Brasília, 17 a 21 de maio de 2010 – Nº 587.
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
Contagem Recíproca do Tempo de Serviço Rural e Recolhimento de Contribuições
Desapropriação: Notificação e Vistoria de Imóvel Invadido
Ação Penal: Crimes de Responsabilidade e Prefeito – 1
Ação Penal: Crimes de Responsabilidade e Prefeito – 2
1ª Turma
Porte Ilegal de Arma de Fogo e Exame Pericial
Art. 243 da CF e Análise de Requisito Subjetivo
Isenção de Ônus da Sucumbência e Medida Cautelar Preparatória
2ª Turma
Transcrições
CNJ – Juiz Natural – Competência Disciplinar – Princípios Constitucionais (MS 28712 MC/DF)
Inovações Legislativas
PLENÁRIO
Contagem Recíproca do Tempo de Serviço Rural e Recolhimento de Contribuições
Conforme disposto no § 9º do art. 201 da CF (“Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.”), a contagem recíproca do tempo de serviço rural pressupõe ter havido o recolhimento das contribuições previdenciárias. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, indeferiu mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União – TCU, que julgara ilegal a aposentadoria do impetrante, pelo fato de ter sido computado o tempo de serviço rural sem a comprovação do recolhimento das contribuições ao INSS. Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Eros Grau e Ayres Britto que concediam a ordem. Tendo em conta que o impetrante comprovara que fora trabalhador rural e que, naquele período, a legislação impunha a contribuição sobre a produção da venda da propriedade rural, do produtor rural, reputavam que, no caso concreto, o TCU exigira uma prova impossível de o impetrante fazer, porque isso não era obrigação dele, mas do produtor rural. Precedente citado: MS 26919/DF (DJE de 23.5.2008).
MS 26872/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 19.5.2010. (MS-26872)
Desapropriação: Notificação e Vistoria de Imóvel Invadido
O Tribunal iniciou julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente da República que declarara de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel rural dos impetrantes. O Min. Marco Aurélio, relator, concedeu a ordem, para declarar insubsistente, em definitivo, o decreto expropriatório, no que foi acompanhado pelos Ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello. Entendeu, primeiro, que, na espécie, a notificação, ocorrida na figura do inventariante, considerado o espólio, se dera de forma inválida, haja vista que não fora fixada data nem espaço de tempo razoável para o início dos trabalhos. Afirmou que a notificação tem por finalidade viabilizar o acompanhamento cabível, permitindo ao proprietário, inclusive, a contratação de técnico para fazê-lo, e que a designação da data da vistoria é elemento substancial dela, forma essencial à valia do ato. Reputou, em seguida, que a vistoria se dera à margem do que disposto na Medida Provisória 2.183-56/2001, visto que, quando de sua feitura, o imóvel em questão se encontrava invadido. Ademais, teriam sido incluídas áreas não aproveitáveis na averiguação do grau de utilização da terra. Destacou, por fim, a existência de decisão de reintegração preclusa na via da recorribilidade. Após, pediu vista dos autos o Min. Dias Toffoli.
MS 25493/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 19.5.2010. (MS-25493)
Ação Penal: Crimes de Responsabilidade e Prefeito – 1
O Tribunal, por maioria, julgou procedente, em parte, ação penal promovida pelo Ministério Público do Estado do Paraná para condenar Deputado Federal pela prática dos crimes tipificados no art. 1º, IV e V, do Decreto-lei 201/67 (“Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: IV – empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam; V – ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes;”), às penas de 3 meses de detenção para cada tipo penal, e declarou extinta a pretensão punitiva do Estado, pela consumação da prescrição penal, com base no art. 109, VI, c/c o art. 110, § 1º, e o art. 119, todos do CP, na redação anterior à Lei 12.234/2010. Entendeu-se que o acusado, no exercício do mandato de Prefeito Municipal de Curitiba/PR, teria dolosamente determinado, sem a prévia inclusão no orçamento público e em afronta à ordem de precedência cronológica, o pagamento de precatório resultante de ação de desapropriação, mediante a utilização de recursos do empréstimo do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID destinados ao implemento do projeto de transporte urbano da capital paranaense. Quanto ao delito previsto no inciso IV do art. 1º do Decreto-lei 201/67, ficou vencido o Min. Marco Aurélio, revisor, que julgava a ação improcedente.
AP 503/PR, rel. Min. Celso de Mello, 20.5.2010. (AP-503)
Ação Penal: Crimes de Responsabilidade e Prefeito – 2
No que tange à dosimetria penal, ficaram vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, que impunham, ao réu, a pena de 4 meses e 15 dias de detenção para cada um dos crimes referidos, e o Min. Ayres Britto, que fixava a pena de 2 anos e 2 meses de detenção. No que se refere à declaração de extinção da pretensão punitiva do Estado, ficou vencido o Min. Ayres Britto. O Tribunal ainda julgou improcedente a ação e absolveu o acusado quanto ao crime previsto no art. 1º, XIV, do Decreto-lei 201/67 (“Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;”). Considerou-se que o descumprimento da ordem emanada do Presidente do Tribunal de Justiça local relativa ao pagamento de outros precatórios anteriores ao precatório em questão, incluídos na lei orçamentária, não consubstanciaria a conduta prevista no citado dispositivo legal. Asseverou-se que o Presidente do Tribunal, ao desempenhar as suas atribuições no processamento dos precatórios, atua como autoridade administrativa, não exercendo, em conseqüência, nesse estrito contexto procedimental, qualquer parcela de poder jurisdicional. Dessa forma, as decisões por ele proferidas com fundamento nessa específica competência apresentam-se desvestidas de conteúdo jurisdicional, circunstância que efetivamente descaracteriza a ocorrência do não cumprimento de “ordem judicial” prevista na descrição típica inscrita no inciso XIV do art. 1º do Decreto-lei 201/67.
AP 503/PR, rel. Min. Celso de Mello, 20.5.2010. (AP-503)
PRIMEIRA TURMA
Porte Ilegal de Arma de Fogo e Exame Pericial
A Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor de condenado pela prática do crime de porte ilegal de arma de fogo (Lei 9.437/97, art. 10) no qual se sustentava a necessidade de exame pericial para a configuração do delito. Alegava que, embora a perícia tivesse sido feita na arma de fogo apreendida, esta fora realizada por policiais que atuaram no inquérito e sem qualificação necessária. Reputou-se que eventual nulidade do exame pericial na arma não descaracterizaria o delito atualmente disposto no art. 14, caput, da Lei 10.826/2003, quando existir um conjunto probatório que permita ao julgador formar convicção no sentido da existência do crime imputado ao réu, bem como da autoria do fato. Salientou-se, ainda, que os policiais militares, conquanto não haja nos autos a comprovação de possuírem curso superior, teriam condições de avaliar a potencialidade lesiva da arma. Registrou-se, contudo, que a sentença condenatória sequer se baseara na perícia feita por esses policiais, mas sim na declaração do próprio paciente que, quando interrogado, dissera que usava aquela arma para a sua defesa pessoal, demonstrando saber de sua potencialidade. Vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia o writ por considerar que o laudo pericial, ante o teor do art. 25 da Lei 10.826/2003 [“As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, quando não mais interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na forma do regulamento desta Lei.”], seria formalidade essencial, que deveria ser realizada por técnicos habilitados e não por policiais militares. Precedente citado: HC 98306/RS (DJE de 19.11.2009).
HC 100008/RS, rel. Min. Dias Toffoli, 18.5.2010. (HC-10008)
Art. 243 da CF e Análise de Requisito Subjetivo
A Turma iniciou julgamento de dois recursos extraordinários em que se discute se questões de índole subjetiva devem ser consideradas na aplicação do art. 243 da CF (“As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”). No caso, a União insurge-se contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que afastara a incidência do mencionado dispositivo constitucional ao fundamento de que os recorridos, pessoas idosas, não tinham como se opor ao plantio ilícito de plantas psicotrópicas em suas terras, promovido por terceiros com fama de serem violentos e andarem armados. A Corte de origem aduziu, ainda, que a área em que realizado o cultivo seria de difícil acesso e que o Poder Público não ofereceria condições para que os agricultores pudessem, sem risco, comunicar às autoridades as plantações de maconha em suas propriedades. O Min. Dias Toffoli, relator, proveu o recurso para decretar a expropriação do imóvel em tela. Asseverou que a efetividade da Constituição se imporia. Tendo em conta que a expropriação prevista no art. 243 da CF seria uma sanção, entendeu que não se exigiria nenhum tipo de análise de caráter subjetivo sobre o proprietário, recaindo a sanção sobre a propriedade. Assim, concluiu pela inviabilidade de se partir para a apreciação subjetiva da conduta do proprietário ou do possuidor da terra — sua culpabilidade —, bastando para a expropriação a existência, no imóvel, de cultura ilegal de plantas psicotrópicas. Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia.
RE 402839/PE, rel. Min. Dias Toffoli, 18.5.2010. (RE-402839)
RE 436806/PE, rel. Min. Dias Toffoli, 18.5.2010. (RE-436806)
Isenção de Ônus da Sucumbência e Medida Cautelar Preparatória
O procedimento cautelar está intrinsecamente ligado ao processo principal, por isso a disciplina constitucional que se aplica às ações cautelares deve ser a mesma para eventuais medidas cautelares preparatórias que se façam necessárias, tendo em conta a natureza instrumental e acessória de tais medidas em face da ação principal. Com base nesse entendimento, a Turma proveu recurso extraordinário para isentar o recorrente do pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios impostos em razão de ter restado vencido em medida cautelar por ele intentada, preparatória de futura ação popular. Na espécie, tratava-se de recurso interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que confirmara sentença a qual concluíra que a isenção constitucional do ônus da sucumbência apenas abarca a ação popular e não as medidas cautelares, ainda que preparatórias. Consignou-se que a demanda principal, entretanto, não chegara a ser ajuizada, o que seria irrelevante para fins de isenção do autor do ônus da sucumbência. Ademais, assentou-se o não cabimento de interpretação restritiva do comando do art. 5º, LXXIII, da CF (“LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;”).
RE 335428/SP, rel. Min. Dias Toffoli, 18.5.2010. (RE-335428)
SEGUNDA TURMA
Não houve sessão ordinária da 2ª Turma em 18.5.2010.
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Pleno |
19.5.2010 |
20.5.2010 |
4 |
1ª Turma |
18.5.2010 |
— |
245 |
2ª Turma |
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T R A N S C R I Ç Õ E S
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
CNJ – Juiz Natural – Competência Disciplinar – Princípios Constitucionais (Transcrições)
MS 28712 MC/DF*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ÓRGÃO ADMINISTRATIVO POSICIONADO NA ESTRUTURA INSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO. OUTORGA, AO CNJ, EM SEDE CONSTITUCIONAL, DE JURISDIÇÃO CENSÓRIA SOBRE JUÍZES E ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO “SITUADOS, HIERARQUICAMENTE, ABAIXO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL” (ADI 3.367/DF). POSSIBILIDADE, EM TESE, DE IMPOSIÇÃO, A ELES, DE SANÇÕES DISCIPLINARES, NOTADAMENTE DAQUELAS PREVISTAS NO ART. 103-B, § 4º, III, DA CONSTITUIÇÃO, COMO A APOSENTADORIA COMPULSÓRIA, COM SUBSÍDIO PROPORCIONAL AO TEMPO DE SERVIÇO. O DEVER-PODER, CONSTITUCIONALMENTE ATRIBUÍDO AO CNJ, DE EFETUAR O CONTROLE DO CUMPRIMENTO, PELOS MAGISTRADOS, DE SEUS DEVERES FUNCIONAIS. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS POSTULADOS DO “DUE PROCESS”, DA MOTIVAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES ADMINISTRATIVAS E DO JUIZ NATURAL. PRETENDIDA CARACTERIZAÇÃO DO CNJ COMO TRIBUNAL DE EXCEÇÃO, POR HAVER SIDO INSTITUÍDO “EX POST FACTO”. APARENTE INOCORRÊNCIA, NO CASO EM EXAME, DE REFERIDAS TRANSGRESSÕES CONSTITUCIONAIS. A QUESTÃO DA APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL AOS PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DE CARÁTER DISCIPLINAR. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. INTERVENÇÃO DE LITISCONSORTES PASSIVOS NECESSÁRIOS NA PRESENTE RELAÇÃO PROCESSUAL. MEDIDA IMPRESCINDÍVEL À PLENA EFICÁCIA DA DECISÃO, SE EVENTUALMENTE CONCESSIVA DO MANDADO DE SEGURANÇA. PRECEDENTES. PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS À OUTORGA DE PROVIMENTO CAUTELAR. AUSÊNCIA, NO CASO, DE UM DESSES REQUISITOS (PLAUSIBILIDADE JURÍDICA). MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado contra deliberação que o Conselho Nacional de Justiça proferiu nos autos do Processo Administrativo Disciplinar nº 200910000019225, Rel. Cons. IVES GANDRA, consubstanciada em acórdão assim ementado (fls. 19/21):
“PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS PARA SOCORRER LOJA MAÇÔNICA – ENVOLVIMENTO DE JUÍZES – ATENTADO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, IMPESSOALIDADE E MORALIDADE ADMINISTRATIVAS (CF, ART. 37) E AOS DA IMPARCIALIDADE, TRANSPARÊNCIA, INTEGRIDADE, DIGNIDADE, HONRA E DECORO DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL – APOSENTADORIA COMPULSÓRIA, A BEM DO SERVIÇO PÚBLICO (LOMAN, ART. 56, II) DE PARTE DOS JUÍZES ENVOLVIDOS.
1. A Administração Pública se pauta pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dentre outros (CF, art. 37). O Juiz se pauta, em sua conduta, pelos princípios da imparcialidade, transparência, integridade, dignidade, honra e decoro (Código de Ética da Magistratura Nacional).
2. Fere de morte os referidos princípios e o sentido ético do magistrado: a) a escolha discricionária, por parte do Presidente do TJ-MT, assistido por juiz auxiliar que se encarregava dessa tarefa, dos juízes que irão receber parcelas atrasadas, pautando-se pela avaliação subjetiva do administrador da ‘necessidade’ de cada um; b) o pagamento das referidas parcelas sem emissão de contra-cheque, mediante simples depósito em conta do magistrado contemplado, que desconhece a que título específico recebe o montante depositado; c) o direcionamento de montante maior do pagamento de parcelas atrasadas aos integrantes da administração do Tribunal (constituindo, no caso do Vice- Presidente e do Corregedor-Geral, verdadeiro pagamento de ‘cala a boca’, em astronômicas somas, para não se oporem ao ‘esquema’) e aos magistrados que poderiam emprestar o valor recebido à Loja Maçônica ‘Grande Oriente do Estado do Mato Grosso’, presidida pelo Presidente do Tribunal e integrada por seus juízes auxiliares, que procederam às gestões para obter empréstimos de outros magistrados (que funcionaram como verdadeiros ‘laranjas’, ou seja, meros intermediadores do repasse das quantias pagas), visando a socorrer financeiramente a referida Loja, pelo desfalque ocorrido em Cooperativa de Crédito por ela instituída; d) o cálculo ‘inflacionado’ dos atrasados abrangendo período prescrito, com adoção de índices de atualização mais favoráveis aos beneficiários e incluindo rubricas indevidas ou com alteração posterior do título pelos quais as mesmas verbas eram pagas.
3. Hipótese de aposentadoria compulsória dos Requeridos, proporcional ao tempo de serviço, a bem do serviço público, nos termos dos arts. 42, V, e 56, II, da LOMAN, por patente atentado à moralidade administrativa e ao que deve nortear a conduta ética do magistrado, quando da montagem de verdadeiro ‘esquema’ de direcionamento de verbas públicas à Loja Maçônica GEOMT em dificuldades financeiras.
Processo Administrativo Disciplinar julgado procedente.” (grifei)
Passo a examinar essa postulação cautelar. E, ao fazê-lo, entendo, em juízo de estrita delibação, que não se acham presentes os requisitos autorizadores da concessão da medida liminar em referência, especialmente se consideradas as informações prestadas pela E. Presidência do Conselho Nacional de Justiça (fls. 162/172):
“(…) com base na reiterada jurisprudência já mencionada pela decisão liminar indeferitória, o mandado de segurança não é o instrumento idôneo para verificação e dilação de elementos probatórios. Desse modo, a alegação do impetrante de existência de elementos falsos para motivação da decisão do Conselho é manifestamente incabível, razão pela qual a ordem não merece ser conhecida quanto a este ponto.
16. Ainda que superada essa questão preliminar de não cabimento, verifica-se a improcedência da alegação formulada pela parte autora. A inspeção feita pelo Conselho constatou irregularidades no TJ/MT, das quais, embora o impetrante não tenha participado ativamente, privilegiou-se, permitindo o desenvolvimento das ‘manobras’. (…)
………………………………………………..
17. A partir da leitura do voto do Conselheiro é possível concluir que a penalidade aplicada pelo Conselho não foi desarrazoada, nem mesmo baseada em ‘meras impressões’ como quis sustentar o impetrante. Muito pelo contrário, antes de tomada a decisão, foi feita minuciosa inspeção para apuração dos fatos como demonstrado na decisão proferida pelo Conselheiro Ives Gandra (inteiro teor no anexo I).
18. Cabe, por fim, registrar que, em 23/03/2010, o Conselheiro Relator proferiu decisão com vistas a corrigir erro material ‘de modo a retirar a expressão ‘DE PARTE’ dos juízes envolvidos, existente no título da ementa’ (evento 499 presente no E-CNJ).
19. Dos elementos apontados nesta manifestação, observa-se que os dados e argumentos jurídicos incidentes denotam a idoneidade da fundamentação e a legitimidade da atuação fiscalizatória e correicional do Conselho Nacional de Justiça no exercício precípuo de suas atribuições institucionais para o cumprimento da Constituição Federal (em especial, o art. 103-B, § 4º, II, e art. 5º, inciso LIV e LV), de modo a ensejar, cautelarmente, o indeferimento da medida liminar; e, no mérito, impor a necessidade de negativa da segurança pleiteada nos autos deste ‘mandamus’.” (grifei)
O exame dos fundamentos do ato ora apontado como coator, emanado do CNJ, parece descaracterizar – ao menos em juízo de estrita delibação – a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar deduzida nesta sede processual, especialmente se se tiver em consideração a finalidade institucional de que se acha investido, por efeito de determinação constitucional, o Conselho Nacional de Justiça.
A EC nº 45/2004, ao instituir o Conselho Nacional de Justiça, definiu-lhe um núcleo irredutível de atribuições, além daquelas que lhe venham a ser conferidas pelo Estatuto da Magistratura, assistindo-lhe o dever-poder de efetuar, no plano da atividade estritamente administrativa e financeira do Poder Judiciário, o controle do “cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (CF, art. 103-B, § 4º).
Para tanto, a EC nº 45/2004 previu meios instrumentais destinados a viabilizar o pleno exercício, pelo Conselho Nacional de Justiça, de sua jurisdição censória, cabendo destacar, dentre os diversos instrumentos de ativação de sua competência administrativa, aquele que lhe permite “receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário (…), sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais (…)” (CF, art. 103-B, § 4º, III).
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 3.367/DF (RTJ 197/839-840), bem explicitou referidas atribuições, indicando-lhes a sua própria razão de ser, como resulta claro de fragmento do voto então proferido pelo eminente Ministro CEZAR PELUSO, Relator da causa:
“A segunda modalidade de atribuições do Conselho diz respeito ao controle ‘do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes’ (art. 103-B, § 4º). E tampouco parece-me hostil à imparcialidade jurisdicional.
Representa expressiva conquista do Estado democrático de direito, a consciência de que mecanismos de responsabilização dos juízes por inobservância das obrigações funcionais são também imprescindíveis à boa prestação jurisdicional. (…).
Entre nós, é coisa notória que os atuais instrumentos orgânicos de controle ético-disciplinar dos juízes, porque praticamente circunscritos às corregedorias, não são de todo eficientes, sobretudo nos graus superiores de jurisdição (…).
Perante esse quadro de relativa inoperância dos órgãos internos a que se confinava o controle dos deveres funcionais dos magistrados, não havia nem há por onde deixar de curvar-se ao cautério de Nicoló Trocker: ‘o privilégio da substancial irresponsabilidade do magistrado não pode constituir o preço que a coletividade é chamada a pagar, em troca da independência dos seus juízes’. (…).
Tem-se, portanto, de reconhecer, como imperativo do regime republicano e da própria inteireza e serventia da função, a necessidade de convívio permanente entre a independência jurisdicional e instrumentos de responsabilização dos juízes que não sejam apenas formais, mas que cumpram, com efetividade, o elevado papel que se lhes predica. (…).” (grifei)
A análise do conteúdo da deliberação que o Conselho Nacional de Justiça proferiu no procedimento disciplinar em questão revelaria, na perspectiva de um juízo de sumária cognição, a aparente inocorrência das alegadas violações ao art. 5º, incisos LIV e LV, e ao art. 93, inciso IX, da Constituição da República (fls. 03 e 11).
É certo, considerada a essencialidade da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, que a Constituição da República estabelece, em seu art. 5º, incisos LIV e LV, que ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos sem o devido processo legal, notadamente naqueles casos em que se viabilize a possibilidade de imposição, a determinada pessoa ou entidade, de medidas consubstanciadoras de limitação de direitos.
Impende assinalar, bem por isso, na linha de decisões que já proferi nesta Corte (RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), que o Estado, em tema de restrição à esfera jurídica de qualquer pessoa, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois – cabe enfatizar – o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida imposta pelo Poder Público, de que resultem, como no caso, conseqüências gravosas no plano dos direitos e garantias individuais, exige a fiel observância do princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV e LV), consoante adverte autorizado magistério doutrinário (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, “Comentários à Constituição Brasileira de 1988”, vol. 1/68-69, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, “Comentários à Constituição Brasileira”, vol. 1/176 e 180, 1989, Saraiva; JESSÉ TORRES PEREIRA JÚNIOR, “O Direito à Defesa na Constituição de 1988”, p. 71/73, item n. 17, 1991, Renovar; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito à Defesa na Constituição”, p. 47/49, 1994, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/268-269, 1989, Saraiva; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 401/402, 5ª ed., 1995, Atlas; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 290 e 293/294, 2ª ed., 1995, Malheiros; HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 588, 17ª ed., 1992, Malheiros, v.g.).
A jurisprudência dos Tribunais, notadamente a do Supremo Tribunal Federal, tem reafirmado a importância desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa ou no âmbito político-administrativo, sob pena de nulidade da própria medida restritiva de direitos, revestida, ou não, de caráter punitivo (RDA 97/110 – RDA 114/142 – RDA 118/99 – RTJ 163/790, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 306.626/MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, “in” Informativo/STF nº 253/2002 – RE 140.195/SC, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – RE 191.480/SC, Rel. Min. MARCO AURÉLIO – RE 199.800/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):
“RESTRIÇÃO DE DIREITOS E GARANTIA DO ‘DUE PROCESS OF LAW’.
– O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade desse princípio, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.”
(RTJ 183/371-372, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Como já salientado, a aplicação da sanção disciplinar ao ora impetrante – além de expressamente prevista na própria Constituição (art. 103-B, § 4º, inciso III) e, também, na LOMAN (art. 56, inciso II) – teria sido precedida da observância, por parte do Conselho Nacional de Justiça, da garantia constitucional do “due process” e da plenitude de defesa.
No que concerne à suposta transgressão ao postulado da motivação dos atos decisórios (CF, art. 93, IX), o exame da deliberação ora impugnada parece sugerir que tal decisão mostrar-se-ia compatível com referido princípio constitucional, especialmente se se considerar que a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 170/627-628, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) orienta-se no sentido de que “O que a Constituição exige, no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada. Não, que a fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de direito da lide: declinadas no julgado as premissas, corretamente assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está satisfeita a exigência constitucional” (RTJ 150/269, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).
Sustenta-se, ainda, que a imposição, ao impetrante, da sanção ora questionada teria desrespeitado o postulado do juiz natural, pois – segundo alegado nesta impetração mandamental – os fatos ensejadores da punição em causa teriam ocorrido em momento anterior ao da promulgação da EC nº 45/2004 e, até mesmo, ao da instalação, em 14/06/2005, do Conselho Nacional de Justiça.
Ou, em outras palavras: o Conselho Nacional de Justiça, por haver sido instituído e instalado “ex post facto” qualificar-se-ia como verdadeiro tribunal de exceção, que teria exercido, por isso mesmo, de modo ilegítimo, a jurisdição censória que lhe foi atribuída em sede constitucional.
Não se questiona a asserção de que as sanções ou medidas restritivas de direitos só podem ser validamente impostas com estrita observância da cláusula constitucional da naturalidade do juízo, vale dizer, somente se legitimam quando aplicadas “pela autoridade competente” (CF, art. 5º, incisos XXXVII e LII).
Todas essas considerações revelam-se de indiscutível importância em face do caráter de fundamentalidade de que se reveste, em nosso sistema jurídico, o princípio do juiz natural.
Com efeito, o postulado da naturalidade do juízo representa uma das mais importantes matrizes político-ideológicas que conformam a própria atividade legislativa do Estado e que condicionam o desempenho, por parte do Poder Público, das funções de caráter penal-persecutório ou da atividade de natureza administrativo-disciplinar, ainda que o domínio natural de sua incidência seja, em princípio, o procedimento de índole judicial.
A essencialidade do princípio do juiz natural impõe, ao Estado, o dever de respeitar essa garantia básica que predetermina, em abstrato, os órgãos judiciários (ou administrativo) investidos de competência funcional para a apreciação dos litígios penais ou, como na espécie, das infrações disciplinares.
Na realidade, o princípio do juiz natural reveste-se, em sua projeção político-jurídica, de dupla função instrumental, pois, enquanto garantia indisponível, tem, por titular, qualquer pessoa exposta, em procedimento judicial ou administrativo-disciplinar, à ação persecutória do Estado, e, enquanto limitação insuperável, incide sobre os órgãos do poder incumbidos de promover, judicial ou administrativamente, a repressão penal ou, quando for o caso, a responsabilização disciplinar.
Vê-se, desse modo, que o postulado da naturalidade do juízo, ao qualificar-se como prerrogativa individual (“ex parte subjecti”), tem, por destinatário específico, o réu, ou, quando for o caso, o sindicado/indiciado, erigindo-se, em conseqüência, como direito público subjetivo inteiramente oponível ao próprio Estado. Esse mesmo princípio, contudo, se analisado em perspectiva diversa, “ex parte principis”, atua como fator de inquestionável restrição ao poder de persecução penal ou disciplinar, submetendo, o Estado, a múltiplas limitações inibitórias de suas prerrogativas institucionais.
Isso significa que o postulado do juiz natural deriva de cláusula constitucional tipicamente bifronte, pois, dirigindo-se a dois destinatários distintos, ora representa um direito do réu ou do indiciado/sindicado (eficácia positiva da garantia constitucional), ora traduz uma imposição ao Estado (eficácia negativa dessa mesma garantia constitucional).
O princípio da naturalidade do juízo, portanto, encerrando uma garantia constitucional, limita, de um lado, os poderes do Estado (impossibilitado, assim, de instituir juízos “ad hoc” ou de criar tribunais de exceção) e assegura, ao acusado (ou ao sindicado/indiciado), de outro, o direito ao processo (judicial ou administrativo) perante autoridade competente, abstratamente designada na forma de lei anterior (vedados, em conseqüência, os juízos “ex post facto”).
É por essa razão que ADA PELLEGRINI GRINOVER – após destacar a importância histórica e político-jurídica do princípio do juiz natural – acentua, com apoio no magistério de JORGE FIGUEIREDO DIAS (“Direito Processual Penal”, vol. 1/322-323, 1974, Coimbra), que esse postulado constitucional acha-se tutelado por garantias irredutíveis que se desdobram, “na verdade, em três conceitos: só são órgãos jurisdicionais os instituídos pela Constituição; ninguém pode ser julgado por órgão constituído após a ocorrência do fato; entre os juízes pré-constituídos vigora uma ordem taxativa de competências, que exclui qualquer alternativa deferida à discricionariedade de quem quer que seja” (“O Processo em Sua Unidade – II”, p. 39, item n. 6, 1984, Forense – grifei).
O fato irrecusável, em nosso sistema de direito constitucional positivo – considerado o princípio do juiz natural – é que ninguém poderá ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus direitos senão mediante julgamento pela autoridade competente. Nenhuma pessoa, em conseqüência, poderá ser subtraída ao seu juiz natural. A nova Constituição do Brasil, ao proclamar as liberdades públicas – que representam limitações expressivas aos poderes do Estado – consagrou, agora de modo explícito, o postulado fundamental do juiz natural. O art. 5º, LIII, da Carta Política, prescreve que “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
A importância político-jurídica desse princípio essencial – que traduz uma das projeções concretizadoras da cláusula do “due process of Law” – foi acentuada pelo autorizado magistério de eminentes autores, tais como ADA PELLEGRINI GRINOVER (“O Processo em sua unidade – II”, p. 3/4, 1984, Forense), GIUSEPPE SABATINI (“Principii Costituzionali del Processo Penale”, p. 93/131, 1976, Napoli), TAORMINA (“Giudice naturale e processo penale”, p. 16, 1972, Roma), JOSÉ CIRILO DE VARGAS (“Processo Penal e Direitos Fundamentais”, p. 223/232, 1992, Del Rey Editora), MARCELO FORTES BARBOSA (“Garantias Constitucionais de Direito Penal e de Processo Penal na Constituição de 1988”, p. 80/81, 1993, Malheiros) e ROGÉRIO LAURIA TUCCI e JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI (“Constituição de 1988 e Processo”, p. 30/32, item n. 10, 1989, Saraiva).
Torna-se relevante observar, neste ponto, que prestigiosa corrente doutrinária reconhece aplicável, ao procedimento administrativo-disciplinar, o postulado do juiz natural (LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 443/444, item n. 4.1, 9ª ed., 2008, Malheiros; ANGÉLICA ARRUDA ALVIM, “Princípios Constitucionais do Processo”, “in” “Revista de Processo”, vol. 74/20-39, item n. 9, abril-junho/94; CÁRMEN LÚCIA ANTUNES ROCHA, “Princípios Constitucionais do Processo Administrativo no Direito Brasileiro”, “in” “Revista de Direito Administrativo”, vol. 209/189-222, jul-set/97; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, “O Direito à Defesa na Constituição”, p. 37/38, item n. 5.7.1, 1994, Saraiva; NELSON NERY JUNIOR, “Princípios do Processo Civil na Constituição Federal”, p. 97/105, item n. 15, 8ª ed., 2004, RT; ADELINO MARCON, “O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal”, p. 207/210, 2004, Juruá; ANTONIO CARLOS ALENCAR CARVALHO, “O Princípio do Administrador Competente e a Composição do Colegiado de Sindicância Punitiva no Sistema da Lei Federal nº 8.112/90”, “in” “Boletim de Direito Administrativo”, p. 1.146/1.155, ano XX, nº 10, outubro/2004, NDJ), valendo referir, dentre outros eminentes autores, a lição expendida por ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO (“Processo Administrativo Disciplinar”, p. 332/337, item n. 8.2, 2ª ed., 2003, Max Limonad), que assim justifica, com inteira correção e sob perspectiva eminentemente constitucional, a própria razão de ser desse princípio nuclear:
“Interessa, nesta sede, perquirir sobre a incidência do princípio do juiz natural no processo administrativo disciplinar. A resposta a esta questão, merecedora de estudo doutrinário recente, passa, antes de tudo, pela compreensão finalística do instituto. Depois, cumpre avaliar se o processo administrativo disciplinar subsiste sem o atingimento do fim garantido pelo princípio do juiz natural.
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A matriz deste raciocínio está no próprio art. 5°, inc. LV, quando adiciona à ampla defesa a expressão ‘com os meios e recursos a ela inerentes’. Trata-se de regra com conteúdo eminentemente prático, garantindo a incidência de outros princípios no processo administrativo, desde que o contraditório e a ampla defesa não possam deles prescindir.
Com efeito, o princípio do juiz natural tem sido interpretado, tradicionalmente, pela doutrina processualista brasileira, como princípio inerente à jurisdição. No entanto, este postulado, que não está ‘literalmente’ posto na Constituição, é consectário de interpretação orientada pelo sentido do sistema constitucional.
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A normatividade do princípio do juiz natural informa o processo administrativo (inclusive o disciplinar). Quanto ao programa normativo, os enunciados linguísticos dos incs. XXXVII e LIII do art. 5° não são incompatíveis com o processo administrativo disciplinar. A expressão ‘juízo’, como assinalado, comporta o sentido de julgamento que ocorre em sede de processo administrativo disciplinar, onde há um juízo administrativo. A expressão ‘tribunal’, a seu turno, mesmo entendida no sentido técnico, não é sinônima de tribunal judiciário. Prova disto, a previsão constitucional do ‘Tribunal de Contas’ (art. 71) não integrado ao Poder Judiciário. A expressão ‘processado’ engloba o processo administrativo disciplinar, tendo em vista a afirmação constitucional expressa do ‘processo administrativo’ no art. 5°, inc. LV. O termo ‘autoridade competente’ põe às claras o sentido amplo dos enunciados informadores do princípio.
Os próprios membros do Poder Judiciário sujeitam-se à prescrição constitucional do juiz natural nos processos administrativos disciplinares de sua competência (arts. 93, incs. VIII e X; 95, incs. I e II; 96, inc. I, letras ‘a’ e ‘f’).
Em sede de interpretação constitucional, vige o ‘princípio da máxima efetividade’, ou seja, a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. Conquanto no Brasil, as decisões em sede de processo administrativo disciplinar sejam auto-executáveis, atingindo a esfera jurídica do servidor com a mesma força cominatória das decisões judiciais (as sanções administrativas são aplicadas de forma independente das sanções penais e civis, por força dos arts. 125 e 126 da Lei 8112/90), a incidência do juiz natural garante a imparcialidade e objetividade do julgamento administrativo.
Mais uma vez, relembre-se que os princípios constitucionais (…), embora possuam marca própria, atuam conjugadamente, complementando-se, condicionando-se e modificando-se em termos recíprocos. Exigem do intérprete a árdua tarefa de concordância prática. Os princípios do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural não poderiam fugir a esta assertiva: a sua base comum – dignidade da pessoa – é mais do que reafirmada na Constituição de 1988, ao serem incluídos no rol dos direitos e garantias fundamentais.
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Embora garanta-se o contraditório e a ampla defesa no processo administrativo disciplinar, sem a incidência da garantia do juiz natural pode-se escolher a dedo um julgador predeterminado a condenar ou absolver. Neste caso, estaríamos diante de um verdadeiro ‘faz de conta’. O julgador parece levar em consideração o resultado da participação do servidor quando, na verdade, já tem sua decisão pronta.
A atuação nos procedimentos capazes de atingir a esfera jurídica do servidor é garantida constitucionalmente através de instrumentos positivos e negativos. Em sentido positivo, o contraditório e a ampla defesa viabilizam a presença ativa e crítica dos servidores envolvidos; em sentido negativo, o juiz natural impede qualquer obstrução a essa participação.
Garantia de ação, garantia de não obstrução. Duas faces da mesma moeda: contraditório e ampla defesa, de um lado, juiz natural, do outro.” (grifei)
Vê-se, desse lúcido magistério, que a cláusula do juiz natural, projetando-se para além de sua dimensão estritamente judicial, também compõe a garantia do “due process”, no âmbito da Administração Pública, de tal modo que a observância do princípio da naturalidade do juízo representa, no plano da atividade disciplinar do Estado, condição inafastável para a legítima imposição, a qualquer agente público, notadamente aos magistrados, de sanções de caráter administrativo.
A incidência do postulado do juiz natural, portanto, mesmo tratando-se de procedimento administrativo-disciplinar, guarda íntima vinculação com a exigência de atuação impessoal, imparcial e independente do órgão julgador, que não pode, por isso mesmo, ser instituído “ad hoc” ou “ad personam”, eis que designações casuísticas dos membros que o integram conflitam, de modo ostensivo, com essa expressiva garantia de ordem constitucional.
A análise do contexto emergente deste processo mandamental, no entanto, parece revelar que esse postulado fundamental não teria sido transgredido pelo Conselho Nacional de Justiça, pois a jurisdição censória que lhe foi cometida adveio de norma impregnada de estatura constitucional e que, por veicular prescrição geral, impessoal e abstrata, não permitiria substantivar a alegação de que aquele órgão administrativo, posicionado na estrutura institucional do Poder Judiciário, equivaleria a um tribunal “ad hoc”.
Ao contrário, tudo parece sugerir que o Conselho Nacional de Justiça teria agido de modo rigorosamente impessoal, praticando, de maneira regular, atos incluídos na esfera constitucional de suas atribuições, não se registrando, em conseqüência, qualquer atuação “ultra vires” do órgão ora apontado como coator.
Vale enfatizar, no ponto, que a instituição do Conselho Nacional de Justiça tem suporte em diploma normativo revestido de autoridade constitucional e que foi promulgado sem qualquer conotação de índole casuística, dotado de eficácia geral e qualificado, quanto aos seus destinatários, por critério de evidente indeterminação subjetiva, circunstâncias essas que, aparentemente, descaracterizariam a alegação de que o órgão em questão subsumir-se-ia à noção de tribunal de exceção.
Na verdade, a instituição do Conselho Nacional de Justiça, veiculada em regra de índole constitucional (EC 45/2004), ajusta-se, com absoluta precisão, à advertência de JOSÉ FREDERICO MARQUES (“O Processo Penal na Atualidade”, “in” “Processo Penal e Constituição Federal”, p. 19, item n. 7, 1993, Ed. Acadêmica/Apamagis, São Paulo), para quem “(…) autoridade competente só será aquela que a Constituição tiver previsto, explícita ou implicitamente, pois, se assim não fosse, a lei poderia burlar as garantias derivadas do princípio do Juiz independente e imparcial, criando outros órgãos para o processo e julgamento de determinadas infrações” (grifei).
Registre-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, quer por seu Plenário (HC 88.660/CE, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA), quer por suas Turmas (HC 91.253/MS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – HC 91.509/RN, Rel. Min. EROS GRAU, v.g.), já proclamou que a criação de Varas especializadas para o processo e julgamento de determinados ilícitos penais, embora determinada por ato posterior à prática do delito, não transgride o princípio do juiz natural, pelo fato de inexistir, com a adoção de tal providência “ex post facto”, qualquer regulação casuística ou estabelecida “ad personam”, a significar, portanto, que, mesmo tratando-se de processo de índole judicial (e de caráter penal), a ulterior instituição de órgão judiciário especializado “ratione materiae” não representa, só por si, ofensa ao postulado da naturalidade do juízo nem traduz a materialização de um tribunal de exceção.
Presentes os fundamentos ora expostos, passo a examinar a postulação cautelar formulada pelo impetrante nesta sede processual.
É importante rememorar, neste ponto, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009: a existência de plausibilidade jurídica (“fumus boni juris”), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.
Sem que concorram esses dois requisitos – que são necessários, essenciais e cumulativos -, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.”
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID – grifei)
Consideradas as razões que venho de expor, tenho por inocorrente, na espécie, a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar ora em exame.
Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, indefiro o pedido de medida liminar.
2. Com a aposentadoria compulsória do ora impetrante, operou-se a vacância de seu cargo, possivelmente hoje preenchido por outro magistrado, que deverá intervir, na presente relação processual, na condição de litisconsorte passivo necessário.
Da mesma forma, também deverão ser citados os diversos magistrados que, por efeito de referida aposentadoria compulsória, beneficiaram-se, em ordem sucessiva, por repercussão causal, da abertura da vaga, o que lhes proporcionou progressão vertical na carreira judiciária.
A efetivação dos atos citatórios em referência constitui providência essencial ao regular prosseguimento da presente ação mandamental, pois a eventual concessão do mandado de segurança terá o condão de afetar a esfera jurídica dos litisconsortes passivos necessários.
É tão importante (e inafastável) a efetivação desses atos citatórios, com o conseqüente ingresso formal desses litisconsortes passivos necessários na presente causa mandamental – o que viabilizará, por imperativo constitucional, a instauração do contraditório -, que a ausência de referida medida, não obstante o rito especial peculiar ao mandado de segurança, poderá importar em nulidade processual, consoante adverte a jurisprudência dos Tribunais em geral, inclusive a desta Corte (RTJ 57/278 – RTJ 59/596 – RTJ 64/777 – RT 391/192, v.g.):
“No caso de litisconsórcio necessário, torna-se imprescindível a citação do litisconsorte, sob pena de nulidade do processo.”
(Revista dos Tribunais, vol. 477/220 – grifei)
Assino, portanto, ao ora impetrante, o prazo de 10 (dez) dias, para que identifique os magistrados que foram investidos, em ordem sucessiva, mediante acesso e promoção, aos cargos judiciários que se vagaram, no Estado de Mato Grosso, em decorrência da vacância motivada pela aposentadoria compulsória que se impôs ao autor da presente ação mandamental.
Publique-se.
Brasília, 06 de maio de 2010.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJE de 11.5.2010
INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
17 a 21 de maio de 2010
DROGA – Política – Combate – Brasil
Decreto nº 7.179, de 20 de maio de 2010 – Institui o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, cria o seu Comitê Gestor, e dá outras providências. Publicado no DOU de 21/5/2010, Seção 1, p. 43.
Coordenadora responsável pelo Informativo
Anna Daniela de A. M. dos Santos
informativo@stf.gov.br
Assessora responsável pelo Informativo
Anna Daniela de A. M. dos Santos
informativo@stf.jus.br