considerou que, como o parquet estadual atuara na 1ª e na 2ª instâncias, ao vislumbrar desrespeito ao citado verbete, seria ele parte legítima na reclamação perante o Supremo. Assinalou que não haveria como se conceber a confusão do Ministério Público quando atuasse como parte e como fiscal da lei. O Min. Celso de Mello assentou que o Ministério Público do Trabalho não disporia dessa legitimidade por uma singularidade, qual seja, a de integrar o Ministério Público da União, cujo chefe é o Procurador-Geral da República. Aduziu que, entretanto, não existiria qualquer relação de dependência entre o Ministério Público da União e o dos Estados-membros. Acentuou que estabelecer uma situação de subalternidade implicaria descaracterizar o próprio modelo federal de Estado, porque se estaria virtualmente, em sede jurisdicional, a transformar, em termos de Ministério Público, o Estado brasileiro em verdadeiro Estado unitário, em que as deliberações emanariam do órgão central do sistema, que seria o Procurador-Geral da República. Acrescentou que, muitas vezes, inclusive, os Ministérios Públicos estaduais poderiam formular representação perante o STF, deduzindo pretensão com a qual não concordasse, eventualmente, a chefia do Ministério Público da União, o que obstaria o acesso do parquet local no controle do respeito e observância, por exemplo, de súmulas impregnadas de eficácia vinculante.

Rcl 7358/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 24.2.2011.  (RCL-7358)

 

Reclamação e legitimidade de Ministério Público estadual – 4

O Min. Cezar Peluso, por sua vez, ressaltou que fazer com que o Ministério Público estadual ficasse na dependência do que viesse a entender o Ministério Público Federal seria incompatível, dentre outros princípios, com o da paridade de armas. Disse, ademais, que se estaria retirando do Ministério Público estadual uma legitimidade que seria essencial para o exercício das suas funções, as quais não seriam exercidas pelo Ministério Público Federal. Ponderou, ainda, que a orientação segundo a qual só o Procurador-Geral da República poderia atuar perante o STF estaria disciplinada na Lei Complementar 75/93, em um capítulo que só cuidaria do Ministério Público da União, e que o art. 46 dessa lei, específico desse capítulo, estabeleceria incumbir ao Procurador-Geral da República as funções de custos legis e as do Ministério Público Federal perante o STF, mas não as funções de qualquer Ministério Público como parte. O Min. Ayres Britto, ao incorporar em seu voto os mencionados fundamentos, entendeu que a Carta Federal estruturaria o Ministério Pú­blico sob a forma de instituição-gênero, dividida em duas espécies: o da União, subdividido em ramos, e o dos Estados, unitariamente concebido. Comunicaria, ou estenderia, a ambas os mesmos traços de permanência, da sua essencialidade em face da função jurisdicional do Estado, assim como da submissão aos princípios da unidade, indivisibilidade e independência, além de autonomia funcional e administrativa (CF, art. 127, caput e §§ 1º e 2º). Aduziu que a Lei Maior, também, erigiria toda a ordem jurídica como a primeira das finalidades do Ministério Público e incum­biria a ele defendê-la. Salientou haver um vínculo necessário entre o instituto da reclamação e a defesa da ordem jurídica, a viabilizar o manejo da ação pelo órgão ministerial enquanto instituição-gênero. Assim, observou não haver distinção de qualidade entre o Ministério Público da União e o dos Estados, por serem a eles comuns tanto as finalidades quanto as competências previstas, respectivamente, nos artigos 127 e 129 da CF. Registrou que, aos Ministérios Públicos estaduais, competiria velar pela defesa da competência e pela autoridade das decisões do STF nas respectivas unidades federadas. Vencidos, no ponto, os Ministros Ellen Gracie, relatora, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, que deferiam a admissão do Procurador-Geral da República como autor da demanda, ao fundamento de que o parquet estadual não possuiria legitimidade para propor originariamente reclamação no STF. Consideravam, entretanto, que a ilegitimidade fora corrigida pelo Procurador-Geral, que ratificara a petição inicial.

Rcl 7358/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 24.2.2011.  (RCL-7358)

 

Reclamação e legitimidade de Ministério Público estadual – 5

No mérito, por maioria, julgou-se procedente a reclamação para cassar o acórdão adversado. Esclareceu-se que o julgamento do agravo ocorrera em data posterior à edição da Súmula, o que expressamente reconhecido pela Corte estadual. Reputou-se incorreto o fundamento de que ela não seria vinculante em razão de ser anterior a data da falta grave. Consignou-se, ainda, que a súmula se destinaria à obediência pelos órgãos do Poder Judiciário e, por conseguinte, como a decisão impugnada seria posterior à sua edição, forçosamente, haveria de respeitá-la. O Min. Gilmar Mendes observou que, se a súmula só fosse aplicada a fatos que ocorressem a partir dela, esvaziar-se-ia boa parte de seu efeito útil. Vencidos os Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio que a julgavam improcedente, ao fundamento de se tratar de matéria penal e de os fatos configuradores da falta disciplinar terem ocorrido antes da formulação sumular.

Rcl 7358/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 24.2.2011.  (RCL-7358)

 

Legitimidade do Ministério Público: ação civil pública e patrimônio público municipal – 4

O Ministério Público possui legitimidade ativa ad causam para promover ação civil pública em defesa do patrimônio público, nos termos do art. 129, III, da CF. Essa a conclusão do Plenário ao prover, por maioria, recurso extraordinário, a ele afetado pela 2ª Turma, interposto contra acórdão que mantivera sentença que indeferira liminarmente petição inicial de parquet estadual, por entender que o dispositivo constitucional em comento não dera à ação civil pública a amplitude pretendida pelo órgão ministerial — v. Informativo 567. Considerou-se que haveria de ser mantida a jurisprudência do STF no sentido de que, depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, especialmente em razão do alcance que deve ser conferido à norma contida em seu art. 129, III, o Ministério Público está legitimado para ajuizar ações civis públicas para a proteção do patrimônio público, podendo postular, inclusive, a reparação direta do dano eventualmente causado a ente da Administração Pública. O Min. Dias Toffoli destacou, em seu voto-vista, que seria extremamente relevante o reconhecimento da legitimidade do Ministério Público, sobre­tudo por não haver, na maioria dos Municípios, procuradoria de advocacia pública instituída. Asseverou, no ponto, que a Constituição Federal teria determinado a obrigatoriedade da advocacia pública federal e estadual, mas não a municipal, a qual poderia dar maiores condições para que os Municípios atuassem em juízo. Vencidos os Ministros Eros Grau, relator, e Cezar Peluso, Presidente, que desproviam o recur­so, ao fundamento de que o Ministério Público não teria legitimidade para exigir, em ação civil pública, o que poderia vir a ser objeto de ação popular (CF, art. 5º, LXXIII).

RE 225777/MG, rel. orig. Min. Eros Grau, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 24.2.2011.  (RE-225777)

 

Remoção de servidor e ajuda de custo – 2

Em conclusão, o Plenário, por maioria, indeferiu mandado de segurança impetrado contra decisão do TCU, que negara a servidor de seu quadro o direito à concessão de ajuda de custo, em razão de seu retorno para a lotação de origem — v. Informativo 380. No caso, o servidor estava lotado inicialmente no Estado da Paraíba e fora nomeado para exercer função comissionada no Estado do Acre, sendo exonerado, de ofício, tempos depois. Seu retorno à lotação de origem fora deferido sem ônus para a Corte de Contas. Reputou-se que, diante da circunstância de o recorrente haver sido destituído da função de confiança e o seu regresso à origem ter se dado a seu pedido, não haveria direito à indenização. Ademais, considerou-se inaplicável, à espécie, o Decreto 1.445/95 — com a redação dada pelo Decreto 1.637/95, o qual regulamentava, à época dos fatos, a Lei 8.112/90 —, já que editado para reger relação do Poder Executivo com o servidor. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, relator, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski que concediam a ordem.

MS 24089/DF, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 24.2.2011.  (MS-24089)

 

Juiz de Paz: remuneração e custas para habilitação de casamento

A remuneração dos Juízes de Paz somente pode ser fixada em lei de iniciativa exclusiva do Tribunal de Justiça Estadual. Com base nesse entendimento, o Plenário julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador Geral da República para declarar a inconstitucionalidade da expressão “recolhidas à disposição do Juiz de Paz”, contida no parágrafo único do art. 2º da Lei mineira 10.180/90, de iniciativa do Governador do Estado de Minas Gerais. O preceito impugnado, ao alterar a redação de dispositivos da Lei mineira 7.399/78 (Regimento de Custas do Estado de Minas Gerais), determina que as custas cobradas para o processo de habilitação de casamento sejam recolhidas à disposição do Juiz de Paz. Entendeu-se que a lei impugnada estaria em confronto com a alínea b do inciso II do art. 96 da CF que prevê competência privativa ao STF, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169, a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver. Considerou-se, ainda, que a norma questionada também incorreria em vício material, haja vista que os Juízes de Paz, por serem agentes públicos, que exercem atividade eminentemente estatal, deveriam ser pagos pelos cofres públicos. Prece­dente citado: ADI 1051/SC (DJU de 13.10.95).

ADI 954/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 24.2.2011.  (ADI-954)

 

 

Repercussão geral

 

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 1

O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 5º, XXXVI, da CF, se segurado da previdência social tem, ou não, direito ao melhor benefício de aposentadoria, ou seja, se, sob a vigência de uma mesma lei, ele tem, ou não, direito a eleger, com fundamento no direito adquirido, o benefício calculado do modo mais vantajoso, consideradas todas as datas em que o direito poderia ter sido exercido, desde quando preenchidos os requisitos para a jubilação. A Min. Ellen Gracie, relatora, deu parcial provimento ao recurso, para, atribuindo os efeitos de repercussão geral ao acolhimento da tese do direito adquirido ao melhor benefício, garantir a possibilidade de os segurados verem seus benefícios deferidos ou revisados de modo que correspondam à maior renda mensal inicial (RMI) possível no cotejo entre aquela obtida e as rendas mensais que estariam percebendo na mesma data caso tivessem requerido o benefício em algum momento anterior, desde quando possível a aposentadoria proporcional, com efeitos financeiros a contar do desligamento do emprego ou da data de entrada do requerimento, respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas.

RE 630501/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 23.2.2011.  (RE-630501)

 

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 2

A relatora observou, inicialmente, não se estar, no caso, diante de uma questão de direito intertemporal, mas da preservação do direito adquirido em face de novas circunstâncias de fato, devendo-se, com base no Enunciado 359 da Súmula do STF, distinguir a aquisição do direito do seu exercício. Asseverou que, cumpridos os requisitos mínimos (tempo de serviço e carência ou tempo de contribuição e idade, conforme o regime jurídico vigente à época), o segurado adquiriria o direito ao benefício. Relembrou ser esta razão de o § 1º do art. 102 da Lei 8.213/91, incluído pela Lei 9.528/97, reconhecer que a perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos, segundo a legislação em vigor à época em que atendidos esses requisitos. Explicou, no ponto, que a modificação posterior nas circunstâncias de fato não suprimiria o direito já incorporado ao patrimônio do seu titular. Dessa forma, o segurado poderia exercer o seu direito assim que preenchidos os requisitos para tanto ou fazê-lo mais adiante, normalmente por optar em prosseguir na ativa, inclusive com vistas a obter aposentadoria integral ou, ainda, para melhorar o fator previdenciário aplicável. Reputou que, uma vez incorporado o direito à aposentação ao patrimônio do segurado, sua permanência na ativa não poderia prejudicá-lo. Esclareceu que, ao não exercer seu direito assim que cumpridos os requisitos mínimos para tanto, o segurado deixaria de perceber o benefício mensal desde já e ainda prosseguiria contribuindo para o sistema, não fazendo sentido que, ao requerer o mesmo benefício posteriormente (aposentadoria), o valor da sua RMI fosse inferior àquela que já poderia ter obtido. Aduziu que admitir que circunstâncias posteriores pudessem ensejar renda mensal inferior à garantida no momento do cumprimento dos requisitos mínimos seria permitir que o direito adquirido não pudesse ser exercido tal como adquirido.

RE 630501/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 23.2.2011.  (RE-630501)

 

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 3

Enfatizou que a opção por permanecer em atividade sempre teria implicado a possibilidade de exercer o direito à aposentadoria mediante o cômputo também das contribuições vertidas desde o cumprimento dos requisitos mínimos para a aposentação até a data do desligamento do emprego ou do requerimento. Registrou que esse custeio adicional após a obtenção do direito à aposentadoria proporcional mínima ou mesmo após a aquisição do direito à integralidade sempre teria sido considerado por ocasião do cálculo e deferimento do benefício de aposentadoria. Frisou que, apesar de, via de regra, ser vantajoso para aquele que permaneceu na ativa ter contribuído ao longo de mais alguns meses ou anos, poderia não sê-lo em circunstâncias específicas como a da redução do seu salário-de-contribuição, com influência negativa no cálculo da RMI. Ponderou que, em tais casos, mesmo que a diminuição não decorresse de lei, mas dos novos elementos considerados para o cálculo do benefício, cumpriria assegurar-se o direito adquirido ao melhor benefício possível. Destacou que o art. 122 da Lei 8.213/91, com a redação da Lei 9.528/97, iria ao encontro desse objetivo (“Se mais vantajoso, fica assegurado o direito à aposentadoria, nas condições legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtenção do benefício, ao segurado que, tendo completado 35 anos de serviço, se homem, ou trinta anos, se mulher, optou por permanecer em atividade”). Expôs que, embora o dispositivo legal se refira ao cumprimento dos requisitos para a aposentadoria integral ao assegurar o benefício mais vantajoso, isso também deveria ser assegurado na hipótese de a aposentadoria proporcional ser mais vantajosa, porquanto a proporcionalidade e a integralidade seriam simples critérios de cálculo do benefício de aposentadoria e não elementos essenciais capazes de caracterizar benefícios distintos.

RE 630501/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 23.2.2011.  (RE-630501)

 

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 4

Em seguida, reconheceu haver orientação jurisprudencial da Corte no sentido de que o beneficiário, ao ter sua aposentadoria concedida com proventos integrais, não pode requerer que a sua renda mensal seja calculada de acordo com a legislação em vigor na data em que teria direito à aposentadoria proporcional. Entretanto, apontou ser o momento de revisar tal posição, sendo impositivo o reconhecimento do direito adquirido ao benefício mais vantajoso, ainda que proporcional. Assentou que se recalcularia o benefício fazendo retroagir hipoteticamente a DIB (Data de Início do Benefício) à data em que já teria sido possível exercer o direito à aposentadoria e a cada um dos meses posteriores em que renovada a possibilidade de exercício do direito, de modo a verificar se a renda seria maior que a efetivamente obtida por ocasião do desligamento do emprego ou do requerimento. Ressaltou, no ponto, que os pagamentos não retroagiriam à nova DIB, pois dependentes do exercício do direito. O marco para fins de comparação seria a data do desligamento ou do requerimento original, sendo considerado melhor benefício aquele que correspondesse, à época, ao maior valor em moeda corrente nacional.

RE 630501/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 23.2.2011.  (RE-630501)

 

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 5

Observados tais critérios, não sendo a retroação da DIB mais favorável ao segurado, não haveria de se admitir a revisão do benefício, ainda que invocada a conveniência decorrente de critérios supervenientes de recomposição ou reajuste diferenciado dos benefícios. Declarou não ser possível ao contribuinte, pois, pretender a revisão do seu benefício para RMI inferior, sob o fundamento de que, atualmente, tal lhe seria vantajoso, considerado o art. 58 do ADCT, que determinou a recomposição dos benefícios anteriores à promulgação da Constituição de 1988 considerando tão-somente a equivalência ao salário mínimo. Registrou que o fato de art. 58 do ADCT ter ensejado que benefício inicial maior tivesse passado a corresponder, em alguns casos, a um benefício atual menor seria inusitado, mas não viabilizaria a revisão retroativa sob o fundamento do direito adquirido. Para relatora, a invocação deste, ainda que implique efeitos futuros, exigiria que se olhasse para o passado, e que modificações legislativas posteriores não justificariam a revisão pretendida, não servindo de referência para que o segu­rado pleiteasse retroação da DIB. Acrescentou que isso não impediria que a revisão da RMI pela retroação da DIB, com base no melhor benefício à época do requerimento, tivesse implicações na revisão de que tratou o art. 58 do ADCT, mas como mero efeito acidental que justificaria o interesse atual do segurado na revisão.

RE 630501/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 23.2.2011.  (RE-630501)

 

Aposentadoria: preenchimento de requisitos e direito adquirido ao melhor benefício – 6

Por fim, considerou que, na espécie, o benefício que o autor viria recebendo, com DIB em 1º.11.80 — com rescisão de trabalho em 30.9.80 e gozo ainda de um mês de aviso prévio com contribuição —, teria como RMI o valor de Cr$ 47.161,00 (quarenta e sete mil, cento e sessenta e um cruzeiros). Atentou que a alteração da DIB para 1º.10.79 (data do preenchimento dos requisitos) implicaria consideração de outro período base de cálculo e dos respectivos salários-de-contribuição, anteriores a tal data, os quais, atualizados, apontariam salário-de-benefício superior e conse­qüente RMI melhor que a obtida originariamente, configurando, pois, melhor benefício. Haveria reflexo, ainda, na equivalência salarial, o que justificaria o interesse do autor na revisão. Tendo em conta a nova DIB e a evolução da renda com 1º reajuste integral, o valor do benefício, em novembro de 1980, seria de R$ 53.916,00, maior, portanto, que a RMI de concessão. Os efeitos reflexos para fins de aplicação do art. 58 do ADCT, por sua vez, também seriam positivos, visto que a equivalência ao salário mínimo passaria de 8,15 para 9,31 salários. Concluiu que o aumento na RMI teria repercussão na renda mensal atual, implicando sua revisão e pagamento de atrasados, observada a prescrição. Após, pediu vista dos autos o Min. Dias Toffoli.

RE 630501/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 23.2.2011.  (RE-630501)

 

Primeira Turma

 

Lei 8.072/90 e regime inicial de cumprimento de pena

A 1ª Turma deliberou afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus em que se discute a constitucionalidade, ou não, do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Na espécie, os pacientes foram condenados, pela prática do crime de tráfico de entorpecentes privilegiado, a penas inferiores a 8 anos de reclusão. Alega a defesa que, de acordo com a regra geral prevista no CP, caberia a imposição de regime inicial semi-aberto e que, portanto, a norma impugnada atentaria contra o princípio da individualização da pena.

HC 101284/MG, rel. Min. Dias Toffoli, 22.2.2011.   (HC-101284)

 

Agravo em matéria penal e deficiência do traslado – 2

Em conclusão, a 1ª Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia fosse conhecido agravo de instrumento que visava à subida de recurso especial em matéria penal não admitido por deficiência do traslado. Na espécie, a decisão impugnada considerara não legível carimbo do protocolo do recurso especial, na Secretaria do Tribunal de Justiça, determinante para a verificação de sua tempestividade — v. Informativo 614. Aduziu-se que, conforme precedentes da Corte, seria dever do recorrente zelar pela correta formação do agravo de instrumento, inclusive em sede criminal, de modo que a deficiência contida na referida peça processual não poderia ser atribuída ao cartório. Vencido o Min. Marco Aurélio, que concedia o writ por entender que, em processo criminal, caberia à parte somente indicar as peças, ao passo que, à Secretaria, providenciar o instrumento.

HC 96647/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 22.2.2011.  (HC-96647)

 

MEC: registro de diploma de mestrado em curso de caráter experimental

A 1ª Turma negou provimento a recurso extraordinário no qual pretendido que o Poder Judiciário determinasse à Universidade do Rio de Janeiro – URJ a retirada de adjetivação no sentido de que o diploma de mestrado do recorrente não teria validade perante o Ministério da Educação – MEC. Tratava-se, na origem, de mandado de segurança impetrado contra ato do Sub-Reitor da URJ, que expedira diploma ao recorrente, mas com a explicitação de não ter validade nacional compulsória, de acordo com o art. 48 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Entendeu-se que o aluno de curso de mestrado instituído em caráter experimental, com conhecimento dessa condição, não teria o direito líquido e certo de exigir da Universidade o registro no MEC de seu diploma. Reputou-se que a Universidade limitara-se a cumprir o que determinado em lei, a qual não autorizaria a validade nacional de diploma sem que o curso tivesse sido reconhecido pelo órgão competente.

RE 566365/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, 22.2.2011.   (RE-566365)

 

 

Segunda Turma

 

Prisão em unidade militar e progressão de regime

A 1ª Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que militar, em causa própria, pleiteia progressão de regime para o semi-aberto, em igualdade de condições com os civis. Na espécie, o paciente fora condenado, sem decair da patente, e recolhido em estabelecimento prisional castrense. O Min. Ayres Britto, relator, concedeu o writ para assegurar a possibilidade de progressão de regime de cumprimento da pena. Aduziu que o princípio ou a garantia da individualização da pena seria um direito fundamental, uma situação jurídica subjetiva do indivíduo, militar ou civil. Asseverou que o condenado, embora permanecesse militar e cumprisse pena em unidade castrense, continuaria digno de toda a proteção constitucional. Reputou aplicável a garantia da individualização da pena aos militares nessa situação. Observou que o paciente cumprira 1/6 da pena e possuía declaração de bom comportamento, tendo sido, inclusive, aprovado em vestibulares. Concluiu que, ante a omissão ou falta de previsão da lei castrense, seriam aplicáveis a LEP e o CP, que conjugadamente dispõem à saciedade sobre o regime de progressão de pena. Após, pediu vista dos autos a Min. Ellen Gracie.

HC 104174/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 22.2.2011. (HC-104174)

 

Liberdade provisória e tráfico ilícito de entorpecente

Ao acolher proposta formulada pelo Min. Ayres Britto, a 2ª Turma deliberou afetar ao Plenário julgamento de habeas corpus em que se discute a constitucionalidade, ou não, da vedação abstrata da liberdade provisória prevista no art. 44 da Lei 11.343/2006, bem como o excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal.

HC 104339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 22.2.2011. (HC-104339)

 

ISS e cessão de direito sobre uso de marca

A 2ª Turma negou provimento a agravo regimental em reclamação na qual se alegava não ser devido o Imposto sobre Prestação de Serviço – ISS sobre contratos de locação de bens móveis. Reputou-se que a decisão paradigma invocada na reclamação não abrangeria o auto de infração cuja manutenção e inscrição na dívida ativa seria o ato reclamado. Ademais, concluiu-se que se trataria de cessão de direito sobre uso de marca, que não poderia ser considerada locação de bens móveis, mas serviço autônomo, como previsto na Lei Complementar 116/2003. Assim, não haveria a incidência da Súmula Vinculante 31 (“É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.”)

Rcl 8623 AgR/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 22.2.2011. (RCL-8623)

 

 

Sessões     Ordinárias Extraordinárias Julgamentos

Pleno          23.2.2011         24.2.2011                   21

1ª Turma   22.2.2011                                          177

2ª Turma   22.2.2011                                         108

 

R e p e r c u s s ã o  G e r a l

               DJe de 21 a 25 de fevereiro de 2011

 

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 601.146-MS

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

AÇÃO DECLARATÓRIA DE PERDA DE POSTO E PATENTE DOS OFICIAIS E GRADUAÇÕES DAS PRAÇAS – CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO – POSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA PARA A RESERVA – ARTIGO 125, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de, ajuizada ação declaratória de perda de posto e patente dos oficiais e graduações das praças, haver um meio-termo para, ante condenação criminal transitada em julgado e conclusão de não ter o servidor militar condições de continuar a integrar o quadro da corporação, adotar-se a transferência para a reserva, consoante o disposto no artigo 125, § 4º, da Constituição da República.

 

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 607.056-RJ

RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI

EMENTA

TRIBUTÁRIO – ICMS – ÁGUA CANALIZADA – ART. 155, II, CF. REPERCUSSÃO GERAL – EXISTÊNCIA.

Ultrapassa os interesses subjetivos das partes a controvérsia relativa à possibilidade de incidência do ICMS sobre o fornecimento de água canalizada. Análise dos conceitos de mercadoria e de serviço público essencial e específico.

Repercussão geral reconhecida.

 

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 242.689-PR

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

Recurso Extraordinário. Tributário. Correção Monetária. Demostrações Financeiras. Pessoas Jurídicas. Índice a ser utilizado. IPC ou BTN Fiscal. Lei 7.799/89. Repercussão Geral reconhecida.

 

REPERCUSSÃO GERAL EM RE  N. 602.584-DF

RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

TETO REMUNERATÓRIO – INCIDÊNCIA SOBRE O MONTANTE DECORRENTE DA ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA E PENSÃO – ARTIGO 37, INCISO XI, DA CARTA FEDERAL E ARTIGOS 8º E 9º DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 41/2003. Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de, ante o mesmo credor, existir a distinção do que recebido, para efeito do teto remuneratório, presentes as rubricas proventos e pensão, a teor do artigo 37, inciso XI, da Carta da República e dos artigos 8º e 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003.

 

Decisões Publicadas: 4

 

Transcrições

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

 

Justiça Militar – Réu Civil – Crime Militar – Juiz Natural – Direito Comparado (Transcrição)

 

HC 106171-MC/AM*

 

 

RELATOR: Min. Celso de Mello

 

EMENTA: CRIME MILITAR EM SENTIDO IMPRÓPRIO: FALSIFICAÇÃO/USO DE CADERNETA DE INSCRIÇÃO E REGISTRO – CIR, EMITIDA PELA MARINHA DO BRASIL. LICENÇA DE NATUREZA CIVIL. COMPOR­TAMENTO QUE, EM TESE, AFETA SERVIÇO DA UNIÃO, APTO _A SUBSUMIR-SE À ESFERA DE COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM (CF, ART. 109, IV). IMPUTAÇÃO PENAL DEDUZIDA, NO CASO, PERANTE A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO, CONTRA CIVIL. CARÁTER ANÔMA­LO DA JURISDIÇÃO PENAL MILI­TAR SOBRE CIVIS, EM TEMPO DE PAZ. _A REGULAÇÃO DO TEMA PERTINENTE À JUSTIÇA MILITAR NO PLANO DO DIREITO COMPARADO. TENDÊNCIA QUE SE REGISTRA, MODERNAMENTE, EM SISTEMAS NORMATIVOS ESTRANGEIROS, NO SENTIDO DA EXTINÇÃO (PURA E SIMPLES) DE TRIBU­NAIS MILITARES EM TEMPO DE PAZ OU, ENTÃO, DA EXCLUSÃO DE CIVIS DA JURISDIÇÃO PENAL MILITAR: PORTUGAL (CONSTITUIÇÃO DE 1976, ART. 213, QUARTA REVISÃO CONSTITUCIONAL DE 1997), ARGENTINA (LEY FEDERAL Nº 26.394/2008), COLÔMBIA (CONSTITUIÇÃO DE 1991, ART. 213), PARAGUAI (CONSTITUIÇÃO DE 1992, ART. 174), MÉXICO (CONSTITUIÇÃO DE 1917, ART. 13) e URUGUAI (CONSTITUIÇÃO DE 1967, ART. 253, c/c LEY 18.650/2010, ARTS. 27 E 28), v.g.. UMA RELEVANTE SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREI­TOS HUMANOS (“CASO PALAMARA IRIBARNE VS. CHILE”, DE 2005): DETERMINAÇÃO PARA QUE A REPÚ­BLICA DO CHILE, ADEQUANDO A SUA LEGISLAÇÃO INTERNA AOS PADRÕES INTERNACIONAIS SOBRE JURISDIÇÃO PENAL MILITAR, ADOTE MEDIDAS COM O OBJETIVO DE IMPEDIR,              QUAISQUER     QUE      SEJAM AS CIRCUNSTÂNCIAS, QUE “um civil seja submetido à jurisdição dos tribunais penais militares (…)” (item nº 269, n. 14, da parte dispositiva, “Puntos Resolutivos”). O CASO “EX PARTE MILLIGAN” (1866): IMPORTANTE “LANDMARK RULING” DA SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR QUE SE PÕE EM CONFLITO COM O POSTULADO DO JUIZ NATURAL. O ALTO SIGNIFICADO E  O ALCANCE DESSE PRIN­CÍPIO CONSTITUCIONAL. A POSSIBILIDADE DE SUA ANÁ­LISE SOB DUPLA PERSPECTIVA: “ex parte subjecti” e “ex parte principis”. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

 

DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E. Superior Tribunal Militar, encontra-se consubstanciada em acórdão assim ementado:

 

“‘HABEAS CORPUS’. USO DE DOCUMENTO FALSO. CADERNETA DE INSCRIÇÃO E REGISTRO – CIR. SERVIÇO DE POLÍCIA MARÍTIMA.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR.

Civis acusados de utilizar documento não autêntico, cuja expedição do original incumbe à Capitania dos Portos e demais órgãos que integram a estrutura organizacional da Marinha do Brasil.

Revestida de fé pública, eventual adulteração nos dados originais de Caderneta de Inscrição e Registro repercute negativamente na credibilidade das instituições militares e atenta contra a ordem administrativa militar, do que decorre a configuração do crime de natureza militar.

Competência da Justiça Militar da União.

Ordem denegada.

Decisão unânime.” (grifei)

 

As razões constantes da presente impetração parecem justificar – ao menos em juízo de estrita delibação – a densa plausibilidade jurídica da pretensão deduzida nesta sede processual, especialmente se se considerar julgamento, por mim proferido na colenda Segunda Turma, em que este Tribunal, examinando a suposta prática, por civil, em tempo de paz, de crime militar, reconheceu não con­figurado o delito castrense em acórdão que possui a seguinte ementa:

 

“‘HABEAS CORPUS’ – CRIME DE LESÕES CORPORAIS CULPOSAS CONTRA MILITAR EM MANOBRA – INOCORRÊNCIA DE CRIME MILITARCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUMPOSTULADO DO JUIZ NATURAL – (…) – PEDIDO DEFERIDO.

EXCEPCIONALIDADE DA COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO, EM TEMPO DE PAZ, TRATANDO-SE DE RÉU CIVIL.

 

Não se tem por configurada a competência penal da Justiça Militar da União, em tempo de paz, tratando-se de réus civis, se a ação delituosa, a eles atribuída, não afetar, ainda que potencialmente, a integridade, a dignidade, o funcio­namento e a respeitabilidade das instituições militares, que constituem, em essência, nos delitos castrenses, os bens jurídicos penalmente tutelados.

O caráter anômalo da jurisdição penal castrense sobre civis, notadamente em tempo de paz. _O caso ‘Ex Parte Milligan’ (1866): um precedente histórico valioso.

O POSTULADO DO JUIZ NATURAL REPRESENTA GARANTIA CONSTITUCIONAL INDISPONÍVEL, ASSEGURADA _A QUALQUER RÉU, EM SEDE DE PERSECUÇÃO PENAL, MESMO QUANDO INSTAURADA PERANTE A JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO.

O princípio da naturalidade do juízo representa uma das mais importantes matrizes político-ideológicas que conformam a própria atividade legislativa do Estado e condicionam o desempenho, pelo Poder Público, das funçõesde caráter penal-persecutório,notadamente quando exercidas em sede judicial.

_O postulado do juiz natural, em sua projeção político-jurídica, reveste-se de dupla função instru­mental, pois, enquanto garantia indisponível, tem, por titular, qualquer pessoa exposta, em juízo criminal, à ação persecutória do Estado, e, enquanto limitação insupe­rável, representa fator de restrição que incide sobre os órgãos do poder estatal incumbidos de promover, judicialmente, a repressão criminal.

_É irrecusável, em nosso sistema de direito constitu­cional positivo – considerado o princípio do juiz naturalque ninguém poderá ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judiciária competente. Nenhuma pessoa, em conseqüência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A nova Cons­tituição do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas – que representam limitações expressivas aos poderes do Estado – consagrou, de modo explícito, o postulado fundamental do juiz na­tural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que ‘ninguém se­rá processado nem sentenciado senão pela autoridade com­petente’. (…).”

(HC 81.963/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

 

Cumpre enfatizar, desde logo, que a Justiça Militar da União – cujos órgãos (Conselhos de Justiça e o E. Superior Tribunal Militar) não se identificam nem se subsumem à noção de tribunais de exceção ou de juízos “ad hoc” (ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 88/89, item n. 21.1, 25ª ed., 2010, Atlas; UADI LAMMÊGO BULOS, “Curso de Direito Constitucional”, p. 669, item n. 47.3, “c”, 5ª ed., 2010, Saraiva; SYLVIO MOTTA e GUSTAVO BARCHET, “Curso de Direito Constitucional”, p. 215, item n. 2.29, 2007, Elsevier; PEDRO LENZA, “Direito Constitucional Esquematizado”, p. 777/778, item n. 14.9.22, 14ª ed., 2010, Saraiva, v.g.) – dispõe de competência penal para processar e julgar civis, mesmo em tempo de paz, por suposta prática de crime militar tipificado em lei (KILDARE GONÇALVES CARVALHO, “Direito Constitucional”, p. 1076, item n. 14, 13ª ed., 2007, Del Rey, v.g.), eis que a Constituição da República, ao remeter ao plano da legislação ordinária a definição dos delitos castrenses, viabilizou a qualificação de qualquer civil, em algumas situações específicas, como possível sujeito ativo dessa especial modalidade de infração penal, como claramente resulta da leitura do próprio Código Penal Militar, considerada a regra inscrita em seu art. 9º, em contexto que permite reconhecer que, no ordenamento positivo brasileiro, a conceituação de crime militar rege-se pelo critério objetivo, estabelecido “ratione legis”, segundo se extrai do magistério da doutrina (JORGE ALBERTO ROMEIRO, “Curso de Direito Penal Militar – Parte Geral”, p. 66, item n. 48, 1994, Saraiva; CÉLIO LOBÃO, “Direito Penal Militar”, p. 50/53, item n. 8, 1990, Brasília Jurídica; JOSÉ DA SILVA LOUREIRO NETO, “Direito Penal Militar”, p. 17/28, item n. 2.2, 5ª ed., 2010, Atlas, v.g.).

 

Isso significa, portanto, que a Justiça Militar da União possui, excepcionalmente, em tema de delitos castrenses, jurisdição penal sobre civis, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra.

A tentativa de o Poder Público pretender sujeitar, arbitraria­mente, a Tribunais castrenses, em tempo de paz, réus civis, fazendo instaurar, contra eles, perante órgãos da Justiça Militar da União, fora das estritas hipóteses legais, procedimentos de persecução penal, por suposta prática de crime militar, representa clara violação ao princípio constitucional do juiz natural (CF, art. 5º, LIII).

Não se pode deixar de acentuar, bem por isso, o caráter anômalo da submissão de civis, notadamente em tempo de paz, à jurisdição dos Tribunais e órgãos integrantes da Justiça Militar da União, por suposta prática de crime militar, especialmente se se tiver em consideração que tal situação – porque revestida de excepcionalidade – se legitima se e quando configuradas, quanto a réus civis, as hipóteses delineadas em sede legal e cujo reconhecimento tem merecido, do Supremo Tribunal Federal, estrita interpretação.

É importante observar que, no plano do direito comparado, registra-se, modernamente, em diversos sistemas normativos vigentes em Estados impregnados de perfil democrático, clara tendência, quer no sentido da extinção (pura e simples) de tribunais militares em tempo de paz, permitindo-lhes, no entanto, a existência, embora circunstancialmente, apenas quando deflagrado estado de guerra, quer, ainda, no sentido da exclusão de civis da jurisdição penal militar, valendo destacar, sob tais aspectos, o ordenamento positivo de alguns países, como o de Portugal (Constituição de 1976, art. 213, Quarta Revisão Constitucional de 1997), o da Argentina (Ley Federal nº 26.394/2008), o da Colômbia (Constituição de 1991, art. 213), o do Paraguai (Constituição de 1992, art. 174), o do México (Constituição de 1917, art. 13) e o do Uruguai (Constituição de 1967, art. 253, c/c Ley 18.650/2010, arts. 27 e 28).

De outro lado, cabe registrar importantíssima decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 22/11/2005, no julgamento do “Caso Palamara Iribarne vs. Chile”, em que se determinou, à República do Chile, dentre outras providencias, que ajustasse, em prazo razoável, o seu ordenamento interno aos padrões internacionais sobre jurisdição penal militar, de forma tal que, se se considerasse necessária a existência (ou subsistência) de uma jurisdição penal militar, fosse esta limitada, unicamente, ao co­nhe­cimento de delitos funcionais cometidos por militares em serviço ativo.

Mais do que isso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Sentença proferida no “Caso Palamara Iribarne vs. Chile”, deter­minou que a República do Chile estabelecesse, em sua legislação inter­na, limites à competência material e pessoal dos Tribunais militares, em ordem a que, “en ninguna circunstancia un civil se vea sometido a la jurisdicción de los tribunales penales militares (…)” (grifei).

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tem entendido, em casos idênticos ao ora em análise, que não se tem por configurada a competência da Justiça Militar da União, em tempo de paz, tratando-se de réus civis, se a ação eventualmente delituosa, por eles praticada, não afetar, de modo real ou potencial, a integridade, a dignidade, o funcionamento e a respeitabilidade das instituições militares que constituem, em essência, os bens jurídicos penalmente tutelados.

Mostra-se grave, por isso mesmo, a instauração, em tempo de paz, de inquérito policial militar (IPM) contra civil, com o objetivo de submetê-lo, fora dos casos autorizados em lei, a julgamento perante a Justiça Militar da União!

Cabe rememorar, por oportuno, histórica decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos da América (verdadeira “landmark ruling”), proferida no julgamento, em 1866, do caso “Ex Parte Milligan”(71 U.S. 1).

A Suprema Corte dos Estados Unidos da América, nesse importante precedente, ao examinar decisão condenatória motivada por fatos ocorridos no curso da Guerra Civil americana, veio a invalidar tal condenação, que impusera a pena de morte (enforcamento), por traição, a um acusado civil, Lambden P. Milligan, por entender que, mesmo que se tratasse de um crime praticado nas circunstâncias de tempo e de lugar em que ocorrera, ainda assim um civil não poderia ser julgado por uma Corte militar (“martial court”), desde que os órgãos judiciários da Justiça comum estivessem funcionando regularmente.

Nesse julgamento, enfatizou-se, por unânime votação, que a Constituição não se suspende em períodos de crise ou de emergência nacional, pois ela representa, enquanto estatuto do poder e instrumento das liberdades, a lei suprema que a todos se aplica, tanto a governantes, como a governados, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra.

Concluiu-se, por tal razão, naquela decisão, que o julgamento de civis, por tribunais militares (cortes marciais), era inadmissível nos locais em que houvesse tribunais civis em pleno e regular funcionamento:

 

On the 10th day of May, 1865, Lambden P. Milligan presented a petition to the Circuit Court of the United States for the District of Indiana, to be discharged from an alleged unlawful imprisonment…

Milligan insists that said military commission had no jurisdiction to try him upon the charges preferred, or upon any charges whatever; because he was a citizen of the United States and the State of Indiana, and had not been, since the commencement of the late Rebellion, a resident of any of the States whose citizens were arrayed against the government, and that the right of trial by jury was guaranteed to him by the Constitution of the United States…

The importance of the main question presented by this record cannot be overstated; for it involves the very framework of the government and the fundamental principles of American liberty.

……………………………………………….

The controlling question in the case is this: Upon the facts stated in Milligan’s petition, and the exhibits filed, had the military commission mentioned in it jurisdiction, legally, to try and sentence him? Milligan, not a resident of one of the rebellious states, or a prisoner of war, but a citizen of Indiana for twenty years past and never in the military or naval service, is, while at his home, arrested by the military power of the United States, imprisoned, and, on certain criminal charges preferred against him, tried, convicted, and sentenced to be hanged by a military commission, organized under the direction of the military commander of the military district of Indiana. Had this tribunal the legal power and authority to try and punish this man?

No graver question was ever considered by this court, nor one which more nearly concerns the rights of the whole people; for it is the birthright of every American citizen when charged with crime, to be tried and punished according to law. The power of punishment is, alone through the means which the laws have provided for that purpose, and if they are ineffectual, there is an immunity from punishment, no matter how great an offender the individual may be, or how much his crimes may have shocked the sense of justice of the country, or endangered its safety. By the protection of the law human rights are secured; withdraw that protection, and they are at the mercy of wicked rulers, or the clamor of an excited people. If there was law to justify this military trial, it is not our province to interfere; if there was not, it is our duty to declare the nullity of the whole proceedings. The decision of this question does not depend on argument or judicial precedents, numerous and highly illustrative as they are. These precedents inform us of the extent of the struggle to preserve liberty and to relieve those in civil life from military trials. The founders of our government were familiar with the history of that struggle; and secured in a written constitution every right which the people had wrested from power during a contest of ages. By that Constitution and the laws authorized by it this question must be determined. The provisions of that instrument on the administration of criminal justice are too plain and direct, to leave room for misconstruction or doubt of their true meaning. Those applicable to this case are found in that clause of the original Constitution which says, ‘That the trial of all crimes, except in case of impeachment, shall be by jury’; and in the fourth, fifth, and sixth articles of the amendments…

Have any of the rights guaranteed by the Constitution been violated in the case of Milligan? and if so, what are they?

……………………………………………….

But it is said that the jurisdiction is complete under the ‘laws and usages of war.’

……………………………………………….

It is claimed that martial law covers with its broad mantle the proceedings of this military commission. The proposition is this: that in a time of war the commander of an armed force (if in his opinion the exigencies of the country demand it, and of which he is to judge), has the power, within the lines of his military district, to suspend all civil rights and their remedies, and subject citizens as well as soldiers to the rule of his will; and in the exercise of his lawful authority cannot be restrained, except by his superior officer or the President of the United States.

If this position is sound to the extent claimed, then when war exists, foreign or domestic, and the country is subdivided into military departments for mere convenience, the commander of one of them can, if he chooses, within his limits, on the plea of necessity, with the approval of the Executive, substitute military force for and to the exclusion of the laws, and punish all persons, as he thinks right and proper, without fixed or certain rules.

The statement of this proposition shows its importance; for, if true, republican government is a failure, and there is an end of liberty regulated by law. Martial law established on such a basis, destroys every guarantee of the Constitution, and effectually renders the ‘military independent of and superior to the civil power’ – the attempt to do which by the King of Great Britain was deemed by our fathers such an offence, that they assigned it to the world as one of the causes which impelled them to declare their independence. Civil liberty and this kind of martial law cannot endure together; the antagonism is irreconcilable; and, in the conflict, one or the other must perish.

……………………………………………….

It follows, from what has been said on this subject, that there are occasions when martial rule can be properly applied. If, in foreign invasion or civil war, the courts are actually closed, and it is impossible to administer criminal justice according to law, then, on the theatre of active military operations, where war really prevails, there is a necessity to furnish a substitute for the civil authority, thus overthrown, to preserve the safety of the army and society; and as no power is left but the military, it is allowed to govern by martial rule until the laws can have their free course. As necessity creates the rule, so it limits its duration; for, if this government is continued after the courts are reinstated, it is a gross usurpation of power. Martial rule can never exist where the courts are open, and in the proper and unobstructed exercise of their jurisdiction. It is also confined to the locality of actual war.” (grifei)

 

Todas essas considerações revelam-se de indiscutível importância em face do caráter de fundamentalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, o princípio do juiz natural.

Com efeito, o princípio da naturalidade do juízo representa uma das mais importantes matrizes político-ideológicas que con­formam a própria atividade legislativa do Estado e que condicionam o desempenho, por parte do Poder Público, das funções de caráter penal-persecutório, notadamente quando exercidas em sede judicial.

Daí a advertência de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“O Processo Penal na Atualidade”, in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 19, item n. 7, 1993, Ed. Acadêmica/Apamagis, São Paulo), no sentido de que, ao rol de postulados básicos, deve acrescer-se aquele do Juiz natural, contido no item nº LIII do art. 5º, que declara que ‘ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente’. É que autoridade competente só será aquela que a Cons­tituição tiver previsto, explícita ou implicitamente, pois, se assim não fosse, a lei poderia burlar as garantias derivadas do princípio do Juiz independente e imparcial, criando outros órgãos para o processo e julgamento de determinadas infrações(grifei).

A essencialidade do princípio do juiz natural impõe, ao Estado, o dever de respeitar essa garantia básica que prede­termina, em abstrato, os órgãos judiciários investidos de competência funcional para a apreciação dos litígios penais.

Na realidade, o princípio do juiz natural reveste-se, em sua projeção político-jurídica, de dupla função instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem, por titular, qualquer pessoa exposta, em juízo criminal, à ação persecutória do Estado, e, enquanto limitação insuperável, incide sobre os órgãos do poder incumbidos de promover, judicialmente, a repressão criminal.

Vê-se, desse modo, que o postulado da naturalidade do juízo, ao qualificar-se como prerrogativa individual ex parte subjecti,tem, por destinatário específico, o réu, erigindo-se, em conseqüência, como direito público subjetivo inteiramente oponível ao próprio Estado. Esse mesmo princípio, contudo, se analisado em perspectiva diversa, ex parte principis, atua como fator de inquestionável restrição ao poder de persecução penal, submetendo, o Estado, a múltiplas limitações inibitórias de suas prerrogativas institucionais.

Isso significa que o postulado do juiz natural deriva de cláusula constitucional tipicamente bifronte, pois, dirigindo-se a dois destinatários distintos, ora representa um direito do réu (eficácia positiva da garantia constitucional), ora traduz uma imposição ao Estado (eficácia negativa dessa mesma garantia constitucional).

O princípio da naturalidade do juízo, portanto, encer­rando uma garantia constitucional, limita, de um lado, os poderes do Es­tado (impossibilitado, assim, de instituir juízos “ad hoc” ou de criar tri­bunais de exceção) e assegura ao acusado, de outro, o direito ao pro­cesso perante autoridade competente, abstratamente designada na forma de lei anterior (vedados, em conseqüência, os juízos “ex post facto”).

É por essa razão que ADA PELLEGRINI GRINOVER – após destacar a importância histórica e político-jurídica do princípio do juiz natural – acentua, com apoio no magistério de JORGE FIGUEIREDO DIAS (“Direito Processual Penal”, vol. 1/322-323, 1974, Coimbra), que esse postulado constitucional acha-se tutelado por garantias irredutíveis que se desdobram, “na verdade, em três conceitos: só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Constituição; ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato; entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências, que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja” (“O Processo em Sua UnidadeII”, p. 39, item n. 6, 1984, Forense – grifei).

O fato irrecusável, em nosso sistema de direito constitucional positivo – considerado o princípio do juiz natural – é que ninguém poderá ser privado de sua liberdade senão mediante julgamento pela autoridade judicial competente. Nenhuma pessoa, em conse­qüência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A nova Constituição do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas – que representam limitações expressivas aos poderes do Estado consagrou, agora de modo explícito, o postulado fundamental do juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política prescreve que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.

A importância político-jurídica desse princípio essencial – que traduz uma das projeções concretizadoras da cláusula do “due process of law” – foi acentuada pelo autorizado magistério de eminentes autores, tais como ADA PELLEGRINI GRINOVER (“O Processo em sua unidade – II”, p. 3/4, 1984, Forense), GIUSEPPE SABATINI (“Principii Costituzionali del Processo Penale”, p. 93/131, 1976, Napoli), TAORMINA (“Giudice naturale e processo penale”, p. 16, 1972, Roma), JOSÉ CIRILO DE VARGAS (“Processo Penal e Direitos Fundamentais”, p. 223/232, 1992, Del Rey Editora), MARCELO FORTES BARBOSA (“Garantias Cons­titucionais de Direito Penal e de Processo Penal na Constituição de 1988”, p. 80/81, 1993, Malheiros) e ROGÉRIO LAURIA TUCCI e JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (“Constituição de 1988 e Processo”, p. 30/32, item n. 10, 1989, Saraiva).

O exame da impetração revela que os ora pacientes são civis, havendo sido denunciados, pelo Ministério Público Militar, como autores de suposta prática delituosa, de natureza castrense, tipificada no art. 315 c/c o art. 9º, inciso III, “a”, ambos do Código Penal Militar e que teria sido alegadamente cometida em ambiente estranho à Administração das Forças Armadas.

Sustenta-se que o delito atribuído aos ora pacientes teria afetado “a execução de serviços de polícia marítima”, cuja natureza, por envolver típica atividade de segurança pública, afastaria o ilícito penal em questão da esfera de competência penal da Justiça Militar da União, fazendo instaurar, ao contrário, por efeito do que dispõe o art. 109, inciso IV, da Constituição, a competência penal da Justiça Federal comum.

Cumpre destacar, por relevante, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que teve a oportunidade de advertirem precedentes de ambas as Turmas -, em situações idênticas à ora examinada, que o delito de falsificação de documento ou de uso de documento falso, como a Caderneta de Inscrição e Registro (CIR), emitida pela Capitania dos Portos e demais órgãos que integram a es­tru­tura administrativa da Marinha do Brasil, não configura hipótese tipificadora de crime militar, ainda mais se alegadamente praticado por civil (HC 96.083/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE – HC 96.561/PA, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 103.318/PA, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA):

“COMPETÊNCIAJUSTIÇA MILITAR VERSUS JUSTIÇA FEDERAL ‘STRICTO SENSU’ – CRIME DE FALSO – CARTEIRA DE HABILITAÇÃO NAVAL DE NATUREZA CIVIL. A competência para julgar processo penal a envolver a falsificação de carteira de habilitação naval de natureza civil é da Justiça Federal, sendo titular da ação o Ministério Público Federal.”

(HC 90.451/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – grifei)

 

“‘HABEAS CORPUS’. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA MILITAR. CRIME MILITAR NÃO CARACTERIZADO. COMPE­TÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM FEDERAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. CADERNETA DE INSTRUÇÃO E REGISTRO (CIR). LICENÇA DE NATUREZA CIVIL. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA.

1. Ao contrário do entendimento do Superior Tribunal Militar, é excepcional a competência da Justiça castrense para o julgamento de civis, em tempo de paz. A tipificação da conduta de agente civil como crime militar está a depender do ‘intuito de atingir, de qualquer modo, a Força, no sentido de impedir, frustrar, fazer malograr, desmoralizar ou ofender o militar ou o evento ou situação em que este esteja empenhado’ (CC 7.040, da relatoria do ministro Carlos Velloso).

2. O cometimento do delito militar por agente civil em tempo de paz se dá em caráter excepcional. Tal cometimento se traduz em ofensa àqueles bens jurídicos tipicamente associados à função de natureza militar: defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem (art. 142 da Constituição Federal).

3. No caso dos autos, a conduta supostamente protago­nizada pelos pacientes configura, em tese, infração comum, em detrimento de bens, serviços ou interesses da União. A atrair, assim, a incidência do inciso IV do art. 109 da Carta Magna de 1988.

4. O policiamento naval é tratado pelo inciso III do § 1º do art. 144 da Constituição Republicana como ação de segurança pública, ‘de maneira que é um tipo de atividade que se abre para múltipla cobertura pública, vale dizer, a Polícia Federal também tem essa expressa competência: exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras’. Precedentes HC 90.451, da relatoria do ministro Marco Aurélio; HC 96.561, da relatoria do ministro Cezar Peluso.

5. Ordem concedida para determinar a remessa do processo-crime à Justiça comum federal, anulando-se os atos processuais eventualmente praticados, inclusive a denúncia.”

(HC 104.617/BA, Rel. Min. AYRES BRITTO – grifei)

 

“‘HABEAS CORPUS’. CONSTITUCIONAL. PENAL MILITAR. CRIMES DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO OU USO DE DOCUMENTO FALSO (ARTS. 311 E 315 DO CPM). CADERNETA DE INSCRIÇÃO E REGISTRO (CIR) OU HABILITAÇÃO DE ARRAIS-AMADOR.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ORDEM CONCEDIDA.

I – Em diversas oportunidades, esta Suprema Corte afirmou o entendimento de que é da Justiça Federal a competência para processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação de documento ou uso de documento falso (arts. 311 e 315, respectivamente, do CPM), quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou Habilitação de Arrais-Amador, ambas expedidas pela Marinha do Brasil, por aplicação dos arts. 21, XXII, 109, IV, e 144, § 1º, III, todos da Constituição da República.

II – ‘Habeas corpus’ concedido para anular o acórdão ora atacado e declarar a incompetência da Justiça Militar para processar e julgar o feito.”

(HC 104.837/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – grifei)

 

Desse modo, e considerados os precedentes que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em análise, reconheço configurada, no caso, a absoluta incompetência da Justiça Militar da União, para processar e julgar os ora pacientes, que são civis, a quem se imputou a prática de delito que, evidentemente, não se qualifica como crime de natureza militar.

A densa plausibilidade jurídica da postulação ora deduzida em favor dos pacientes ainda mais se acentua se se tiver presente que o acórdão emanado do E. Superior Tribunal Militar põe-se em relação de antagonismo com diretriz jurisprudencial prevalecente nesta Suprema Corte, o que provoca situação de conflito com o postulado da naturalidade do juízo.

É que os ora pacientes deixaram de ser submetidos, sem causa legítima, ao seu juiz natural, decorrendo, de tal situação, ofensa evidente à cláusula tutelar que protege, em nosso sistema jurídico, qualquer réu (CF, art. 5º, LIII).

Sendo assim, e tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o curso do Processo nº 0000017-96.2008.7.12.0012, instaurado, contra os ora pacientes, perante a Auditoria da 12ª Circunscrição Judiciária Militar.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal Militar (HC 0000083-77.2010.7.00.0000) e à Auditoria da 12ª CJM (Processo nº 0000017­96.2008.7.12.0012).

2. Ouça-se a douta Procuradoria Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 16 de novembro de 2010.

 

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

 

 

* decisão publicada no DJe de 22.11.2010

 

 

 

Inovações Legislativas

21 a 25 de fevereiro de 2011

 

SÚMULA VINCULANTE – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) – Seguradora – Incidência – Veículo automotor

Súmula Vinculante nº 32 – O ICMS não incide sobre alienação de salvados de sinistro pelas seguradoras. Publicada no DJe/STF, n.37, p.1, em 24.2.2011.

 

 

 

Secretaria de Documentação – SDO

Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD

CJCD@stf.jus.br

 

Como citar e referenciar este artigo:
STF,. Informativo nº 617 do STF. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/informativos-de-jurisprudencia/stf-informativos-de-jurisprudencia/informativo-no-617-do-stf/ Acesso em: 21 nov. 2024
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Informativo nº 908 do STF

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Informativo nº 907 do STF

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Informativo nº 895 do STF

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Informativo nº 894 do STF

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Informativo nº 893 do STF

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Informativo nº 892 do STF