Reexame de Sentença e Apelação Cível. Ação Monitória. Documentos probatórios necessários para a sua propositura. Prazo prescricional. Contrato público. Princípio do equilíbrio financeiro das partes. Confissão ficta acerca da existência do débito.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXXX CÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : XXXXXXXXXX
RECURSO: REEXAME DE SENTENÇA E APELAÇÃO CÍVEL
SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA Xª VARA CÍVEL DA COMARCA DE MARABÁ
SENTENCIADO/APELANTE: MUNICÍPIO DE MARABÁ
SENTENCIADO/APELADO: POSTO XXXXXXXX LTDA
RELATORA: EXMA. DESA. XXXXXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA: XXXXXXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora:
Trata o presente do Reexame de Sentença e Apelação Cível nos Autos da Ação Monitória em que é requerente Posto XXXXXXX Ltda. e requerida a Prefeitura Municipal de Marabá.
Em síntese, os autos informam que:
1. O Posto XXXXXXXX ajuizou Ação Monitória, contra a Prefeitura Municipal de Marabá (Exordial às fls.
3. O Suplicante, ora Apelado, apresentou impugnação aos Embargos (fls. 271-272). Preliminarmente, requer o desentranhamento dos Embargos, por intempestividade. Contesta os argumentos pertinentes à prescrição. Diz que é engraçado a Prefeitura alegar a falta de processo licitatório, em detrimento dos direitos de terceiros de boa fé. Diz que há farta documentação comprobatória da existência do crédito alegado. Diz que a pretensão da Embargante é a de apenas protelar o Feito.
4. O Dr. Otávio Pereira de Azevedo, Patrono do Autor, ora Apelado, substabeleceu (fls. 274) os poderes na pessoa do Dr. Cléber Saraiva dos Santos, que juntou, às fls. 275-277, nova impugnação.
5. Foi realizada Audiência de Conciliação (fls. 281), sem acordo entre as partes.
6. O MM. Juiz a quo decidiu (fls. 282-288). Relatou o processo. Disse que a dívida está representada por 58 duplicatas, com vencimento para 23.12.92, acompanhadas das notas fiscais originais e dos canhotos de entrega das mercadorias, no total, corrigido até 05.10.95, de R$533.563,64 (quinhentos e trinta e três mil, quinhentos e sessenta e três reais e sessenta e quatro centavos). Disse que não procede a alegação de prescrição, porque a ação foi ajuizada em 06.10.95, e assim, sendo o prazo prescricional de três anos, o prazo decorrido entre o vencimento das duplicatas e o ajuizamento da ação é de apenas dois anos, nove meses e quatorze dias. Citou a Lei 5474, de 18.07.68, art. 18, inciso I. Disse que também não há dúvida a respeito da prescrição trienal. Citou os arts. 34 e 70 da Lei Uniforme. Disse que, assim, não há carência de ação e nem procede o pedido de extinção da ação. Passou a examinar a outra preliminar, sustentada agora pelo Autor, de que são intempestivos os Embargos oferecidos pelo Município de Marabá, porque este retirou os Autos do Cartório em 19.12.95 e somente os devolveu em 29.01.96. Disse que não procede, porque o mandado de fls. 60 contém erros insanáveis e assim a citação do Requerido não foi válida. E que assim, tendo o Requerido comparecido espontâneamente, para oferecer os Embargos antes da citação válida, conforme o despacho citatório de fls. 270, os Embargos são tempestivos. No mérito, examina a alegação pertinente ao prazo para a apresentação das duplicatas e ao fato de que deveria ter havido licitação e assinatura de contrato. Mostrou que na Ação Monitória, ao contrário da Ação de Execução, não há razão para falar em documento com força de título executivo e que assim improcedem as prescrições alegadas. Disse que a administração pública deveria provar que pagou e não alegar que não se obrigou a pagar, porque a existência da dívida está comprovada. Disse que a fala do Requerente, de fls. 273-277 reproduz a impugnação anterior, de fls. 271-272. Disse que assim não procede também a prescrição anual. Disse que o Requerente comprovou as diferenças de preços e juntou a planilha dos cálculos corrigidos, o que não foi impugnado pelo Requerido, sendo assim admitidos como provas. Disse ainda que o Requerido nada provou para contrariar a pretensão do requerente e citou o art. 741, inciso VI, do CPC. Enumerou as duplicatas. Citou o art. 1.102a e seguintes, do CPC. Rejeitou os Embargos e julgou procedente o pedido inicial, condenando o Requerido a pagar o valor já referido, acrescido dos juros de mora e da atualização monetária. Converteu em execução forçada e submeteu ex-ofício ao Egrégio Tribunal de Justiça.
8. Pelo Despacho Interlocutório de fls. 307, o Recurso foi recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo.
9. O Apelado não apresentou Contra-Razões (certidão de fls. 310).
10. Distribuídos estes Autos à Egrégia Segunda Câmara Cível Isolada, vieram a esta Procuradoria, para exame e parecer.
É o relatório. Esta Procuradoria passa a opinar:
Antes de se fazer uma análise sobre o litígio em questão, é importante transcrever o douto ensinamento dos juristas Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery acerca do conceito de ação monitória, bem como dos documentos probatórios necessários para sua propositura:
Conceito. Ação monitória é o instrumento processual colocado à disposição do credor de quantia certa, de coisa fungível ou de coisa móvel determinada, com crédito comprovado por documento escrito sem eficácia de título executivo, para que se possa requerer em juízo a expedição de mandado de pagamento ou entrega da coisa para a satisfação do seu crédito.
Documento escrito. O documento que aparelha a ação monitória deve ser escrito e não possuir eficácia de título executivo. Se tiver, o autor será carecedor da ação monitória, pois tem, desde já, ação de execução contra o devedor inadimplente. Por documento escrito, deve-se entender qualquer documento que seja merecedor de fé quanto à sua autenticidade e eficácia probatória. O documento escrito pode originar-se do próprio devedor ou de terceiro.
Documento escrito. Exemplos. Qualquer documento escrito que não se revista das características de título executivo é hábil para ensejar a ação monitória, como por exemplo: a) cheque prescrito; b) duplicata sem aceite; c) carta confirmando a aprovação do valor do orçamento e a execução dos serviços; d) carta agradecendo ao destinatário empréstimo em dinheiro. (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery – Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor)
O Apelado anexou junto à Exordial notas fiscais, canhotos, duplicatas, tabela do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado do Pará – SINDEPA e demonstrativos da evolução dos valores monetários e da diferença de valores praticados no fornecimento de combustível e derivados de petróleo fornecidos ao Município de Marabá, pretendendo com isso comprovar o fornecimento de combustível nos anos de 1990 e 1991 e, principalmente, o prejuízo financeiro resultante do atraso nos pagamentos, cumulado com a inflação exacerbada que o País sofria naquele período.
O Apelante, nos Embargos, suscitou a prescrição do direito do Autor, com base apenas em uma das provas documentais citadas acima, qual seja, a duplicata. Transcreve então o inciso I do art. 18 da Lei n.º 5.474/68, que por sua vez dispõe que a pretensão à execução da duplicata prescreve em três anos contra o sacado e respectivos avalistas, contados da data do vencimento do título. Transcreve ainda outros artigos, agora do Código Civil, que também se referem a prazos prescricionais. No entanto, tão distantes estão da realidade deste processo que não será necessário comentá-los. Voltando à situação da duplicata, errou duas vezes a Apelante. Primeiro, tal prazo de três anos previsto na salientada lei é aplicável apenas às duplicatas com força de título executivo, o que não é o presente caso, pois a ação monitória rejeita tal documento. O artigo é claro: A pretensão à execução da duplicata prescreve. Admitindo o prazo de três anos, estar-se-á outrossim admitindo a natureza executiva deste título, caracterizando assim um erro de procedimento, já que não será mais cabível o de conhecimento, mas sim o de execução. Pergunta-se: e os outros documentos? Como, por exemplo, as notas fiscais anexadas que, diga-se de passagem, são documentos escritos idôneos para fins probatórios da ação monitória. Em quanto tempo prescreve a ação de conhecimento baseada nesse documento? Dessa forma, esta Procuradoria entende que o prazo prescricional da presente Ação é o genérico, ou seja, de vinte anos, previsto para as ações pessoais. Agora, se por ventura for considerado o prazo de três anos, mesmo assim percebe-se a ausência da prescrição, haja vista que o inciso I art. 18 da Lei 5. 474/68 é bastante cristalino ao afirmar contados da data do vencimento do título. Ora, o vencimento das duplicatas em anexo estava previsto para 23/12/92, enquanto que a Ação Monitória foi proposta no dia 06/10/95 (art. 263 do CPC). Fazendo o cômputo legal, verifica-se que não ultrapassou o prazo referido. Este é o segundo erro.
É certo que o Apelante só suscitou fatos impeditivos (prescrição e outros) do direito do Apelado, não levantando, ao até mesmo provando, ex vi do inciso II art. 333 do CPC, fatos extintivos do direito do Autor. Aceita assim o débito em questão. Ao contrário, chega ao absurdo de utilizar o argumento de que nos presentes Autos não consta cópia do Contrato Público (oriundo de uma licitação da qual a Apelada é vencedora) para que se possa examinar cláusulas e convenções, tentando assim novamente impedir o direito do Autor. O Apelante confessa que foi realizada licitação, que a Apelada é vencedora, e que conseqüentemente foi realizado um Contrato Público. É certo que tal contrato é regido por uma série de princípios genéricos que não precisam constar expressamente no aludido instrumento legal. Um deles é o chamado princípio do equilíbrio financeiro das partes. Sobre a essência desse princípio, fala uma das maiores autoridades deste País no campo do Direito Administrativo, Celso Antônio Bandeira de Mello:
Enquanto o particular procura o lucro, o Poder Público busca a satisfação de uma utilidade coletiva. Calha, pois, à Administração atuar em seus contratos com absoluta lisura e integral respeito aos interesses econômicos legítimos de seu contratante, pois não lhe assiste minimizá-los em ordem a colher benefícios econômicos suplementares ao previsto e hauridos em detrimento da outra parte.
Para tanto, o que importa, obviamente, não é a “ aparência” de um respeito ao valor contido na equação econômico-financeira, mas o real acatamento dele. De nada vale homenagear a forma quando se agrava o conteúdo. O que as partes colimam em um ajuste não é a satisfação de fórmulas ou de fantasias, mas um resultado real, uma realidade efetiva que se determina pelo espírito da avença; vale dizer, pelo conteúdo verdadeiro convencionado. (Celso Antônio Bandeira de Mello – Curso de Direito Administrativo) ( o grifo é nosso)
Diante disso, tal fato impeditivo levantado pelo Apelante não merece ser acolhido, bem como o outro fato, de não haver provas do direito do Apelado, o que não é verdade, já que além das provas documentais mostradas acima, tem-se também a confissão ficta acerca da existência do débito, não contestada pelo Apelante e, de acordo com o artigo 302 do CPC, presumem-se verdadeiros os fatos não impugnados pelo réu.
Por último, recorre-se novamente aos ensinamentos do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, que leciona sobre o contrato administrativo e sobre o dever de boa-fé das partes:
A tipologia do chamado contrato administrativo reclama de ambas as partes um comportamento ajustado a certas pautas. Delas procede que pela via designada contratual o Poder Público pode se orientar unicamente para a satisfação do interesse público que ditou a formação do ajuste. E por isso lhe assistem os poderes adequados para alcançá-los. O particular contratante procura a satisfação de uma pretensão econômica, cabendo-lhe, para fazer jus a ela, cumprir com rigor e inteira lealdade as obrigações assumidas. Desde que as atenda como deve, incumbe ao Poder Público respeitar às completas a equação econômico – financeira avençada, a ser entendida com significado real e não apenas nominal. Descabe à Administração menosprezar este direito. Não lhe assiste, por intuitos meramente patrimoniais, subtrair densidade ou o verdadeiro alcance do equilíbrio econômico-financeiro. (Celso Antônio Bandeira de Mello – Curso de Direito Administrativo) (o grifo é nosso)
Ex positis, este Órgão Ministerial manifesta-se pela manutenção integral da bem elaborada sentença de primeiro grau.
É O PARECER.
Belém, dezembro de 1999
Procuradora de Justiça
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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