Informativo STF
Brasília, 23 a 27 de agosto de
2010 – Nº 597.
Este Informativo, elaborado a partir de notas
tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos
não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos
ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste
trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da
Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
CODESP e Imunidade – 3
CODESP e Imunidade – 4
IPTU: Imunidade Tributária Recíproca e Cessão de Uso
de Bem Público – 1
IPTU: Imunidade Tributária Recíproca e Cessão de Uso
de Bem Público – 2
IPTU: Imunidade Tributária Recíproca e Cessão de Uso
de Bem Público – 3
IPTU: Imunidade Tributária Recíproca e Cessão de Uso
de Bem Público – 4
Princípio da Correlação e “Emendatio Libelli” – 1
Princípio da Correlação e “Emendatio Libelli” – 2
Princípio da Correlação e “Emendatio Libelli” – 3
Desarquivamento de Inquérito e Excludente de Ilicitude
– 3
Desarquivamento de Inquérito e Excludente de Ilicitude
– 4
Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substituição de
Pena Privativa de Liberdade por Restritivas de Direitos – 10
Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substituição de
Pena Privativa de Liberdade por Restritivas de Direitos – 11
Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substituição de
Pena Privativa de Liberdade por Restritivas de Direitos – 12
Repercussão Geral
Imunidade Tributária Recíproca: Sociedade de Economia
Mista e Serviços de Saúde – 1
Imunidade Tributária Recíproca: Sociedade de Economia
Mista e Serviços de Saúde – 2
Imunidade Tributária Recíproca: Sociedade de Economia
Mista e Serviços de Saúde – 3
1ª Turma
Condenação e Elementos Coligidos em Inquérito Policial
– 2
Princípio da Insignificância e Usuário de Drogas
Trancamento de Ação Penal e “Bis In Idem”
Tribunal do Júri: Alegações Finais e Intimação do
Advogado
Desaforamento e Popularidade da Vítima
Indenização a Anistiado: MS e Valores Retroativos
Ministério Público: Ação Civil Pública e Saneamento
2ª Turma
Ato Infracional e Princípio da Insignificância
Repercussão Geral
Transcrições
Receptação Qualificada e Receptação Simples – Pena
mais Leve para Delito mais Grave – Ofensa ao Princípio da Proporcionalidade em
Matéria Penal (HC 102094 MC/SC)
Inovações Legislativas
PLENÁRIO
CODESP e Imunidade – 3
Em conclusão, o Tribunal, por maioria, deu parcial provimento a recurso
extraordinário interposto pela Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP
contra acórdão do extinto Tribunal de Alçada Civil do referido Estado que
entendera serem devidos, pela recorrente, o IPTU e as taxas de conservação e
limpeza de logradouro público, remoção de lixo e iluminação pública sobre
imóveis que compõem o acervo do Porto de Santos — v. Informativos 405 e 441.
Inicialmente, não se conheceu do recurso relativamente aos artigos 21, XII, f e
22, X, da CF, por falta de prequestionamento, nem no tocante às taxas, haja
vista não se ter apontado o dispositivo constitucional que teria sido
inobservado pelo Tribunal a quo, no que estabelecida a legalidade da exigência
do tributo desde que os serviços sejam postos à disposição do contribuinte,
ainda que não utilizados. No mérito, prevaleceu o voto do Min. Joaquim Barbosa
que reputou necessária, para a aplicabilidade da imunidade recíproca à CODESP,
a superação dos seguintes estágios: 1) a imunidade seria subjetiva, ou seja, se
aplicaria à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos
institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em
risco a respectiva autonomia política. Em conseqüência, seria incorreto ler a
cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar
ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas,
independentemente do contexto; 2) atividades de exploração econômica,
destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de
particulares, deveriam ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como
manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política; 3) a
desoneração não deveria ter como efeito colateral relevante a quebra dos
princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou
econômica lícita.
RE 253472/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o
acórdão Min. Joaquim Barbosa, 25.8.2010. (RE-253472)
CODESP e Imunidade – 4
O Min. Joaquim Barbosa constatou que a recorrente passaria nesses estágios e
que o acórdão recorrido teria se equivocado quanto à caracterização da
atividade desempenhada por ela. No ponto, citou uma série de precedentes da
Corte no sentido de que a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres
caracteriza-se como serviço público. Considerou, em seguida, que confirmariam a
lesão à livre iniciativa, livre concorrência e ao dever fundamental de pagar
tributos três quadros hipotéticos. Disse que, se a participação privada no
quadro societário da CODESP fosse relevante, o intuito lucrativo sobrepor-se-ia
à exploração portuária como instrumentalidade do Estado, o que não seria o caso
dos autos, já que a União deteria 99,97% das ações da empresa. Destarte,
mantida a relevância da instrumentalidade estatal, não se vislumbraria violação
do dever fundamental de pagar tributos e de custeio dos demais entes federados.
Aduziu que, por outro lado, os autos não indicariam que a CODESP operaria com
intuito primordial de auferir vantagem econômica para simples aumento
patrimonial da União. Destacou que, se a CODESP operasse em mercado de livre
acesso, o reconhecimento da imunidade violaria os postulados da livre
concorrência e da livre iniciativa, mas que isso também não se daria na
espécie, haja vista inexistir indicação de que a CODESP tivesse concorrentes em
sua área de atuação específica. Reputou, ainda, importante examinar se a
propriedade imóvel em questão seria utilizada diretamente pela entidade imune
em sua atividade-fim, ou se seria cedida a entidade privada que se destinaria a
explorá-la com intuito lucrativo. Observou que a recorrente seria uma
instrumentalidade da União, isto é, entidade derivada, criada com a finalidade
de executar um mister que a Constituição atribuiu à União. Por fim, asseverou
caber à autoridade fiscal indicar com precisão se a destinação concreta dada ao
imóvel atenderia, ou não, ao interesse público primário ou à geração de receita
de interesse particular ou privado. Assim, reconheceu a imunidade do imóvel
pertencente à União, mas afetado à CODESP, utilizado em suas atividades-fim.
Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso,
Presidente, que desproviam o recurso. Precedentes citados: RE 172816/RJ (DJU de
13.5.94); RE 356711/PR (DJU de 7.4.2006); RE 253394/SP (DJU de 11.4.2003); RE
265749/SP (DJU de 12.9.2003).
RE 253472/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o
acórdão Min. Joaquim Barbosa, 25.8.2010. (RE-253472)
IPTU: Imunidade Tributária Recíproca e Cessão de
Uso de Bem Público – 1
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a
possibilidade de cedente de imóvel público objeto de contrato de cessão de uso
para exploração de atividade econômica estar sujeito, ou não, à tributação pelo
imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU. Trata-se, na
espécie, de recurso extraordinário interposto pelo Município do Rio de Janeiro
contra acórdão do tribunal de justiça local que entendera, consoante o disposto
no art. 150, VI, a, da CF (“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias
asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou
serviços, uns dos outros;”), ser indevida a cobrança da aludida exação relativamente
à empresa detentora da concessão de uso de imóvel situado em aeroporto de
propriedade da União. Alega a recorrente violação ao art. 150, VI, a, e § 3º,
da CF (“§ 3º – As vedações do inciso VI, ‘a’, e do parágrafo anterior não se
aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de
atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos
privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo
usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto
relativamente ao bem imóvel.”), ao argumento de que a imunidade concedida aos
entes federados não poderia beneficiar a exploração privada de atividades
econômicas, pois tal hipótese seria expressamente excepcionada do campo da
imunidade tributária recíproca. O Min. Joaquim Barbosa, relator, proveu o
recurso. Inicialmente, rejeitou a preliminar de não conhecimento suscitada da
tribuna, no sentido da incidência do Enunciado 283 da Súmula do STF (“É
inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em
mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.”), uma vez
que o acórdão recorrido teria por base legislação infraconstitucional e o ora
recorrente não interpusera recurso especial. Asseverou que o mencionado acórdão
adotara como fundamento tanto a aplicabilidade da imunidade tributária à
propriedade imóvel em questão como a impossibilidade de a recorrida ser tida
como sujeito passivo.
RE 434251/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 26.8.2010.
(RE-434251)
IPTU: Imunidade Tributária Recíproca e Cessão de
Uso de Bem Público – 2
Em seguida, o relator aduziu que o reconhecimento da imunidade tributária
recíproca dependeria de aprovação nos estágios aludidos no julgamento do RE
253472/SP, acima relatado. Tendo em conta que a atividade exercida pela
recorrida seria alheia à administração aeroportuária — já que exploraria “ramo
do comércio de importação e exportação de automóveis, caminhões, motores e
quaisquer espécies de veículos automotores, inclusive peças, acessórios,
oficina mecânica, reparos, pintura de quaisquer veículos e outras atividades
correlatas ao ramo automobilístico” —, entendeu que a pretensão de imunidade
falharia nos estágios referidos. Assim, a desoneração concedida teria como
efeito colateral garantir vantagem competitiva artificial, na medida em que a
retirada de um custo permitiria o aumento do lucro ou a formação de preços
menores, desequilibrando as relações de mercado. O relator consignou que seria
o momento de revisão da jurisprudência da Corte, a fim de que fosse assentada a
inaplicabilidade da imunidade tributária recíproca à propriedade imóvel
desvinculada de finalidade estatal.
RE 434251/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 26.8.2010.
(RE-434251)
IPTU: Imunidade Tributária Recíproca e Cessão de
Uso de Bem Público – 3
No tocante à questão de a recorrida não poder ser considerada sujeito passivo
da exação, visto que incabível sua qualificação como “possuidora a qualquer
título”, o relator superou orientação consolidada pela 2ª Turma para concluir
que a matéria poderia ser objeto de apreciação em recurso extraordinário e
afastou, em conseqüência, a aplicação dos Verbetes 279 e 283 da Súmula do STF.
Afirmou que a definição do sujeito passivo do IPTU dependeria de interpretação
constitucional, pois seria com fundamento na competência tributária que o ente
federado cobraria validamente o tributo. Destarte, salientou que o art. 34 do
CTN (“Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu
domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.”) deveria ser lido à luz da
Constituição, com ênfase em 3 pontos: materialidade possível do IPTU, isonomia
e livres iniciativa e concorrência. Mencionou que a sujeição passiva também
abarcaria a figura do responsável tributário, não podendo o tribunal de origem
pura e simplesmente julgar ser a tributação inválida, porquanto direcionada a
quem não seria proprietário. Assinalou a existência de termo de
responsabilidade — em que firmada a responsabilidade do concessionário pelo
pagamento de tributos municipais — a compor o conjunto fático-probatório, o que
tornaria desnecessária a reabertura de instrução para se decidir esse caso. Em
arremate, destacou que o locatário empresarial com fins lucrativos também seria
possuidor a qualquer título, para fins de incidência do IPTU, nos termos
constitucionais. Resgatou, no ponto, a essência da Súmula 456 desta Corte (“O
Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a
causa, aplicando o direito à espécie.”) para adequar o julgado às linhas
essenciais que dariam sentido tanto à imunidade tributária como à atribuição de
sujeição passiva.
RE 434251/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 26.8.2010.
(RE-434251)
IPTU:
Imunidade Tributária Recíproca e Cessão de Uso de Bem Público – 4
Em divergência, o Min. Dias Toffoli desproveu o recurso e manteve a orientação
firmada no julgamento do RE 451152/RJ (DJU de 27.4.2007), segundo a qual o
cerne da controvérsia não estaria em saber se haveria, ou não, imunidade
recíproca quando o imóvel da União fosse destinado à exploração comercial, mas
se a recorrida poderia, ou não, figurar no pólo passivo da obrigação tributária
do IPTU. Na ocasião, entendera-se que a empresa não preencheria nenhum dos
requisitos para ser contribuinte do imposto, pois detentora de posse precária e
desdobrada, decorrente de contrato de concessão de uso. Após, pediu vista a
Min. Cármen Lúcia.
RE 434251/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 26.8.2010.
(RE-434251)
Princípio da Correlação e “Emendatio Libelli” – 1
O Tribunal iniciou julgamento de terceiro agravo regimental interposto contra
decisão do Min. Ricardo Lewandowski que, dentre outras pretensões formuladas em
ação penal da qual relator, acolhera emendatio libelli (CPP, art. 383) proposta
pela acusação, em suas alegações finais, e desclassificara a imputação de
lavagem de capitais (Lei 9.613/98, art. 1º) para o delito previsto na parte
final do parágrafo único do art. 22 da Lei 7.492/86, que trata da manutenção de
contas bancárias no exterior, sem a devida comunicação às autoridades federais
competentes. Os agravantes sustentam, em síntese, que: a) a decisão impugnada
teria desrespeitado o art. 6º da Lei 8.038/90, uma vez que a manifestação do
Plenário seria exigida também nas hipóteses de posterior aditamento; b) a
defesa não pudera se manifestar a respeito da emendatio libelli, porquanto
produzida na fase de alegações finais; c) a reabertura da instrução processual
se imporia, em homenagem aos princípios constitucionais da ampla defesa e do
contraditório; d) a prova produzida pela defesa direcionara-se no sentido de
afastar a imputação do delito de lavagem de dinheiro; e) a denúncia descrevera
a mesma conduta de ocultação de patrimônio mantido no exterior, inicialmente,
como um ato comissivo e, agora, como um comportamento omissivo e f) o retorno
dos autos à Procuradoria Geral da República, após a apresentação das alegações
finais da defesa, revelaria inversão na ordem processual.
AP 461 Terceiro-AgR/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski,
26.8.2010. (AP-461)
Princípio da Correlação e “Emendatio Libelli” – 2
O relator desproveu os agravos. Consignou que, embora o aditamento carecesse de
manifestação do Plenário (Lei 8.038/90, art. 6º), a emendatio libelli proposta
não implicara aditamento da denúncia sob a perspectiva material, uma vez que os
fatos imputados aos agravantes seriam os mesmos, quais sejam, a manutenção de
depósitos em dinheiro no exterior, sem a devida comunicação à autoridade
competente. Aduziu que o sistema jurídico pátrio exige a correlação entre os
fatos descritos pela acusação e aqueles considerados pelo juiz na sentença para
a prolação de um veredicto de condenação, sob pena de ofensa aos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Desse modo, asseverou que o
requisito essencial e intransponível para a aplicação do que contido no art.
383 do CPP seria que os fatos arrolados na inicial acusatória permanecessem
inalterados, tal como ocorrera na espécie, não sendo necessária a reabertura da
instrução penal nem a complementação das defesas. Enfatizou inexistir prejuízo
aos réus, haja vista que eles se defendem dos fatos que lhe são irrogados,
ainda que a capitulação jurídica se mostre eventualmente equivocada, o que não
geraria inépcia da denúncia. Assinalou que defesa enfrentara a questão
concernente ao crime contra o sistema financeiro nacional, visto que tal delito
seria antecedente à lavagem de dinheiro. Salientou, ademais, que a
desclassificação referir-se-ia a crime cuja pena cominada seria mais branda, o
que, em princípio, mostrar-se-ia mais benéfico aos réus. Destacou que o crime
objeto do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86 não decorreria
exclusivamente de omissão decorrente da abstenção em prestar informações às
autoridades, mas também de ação consubstanciada no depósito e na mantença
ilegal de recursos financeiros no exterior. O relator afirmou que, diante da
pluralidade de manifestações dos réus e em observância ao contraditório, abrira
vista à Procuradoria Geral da República. Levando em conta que a instrução seria
essencialmente documental, ressaltou que sua reabertura ensejaria risco de
prescrição, já que os réus contariam com mais de setenta anos, o que reduziria
o lapso prescricional pela metade. Por derradeiro, concluiu não haver obstáculo
para que se passasse à fase seguinte de realização do julgamento.
AP 461 Terceiro-AgR/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski,
26.8.2010. (AP-461)
Princípio
da Correlação e “Emendatio Libelli” – 3
Em divergência, o Min. Marco Aurélio proveu os agravos por reputar que a
situação presente caracterizaria verdadeira mutatio libelli e que a
inobservância do art. 384 do CPP implicaria a não viabilização do direito de
defesa. Explicitou que os elementos configuradores dos dois crimes seriam
diversos: no tocante ao art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, exigir-se-ia
que os valores depositados não tivessem sido declarados no imposto de renda,
enquanto que, relativamente à lavagem, impor-se-ia a demonstração do crime
antecedente, não apontado no caso. Após, pediu vista o Min. Dias Toffoli.
AP 461 Terceiro-AgR/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski,
26.8.2010. (AP-461)
Desarquivamento
de Inquérito e Excludente de Ilicitude – 3
O Tribunal retomou julgamento de habeas corpus, remetido ao Pleno pela 1ª
Turma, em que se discute a possibilidade de desarquivamento de inquérito
policial, com fundamento no art. 18 do CPP (“Depois de ordenado o arquivamento
do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a
autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas
tiver notícia.”), e posterior oferecimento de denúncia, quando o arquivamento
decorre do reconhecimento da existência de excludente de ilicitude (CP, art.
23, II e III, 1ª parte). Na espécie, após o arquivamento do inquérito, o
Ministério Público reinquirira testemunhas e concluíra que as declarações
destas, contidas naquele, teriam sido alteradas por autoridade policial. Diante
dessas novas provas, o parquet oferecera denúncia contra os pacientes.
Pretende-se o trancamento da ação penal — v. Informativos 446, 512 e 569. O
Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, acompanhando a divergência iniciada pelo
Min. Marco Aurélio, deferiu o writ para determinar o trancamento da ação penal,
por reputar que o arquivamento do inquérito policial — realizado a partir do
reconhecimento de que houvera legítima defesa e estrito cumprimento do dever
legal — fizera coisa julgada material, o que impediria seu posterior
desarquivamento.
HC 87395/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2010. (HC-87395)
Desarquivamento de Inquérito e Excludente de
Ilicitude – 4
Enfatizou não vislumbrar diferença ontológica entre a decisão que arquiva o
inquérito, quando comprovada a atipicidade do fato, e aquela que o faz, quando
reconhecida a legalidade e licitude desse, porquanto ambas estariam fundadas na
inexistência de crime e não na mera ausência ou insuficiência de provas para
oferecimento de denúncia. Registrou orientação da Corte no sentido de que,
arquivado o inquérito policial com base na inexistência do crime,
produzir-se-ia coisa julgada material. Aduziu, destarte, que, tal como não
seria admissível o desarquivamento do inquérito policial pelo surgimento de
provas novas que revelassem a tipicidade de fato anteriormente considerado
atípico pelas provas existentes, também seria inviável o desarquivamento na
hipótese de fato julgado lícito com apoio em provas sobejamente colhidas.
Asseverou que, na situação dos autos, o Ministério Público, diante do acervo
probatório apurado, concluíra que o fato investigado não seria criminoso e, em
conseqüência, deixara de oferecer denúncia e requerera o acolhimento das
mencionadas excludentes de ilicitude, o que fora acatado pelo juízo de origem.
Assim, o arquivamento não decorrera de mero encerramento de investigações
improfícuas, mas sim de um pronunciamento de mérito, anterior ao oferecimento
da denúncia e que corresponderia à absolvição sumária. Após o voto do Min.
Cezar Peluso, Presidente, que seguia a divergência, pediu vista dos autos o
Min. Ayres Britto. Por fim, o Tribunal determinou a suspensão do processo
penal, até conclusão deste julgamento.
HC 87395/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2010.
(HC-87395)
O Tribunal retomou julgamento de habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma,
em que condenado à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão pela prática do crime de
tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 11.343/2006, art. 33, § 4º) questiona a
constitucionalidade da vedação abstrata da substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos disposta no art. 44 da citada Lei de
Drogas (“Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei
são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade
provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.”).
Sustenta a impetração que a proibição, nas hipóteses de tráfico de
entorpecentes, da substituição pretendida ofende as garantias da
individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI), bem como aquelas constantes dos
incisos XXXV e LIV do mesmo preceito constitucional — v. Informativos 560 e
579. O Min. Joaquim Barbosa, em voto-vista, iniciou a divergência e denegou o
writ por considerar que a vedação à substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos nos crimes de tráfico de drogas estaria de acordo
com a Constituição e com a realidade social brasileira, não prejudicando a
individualização justa, equânime e adequada da pena cabível nesses crimes, de
acordo com o caso concreto.
HC 97256/RS, rel. Min. Ayres Britto, 26.8.2010. (HC-97256)
Tráfico
Ilícito de Entorpecentes e Substituição de Pena Privativa de Liberdade por
Restritivas de Direitos – 11
Asseverou que, no ordenamento pátrio, a substituição da pena não caberia em
qualquer crime, sendo esta vedada em várias situações (CP, art. 44). Salientou
que o Código Penal, ao versar sobre a substituição da pena, fixara as
diretrizes a serem observadas pelo juiz no momento de sua aplicação. Consignou,
ademais, que o instituto em apreço não derivaria diretamente da garantia
constitucional da individualização da pena, haja vista que o ordenamento não
outorgaria ao juiz a liberdade ampla da analisar se a substituição seria
possível em toda e qualquer situação concreta. Reputou que a garantia da
individualização da pena somente seria violada se o legislador estivesse
impedido por completo de realizar a individualização judicial nos crimes
hediondos em pelo menos um de seus dois momentos: o da aplicação da pena
prevista na lei pelo juiz sentenciante e o da execução e cumprimento da
reprimenda pelo condenado. Assinalou, nesse sentido, que a proibição legal da
substituição da pena no delito de tráfico, referir-se-ia apenas a uma
diminuição da esfera de atuação judicial na cominação da reprimenda e que não
se extinguiria a possibilidade de individualização judicial na fase de sua
aplicação. Aduziu que o legislador teria legitimidade para estabelecer limites
mínimos e máximos à atuação judicial, na imposição da pena em concreto, e que,
por tal motivo, a lei penal poderia impor tanto as penas previstas no art. 5º,
XLVI, da CF — tais como, penas privativas de liberdade e restritivas de
direitos — quanto outras ali não abarcadas, à exceção das penas
constitucionalmente proscritas (art. 5º, XLVII). Concluiu que a garantia da
individualização da pena não constituiria impedimento a outras vedações legais
e que, se abstraída em demasia, culminaria em situação na qual o legislador não
poderia instituir pena alguma, competindo ao juiz individualizar a sanção penal
de acordo com o seu julgamento no caso concreto dentre aquelas estabelecidas
exclusivamente na Constituição.
HC 97256/RS, rel. Min. Ayres Britto, 26.8.2010. (HC-97256)
Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substituição de
Pena Privativa de Liberdade por Restritivas de Direitos – 12
Após os votos dos Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e
Cezar Peluso, Presidente, que acompanhavam o Min. Ayres Britto, relator, no
sentido de conceder parcialmente a ordem e declarar incidentalmente a
inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de
direitos”, constante do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, e da expressão
“vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”, contida no
também aludido art. 44 do mesmo diploma legal, e dos votos dos Ministros Cármen
Lúcia, Ellen Gracie e Marco Aurélio, que seguiam a divergência, o julgamento
foi suspenso a fim de se colher o voto do Min. Celso de Mello. Por derradeiro,
concedeu-se medida cautelar em favor do paciente para que ele aguarde em
liberdade a conclusão deste julgamento.
HC 97256/RS, rel. Min. Ayres Britto, 26.8.2010.
(HC-97256)
REPERCUSSÃO GERAL
Imunidade
Tributária Recíproca: Sociedade de Economia Mista e Serviços de Saúde – 1
O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a
aplicação, ou não, da imunidade recíproca (CF, art. 150, VI, a) a sociedade de
economia mista que atua na área de prestação de serviços de saúde. O Min.
Joaquim Barbosa, relator, negou provimento ao recurso, no que foi acompanhado
pelos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. O relator
citou, inicialmente, aspectos principais que deveriam ser observados no campo
da imunidade tributária recíproca. Disse que a atividade protegida deveria
estar vinculada às atividades essenciais da entidade que haveria de atender
diretamente a interesse público primário e essencial. Para ele, a exploração de
atividades econômicas, ainda que sob regime de monopólio, não ensejaria a incidência
da proteção constitucional, pois a função da imunidade tributária recíproca não
seria conceder vantagem de custo ao Estado na contratação de serviços e na
aquisição de mercadorias, em detrimento do poder de tributar de outro ente
federado. A aplicação da imunidade não deveria favorecer direta ou
indiretamente particulares que tivessem interesses econômicos privados na
atividade desenvolvida pelo Estado. Registrou que, de forma análoga, na área da
saúde, o art. 199, § 2º, da CF vedaria a destinação de recursos públicos para
auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. Por fim,
observou que a imunidade tributária recíproca não deveria afetar intensamente o
mercado ao trazer vantagens que pudessem desequilibrar a livre concorrência e a
livre iniciativa.
RE 580264/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 25.8.2010.
(RE-580264)
Imunidade Tributária Recíproca: Sociedades de Economia Mista e Serviços de
Saúde – 2
Em seguida, o Min. Joaquim Barbosa, tendo em conta esses aspectos, aduziu que,
na espécie, a recorrente seria entidade hospitalar que prestaria serviços
públicos primários, sem intuito lucrativo, e sob controle acionário
praticamente integral de ente federado (99,99%, os quais decorrentes de
desapropriação de 51% das ações da entidade seguida de aquisição do restante
das ações do espólio do seu fundador). Frisou que, apesar de os argumentos
serem todos favoráveis à pretensão da parte recorrente, no entanto, seria
imperioso considerar o registro feito pela União no sentido de perceber a
situação daquela como transitória. Ressaltou que a própria União, em memoriais,
teria rejeitado a caracterização da parte recorrente como instrumentalidade
estatal na área da saúde. Essa postura, para o relator, geraria certa perplexidade,
haja vista que seria de se supor que a entidade detentora de grande parte ou da
maioria esmagadora do capital social da recorrente pudesse, a tempo e modo,
adequar a conduta da contribuinte que controla, para aquiescer à cobrança dos
tributos, sem contestá-los administrativa ou judicialmente com base na
imunidade tributária recíproca. Acrescentou que, para a União, as decisões que
justificariam a peculiar situação da parte recorrente seriam efêmeras e que, a
qualquer momento, ela poderia deixar de atender exclusivamente pelo SUS e
passar a atender convênios. Destacou que, nesse ponto, seria relevante resgatar
a responsabilidade que o ente federado teria na interpretação e aplicação da
Constituição e da lei de modo que a previsível recondução da parte recorrente à
competição no mercado deveria preponderar sobre o caráter transitório da
situação vivenciada pela entidade hospitalar. Concluiu, diante disso, que o
desprovimento do recurso seria mais coerente com o sistema constitucional do
que a prolação de uma decisão condicional do tipo “enquanto perdurarem os seus
requisitos”.
RE 580264/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 25.8.2010.
(RE-580264)
Imunidade Tributária Recíproca: Sociedades de Economia Mista e Serviços de
Saúde – 3
Em divergência, o Min. Ayres Britto deu provimento ao recurso, sendo seguido
pelos Ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Presidente. O Min. Ayres Britto,
ao iniciar a fundamentação de seu voto a partir do art. 197 da CF, assentou que
o serviço público em questão estaria franqueado à iniciativa privada sob a
forma de assistência à saúde, não constituindo atividade econômica. Portanto, a
iniciativa privada seria convocada para subsidiar o poder público, para se
emparceirar com ele, na prestação de serviço público que, ao mesmo tempo, seria
direito fundamental, e, pela ótica do art. 196 da CF, direito de todos e dever
do Estado. Tendo isso em conta, e considerando a heterodoxia do caso —
porquanto, desde a década de 70, o Estado, por desapropriação, seria detentor
do controle dessa “empresa”, se assenhoreando da atividade, prestando-a
ininterruptamente, e controlando 99,99% das ações, concluiu estar-se diante de
hipótese que ensejaria a imunidade recíproca tributária. O Min. Gilmar Mendes
também chamou atenção para a heterodoxia da situação. Na mesma linha se
expressou o Min. Cezar Peluso que reiterou que a União teria expropriado
praticamente a totalidade do capital social e, com isso, incorporado de fato ao
seu patrimônio jurídico o hospital, conservando, por razões desconhecidas,
0,01% do capital social em nome de conselheiros antigos. Dessa forma, teria
mantido a aparência de uma sociedade anônima que se submeteria, de regra, ao
regime jurídico de empresa privada. Afirmou que isso, entretanto, não seria
suficiente, pois se trataria, na verdade, de uma entidade pública por ser
pública praticamente a totalidade do capital social, pública sua finalidade e
pública, no sentido de potencialidade de exercício de poder, a direção do
hospital, haja vista que a União poderia decidir o que quisesse, porque o 0,01%
não significaria nada em termos de votação. Após, pediu vista dos autos o Min.
Dias Toffoli.
RE 580264/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 25.8.2010.
(RE-580264)
PRIMEIRA TURMA
Condenação
e Elementos Coligidos em Inquérito Policial – 2
Em conclusão de julgamento, a Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para
restabelecer a decisão absolutória do juízo processante. Tratava-se de writ em
que se questionava condenação fundada unicamente em elementos colhidos na fase
investigatória. No caso, o paciente, absolvido pelo juízo monocrático, tivera
sua sentença reformada pela Corte estadual — que o condenara a 27 anos de
reclusão —, com base em depoimentos colhidos no inquérito, muito embora
houvessem sido refutados em juízo — v. Informativo 594. Inicialmente,
superou-se a preliminar suscitada pelo Ministério Público Federal no sentido do
não conhecimento da impetração ante a necessidade de revisão dos elementos
probatórios coligidos no processo. Asseverou-se, no ponto, que o não
conhecimento do writ resultaria em violência ao princípio do acesso ao
Judiciário, o qual visa afastar lesão ou ameaça de lesão a direito. Em seguida,
considerou-se que elementos reunidos em sede de inquérito policial, sem o
indispensável contraditório, esvaziados por completo em juízo, não serviriam à
condenação. Salientou-se que o paciente fora condenado sem que fosse apresentada
contra si, em juízo, prova de fato criminoso e demonstrada a culpa. Vencido o
Min. Ricardo Lewandowski.
HC 96356/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 24.8.2010.
(HC-96356)
Princípio
da Insignificância e Usuário de Drogas
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende o reconhecimento
da atipicidade material da conduta do paciente — surpreendido na posse de cinco
decigramas de maconha — em face da aplicação do princípio da insignificância. O
Min. Ricardo Lewandowski, relator, denegou a ordem. Enfatizou que decorreria a
presunção de perigo do delito da própria conduta do usuário, pois, ao adquirir
a droga para seu consumo, realimentaria esse comércio, pondo em risco a saúde
pública. Ressaltou, ainda, a real possibilidade de o usuário vir a se tornar
mais um traficante, em busca de recursos para sustentar seu vício. Observou,
por fim, que — por se tratar de crime no qual o perigo seria presumido — não se
poderia falar em ausência de periculosidade social da ação, um dos requisitos
cuja verificação seria necessária para a aplicação do princípio da
insignificância. Após, pediu vista dos autos o Min. Dias Toffoli.
HC 102940/ES, rel. Min. Ricardo Lewandowski,
24.8.2010. (HC-102940)
Trancamento
de Ação Penal e “Bis In Idem”
A Turma indeferiu habeas corpus em que pretendido o trancamento de ação penal
movida contra o paciente, sob alegação de que estaria sendo processado duas
vezes pelo mesmo fato. Na espécie, o réu fora inicialmente acusado pela prática
do delito de comunicação falsa de furto de uma motocicleta (CP, art. 340) e
obtivera o benefício da transação penal, cumprindo as condições impostas,
motivo pelo qual fora extinta sua punibilidade. Ocorre que, posteriormente,
fora denunciado pela suposta participação em crime de homicídio, no qual sua
conduta teria consistido na dissimulação decorrente da referida falsa
comunicação de furto da mesma motocicleta, que teria sido utilizada no
assassinato. Reputou-se que a ação penal que se pretendia trancar trataria de
crime distinto, o que não significaria punir o paciente mais uma vez pelo
cometimento da infração cuja punibilidade já se encontra extinta. Aduziu-se que
a participação do paciente no crime de homicídio englobaria atos totalmente
diversos daqueles relativos à falsa comunicação de crime. Salientou-se que,
embora a circunstância fática tivesse sido a mesma, houvera a prática de duas
condutas distintas.
HC 103501/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 24.8.2010.
(HC-103501)
Tribunal
do Júri: Alegações Finais e Intimação do Advogado
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a decretação
de nulidade do processo, desde o oferecimento da denúncia, que culminara na
condenação do paciente pelo delito de homicídio qualificado. Rejeitaram-se as
alegações formuladas na impetração. Quanto à inépcia da denúncia, asseverou-se
que a inicial acusatória apresentara narrativa congruente dos fatos, suficiente
para a apresentação de defesa em relação ao crime imputado. Relativamente ao
excesso de linguagem empregado na pronúncia, avaliou-se que o magistrado não
julgara procedente o fato, mas, simplesmente, dissera que haveria elementos a
possibilitar a pronúncia. No tocante à ausência de fundamentação da decisão de
pronúncia, entendeu-se que avaliar este argumento implicaria a reanálise de
fatos e provas, o que não seria condizente com a via de habeas corpus.
Repeliu-se à assertiva de deficiência de quesitação, pois a tese apresentada de
legítima defesa fora objeto de quesito. Em relação à falta de embate da tese de
deficiência/ausência de defesa — consubstanciada na desistência de oitiva das
testemunhas arroladas na defesa prévia e, principalmente, na ausência de
alegações finais antes da sentença de pronúncia —, assentou-se a preclusão dos
temas, fundada no art. 571, I, do CPP (“As nulidades deverão ser argüidas: …
I – as da instrução criminal dos processos da competência do júri, nos prazos a
que se refere o art.406;”). Esclareceu-se, ainda, ter ocorrido a regular
intimação do advogado para apresentação de alegações finais. Ressaltou-se que o
paciente constituíra novo profissional de advocacia após a pronúncia, mas não
fora articulada suposta nulidade, alusiva às mencionadas alegações, na sessão
do Tribunal do Júri. Registrou-se entendimento da Corte segundo o qual as
alegações finais em processo da competência do Júri não são indispensáveis.
Vencido o Min. Marco Aurélio que concedia a ordem para reconhecer a nulidade
dos atos praticados após o prazo em que as alegações deveriam ter sido
apresentadas. Concluía que a falta de apresentação delas, somada ao fato de o
advogado não ter seguido na representação do paciente, equivaleria à ausência
de defesa e refletiria uma nulidade absoluta, que, portanto, não seria afastada
com a passagem do tempo e não se enquadraria no disposto no art. 571, I, do
CPP.
HC 103569/CE, rel. Min. Dias Toffoli, 24.8.2010.
(HC-103569)
Desaforamento
e Popularidade da Vítima
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pleiteava o
desaforamento do julgamento de pronunciado, pelo juízo da comarca de Hidrolândia/GO,
em razão da suposta prática de homicídio de Vereador. A impetração requeria que
o júri fosse realizado na capital, porquanto a vítima fora a mais votada
daquela municipalidade. Alegava que, por ser o voto secreto, não haveria como
saber “se o jurado sorteado para o conselho de sentença era ou não eleitor da
suposta vítima, ou vinculado de alguma forma com a sua coligação”.
Inicialmente, assentou-se que o desaforamento constituiria medida excepcional
de modificação da competência e que, para ser determinado, dever-se-ia
comprovar, de forma inequívoca, um dos seguintes motivos: a) interesse da ordem
pública; b) dúvida sobre a imparcialidade do júri e c) temor quanto à segurança
pessoal do acusado. Em seguida, asseverou-se a ausência, na hipótese sob
apreço, de qualquer das razões mencionadas. Ressaltou-se doutrina segundo a
qual não seria motivo suficiente para o desaforamento a situação de a vítima,
ou agressor, ou ambos, serem pessoas conhecidas no local da infração, o que,
certamente, provocaria o debate prévio na comunidade a respeito do fato. Assim,
a situação deveria ser considerada normal, pois seria impossível evitar que
pessoas famosas, ou muito conhecidas, ao sofrer ou praticar crimes, deixassem
de despertar a curiosidade geral em relação ao julgamento. Vencido o Min. Marco
Aurélio que deferia o writ por julgar recomendável o deslocamento para a
comarca mais próxima. Considerava que a vítima seria político local, mais
votado por duas eleições, que a escolha do corpo de jurados poderia recair sobre
seus eleitores, e que o Município, aparentemente, não seria de grande
proporção.
HC 103646/GO, rel. Min. Ricardo Lewandowski,
24.8.2010. (HC-103646)
Indenização
a Anistiado: MS e Valores Retroativos
A Turma desproveu recurso ordinário em mandado de segurança interposto contra
acórdão do STJ que denegara o writ lá impetrado por entender que aquela medida
seria inadequada para o recebimento de valores atrasados de indenização devida
a anistiado político com base na Lei 10.559/2002, ante a ausência de liquidez e
certeza do direito pleiteado. Tratava-se, na origem, de mandado de segurança
impetrado em virtude de expedição de portaria na qual reconhecida a condição de
anistiado político do ora recorrente, concedendo-lhe, por conseguinte,
reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação mensal, permanente
e continuada, com efeitos retroativos à data do julgamento. Tendo em conta o
transcurso do prazo de 120 dias para a impetração do writ, reputou-se
caracterizada a prejudicial de mérito atinente à decadência. Afirmou-se que o
referido prazo decadencial, próprio do mandado de segurança, ter-se-ia esgotado
em 2004 — ano em que editada a referida portaria — e a iniciativa do ora
recorrente teria ocorrido somente em 2006. Após, salientou-se que a
controvérsia, na espécie, não giraria em torno de relação jurídica de débito
continuado quando, presente a periodicidade prevista, há sucessivas violações
ao direito. Nesse sentido, enfatizou-se que o objetivo da impetração seria o
recebimento de valor apurado no âmbito do Ministério da Justiça, ligado a
reparação indenizatória a partir de determinada data.
RMS 27434/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 24.8.2010.
(RMS-27434)
Ministério
Público: Ação Civil Pública e Saneamento
É consentâneo com a ordem jurídica o Ministério Público ajuizar ação civil
pública visando ao tratamento de esgoto a ser jogado em águas fluviais. Com
base nesse entendimento, a Turma proveu recurso extraordinário, interposto pelo
Ministério Público do Estado de São Paulo, para afastar a extinção declarada do
feito e determinar o julgamento do tema de fundo veiculado na apelação do Município
de Sorocaba, pronunciando-se o Órgão quanto à remessa obrigatória. Frisou-se
que não caberia, no caso, cogitar-se da impossibilidade jurídica do pedido e da
extinção do processo sem julgamento do mérito.
RE 254764/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 24.8.2010.
(RE-254764)
SEGUNDA TURMA
Ato
Infracional e Princípio da Insignificância
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pretendia a extinção de
procedimento judicial de aplicação de medida sócio-educativa de prestação de
serviços à comunidade a menor inimputável, instaurado em razão da prática de
ato infracional equiparado ao crime de furto. Na espécie, o bem subtraído — uma
bicicleta —, devidamente restituído à vítima, havia sido avaliado em cento e
vinte reais, o que, segundo a impetração, implicaria a incidência do princípio
da insignificância ao fato. Reputou-se necessário não considerar, à luz do
referido postulado, apenas o valor pretendido à subtração, sob pena de deixar
de existir a modalidade tentada de vários delitos. Nesse sentido, aduziu-se que
não se poderia confundir o pequeno valor do objeto material do delito com a
irrelevância da conduta do agente. Ressaltou-se, ademais, que o bem fora
restituído por circunstâncias alheias à vontade do paciente — abordado por
policiais na posse da bicicleta — e que ele possuiria envolvimento com drogas,
utilizando-se da prática reiterada de atos contra o patrimônio para manter o
vício. Destacou-se, por fim, que a medida sócio-educativa imposta seria
proporcional ao ato perpetrado e imperiosa à reintegração plena do menor à
sociedade. Vencido o Min. Gilmar Mendes, que deferia o writ.
HC 101144/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 24.8.2010.
(HC-101144)
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Pleno |
25.8.2010 |
26.8.2010 |
10 |
1ª Turma |
24.8.2010 |
— |
297 |
2ª Turma |
24.8.2010 |
— |
130 |
R E P E R C U S S Ã O G E R A L
DJE de 27 de agosto de 2010
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 602.883-SP
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. CONFLITO ENTRE
A APLICAÇÃO DO ART. 174, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO CTN, COM REDAÇÃO ANTERIOR À LC
118/05, E A DO ART. 8º, § 2º, DA LEI 6.830/80. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL.
INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 607.582-RS
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. POSSIBILIDADE DE BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS PARA
GARANTIA. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE.
EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 611.162-SP
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. REENQUADRAMENTO SEGUNDO PLANO DE
CARGOS E SALÁRIOS. LEI COMPLEMENTAR 162/95 DO MUNICÍPIO DE SANTOS. MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 611.230-DF
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
NOTIFICAÇÃO PESSOAL PARA EXCLUSÃO DO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL – REFIS.
POSSIBILIDADE DA INTIMAÇÃO POR MEIO DA IMPRENSA OFICIAL E DA INTERNET.
APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL TENDO EM VISTA TRATAR-SE
DE DIVERGÊNCIA SOLUCIONÁVEL PELA APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA
DE REPERCUSSÃO GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 611.231-SP
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. VALOR
IRRISÓRIO DO DÉBITO. APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL
TENDO EM VISTA TRATAR-SE DE DIVERGÊNCIA SOLUCIONÁVEL PELA APLICAÇÃO DA
LEGISLAÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 612.358-ES
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
ADMINISTRATIVO. CONTAGEM ESPECIAL DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES
INSALUBRES. PERÍODO ANTERIOR À INSTITUIÇÃO DO REGIME JURÍDICO ÚNICO. DIREITO
ADQUIRIDO. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE.
EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 612.359-SP
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
PROCESSUAL CIVIL. CABIMENTO DO AGRAVO INTERNO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS.
CONSTITUCIONALIDADE DO JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO DESDE QUE HAJA
POSSIBILIDADE DE REVISÃO PELO ÓRGÃO COLEGIADO. RATIFICAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
FIRMADA POR ESTA SUPREMA CORTE. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL
Decisões Publicadas: 7
T R A N S C R I Ç Õ E S
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma
compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço
trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial
o interesse da comunidade jurídica.
Receptação Qualificada e Receptação Simples – Pena
mais Leve para Delito mais Grave – Ofensa ao Princípio da Proporcionalidade em
Matéria Penal (Transcrições)
HC 102094 MC/SC*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA: RECEPTAÇÃO SIMPLES (DOLO DIRETO) E RECEPTAÇÃO
QUALIFICADA (DOLO INDIRETO EVENTUAL). COMINAÇÃO DE PENA MAIS LEVE PARA O CRIME
MAIS GRAVE (CP, ART. 180, “CAPUT”) E DE PENA MAIS SEVERA PARA O CRIME MENOS
GRAVE (CP, ART. 180, § 1º). TRANSGRESSÃO, PELO LEGISLADOR, DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO “IN ABSTRACTO” DA
PENA. LIMITAÇÕES MATERIAIS QUE SE IMPÕEM À OBSERVÂNCIA DO ESTADO, QUANDO DA
ELABORAÇÃO DAS LEIS. A POSIÇÃO DE ALBERTO SILVA FRANCO, DAMÁSIO E. JESUS E DE
CELSO, ROBERTO, ROBERTO JÚNIOR E FÁBIO DELMANTO. A PROPORCIONALIDADE COMO
POSTULADO BÁSICO DE CONTENÇÃO DOS EXCESSOS DO PODER PÚBLICO. O “DUE PROCESS OF
LAW” EM SUA DIMENSÃO SUBSTANTIVA (CF, ART. 5º, INCISO LIV).
DOUTRINA. PRECEDENTES. A QUESTÃO DAS ANTINOMIAS (APARENTES E REAIS). CRITÉRIOS
DE SUPERAÇÃO. INTERPRETAÇÃO AB-ROGANTE. EXCEPCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO, SEMPRE
QUE POSSÍVEL, PELO PODER JUDICIÁRIO, DA INTERPRETAÇÃO CORRETIVA, AINDA QUE
DESTA RESULTE PEQUENA MODIFICAÇÃO NO TEXTO DA LEI. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
DECISÃO: A presente impetração insurge-se contra decisão, que, emanada do E.
Superior Tribunal de Justiça, encontra-se consubstanciada em acórdão assim
ementado:
“‘HABEAS CORPUS’. PENAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. TESE DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO
DA PROPORCIONALIDADE. RECONHECIMENTO DO DOLO DIRETO PELAS INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE.
PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ORDEM DENEGADA.
1. As instâncias ordinárias reconheceram que os Pacientes sabiam que a coisa
era produto de crime, portanto, se o dolo eventual, nos termos da
jurisprudência reiterada do Superior Tribunal de Justiça, é suficiente para
configurar o tipo de receptação qualificada, com mais razão deve-se aplicar a
pena mais grave aos condenados pela prática do crime com dolo direto, como no
caso dos autos.
2. Em que pese a imprecisão técnica do legislador ao redigir o § 1º do art. 180
do Código Penal, não há razão para suspender a eficácia da sentença
condenatória, afastando a aplicação da pena mais gravosa prevista para a
receptação qualificada pelo fato de o crime ser praticado no exercício de
atividade comercial ou industrial, obviamente mais grave que a figura simples.
3. ‘’Habeas corpus’ denegado.”
(HC 155.720/SC, Rel. Min. LAURITA VAZ – grifei)
Dentre os vários fundamentos que dão suporte à presente impetração, há um que
se refere à alegada inconstitucionalidade do preceito secundário sancionador
inscrito no § 1º do art. 180 do Código Penal, na redação dada pela Lei nº
9.426/96.
Tenho por relevante esse fundamento, por mim acolhido em processo anterior (HC
92.525-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que sustenta a inconstitucionalidade
em referência com apoio em alegada ofensa ao princípio da proporcionalidade,
pois não se mostra razoável punir mais severamente uma conduta que revela
índice de menor gravidade.
Cumpre ter presente, no exame desse tema, tal como relembrei naquela decisão, a
advertência feita por ALBERTO SILVA FRANCO (“Código Penal e a sua interpretação
jurisprudencial”, vol. 2/2969, item n. 10.00, 7ª ed., 2001, RT):
“Ora, tendo-se por diretriz o princípio da proporcionalidade, não há como
admitir, sob o enfoque constitucional que o legislador ordinário estabeleça um
preceito sancionatório mais gravoso para a receptação qualificada quando o
agente atua com dolo eventual e mantenha, para a receptação do ‘caput’ do art.
180, um comando sancionador sensivelmente mais brando quando, no caso, o autor
pratica o fato criminoso com dolo direto. As duas dimensões de subjetividade
‘dolo direto’ e ‘dolo eventual’ podem acarretar reações penais iguais, ou até
mesmo, reações penais menos rigorosas em relação ao ‘dolo eventual’. O que não
se pode reconhecer é que a ação praticada com ‘dolo eventual’ seja três vezes
mais grave – é o mínimo legal que detecta o entendimento do legislador sobre a
gravidade do fato criminoso – do que quase a mesma atividade delituosa,
executada com dolo direto. Aí, o legislador penal afrontou, com uma clareza
solar, o princípio da proporcionalidade.” (grifei)
Essa mesma crítica é também revelada por eminentes doutrinadores (CELSO
DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JÚNIOR e FÁBIO M. DE ALMEIDA
DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 555, 7ª ed., 2007, Renovar), que
igualmente vislumbram a existência, no preceito sancionador inscrito no § 1º do
art. 180 do Código Penal, de transgressão ao princípio constitucional da
proporcionalidade, eis que não tem sentido infligir punição mais gravosa à
receptação qualificada (CP, art. 180, § 1º), que supõe, em sua configuração
típica, mero dolo indireto eventual, e impor sanção penal mais branda à
receptação simples (CP, art. 180, “caput”), cuja tipificação requer dolo
direto, como adverte, em preciso magistério, DAMÁSIO E. DE JESUS (“Direito
Penal”, vol. 2/490-494, item n. 9, “e”, 23ª ed., 2000, Saraiva, v.g.):
“(…) O § 1º do art. 180 do CP, com redação da Lei n° 9.426/96,
descrevendo crime próprio, pune o comerciante ou industrial que comete
receptação, empregando a expressão ‘que deve saber ser produto de crime’. Como
o ‘caput’ prevê o conhecimento pleno (‘coisa que sabe ser produto de crime’),
que a doutrina e a jurisprudência conectam ao dolo direto, e o § 3° descreve a
forma culposa, o § 1º só pode tratar de crime doloso com o chamado conhecimento
parcial da origem ilícita da coisa (dúvida, insegurança, incerteza), que a
doutrina liga ao dolo eventual (ou à culpa). Se o § 1° definisse modalidade
culposa, a figura típica nele contida não teria sentido em face do § 3°, que
enuncia o crime culposo. Dessa forma, de acordo com a lei nova, se o comerciante
devia saber que a coisa era produto de crime (dúvida, incerteza, desconfiança,
dolo eventual), a pena é de 3 a 8 anos de reclusão (§ 1°). E se sabia, i. e.,
se tinha pleno conhecimento? O fato não se encontra ‘especificamente’ descrito
no ‘caput’ ou no § 1°.
Haverá, no mínimo, cinco orientações:
1ª) se o comerciante ou industrial, presentes as elementares do tipo, ‘’sabia’
que o objeto material era produto de crime, responde por receptação dolosa
própria (‘caput’ do art. 180), levando-se em conta que o § 1° só prevê o ‘devia
saber’. Se ‘sabia’, o fato é atípico diante do § 1°, que exige o elemento
subjetivo do tipo ‘deve saber’ (princípio da legalidade ou da reserva legal).
Se não sabia, embora devendo saber, aplica-se o § 1°;
2ª) o fato é absolutamente atípico, uma vez que o crime próprio de receptação
de comerciante ou industrial encontra-se descrito no § 1°, que não prevê o
elemento subjetivo do tipo ‘sabe’. Assim, o fato não se enquadra no ‘caput’ nem
no § 1°;
3ª) o fato adapta-se ao § 1°, que abrange o ‘sabe’ (dolo direto para a
doutrina) e o ‘deve saber’ (dolo indireto eventual): se a lei pune o fato menos
grave com o mínimo de 3 anos de reclusão (‘deve saber’), não seria crível que o
de maior gravidade (‘sabe’) fosse atípico ou punido com pena menor (1 ano de
reclusão). O ‘deve saber’ não pode ser entendido como indicativo somente de
dolo eventual, de dúvida ou incerteza, significando que a origem criminosa do
objeto material ingressou na esfera de consciência do receptador, abrangendo o
conhecimento pleno (‘sabe’) e o parcial (dúvida, desconfiança);
4ª) o tipo do § 1° deve ser totalmente desconsiderado porque ofende o princípio
constitucional da proporcionalidade: se aplicado, ‘sabendo’ o comerciante ou
industrial que a coisa se origina de crime (delito mais grave), a pena é de 1 a
4 anos de reclusão (‘caput’ do art. 180); ‘devendo saber’ (infração de menor
gravidade), de 3 a 8 anos (§ 1°). Assim, consciente da origem delituosa do
objeto material, responde por receptação dolosa própria (‘caput’ do art. 180);
se ‘devia saber’, aplica-se a forma culposa (§ 3°), conforme pacífica
jurisprudência anterior à lei;
5ª) concorda com a posição anterior, desconsiderando, contudo, somente o
preceito secundário do § 1° do art. 180, permanecendo a definição do crime
próprio do comerciante (preceito primário). Se ‘sabia’, aplica-se o ‘caput’; se
‘devia saber’, amolda-se o fato ao § 1°, com a pena do ‘caput’, cortando-se o
excesso. A diferenciação pessoal e subjetiva é considerada pelo juiz na fixação
da pena concreta.
A primeira orientação não pode ser aceita. Se o comerciante ‘sabia’, a pena é
de 1 a 4 anos de reclusão; se ‘devia saber’, de 3 a 8 anos. O fato menos grave
é apenado mais severamente.
A segunda posição carece de fundamento. A afirmação de que a conduta,
consciente o comerciante ou industrial da origem ilícita do objeto material, é
absolutamente atípica despreza o processo de atipicidade relativa: é atípica em
face do § 1° (delito próprio), porém a incriminação subsiste diante da redação
prevista no ‘caput’ (crime comum). A ausência da elementar desloca a adequação
típica para outra figura.
O terceiro posicionamento desrespeita o princípio da tipicidade, uma vez que
não distingue o sabe do deve saber. O ‘deve saber’, para essa orientação,
inclui o ‘sabe’, o que é de todo improcedente, uma vez que constitui tradição
de nossa doutrina, como vimos, ligar o ‘deve saber’ ao dolo eventual ou à
culpa, categorias psicológico-normativas de censurabilidade menor.
A quarta orientação somente peca porque desconsidera totalmente o § 1°.
Preferimos a quinta orientação, para nós a menos pior, tendo em vista que a lei
nova veio para confundir, não para esclarecer: o preceito secundário do § 1°
deve ser desconsiderado, uma vez que ofende os princípios constitucionais da
proporcionalidade e da individualização legal da pena. Realmente, nos termos
das novas redações, literalmente interpretadas, se o comerciante devia saber da
proveniência ilícita do objeto material, a pena é de reclusão, de 3 a 8 anos
(§ 1°); se sabia, só pode subsistir o ‘caput’, com reclusão de 1 a 4 anos.
A imposição de pena maior ao fato de menor gravidade é inconstitucional,
desrespeitando os princípios da harmonia e da proporcionalidade.
………………………………………………
A elaboração da norma penal incriminadora não pode subtrair-se à obediência aos
preceitos constitucionais. Cumpria, pois, à Lei n° 9.426/96, ter como parâmetro
o princípio da proporcionalidade entre o fato cometido e a gravidade da
resposta penal, pois é nesse momento, o da individualização legislativa da pena
(CF, art. 5°, XLVI), que a proporcionalidade apresenta fundamentalmente a sua
eficácia (…).
……………………………………………….
Se a pena, abstrata ou concreta, de quem ‘sabe’ é mais censurável do que a do
sujeito que ‘devia saber’, sendo comum no sistema da legislação penal
brasileira descrever as duas situações subjetivas no mesmo tipo, não podia a
Lei n° 9.426/96, ferindo o princípio da proporcionalidade, inserir o
‘devia saber’, de menor censurabilidade, em figura autônoma (§ 1º), com pena de
3 a 8 anos de reclusão, subsistindo o ‘sabia’, de menor reprovabilidade, no
‘caput’, com pena de 1 a 4 anos. A proporcionalidade, que indica equilíbrio,
foi ferida. (…).” (grifei)
Vê-se, das lições ora expostas, que o legislador brasileiro – ao cominar
pena mais leve a um delito mais grave (CP, art. 180, “caput”) e ao punir, com
maior severidade, um crime revestido de menor gravidade (CP, art. 180, § 1º) –
atuou, de modo absolutamente incongruente, com evidente transgressão ao
postulado da proporcionalidade.
Impende advertir, neste ponto, que o Poder Público, especialmente em sede de
tipificação e cominação penais, não pode agir imoderadamente, pois a atividade
estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.
Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação
normativa do Poder Legislativo.
O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da
proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade,
com fundamento no art. 5º, LIV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo,
no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições
normativas emanadas do Poder Público.
Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar
de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele
deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade.
Entendo, por isso mesmo, que a tese exposta nesta impetração revela-se
juridicamente plausível, especialmente se se considerar a jurisprudência
constitucional do Supremo Tribunal Federal, que já assentou, a propósito do
tema, a orientação de que transgride o postulado do devido processo legal (CF,
art. 5º, LIV), analisado em sua dimensão material (“substantive due process of
law”), a regra legal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativa
qualificada pela nota da irrazoabilidade.
Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da
proporcionalidade, que se qualifica – enquanto coeficiente de aferição da
razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de
Direito Administrativo”, p. 56/57, itens ns. 18/19, 4ª ed., 1993,
Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 46,
item n. 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) – como postulado básico de contenção dos
excessos do Poder Público.
Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse
postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado
– inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa (especialmente
aquela de índole penal) – adverte que o princípio da proporcionalidade,
essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à
tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do
Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas
constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva
ou material, a garantia do “due process of law” (RAQUEL DENIZE STUMM,
“Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro”, p.
159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO,
“Direitos Humanos Fundamentais”, p. 111/112, item n. 14, 1995, Saraiva; PAULO
BONAVIDES, “Curso de Direito Constitucional”, p. 352/355, item n. 11, 4ª ed.,
1993, Malheiros).
Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade, em especial
quando analisado na perspectiva do ordenamento penal, visa a inibir e a
neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são
inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo.
Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria
fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro
parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos
estatais.
A validade das manifestações do Estado, analisadas estas em função de seu
conteúdo intrínseco – especialmente naquelas hipóteses de imposições
restritivas ou supressivas incidentes sobre determinados valores básicos (como
a liberdade) – passa a depender, essencialmente, da observância de determinados
requisitos que atuam como expressivas limitações materiais à ação normativa do
Poder Legislativo.
A essência do “substantive due process of law” reside na necessidade de conter
os excessos do Poder, quando o Estado edita legislação que se revele destituída
do necessário coeficiente de razoabilidade, como parece ocorrer na espécie ora
em exame.
Isso significa, portanto, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio
de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de
competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável,
gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de
absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho
da função estatal.
Daí a advertência de CAIO TÁCITO (RDP 100/11-12), que, ao relembrar a lição
pioneira de SANTI ROMANO, destaca que a figura do desvio de poder legislativo
impõe o reconhecimento de que a atividade legislativa deve desenvolver-se em
estrita relação de harmonia com padrões de razoabilidade.
A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem
censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as
limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições
que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa
legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos
inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE
MELLO – ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Em suma: a norma estatal, que veicule qualquer conteúdo de irrazoabilidade
(como ocorreria no caso em exame), transgride o princípio do devido processo
legal, examinado este na perspectiva de sua projeção material (“substantive due
process of law”).
Essa cláusula tutelar dos direitos, garantias e liberdades, ao inibir os
efeitos prejudiciais decorrentes do abuso de poder legislativo, enfatiza a
noção de que a prerrogativa de legislar outorgada ao Estado constitui
atribuição jurídica essencialmente limitada, ainda que o momento de abstrata
instauração normativa possa repousar em juízo meramente político ou
discricionário do legislador, como esta Corte tem reiteradamente proclamado
(RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Nem se diga, de outro lado, que o Supremo Tribunal Federal, ao assim proceder,
estaria excedendo os limites materiais de sua função jurisdicional.
Na verdade, esta Suprema Corte, adstringindo-se aos estritos limites de sua
competência constitucional, já decidiu, em contexto no qual se discutia a
ocorrência, ou não, de antinomia real (ou insolúvel), insuscetível, portanto,
de superação pelos critérios ordinários (critério cronológico, critério
hierárquico e critério da especialidade), que se revelava legítima a
utilização, embora excepcional, da interpretação ab-rogante, quando absoluta (e
insuperável) a relação de antagonismo entre dois preceitos normativos, hipótese
em que, adotado esse método extraordinário, “ou o intérprete elimina uma das
normas contraditórias (ab-rogação simples) ou elimina as duas normas contrárias
(ab-rogação dupla)” (RTJ 166/493, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES).
Ao julgar o HC 68.793/RJ, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES, a colenda
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, apoiando-se no magistério de
NORBERTO BOBBIO (“Teoria do Ordenamento Jurídico”, p. 100/103, 1989,
Polis/Editora Unb), assinalou que a interpretação ab-rogante, porque
excepcional, deve ser ordinariamente afastada, preferindo-se, a ela, quando
conciliáveis os dispositivos antinômicos (antinomia aparente), a denominada
“(…) interpretação corretiva, que conserva ambas as normas incompatíveis por
meio de interpretação que se ajuste ao espírito da lei e que corrija a
incompatibilidade, eliminando-a pela introdução de leve ou de parcial
modificação no texto da lei” (RTJ 166/493 – grifei).
Em conseqüência desse entendimento, e buscando viabilizar “a eliminação da
incompatibilidade”, o Supremo Tribunal Federal (cuidava-se, então, de regras
normativas constantes da Lei dos Crimes Hediondos), mediante exegese restritiva
das normas legais em exame, promoveu uma conciliação sistemática dos preceitos
legais, “(…) deixando ao primeiro, a fixação da pena (…) e ao segundo, a
especialização do tipo do crime (…)” (RTJ 166/493), na linha do que se
preconiza nas lições que venho de referir, que propõem, para solução do
conflito, a subsistência do preceito primário consubstanciado no § 1º do art.
180 do Código Penal, embora aplicando-se-lhe o preceito sancionador (preceito
secundário) inscrito no “caput” do referido art. 180 do CP.
Os aspectos que venho de ressaltar permitem-me reconhecer, embora em juízo de
sumária cognição, a ocorrência, na espécie, do requisito pertinente à
plausibilidade jurídica da pretensão deduzida pelo impetrante.
Concorre, por igual, o pressuposto concernente ao “periculum in mora”.
Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o pedido de medida liminar,
para suspender, cautelarmente, quanto à pena imposta pelo crime tipificado no
art. 180, § 1º, do CP, a eficácia da condenação decretada contra os ora
pacientes, resultante do julgamento da Apelação Criminal nº 2009.058898-9, pela
Primeira Câmara Criminal do E. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
(Processo-crime nº 058.09.003047-5, que tramitou perante a 3ª Vara da comarca
de São Bento do Sul/SC).
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E.
Superior Tribunal de Justiça (HC 155.720/SC), ao E. Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina (Apelação Criminal nº 2009.058898-9) e ao MM.
Juiz de Direito da 3ª Vara da comarca de São Bento do Sul/SC (Processo-crime nº
058.09.003047-5).
Publique-se.
Brasília, 1º de julho de 2010.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJE de 2.8.2010
INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
23 a 27 agosto de 2010
DIREITOS HUMANOS – Alimentação
Decreto nº 7.272, de 25.8.2010 – Regulamenta a Lei nº 11.346, de 15 de setembro
de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –
SISAN com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, institui
a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN, estabelece os
parâmetros para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional, e dá outras providências. Publicado no DOU, Seção 1, p. 6, em 26.8.2010.
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) – Proteção à infância
Lei nº 12.318, de 26.8.2010 – Dispõe sobre a alienação parental e altera o art.
236 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Publicada no DOU, Seção 1, p. 3,
em 27.8.2010.
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
Secretaria de Documentação
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e
Divulgação de Julgados
CJCD@stf.jus.br
Praça
dos Três Poderes – Brasília – DF – CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000