Recurso Especial Nº 622.405 – SP (2004/0011235-9)
Thiago André Marques Vieira*
VOTO – VISTA
O SR. THIAGO ANDRÉ MARQUES VIEIRA: O presente Recurso Especial foi admitido mediante interposição de Agravo de Instrumento após a inadmissão do recurso no Tribunal a quo. A demanda trata a respeito de duas sentenças, sendo a primeira do processo de conhecimento que determinou a desapropriação da referida área demonstrada no documento de fls., e a segunda sentença foi prolatada no processo de execução definindo o quantum indenizatório a ser recebido pela agravante. Não obstante o decurso natural do processo, alegou a agravada que o quantum fixado é indevido, pois a área expropriada não é exatamente a supostamente comprovada nos autos.
Desta feita, trouxe-se a baila a rediscussão de decisões já passadas em julgado materialmente. No entanto, esta Corte Superior não pode deixar de conhecer o presente recurso, pois o litígio transcorre em torno do patrimônio público, bem como do direito de propriedade amparado constitucionalmente no art. 5º, XXII da Constituição Federal – CF.
Adentrando-se no mérito importante conceituar o instituto da coisa julgada, que é a sentença a qual não cabe mais recurso. É um ato judicial teoricamente perfeito, sem vícios, fazendo a subsunção da norma jurídica ao caso concreto. Portanto, a sentença transitada em julgado é a prestação jurisdicional do Estado.
Sobre a coisa julgada importante trazer a baila que o instituto é formado por duas linhas de pensamento, como muito bem conceitua o ilustre doutrinador Vicente Greco Filho:
“Veio da tradição romana a idéia de que a sentença era a própria coisa julgada ou a coisa julgada era o próprio objeto litigioso definitivamente decidido.
Dessa concepção desenvolveram-se duas linhas de pensamento: uma que entende a coisa julgada como o efeito da sentença que a completa, tornando-se imutável e plenamente eficaz, e outra que entende a coisa julgada como a qualidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença, a imutabilidade, que não é efeito da sentença nem uma complementação da própria sentença, mas apenas atributo dos efeitos originais do julgado.” (GRECO FILHO, Vicente; Direito Processual Civil Brasileiro, Volume 2, 16ª Edição, 2003, Editora Saraiva, pg. 248)
Diante dos ensinamentos do douto professor supra mencionado, observa-se que a segunda linha de pensamento é a adotada pelo direito processual brasileiro. Linha de pensamento esta defendida por Liebman. Portanto, a coisa julgada é um dos efeitos da sentença, sendo quiçá o efeito mais importante da sentença; haja vista ser ele que possibilita que não sejam discutidos por outros juízes casos já resolvidos pelo Poder Judiciário, sendo também o princípio da coisa julgada amparado pelo princípio da segurança jurídica.
Em que pese o presente recurso ter por objetivo rediscutir duas sentenças já amparadas pelos efeitos da coisa julgada, sendo a primeira do processo de conhecimento e a segunda do processo de execução, não é tradição do direito brasileiro admitir tal possibilidade em sede recursal, haja vista a matéria estar preclusa, podendo, portanto, serem as sentenças revistas mediantes a proposição das competentes ações rescisórias. No entanto, esta Corte não pode deixar de analisar o mérito desta questão, pois estamos aqui discutindo matéria de direito com efetiva repercussão em novos aspectos fáticos trazidos a baila.
Destarte, pelo arrazoado do recorrente demonstrar nitidamente o descumprimento de norma federal, e estar em colisão princípios constitucionais, muito embora esta não ser a Corte Constitucional do país, julgo fundamental utilizar os ensinamentos de Robert Alexy para a solução deste conflito, que preceitua a utilização da ponderação para a resolução de colisões constitucionais, como esta em tela.
De um lado se tem o princípio da coisa julgada, tendo como suporte o princípio da segurança jurídica, e de outro lado observa-se o princípio do direito a propriedade e a justa indenização pela desapropriação, bem como o princípio de que a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. (art. 5º, XXII, XXIV, XXXV, XXXVI da CF).
Diante disto, adoto o posicionamento em adotar a relativização da coisa julgada. Nesta senda, a favor da relativização da coisa julgada preleciona os doutos professores Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
“Em favor da ‘relativização’ da coisa julgada, argumenta-se a partir de três princípios: o da proporcionalidade, o da legitimidade e o da instrumentalidade. No exame deste último, sublinha-se que o processo, quando visto em sua dimensão instrumental, somente tem sentido quando o julgamento estiver pautado pelos ideais de Justiça e adequado à realidade. Em relação ao princípio da legalidade, afirma-se que, como o poder do Estado deve ser exercido nos limites da lei, não é possível pretender conferir a proteção da coisa julgada a uma sentença totalmente alheia ao direito positivo. Por fim, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, sustenta-se que a coisa julgada, por ser apenas um dos valores protegidos constitucionalmente, não pode prevalece sobre outros valores que tem o mesmo grau hierárquico. Admitindo-se que a coisa julgada pode se chocar com outros princípios igualmente dignos de proteção, conclui-se que ela pode ceder diante de outro valor merecedor de agasalho.” (MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz; Curso de Processo Civil, Vol. 2, Processo de Conhecimento, 6ª edição, 2007, Editora Revista dos Tribunais, pg. 667) (grifou-se)
Perante tal argumentação, resta evidente que mesmo talvez o método escolhido pelo agravante para obter a prestação jurisdicional em relação a uma rediscussão de coisa julgada, não se pode deixar de apreciar a demanda sob o argumento de privilegiar o direito processual, pois tal argumentação claramente levará a uma decisão em detrimento do direito material.
Por óbvio, que esta Corte tem por objetivo principal a discussão de direito e não de fatos, não se admitindo colacionar novas provas, como dispõe a súmula 7 deste Sodalício. No entanto, discuti-se neste arrazoado a possibilidade de se refazer uma prova objetivando a justa indenização pela desapropriação de propriedade privada. Além disso, é fundamental ter em mente no momento do julgamento deste recurso que não só está se decidindo a respeito de um interesse privado, mas também o interesse público; haja vista uma mudança na real área a ser indenizada pode onerar o erário ainda mais.
Ainda a respeito de se refazer novo laudo pericial, como muito bem explicitou a n. Ministra Relatora e o ilustre Ministro José Delgado, não é a via adequada. No entanto, alega o recorrente que a perícia chegou a um resultado destoante da realidade. Portanto, por já estar se discutindo o presente caso, que possivelmente num futuro próximo será discutido nesta Corte, caso proposta a competente ação rescisória, sob a luz da celeridade na prestação jurisdicional, amparada no art. 5º, LXXVIII da CF, julgo o momento ideal para adotar o entendimento da relativização da coisa julgada, hoje presente de forma mais contundente nos entendimentos doutrinários.
Nesta senda, o meu voto é pelo provimento do recurso, acompanhando o voto do Ministro José Delgado, para que se determine nova perícia técnica com o intuito de se averiguar a real área do imóvel desapropriado.
É o voto..
* Acadêmico de Direito da UFSC
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