Brasília,
Data (páginas internas): 22 de abril de 2010
Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
Sumário
Plenário
Servidores Não-Efetivos e Regime de Previdência – 4
Criação de Programa Escolar e Vício Formal
Anistia a Servidores Públicos: Interrupção de Atividades Profissionais e Competência Legislativa – 2
Inexistência de Repercussão Geral: Cobrança de Pulsos além da Franquia
Criação de Índice de Correção Monetária de Créditos Fiscais e Competência Legislativa
ADI e Vinculação de Receita
ADI e Competência de Procurador-Geral de Justiça – 3
ADI e Depósitos Judiciais – 2
Concessão de HC de Ofício: Análise da Possibilidade da Progressão de Regime – 1
Concessão de HC de Ofício: Análise da Possibilidade da Progressão de Regime – 2
Repercussão Geral
Servidor Público: Contribuição para o Custeio de Assistência Médico-Hospitalar e Adesão Voluntária
1ª Turma
Crime contra a Ordem Tributária e Pendência de Lançamento Definitivo do Crédito Tributário
Parcelamento dos Débitos Tributários e Suspensão da Pretensão Punitiva – 1
Parcelamento dos Débitos Tributários e Suspensão da Pretensão Punitiva – 2
Art. 150, VI, b e c, da CF: Maçonaria e Imunidade Tributária – 1
Art. 150, VI, b e c, da CF: Maçonaria e Imunidade Tributária – 2
Interposição Via Fac-símile: Incoerência de Peças e Matéria Criminal
2ª Turma
Enunciado 691 da Súmula do STF e Prisão Preventiva
Repercussão Geral
Transcrições
Direito à Saúde – Reserva do Possível – “Escolhas Trágicas” – Omissões Inconstitucionais – Políticas Públicas – Princípio que Veda o Retrocesso Social (STA 175-AgR/CE)
Inovações Legislativas
Plenário
Servidores Não-Efetivos e Regime de Previdência – 4
Por vislumbrar ofensa ao art. 149, § 1º, da CF (“Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.”), o Tribunal julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade da expressão “definidos no art.
ADI 3106/MG, rel. Min. Eros Grau, 14.4.2010. (ADI-3106)
Criação de Programa Escolar e Vício Formal
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de Alagoas para declarar a inconstitucionalidade da Lei estadual 6.153/2000, de origem parlamentar, que cria, no âmbito da rede escolar e particular de ensino de 1º e 2º graus do referido Estado-membro, o programa de “Leitura de Jornais e/ou periódicos em sala de aula”, e estabelece atribuições à Secretaria de Educação do Estado, no sentido de adotar as providências necessárias para a implementação desse programa. Entendeu-se que a lei impugnada afronta a reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo para iniciar projeto de lei que disponha sobre criação, estruturação e atribuições das Secretarias e de órgãos da Administração Pública (CF, art. 61, § 1º, II, e) e, ainda, viola os artigos 167, I, da CF, que veda o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual, e 165, III, da CF, que determina que os orçamentos anuais sejam estabelecidos por lei de iniciativa do Poder Executivo. Alguns precedentes citados: ADI 2808/RS (DJU de 4.9.2006); ADI 1759 MC/SC (DJU de 6.4.2001).
ADI 2329/AL, rel. Min. Cármen Lúcia, 14.4.2010. (ADI-2329)
Anistia a Servidores Públicos: Interrupção de Atividades Profissionais e Competência Legislativa – 2
Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Governador do Estado do Paraná para declarar a inconstitucionalidade da Lei estadual 9.293/90, que torna sem efeito, a partir de 1º.1.90, até a data de sua publicação — 20.6.90 —, todos os atos, processos ou iniciativas que tenham gerado qualquer punição aos integrantes do magistério e demais servidores públicos estaduais, em virtude de interrupção das atividades profissionais, decorrente de decisão dos próprios servidores — v. Informativo 573. Afastou-se a alegação de que a lei estadual seria aplicável aos servidores regidos pela CLT, uma vez que beneficiaria os integrantes do magistério e demais servidores públicos do Estado, não fazendo qualquer alusão aos empregados públicos, assim definidos como servidores regidos pela legislação trabalhista. De igual modo, deixou-se de acolher o argumento de que o legislador estadual teria pretendido regulamentar o exercício do direito de greve, haja vista que o ato normativo simplesmente concederia “anistia” a servidores públicos. No mais, entendeu-se que, além de a lei em questão dispor sobre a relação entre servidores e o Estado-membro, ou seja, sobre regime jurídico, sua execução implicaria aumento de despesa, o que estaria a violar o disposto nos artigos 61, § 1º, II, c e 63, I, da CF, de observância obrigatória pelos Estados-membros, tendo em conta o princípio da simetria. Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Ayres Britto e Marco Aurélio, que julgavam parcialmente procedente o pleito. Os Ministros Dias Toffoli e Marco Aurélio reajustaram o voto proferido na sessão anterior.
ADI 341/PR, rel. Min. Eros Grau, 14.4.2010. (ADI-341)
Inexistência de Repercussão Geral: Cobrança de Pulsos além da Franquia
O Tribunal resolveu questão de ordem suscitada pelo Min. Gilmar Mendes, Presidente, para: a) não reconhecer a existência de repercussão geral da questão relacionada à cobrança de pulsos além da franquia; b) reafirmar a jurisprudência do Supremo no sentido de equiparar o reconhecimento da questão como de direito infraconstitucional à inexistência de repercussão da matéria; c) não conhecer do presente recurso extraordinário; d) devolver, aos respectivos tribunais de origem e turmas recursais, os recursos extraordinários e agravos de instrumento, ainda não distribuídos nesta Suprema Corte, que versem sobre o tema em questão, sem prejuízo da eventual devolução, se assim entenderem os relatores daqueles feitos que já estejam a eles distribuídos (art. 328, parágrafo único, RISTF); e e) autorizar aos tribunais e turmas recursais a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral. Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, proveu o agravo de instrumento e, de imediato, converteu-o em recurso extraordinário. Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio.
AI 777749 QO/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.4.2010. (AI-777749)
Criação de Índice de Correção Monetária de Créditos Fiscais e Competência Legislativa
O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para conferir interpretação conforme ao art. 113 da Lei 6.374/89, do Estado de São Paulo — que cria a Unidade Fiscal do Estado de São Paulo – UFESP como fator de atualização dos créditos tributários daquela unidade federativa —, de modo que o valor da UFESP não exceda o valor do índice de correção dos tributos federais. Considerou-se a jurisprudência da Corte no sentido de que, apesar de as unidades federadas não serem competentes para fixar índices de correção monetária de créditos fiscais em percentuais superiores aos fixados pela União para o mesmo fim, podem fixá-los em patamares inferiores (CF, art. 24, I). Vencido o Min. Marco Aurélio que julgava o pleito improcedente. Precedentes citados: RE 183907/SP (DJU de 16.4.2004); RE 140189/SP (DJU de 27.9.86).
ADI 442/SP, rel. Min. Eros Grau, 14.4.2010. (ADI-442)
ADI e Vinculação de Receita
Por verificar afronta ao art. 61, § 1º, II, b, da CF, que confere ao Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre matéria tributária e orçamentária, e ao art. 167, IV, da CF, que veda a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de Santa Catarina para declarar a inconstitucionalidade do inciso V do § 3º do art. 120 da Constituição estadual, com a redação dada pela Emenda Constitucional 14/97, que destina 10% da receita corrente do Estado, por dotação orçamentária específica, aos programas de desenvolvimento da agricultura, pecuária e abastecimento. Precedentes citados: ADI 103/RO (DJU de 8.9.95); ADI 1848/RO (DJU de 25.10.2002); ADI 1750 MC/DF (DJU de 14.6.2002).
ADI 1759/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.4.2010. (ADI-1759)
ADI e Competência de Procurador-Geral de Justiça – 3
Em conclusão, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República e declarou a constitucionalidade da expressão “e a ação civil pública”, contida no inciso X do art. 30 da Lei Complementar 72/94, do Estado de Mato Grosso do Sul, que estabelece ser da competência do Procurador-Geral de Justiça a propositura da referida ação em face das autoridades estaduais que especifica — v. Informativos 409 e 497. Reputou-se não se estar diante de matéria processual — que seria da competência legislativa privativa da União —, uma vez que a lei estadual não disciplinaria questão atinente à legitimidade ativa ad causam do Ministério Público. Asseverou-se, no caso, que se cuidaria de legislação sobre organização, divisão e distribuição de atribuições internas no âmbito do parquet, matéria reservada à lei complementar estadual de organização dessa instituição, como previsto no art. 128, § 5º, da CF (“Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:…”). Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Velloso e Marco Aurélio que julgavam o pedido procedente ao fundamento de que o dispositivo violaria o art. 22, I, da CF. Os Ministros Eros Grau, relator, e Ayres Britto reajustaram os votos proferidos anteriormente.
ADI 1916/MS, rel. Min. Eros Grau, 14.4.2010. (ADI-1916)
ADI e Depósitos Judiciais – 2
Em conclusão, o Tribunal julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a Lei federal 9.703/98, que, dispondo sobre os depósitos judiciais e extrajudiciais de tributos e contribuições federais, determina sejam os mesmos efetuados na Caixa Econômica Federal e repassados para a Conta Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, e, em caso de devolução, assegura o acréscimo de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – SELIC — v. Informativo 443. Reportou-se à orientação firmada pela Corte no julgamento da ADI 2214 MC/MS (DJU de 19.4.2002). Entendeu-se não haver ofensa ao princípio da harmonia entre os Poderes, porquanto não suprimida ou afetada competência ou prerrogativa ínsita ao magistrado como integrante do Poder Judiciário, haja vista não consubstanciarem o recebimento e a administração dos depósitos judiciais atos da atividade jurisdicional. Afastaram-se, de igual modo, as alegações de violação ao princípio da isonomia, tendo em conta que a lei corrigiu uma discriminação, já que instituiu a taxa SELIC como índice de correção dos depósitos, bem como de irregular instituição de empréstimo compulsório, por não estar o contribuinte obrigado a depositar em juízo o valor do débito em discussão. Rejeitou-se, por fim, o argumento de ofensa ao devido processo legal, já que a previsão de que o levantamento dos depósitos judiciais dar-se-á depois do trânsito em julgado da decisão que definir o cabimento da exação não inova no ordenamento.
ADI 1933/DF, rel. Min. Eros Grau, 14.4.2010. (ADI-1933)
Concessão de HC de Ofício: Análise da Possibilidade da Progressão de Regime – 1
O Tribunal, por maioria, indeferiu habeas corpus impetrado em favor de condenado à pena de reclusão, em regime inicialmente fechado, por infração aos artigos 4º, caput, da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta), e 312 do CP (peculato), mas concedeu a ordem de ofício para que o juiz competente examine a possibilidade da concessão de progressão de regime. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ que denegara, em outro habeas corpus, pedido de revogação de prisão cautelar imposta ao paciente, decretada por Juízo Federal do Rio de Janeiro e ratificada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Alegava a impetração que a revogação da prisão preventiva do paciente em nada atrapalharia a futura aplicação de suposta pena e que não estariam presentes os requisitos do art. 312 do CPP. Salientava, ainda, não haver nenhuma condenação transitada em julgado contra o paciente, o qual reuniria todas as condições pessoais para responder em liberdade ao processo, além de ter ocupação lícita e endereço fixo. Requeria a concessão da ordem para o paciente permanecesse em liberdade “até o trânsito em julgado da ação penal a qual responde”. O paciente tivera sua prisão preventiva decretada em 6.6.2000, tendo obtido, no Supremo, em 11.7.2000, deferimento de liminar em outro habeas corpus, para aguardar, em liberdade, o julgamento do habeas corpus impetrado no TRF da 2ª Região. Em 16.7.2000, viajara para a Itália, país de onde é natural e que, como o Brasil, não extradita nacionais, lá chegando em 17.7.2000. Em 19.7.2000, a liminar anteriormente concedida fora reconsiderada pela Presidência do Supremo, tendo o Juízo Federal do Rio de Janeiro determinado, na mesma data, expedição de novos mandados de prisão. Em 31.3.2005, o Juízo Federal do Rio de Janeiro condenara o paciente, concedendo o direito de apelar em liberdade aos demais co-réus, à exceção do paciente, reputado foragido, sob o fundamento de persistirem as razões para a custódia antes decretada. Em 15.9.2007, o paciente fora preso no Principado de Mônaco, tendo sido extraditado para o Brasil e aqui chegado em 17.7.2008, a partir de quando passara a ser custodiado em presídios do Estado do Rio de Janeiro.
HC 98145/RJ, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 15.4.2010. (HC-98145)
Concessão de HC de Ofício: Análise da Possibilidade da Progressão de Regime – 2
Entendeu-se não se sustentarem juridicamente os argumentos apresentados pela impetração, impondo-se, assim, a manutenção da prisão do paciente, indicada como está na decisão a necessidade de se assegurar a garantia da ordem pública e a aplicação da lei penal. Vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia a ordem. Por outro lado, observou-se que o paciente, tomando-se por base a data da prisão em razão de sua captura até a presente data, estaria preso preventivamente há mais 2 anos e 7 meses. Tendo em conta o que disposto no art. 42 do CP (“Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.”), e no Enunciado da Súmula 716 do Supremo (“Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.”) e, ainda, que o delito praticado pelo paciente não se enquadraria no rol dos crimes hediondos e dos a ele equiparados, concluiu-se que se deveria considerar a possibilidade da progressão do regime no caso concreto. Salientou-se que, mediante a aplicação da regra para o cálculo do benefício, contida no art. 112 da Lei de Execução Penal, o paciente já teria cumprido 1/6 da pena a ele imposta no regime em que se encontra, o que ensejaria, do ponto de vista unicamente objetivo, o benefício, ressalvada a análise do juízo competente de eventual presença dos demais requisitos. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia, relatora, Celso de Mello, Ayres Britto e Ellen Gracie, que, diante do contexto e da pendência de recursos extraordinário e especial interpostos pelo parquet, sem definição da quantidade da pena a ser aplicada ao paciente, reputavam prematura a concessão da ordem de ofício para fins de análise da possibilidade da progressão de regime.
HC 98145/RJ, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 15.4.2010. (HC-98145)
Repercussão Geral
Servidor Público: Contribuição para o Custeio de Assistência Médico-Hospitalar e Adesão Voluntária
Na linha do entendimento firmado no julgamento da ADI 3106/MG, anteriormente relatado, o Tribunal negou provimento a recurso extraordinário interposto pelo Estado de Minas Gerais e pelo Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMG contra acórdão do tribunal de justiça local que entendera que, por força do art. 149, § 1º, da CF, os Estados não teriam legitimidade para cobrar contribuição destinada à saúde, de forma compulsória, de seus servidores, e determinara que fossem extirpados os descontos efetuados nos contracheques dos servidores que, expressamente, não se interessaram pelo beneficiamento dos serviços médico-hospitalares prestados pelo IPSEMG.
RE 573540/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 14.4.2010. (RE-573540)
Primeira Turma
Crime contra a Ordem Tributária e Pendência de Lançamento Definitivo do Crédito Tributário
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que acusado da suposta prática dos crimes de formação de quadrilha armada, lavagem de dinheiro, crime contra a ordem tributária e falsidade ideológica pleiteia o trancamento da ação penal contra ele instaurada ao fundamento de inépcia da denúncia e de ausência de justa causa para a persecução criminal, por imputar-se ao paciente fato atípico, dado que o suposto crédito tributário ainda penderia de lançamento definitivo. Sustenta a impetração que os débitos fiscais foram devidamente declarados, em que pese não tenham sido pagos, o que revelaria inadimplência e não tentativa de falsear ou omitir dados ao Fisco. Argumenta que o delito descrito no art. 1º da Lei 8.137/90 (“Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:”) teria a fraude como elemento nuclear do tipo e, verificado que não ocorrera fraude e sim ausência de satisfação da obrigação tributária, não estaria configurado crime tributário. Nesse sentido, alega que, não se evidenciando a presença do núcleo do tipo, descaberia falar-se em conduta delituosa e, conseqüentemente, a denúncia seria inepta, decorrendo, então, a ausência de justa causa para a ação penal. O Min. Marco Aurélio, relator, indeferiu a ordem. Frisou que tanto a suspensão de ação penal quanto o trancamento surgiriam com excepcionalidade maior. Considerou que a denúncia não estaria a inviabilizar a defesa. Reputou, por outro lado, que o caso versaria não a simples sonegação de tributos, mas a existência de organização, em diversos patamares, visando à prática de delitos, entre os quais os de sonegação fiscal, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e capitais, corrupção ativa e passiva, com frustração de direitos trabalhistas. Concluiu não se poder reputar impróprio o curso da ação penal, não cabendo exigir o término de possível processo administrativo fiscal. Após, pediu vista dos autos o Min. Dias Toffoli.
HC 96324/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 13.4.2010. (HC-96324)
Parcelamento dos Débitos Tributários e Suspensão da Pretensão Punitiva – 1
A Turma deferiu, em parte, habeas corpus em que acusados pela suposta prática dos delitos previstos no art. 1º, II e IV, da Lei 8.137/90 — na medida em que teriam implementado atos com o objetivo de se furtarem à incidência tributária — requeriam a suspensão da pretensão punitiva em razão do parcelamento dos débitos tributários. No caso, os pacientes foram condenados em primeira instância, decisão essa confirmada pelo TRF da 3ª Região, sendo intentados, em seguida, os recursos especial e extraordinário. Ocorre que, diante do parcelamento do débito tributário, os pacientes requereram a suspensão da pretensão punitiva ao TRF, tendo seu pleito sido negado ao fundamento de que não teria sido demonstrada, a partir de prova inequívoca, a inserção do débito tributário no programa de parcelamento ou o integral pagamento da dívida fiscal. Contra essa decisão, fora impetrado habeas corpus no STJ, o qual fora denegado. Reitera a presente impetração, que, nos termos do art. 9º da Lei 10.684/2003, suspendem-se a pretensão punitiva e o prazo prescricional durante o período no qual a pessoa jurídica relacionada com o agente a quem imputada a prática dos crimes estiver incluída no regime de parcelamento, não se justificando, portanto, determinar o início da execução da pena.
HC 96681/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 13.4.2010. (HC-96681)
Parcelamento dos Débitos Tributários e Suspensão da Pretensão Punitiva – 2
Assentou-se que, consoante o art. 9º da Lei 10.684/2003, fica suspensa a pretensão punitiva do Estado atinente aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90 e nos artigos 168-A e 337-A do CP, durante o período no qual a pessoa jurídica relacionada com o agente dos citados delitos fizer-se incluída no regime de parcelamento. Ressaltou-se que a interpretação teleológica do preceito conduziria a assentar-se que, ainda em curso o processo penal, poderia dar-se a suspensão aludida, pouco importando já existir sentença condenatória no cenário. Registrou-se que o que caberia perquirir é se ainda não teria havido a preclusão, no campo da recorribilidade, do decreto condenatório. Salientou-se que o objetivo maior da norma seria impedir a ocorrência de glosa penal, o prosseguimento do processo-crime, esteja em que fase estiver, quando verificado o parcelamento e, portanto, o acerto de contas entre os integrantes da relação jurídica reveladora do débito fiscal. Nesta óptica, implementou-se a suspensão do título executivo judicial tal como prevista no art. 9º da Lei 10.684/2003. Enfatizou-se que a empresa aderira ao programa excepcional de parcelamento de débitos antes do trânsito em julgado da decisão, permanecendo ela na situação própria ao parcelamento, tendo jus à suspensão de eficácia do título executivo judicial, sendo que, cumpridas as condições do parcelamento, com a liquidação integral do débito, dar-se-á a extinção da punibilidade.
HC 96681/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 13.4.2010. (HC-96681)
Art. 150, VI, b e c, da CF: Maçonaria e Imunidade Tributária – 1
A Turma iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se templos maçônicos se incluem, ou não, no conceito de “templos de qualquer culto” ou de “instituições de assistência social” para fins de concessão da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, b e c, da CF [“Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: … VI – instituir impostos sobre: … b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;”]. No caso, alega a recorrente não poderem incidir impostos sobre imóveis que abrigam templos de qualquer culto ou sobre o patrimônio de entidades que pratiquem a assistência social, observados os requisitos da lei (CTN, art. 14, I e II, e § 2º). Para isso, sustenta que — não obstante exista dentro da própria entidade controvérsia sobre o seu caráter religioso — poder-se-ia dizer ser a maçonaria a religião das religiões, na medida em que, além de exigir de seus integrantes a crença em Deus, estimularia no maçom o desenvolvimento da religiosidade, incluindo-se, assim, no conceito de “templos de qualquer culto” para os fins do art. 150, VI, b, da CF. Argumenta, também, enquadrar-se na hipótese do art. 150, VI, c, da CF, dado que seria uma instituição nitidamente com caráter filantrópico.
RE 562351/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 13.4.2010. (RE-562351)
Art. 150, VI, b e c, da CF: Maçonaria e Imunidade Tributária – 2
Quanto ao disposto no art. 150, VI, b, da CF, o Min. Ricardo Lewandowski negou provimento ao recurso. Inicialmente, observou que a questão central do recurso estaria em saber se a referência a “templos de qualquer culto” alcançaria, ou não, a maçonaria. Aduziu que o art. 5º, VI, da CF seria expresso em assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e que uma das formas que o Estado estabelecera para não criar embaraços à prática religiosa fora outorgar imunidade aos templos onde se realizem os respectivos cultos. Enfatizou que, no caso, a interpretação do referido dispositivo deveria ser restritiva, atendendo às razões de sua cogitação original. Consignou, no ponto, que as liberdades deveriam ser interpretadas de forma extensiva, não devendo o Estado criar qualquer óbice à manifestação de consciência, porém, deveria ser dado tratamento diametralmente oposto, ou seja, restritivo às imunidades. Nessa linha, asseverou que, quando a Constituição confere imunidade tributária aos “templos de qualquer culto”, este benefício fiscal estaria circunscrito aos cultos religiosos. Registrou, ademais, que a própria entidade, em seu estatuto, declarara enfaticamente não ser uma religião e, por tal razão, pareceria irretocável a decisão a quo. No que tange ao art. 150, VI, c, da CF, não conheceu do extraordinário, dado que o cumprimento dos requisitos previstos no art. 14 do CTN constituiria conditio sine qua non para o gozo da imunidade tributária outorgada pela CF, sendo inevitável, destarte, o revolvimento do conjunto fático-probatório (Enunciado da Súmula 279 do STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”). Após os votos dos Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Ayres Britto, que acompanhavam o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Marco Aurélio.
RE 562351/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 13.4.2010. (RE-562351)
Interposição Via Fac-símile: Incoerência de Peças e Matéria Criminal
A Turma deu provimento a recurso ordinário em habeas corpus para anular decisão de não conhecimento de agravo regimental interposto contra decisão monocrática de Ministra do STJ que denegara writ lá impetrado. Na espécie, acusado pela suposta prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006 requerera ao TRF da 2ª Região a revogação da prisão cautelar contra ele exarada ou, alternativamente, o seu relaxamento por excesso de prazo, tendo seu pleito sido denegado. Em face de tal acórdão, impetrara-se habeas corpus no STJ, tendo sido a ordem denegada monocraticamente pela relatora. Interpusera-se, então, agravo regimental, o qual não fora conhecido, ao argumento de incoerência entre as peças ofertadas por fax e as que posteriormente vieram aos autos, com maior completude. Observou-se, inicialmente, que esta Corte vem decidindo no sentido do estrito respeito à Lei 9.800/99, que permite às partes a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais. Enfatizou-se, todavia, que, em se tratando de matéria criminal, deveria essa regra ser examinada com certo grano salis. Destarte, asseverou-se que a incompletude aventada na ementa do agravo regimental não seria suficiente para assegurar o seu não conhecimento. Por outro lado, assinalou-se que, ainda que assim não o fosse, a decisão monocrática da Ministra relatora no STJ analisara o mérito do writ, afigurando-se, assim, ofensiva ao princípio da colegialidade. Determinou-se, por fim, o retorno dos autos ao STJ para que o julgamento seja submetido ao colegiado.
RHC 99217/RJ, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 13.4.2010. (RHC-99217)
Segunda Turma
Enunciado 691 da Súmula do STF e Prisão Preventiva
Por não reputar configurado flagrante constrangimento ilegal apto a ensejar a superação do Enunciado 691 da Súmula do STF, a Turma negou seguimento a habeas corpus em que se alegava falta de fundamentação do decreto que determinara a custódia preventiva do paciente. A impetração sustentava que a segregação estaria embasada somente em prova testemunhal inidônea, insuficiente para demonstrar a materialidade do fato. No caso, o juízo de origem, ao receber a denúncia, decretara a prisão do paciente para garantir a instrução processual, tendo em conta que ele estaria ameaçando a vítima para que esta desistisse da ação penal. Enfatizou-se que o writ manejado perante o STJ também impugnava indeferimento de liminar, de modo que a apreciação do pleito implicaria dupla supressão de instância. Ademais, asseverou-se que prisão preventiva estaria fundada em assertiva cuja gravidade não seria possível discutir-se na via eleita.
HC 103446/MT, rel. Min. Cezar Peluso, 13.4.2010. (HC-103446)
Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos
Pleno 14.4.2010 15.4.2010 431
1ª Turma 13.4.2010 — 17
2ª Turma 13.4.2010 — 54
R e p e r c u s s ã o G e r a l
DJE de 16 de abril de 2010
REPERCUSSÃO GERAL EM AI N. 778.850-DF
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
PROCESSUAL CIVIL. GREVE DOS MEMBROS DAS CARREIRAS JURÍDICAS DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. SUSPENSÃO OU DEVOLUÇÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS. MATÉRIA DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o tema atinente à suspensão ou devolução de prazos processuais em decorrência do movimento grevista deflagrado pelos membros das carreiras da AGU está circunscrito ao âmbito infraconstitucional.
Não havendo, em rigor, questão constitucional a ser apreciada por esta Suprema Corte, falta ao caso “elemento de configuração da própria repercussão geral”, conforme salientou a ministra Ellen Gracie, no julgamento da Repercussão Geral no RE 584.608.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 569.066-RN
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REMUNERAÇÃO. GRATIFICAÇÃO ESPECIAL INSTITUÍDA PELAS LEIS 6.371/93, 6.568/94 E 6.615/94, TODAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 596.492-RS
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
TRIBUTÁRIO. JUROS MORATÓRIOS. INCIDÊNCIA. TERMO INICIAL. DEFINIÇÃO. APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL TENDO EM VISTA TRATAR-SE DE DIVERGÊNCIA SOLUCIONÁVEL PELA APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
REPERCUSSÃO GERAL
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
PIS E COFINS CREDITAMENTO – LIMITAÇÃO – ARTIGO 31 DA LEI Nº 10.865/2005 – Possui repercussão geral a controvérsia sobre a constitucionalidade do artigo 31 da Lei nº 10.865/2005, mediante o qual limitada no tempo a possibilidade de aproveitamento de créditos de PIS e COFINS decorrentes das aquisições de bens para o ativo fixo realizadas até 30 de abril de 2004.
REPERCUSSÃO GERAL
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
TRABALHISTA. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. DEFINIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. EMPREGADOS DO SETOR DE ENERGIA ELÉTRICA. APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL TENDO
REPERCUSSÃO GERAL
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR ENCARGOS TRABALHISTAS
REPERCUSSÃO GERAL
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
COBRANÇA CONTRA O ESTADO. DEFINIÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. DÉBITOS DA EXTINTA CAIXA ECONÔMICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS – MINASCAIXA. APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL TENDO
REPERCUSSÃO GERAL
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – EXAME DE ORDEM – LEI Nº 8.906/94 – CONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA NA ORIGEM – Possui repercussão geral a controvérsia sobre a constitucionalidade do artigo 8º, § 1º, da Lei nº 8.906/94 e dos Provimentos nº 81/96 e 109/05 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no que condicionam o exercício da advocacia a prévia aprovação no Exame de Ordem.
Decisões Publicadas: 8
Transcrições
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do Informativo STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Direito à Saúde – Reserva do Possível – “Escolhas Trágicas” – Omissões Inconstitucionais – Políticas Públicas – Princípio que Veda o Retrocesso Social (Transcrições)
(v. Informativo 579)
STA 175-AgR/CE*
RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O alto significado social e o irrecusável valor constitucional de que se reveste o direito à saúde não podem ser menosprezados pelo Estado, sob pena de grave e injusta frustração de um inafastável compromisso constitucional, que tem, no aparelho estatal, o seu precípuo destinatário.
O objetivo perseguido pelo legislador constituinte, em tema de proteção ao direito à saúde, traduz meta cuja não-realização qualificar-se-á como uma censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público, ainda mais se se tiver presente que a Lei Fundamental da República delineou, nessa matéria, um nítido programa a ser (necessariamente) implementado mediante adoção de políticas públicas conseqüentes e responsáveis.
Ao julgar a ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, proferi decisão assim ementada (Informativo/STF nº 345/2004):
“ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO
Salientei, então, em referida decisão, que o Supremo Tribunal Federal, considerada a dimensão política da jurisdição constitucional outorgada a esta Corte, não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais que se identificam – enquanto direitos de segunda geração – com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO – RTJ 199/1219-1220, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
É que, se assim não for, restarão comprometidas a integridade e a eficácia da própria Constituição, por efeito de violação negativa do estatuto constitucional, motivada por inaceitável inércia governamental no adimplemento de prestações positivas impostas ao Poder Público, consoante já advertiu, em tema de inconstitucionalidade por omissão, por mais de uma vez (RTJ 175/1212-1213, Rel. Min. CELSO DE MELLO), o Supremo Tribunal Federal:
“DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO – MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.
– O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um ‘facere’ (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
– Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse ‘non facere’ ou ‘non praestare’, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
……………………………………………
– A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.”
(RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
É certo – tal como observei no exame da ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 345/2004) – que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário – e nas desta Suprema Corte, em especial – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de
Impende assinalar, contudo, que a incumbência de fazer implementar políticas públicas fundadas na Constituição poderá atribuir-se, ainda que excepcionalmente, ao Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, como sucede na espécie ora em exame.
Mais do que nunca, Senhor Presidente, é preciso enfatizar que o dever estatal de atribuir efetividade aos direitos fundamentais, de índole social, qualifica-se como expressiva limitação à discricionariedade administrativa.
Isso significa que a intervenção jurisdicional, justificada pela ocorrência de arbitrária recusa governamental em conferir significação real ao direito à saúde, tornar-se-á plenamente legítima (sem qualquer ofensa, portanto, ao postulado da separação de poderes), sempre que se impuser, nesse processo de ponderação de interesses e de valores em conflito, a necessidade de fazer prevalecer a decisão política fundamental que o legislador constituinte adotou em tema de respeito e de proteção ao direito à saúde.
Cabe referir, neste ponto, ante a extrema pertinência de suas observações, a advertência de
“Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práticas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabelecidas na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer.
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Como demonstrado no item anterior, o administrador público está vinculado à Constituição e às normas infraconstitucionais para a implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional, ou seja, própria à finalidade da mesma: o bem-estar e a justiça social.
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Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração.
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As dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.” (grifei)
Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à “reserva do possível” (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, “The Cost of Rights”, 1999, Norton, New York; ANA PAULA DE BARCELLOS, “A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais”, p. 245/246, 2002, Renovar), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas.
Não se ignora que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, criar obstáculo artificial que revele – a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Informativo/STF nº 345/2004).
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” — ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível — não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
Tratando-se de típico direito de prestação positiva, que se subsume ao conceito de liberdade real ou concreta, a proteção à saúde — que compreende todas as prerrogativas, individuais ou coletivas, referidas na Constituição da República (notadamente em seu art. 196) — tem por fundamento regra constitucional cuja densidade normativa não permite que, em torno da efetiva realização de tal comando, o Poder Público disponha de um amplo espaço de discricionariedade que lhe enseje maior grau de liberdade de conformação, e de cujo exercício possa resultar, paradoxalmente, com base em simples alegação de mera conveniência e/ou oportunidade, a nulificação mesma dessa prerrogativa essencial.
O caso ora em exame, Senhor Presidente, põe em evidência o altíssimo relevo jurídico-social que assume, em nosso ordenamento positivo, o direito à saúde, especialmente em face do mandamento inscrito no art. 196 da Constituição da República, que assim dispõe:
“Art.
Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que atue no plano de nossa organização federativa.
A impostergabilidade da efetivação desse dever constitucional desautoriza o acolhimento do pleito recursal que a instituição governamental interessada deduziu na presente causa.
Tal como pude enfatizar em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde – que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, “caput”, e art. 196) – ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.
Essa relação dilemática, que se instaura na presente causa, conduz os Juízes deste Supremo Tribunal a proferir decisão que se projeta no contexto das denominadas “escolhas trágicas” (GUIDO CALABRESI e PHILIP BOBBITT, “Tragic Choices”, 1978, W. W. Norton & Company), que nada mais exprimem senão o estado de tensão dialética entre a necessidade estatal de tornar concretas e reais as ações e prestações de saúde em favor das pessoas, de um lado, e as dificuldades governamentais de viabilizar a alocação de recursos financeiros, sempre tão dramaticamente escassos, de outro.
Mas, como precedentemente acentuado, a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde.
Cumpre não perder de perspectiva, por isso mesmo, que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível, assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico-hospitalar.
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro (JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Comentários à Constituição de
Nesse contexto, incide, sobre o Poder Público, a gravíssima obrigação de tornar efetivas as ações e prestações de saúde, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas — preventivas e de recuperação —, que, fundadas em políticas públicas idôneas, tenham por finalidade viabilizar e dar concreção ao que prescreve, em seu art.
“O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA.
– O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar.
– O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA
– O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode convertê-la em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA, A PESSOAS CARENTES, DE MEDICAMENTOS ESSENCIAIS À PRESERVAÇÃO DE SUA VIDA E/OU DE SUA SAÚDE: UM DEVER CONSTITUCIONAL QUE O ESTADO NÃO PODE DEIXAR DE CUMPRIR.
– O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, ‘caput’, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF.”
(RE 393.175-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
O sentido de fundamentalidade do direito à saúde — que representa, no contexto da evolução histórica dos direitos básicos da pessoa humana, uma das expressões mais relevantes das liberdades reais ou concretas — impõe, ao Poder Público, um dever de prestação positiva que somente se terá por cumprido, pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.
É por tal razão, Senhor Presidente, que tenho proferido inúmeras decisões, nesta Suprema Corte, em plena harmonia com esse entendimento, sempre a fazer prevalecer, nos casos por mim julgados (RTJ 175/1212-1213, v.g.), o direito fundamental à vida, de que o direito à saúde representa um indissociável consectário, como o atestam os seguintes julgamentos de que fui Relator:
– RE 556.886/ES (adenocarcinoma de próstata)
– AI 457.544/RS (artrite reumatóide)
– AI 583.067/RS (cardiopatia isquêmica grave)
– RE 393.175-AgR/RS (esquizofrenia paranóide)
– RE 198.265/RS (fenilcetonúria)
– AI 570.455/RS (glaucoma crônico)
– AI 635.475/PR (hepatite “c”)
– AI 634.282/PR (hiperprolactinemia)
– RE 273.834-AgR/RS (HIV)
– RE 271.286-AgR/RS (HIV)
– RE 556.288/ES (insuficiência coronariana)
– AI 620.393/MG (leucemia mielóide crônica)
– AI 676.926/RJ (lipoparatireoidismo)
– AI 468.961/MG (lúpus eritematoso sistêmico)
– RE 568.073/RN (melanoma com acometimento cerebral)
– RE 523.725/ES (migatia mitocondrial)
– AI 547.758/RS (neoplasia maligna cerebral)
– AI 626.570/RS (neoplasia maligna cerebral)
– RE 557.548/MG (osteomielite crônica)
– AI 452.312/RS (paralisia cerebral)
– AI 645.736/RS (processo expansivo intracraniano)
– RE 248.304/RS (status marmóreo)
– AI 647.296/SC (transplante renal)
– RE 556.164/ES (transplante renal)
– RE 569.289/ES (transplante renal)
Vê-se, desse modo, que, mais do que a simples positivação dos direitos sociais — que traduz estágio necessário ao processo de sua afirmação constitucional e que atua como pressuposto indispensável à sua eficácia jurídica (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Poder Constituinte e Poder Popular”, p. 199, itens ns. 20/21, 2000, Malheiros) —, recai, sobre o Estado, inafastável vínculo institucional consistente em conferir real efetividade a tais prerrogativas básicas, em ordem a permitir, às pessoas, nos casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal, que tenham elas acesso a um sistema organizado de garantias instrumentalmente vinculadas à realização, por parte das entidades governamentais, da tarefa que lhes impôs a própria Constituição.
Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito — como o direito à saúde — se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.
Cumpre assinalar que a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse, como prestações de relevância pública, as ações e serviços de saúde (CF, art. 197), em ordem a legitimar a atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário naquelas hipóteses em que os órgãos estatais, anomalamente, deixassem de respeitar o mandamento constitucional, frustrando-lhe, arbitrariamente, a eficácia jurídico-social, seja por intolerável omissão, seja por qualquer outra inaceitável modalidade de comportamento governamental desviante.
Tenho para mim, desse modo, presente tal contexto, que o Estado não poderá demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhe foi outorgado pelo art. 196, da Constituição, e que representa – como anteriormente já acentuado – fator de limitação da discricionariedade político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à saúde, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.
Entendo, por isso mesmo, que se revela inacolhível a pretensão recursal deduzida pela entidade estatal interessada, notadamente em face da jurisprudência que se formou, no Supremo Tribunal Federal, sobre a questão ora em análise.
Nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no contexto em exame, uma (inexistente) intrusão em esfera reservada aos demais Poderes da República.
É que, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário (de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito), inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos.
Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivam restaurar a Constituição violada pela inércia dos Poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão institucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República.
A colmatação de omissões inconstitucionais, realizada em sede jurisdicional, notadamente quando emanada desta Corte Suprema, torna-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade.
As situações configuradoras de omissão inconstitucional — ainda que se cuide de omissão parcial derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política — refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se como uma das causas geradoras dos processos informais de mudança da Constituição, tal como o revela autorizado magistério doutrinário (ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 230/232, item n. 5, 1986, Max Limonad; JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional”, tomo II/406 e 409, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Fundamentos da Constituição”, p. 46, item n. 2.3.4, 1991, Coimbra Editora).
O fato inquestionável é um só: a inércia estatal em tornar efetivas as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela Constituição e configura comportamento que revela um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República.
Nada mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.
A percepção da gravidade e das conseqüências lesivas derivadas do gesto infiel do Poder Público que transgride, por omissão ou por insatisfatória concretização, os encargos de que se tornou depositário, por efeito de expressa determinação constitucional, foi revelada, entre nós, já no período monárquico, em lúcido magistério, por PIMENTA BUENO (“Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império”, p. 45, reedição do Ministério da Justiça, 1958) e reafirmada por eminentes autores contemporâneos em lições que acentuam o desvalor jurídico do comportamento estatal omissivo (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, p. 226, item n. 4, 3ª ed., 1998, Malheiros; ANNA CÂNDIDA DA CUNHA FERRAZ, “Processos Informais de Mudança da Constituição”, p. 217/218, 1986, Max Limonad; PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de
O desprestígio da Constituição — por inércia de órgãos meramente constituídos — representa um dos mais graves aspectos da patologia constitucional, pois reflete inaceitável desprezo, por parte das instituições governamentais, da autoridade suprema da Lei Fundamental do Estado.
Essa constatação, feita por KARL LOEWENSTEIN (“Teoria de
“(…) DESCUMPRIMENTO DE IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL LEGIFERANTE E DESVALORIZAÇÃO FUNCIONAL DA CONSTITUIÇÃO ESCRITA.
– O Poder Público – quando se abstém de cumprir, total ou parcialmente, o dever de legislar, imposto em cláusula constitucional, de caráter mandatório – infringe, com esse comportamento negativo, a própria integridade da Lei Fundamental, estimulando, no âmbito do Estado, o preocupante fenômeno da erosão da consciência constitucional (ADI 1.484-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
– A inércia estatal em adimplir as imposições constitucionais traduz inaceitável gesto de desprezo pela autoridade da Constituição e configura, por isso mesmo, comportamento que deve ser evitado. É que nada se revela mais nocivo, perigoso e ilegítimo do que elaborar uma Constituição, sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou, então, de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem ajustados à conveniência e aos desígnios dos governantes, em detrimento dos interesses maiores dos cidadãos.
DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO E DEVER CONSTITUCIONAL DE LEGISLAR: A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DO PERTINENTE NEXO DE CAUSALIDADE.
– O direito à legislação só pode ser invocado pelo interessado, quando também existir – simultaneamente imposta pelo próprio texto constitucional – a previsão do dever estatal de emanar normas legais. Isso significa que o direito individual à atividade legislativa do Estado apenas se evidenciará naquelas estritas hipóteses em que o desempenho da função de legislar refletir, por efeito de exclusiva determinação constitucional, uma obrigação jurídica indeclinável imposta ao Poder Público. (…).”
(RTJ 183/818-819, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Em tema de implementação de políticas governamentais previstas e determinadas no texto constitucional, notadamente nas áreas de educação infantil (RTJ 199/1219-1220) e de saúde pública (RTJ 174/687 – RTJ 175/1212-1213), a Corte Suprema brasileira tem proferido decisões que neutralizam os efeitos nocivos, lesivos e perversos resultantes da inatividade governamental, em situações nas quais a omissão do Poder Público representava um inaceitável insulto a direitos básicos assegurados pela própria Constituição da República, mas cujo exercício estava sendo inviabilizado por contumaz (e irresponsável) inércia do aparelho estatal.
O Supremo Tribunal Federal, em referidos julgamentos, colmatou a omissão governamental e conferiu real efetividade a direitos essenciais, dando-lhes concreção e, desse modo, viabilizando o acesso das pessoas à plena fruição de direitos fundamentais, cuja realização prática lhes estava sendo negada, injustamente, por arbitrária abstenção do Poder Público.
Para além de todas as considerações que venho de fazer, há, ainda, Senhor Presidente, um outro parâmetro constitucional que merece ser invocado.
Refiro-me ao princípio da proibição do retrocesso, que, em tema de direitos fundamentais de caráter social, impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive, consoante adverte autorizado magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, “Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”, 1ª ed./2ª tir., p. 127/128, 2002, Brasília Jurídica; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, p. 320/322, item n. 03, 1998, Almedina; ANDREAS JOACHIM KRELL, “Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha”, p. 40, 2002, 2002, Sergio Antonio Fabris Editor, INGO W. SARLET, “Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à saúde na Constituição de
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional (como o direito à saúde), impedindo, em conseqüência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses — de todo inocorrente na espécie — em que políticas compensatórias venham a ser implementadas pelas instâncias governamentais.
Lapidar, sob todos os aspectos, o magistério de J. J. GOMES CANOTILHO, cuja lição, a propósito do tema, estimula as seguintes reflexões (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 1998, Almedina, p. 320/321, item n. 3):
“O princípio da democracia econômica e social aponta para a proibição de retrocesso social.
A idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de ‘contra-revolução social’ ou da ‘evolução reaccionária’. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. A ‘proibição de retrocesso social’ nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fáctica), mas o principio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos (ex.: segurança social, subsídio de desemprego, prestações de saúde), em clara violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito econômico, social e cultural, e do núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana. O reconhecimento desta proteção de direitos prestacionais de propriedade, subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação de prossecução de uma política congruente com os direitos concretos e as expectativas subjectivamente alicerçadas. A violação no núcleo essencial efectivado justificará a sanção de inconstitucionalidade relativamente aniquiladoras da chamada justiça social. Assim, por ex., será inconstitucional uma lei que extinga o direito a subsídio de desemprego ou pretenda alargar desproporcionadamente o tempo de serviço necessário para a aquisição do direito à reforma (…). De qualquer modo, mesmo que se afirme sem reservas a liberdade de conformação do legislador nas leis sociais, as eventuais modificações destas leis devem observar os princípios do Estado de direito vinculativos da actividade legislativa e o núcleo essencial dos direitos sociais. O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei da segurança social’, ‘lei do subsídio de desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura a simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado.” (grifei)
Bem por isso, o Tribunal Constitucional português (Acórdão nº 39/84), ao invocar a cláusula da proibição do retrocesso, reconheceu a inconstitucionalidade de ato estatal que revogara garantias já conquistadas em tema de saúde pública, vindo a proferir decisão assim resumida pelo ilustre Relator da causa, Conselheiro VITAL MOREIRA, em douto voto de que extraio o seguinte fragmento (“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 3/95-131, 117-118, 1984, Imprensa Nacional, Lisboa):
“Que o Estado não dê a devida realização às tarefas constitucionais, concretas e determinadas, que lhe estão cometidas, isso só poderá ser objecto de censura constitucional em sede de inconstitucionalidade por omissão. Mas quando desfaz o que já havia sido realizado para cumprir essa tarefa, e com isso atinge uma garantia de um direito fundamental, então a censura constitucional já se coloca no plano da própria inconstitucionalidade por acção.
Se a Constituição impõe ao Estado a realização de uma determinada tarefa – a criação de uma certa instituição, uma determinada alteração na ordem jurídica -, então, quando ela seja levada a cabo, o resultado passa a ter a protecção directa da Constituição. O Estado não pode voltar atrás, não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de devedor. (…) Se o fizesse, incorreria em violação positiva (…) da Constituição.
……………………………………………
Em grande medida, os direitos sociais traduzem-se para o Estado em obrigação de fazer, sobretudo de criar certas instituições públicas (sistema escolar, sistema de segurança social, etc.). Enquanto elas não forem criadas, a Constituição só pode fundamentar exigências para que se criem; mas após terem sido criadas, a Constituição passa a proteger a sua existência, como se já existissem à data da Constituição. As tarefas constitucionais impostas ao Estado em sede de direitos fundamentais no sentido de criar certas instituições ou serviços não o obrigam apenas a criá-los, obrigam-no também a não aboli-los uma vez criados.
Quer isto dizer que a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar (ou passar também a ser) numa obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social.
Este enfoque dos direitos sociais faz hoje parte integrante da concepção deles a teoria constitucional, mesmo lá onde é escasso o elenco constitucional de direitos sociais e onde, portanto, eles têm de ser extraídos de cláusulas gerais, como a cláusula do ‘Estado social’.” (grifei)
Concluo o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, devo observar que a ineficiência administrativa, o descaso governamental com direitos básicos da pessoa (como o direito à saúde), a incapacidade de gerir os recursos públicos, a falta de visão política na justa percepção, pelo administrador, do enorme significado social de que se reveste a proteção à saúde, a inoperância funcional dos gestores públicos na concretização das imposições constitucionais não podem nem devem representar obstáculos à execução, pelo Poder Público, da norma inscrita no art. 196 da Constituição da República, que traduz e impõe, ao Estado, um dever inafastável, sob pena de a ilegitimidade dessa inaceitável omissão governamental importar em grave vulneração a um direito fundamental e que é, no contexto ora examinado, o direito à saúde.
Sendo assim, em face das razões expostas, e considerando, sobretudo, Senhor Presidente, o magnífico voto proferido por Vossa Excelência, nego provimento ao recurso de agravo interposto pela União Federal.
É o meu voto.
* acórdão pendente de publicação
Inovações Legislativas
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ)
Preso – Trabalho – Reabilitação Penal – Pena Alternativa – Programa
Portaria nº 49/CNJ, de 30 de março de 2010 – Estabelece os requisitos para outorga do selo do Projeto Começar de Novo conforma artigo 3º da Resolução nº 96, de 27 de outubro de 2009. Publicada DJE/CNJ de 15/4/2010, n. 67, p. 2.
Direitos Humanos – Medalha
Resolução nº 109/CNJ, de 6 de abril de 2010 – Institui a Medalha Joaquim Nabuco de Direitos Humanos e dá outras providências. Publicada no DJE/CNJ de 12/4/2010, n. 64, p. 3.
Sistema Carcerário – Alvará de Soltura – Preso – Movimentação
Resolução nº 108/CNJ, de 6 de abril de 2010 – Dispõe sobre o cumprimento de alvarás de soltura e sobre a movimentação de presos do sistema carcerário, e dá outras providências. Publicada no DJE/CNJ de 12/4/2010, n. 64, p. 2.
ESTATUTO DA CONFERÊNCIA DA HAIA DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
Decreto nº 7.156, de 9 de abril de 2010 – Promulga o texto do Estatuto Emendado da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, assinado em 30 de junho de 2005. Publicado no DOU de 12/4/2010, Seção 1, p. 5.
ADMINISTRAÇÃO FEDERAL – Transação extrajudicial – Defesa – Advocacia Geral da União
Decreto nº 7.153, de 9 de abril de 2010 – Dispõe sobre a representação e a defesa extrajudicial dos órgãos e entidades da administração federal junto ao Tribunal de Contas da União, por intermédio da Advocacia-Geral da União. Publicado no DOU de 12/4/2010, Seção 1, p. 4.
Assessora responsável pelo Informativo
Anna Daniela de A. M. dos Santos
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