Reexame de Sentença e Apelação Cível. Mandado de Segurança. IPASEP. Integralidade de pensão. Adicional de Inatividade e Auxílio Invalidez. Inconstitucionalidade da lei estadual. Emenda Constitucional nº 20/98. Nova redação dos dispositivos constitucionais. Pedido de litigância de má-fé.
Fernando Machado da Silva Lima*
EGRÉGIA XXXXXXCÂMARA CÍVEL ISOLADA
PROCESSO : N° XXXXXXXX
REEXAME DE SENTENÇA E APELAÇÃO CÍVEL
SENTENCIANTE: JUÍZO DE DIREITO DA XXª VARA CÍVEL DA CAPITAL
SENTENCIADO/APELANTE: IPASEP – INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA DOS SERVIDORES DO ESTADO DO PARÁ
SENTENCIADA/APELADA: XXXXXXXXXXXXXXX
RELATORA : EXMA. DESA. XXXXXXXXXXXXXXX
PROCURADORA DE JUSTIÇA : XXXXXXXXXXXX
Ilustre Desembargadora Relatora :
Trata o presente de Reexame de Sentença e Apelação Cível, nos Autos do Mandado de Segurança impetrado por XXXXXXXXXXX, contra ato abusivo e ilegal do Presidente do Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado do Pará – IPASEP.
Em síntese, os Autos informam que :
Em sua Exordial, de fls.
O IPASEP prestou informações (fls.
O representante do Parquet, Dr. XXXXXXXXXXXX, em seu Parecer de fls.
A Mma. Juíza Titular da 22ª Vara Cível, Dra. Ruth do Couto Gurjão, decidiu, às fls. 27- 28. Relatou o Processo. Acolheu o parecer ministerial e julgou procedente o Mandado, determinando que a autoridade coatora pague a pensão em valor correspondente à totalidade dos proventos do segurado falecido.
O IPASEP recorreu (fls. 29- 33). Insistiu na regularidade da Lei nº 5.011/81 e na tese referente ao pagamento dos 70% (setenta por cento).
A Impetrante apresentou Contra-Razões (fls.
Distribuídos os Autos, vieram a esta Procuradoria de Justiça, para exame e parecer.
É o Relatório. Esta Procuradoria passa a opinar.
Deve ser ressaltado, preliminarmente, que o IPASEP protocolou seu Recurso de Apelação em 25.03.99, e ignorou completamente que o § 5o do art. 40 da Constituição Federal, na redação citada, já não existia, porque a Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.98, ou seja, quase três meses antes, já havia alterado completamente a redação desse artigo. Pela nova redação, o § 7o passou a dispor, verbis:
§ 7o – Lei disporá sobre a concessão do benefício da pensão por morte, que será igual ao valor dos proventos do servidor falecido ou ao valor dos proventos a que teria direito o servidor em atividade na data de seu falecimento, observado o disposto no § 3o (grifamos)
Verifica-se, portanto, que depois da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 20/98 não existe mais qualquer dúvida, a respeito do direito da Impetrante à integralidade da pensão.
Assim, o litígio em questão versa sobre a aplicabilidade da Lei Estadual 5.011/81, modificada pela Lei n. 5.301/85. Segundo o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado do Pará, o aludido Diploma Legal teria sido recepcionado pela Constituição Federativa de 1988, face à expressão contida em seu artigo 40, § 5º, até o limite estabelecido em Lei, o que permitiria negar a existência de uma isonomia estipendiária absoluta entre vencimentos, aposentadorias e pensões.
Argumenta o Instituto Previdenciário que o referido dispositivo constitucional seria o que os constitucionalistas denominam de norma de eficácia contida ou limitada, ou seja, necessita de um mecanismo infra-constitucional para ter eficácia.
No entanto, o direcionamento da maioria dos doutrinadores pátrios, bem como o dos Tribunais, volta-se no sentido de que o artigo 40, § 5º, da Lex Legum (anterior à Emenda Constitucional no. 20/98) , possui natureza de norma auto-aplicável, destarte, de eficácia imediata, não necessitando ser complementado por legislação ordinária, conforme ensina o jurista Wolgran Junqueira Ferreira:
Constitucionalmente fica estabelecido que o benefício de pensão por morte, corresponderá aos vencimentos ou proventos do servidor público falecido. Não há mais o que se discutir sobre o assunto, e nem que se ingressar na Justiça para obter a totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, dada a clareza do texto (art. 40, § 5º).
Esta disposição é válida para os três níveis de administração do Estado, isto é, União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios. (Comentários à Constituição de 1988, p. 493)
A lei, mencionada na parte final do salientado dispositivo constitucional, possui relação com o inciso XI do art. 37 da Lex Legum, que estabelece o teto salarial para os servidores públicos, incluindo os inativos, o que por corolário atinge os pensionistas (artigo 40, § 4º, da CF/88, na redação anterior à Emenda Constitucional no 20/98). Tal artigo foi modificado pela Emenda n. 19/98 (Reforma Administrativa), que unificou o teto, estabelecendo o limite máximo, correspondente ao subsídio de um Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Ademais, inúmeros Acórdãos, dos diversos níveis de jurisdição, dão posição favorável à integralidade da pensão, na mesma proporção dos proventos do servidor público inativo, verbi gratia:
EMENTA: Pensão. Valor correspondente à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido. Constituição Federal, artigo 40, § 5º.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Injunção 211-8, proclamou que o § 5º do art. 40 da Constituição Federal encerra um direito auto-aplicável, que independe de lei regulamentadora para ser viabilizado, seja por tratar-se de norma de eficácia, como entenderam alguns votos, seja em razão de a lei nele referida não poder ser outra senão aquela que fixa o limite de remuneração dos servidores em geral, na forma do art. 37, XI, da Carta, como entenderam outros.
Recurso extraordinário não conhecido. (STF. RE 140863-4/AM. Rel. Min. Ilmar Galvão. 1ª Turma. Decisão: 08/02/94. DJ de 11/03/94, p. 4.113.)
EMENTA: Constitucional. Administrativo. Pensão. Totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido.
I – A incidência do §5º do artigo 40 da Constituição Federal é imediata, e o art. 215 da Lei 8.112/90 esclareceu que o teto previsto na Constituição é o limite da remuneração dos Ministros de Estado.
II – O disposto no art. 4º da Lei 3.378/58, que diz corresponder a pensão por morte a 50 % dos vencimentos do servidor falecido, não dispõe de eficácia, pois, uma vez promulgada a Carta Magna, não há mais que se falar na coexistência de qualquer norma legal que com ela conflite.
III – Remessa necessária improvida, para manter a sentença. ( TRF – 2ª Região. REO 93.02.18402/RJ. Rel. Juiz Henry Barbosa. 1ª Turma. Decisão: 13/04/94, DJ 2 de 26/05/94, p. 25.662)
EMENTA: Previdência Social. Ipesp. Pensão. Beneficiário de servidor falecido. Valor integral dos proventos. Art. 40, § 5º, da Constituição da República. Admissibilidade. Recurso provido.
Da conjugação do preceituado nos artigos §§ 4º e 5º do art. 40 da Constituição da República infere-se que a Lei Magna assegurou, ineludivelmente, paridade de vencimentos, proventos e pensões, de modo que todos se reajustam quando os vencimentos são reajustados.
Se assim é, a pensão previdenciária não poderia ter expressão qualitativa e quantitativa diversa, porque todos caminham na mesma direção. Isto quer dizer que a Constituição da República assegurou a isonomia estipendiária entre servidores em atividade, servidores inativos e pensionistas de servidores falecidos ( TJSP. AC 180985-1/ São Paulo. Rel. Des. Renan Lotufo. 1ª Câmara Civil. Decisão: 02/03/93. JTJ/SP –LEX – 146, p. 141.)
Por último, dispunha o antigo § 5º do art. 40 da Constituição Federal de 1988 (redação anterior à Emenda Constitucional no. 20):
Art. 40. _________________
§ 5º – O benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei, observado o disposto no parágrafo anterior. (o grifo é nosso)
É certo que o aludido preceito constitucional se refere a vencimentos e proventos, dois termos juridicamente distintos. O primeiro aplica-se ao caso do servidor que falece na ativa. O segundo, logicamente, para aquele que morre já aposentado, ou seja, na inatividade. Essa é a interpretação, conforme o ilustre José Afonso da Silva:
Finalmente, a Constituição se lembrou dos pensionistas, quando no art. 40, § 5º, determina que os benefícios da pensão por morte correspondem à totalidade dos vencimentos (caso em que o servidor faleceu em atividade) ou proventos do falecido (caso em que o servidor faleceu quando já aposentado) (José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo)
Essa distinção, feita pelo Constituinte, não é gratuita, tendo em vista as várias espécies de aposentadorias previstas nos incisos do art. 40, sendo que as mesmas podem ser de proventos integrais ou proporcionais.
Deve ser ressaltado que citamos os §§ 4o e 5o do art. 40, na redação anterior, porque toda a doutrina e a jurisprudência apontadas se referem a essas normas. Mas a Emenda Constitucional no. 20, de 15.12.98, já anteriormente citada, alterou o art. 40 da Constituição Federal, que passou a ter dezesseis parágrafos, deixando ainda mais evidente a garantia de isonomia estipendiária entre servidores, aposentados e pensionistas.
A norma do § 7o do art. 40, de acordo com a Emenda Constitucional no. 20/98, já acima transcrita, garante que a pensão por morte será igual ao valor dos proventos do servidor falecido, e assim é evidente que a Impetrante tem direito à integralidade da pensão. O IPASEP alega que não houve contribuição sobre o adicional de inatividade e o auxílio invalidez, mas na realidade esses adicionais decorreram da perda da saúde do ex-segurado, devido ao próprio desempenho de suas atividades, e não pode ser alegado pelo IPASEP, conforme já demonstrado à saciedade nos Autos. Acrescente-se que essa alegação é francamente absurda, porque supondo-se que o ex-segurado, soldado da Polícia Militar do Estado, estivesse reformado e recebendo o adicional de inatividade e o auxílio invalidez em decorrência de um ferimento recebido no desempenho de suas atividades, e que ele tivesse falecido, ainda, em decorrência desse ferimento, é claro não poderia, como não pode, o IPASEP alegar a falta de contribuição, porque o ex-segurado já teria contribuído com a sua saúde e a sua vida para que a viúva recebesse a integralidade da pensão.
O parágrafo 3o, por sua vez, garante a igualdade dos proventos da aposentadoria, verbis:
§3o – Os proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à totalidade da remuneração. (grifamos)
Em suma, quer em face do antigo § 5o do art. 40 da Lei Maior, quer de acordo com o seu novo § 7o, não resta dúvida de que a Lei estadual que estabelece a alíquota de 70% (setenta por cento) para incidir sobre uma base de cálculo relativa ao valor dos proventos do ex-segurado, não foi recepcionada pelo sistema constitucional, o que garante a pensão integral inerente aos proventos do servidor inativo, de acordo com a espécie de aposentadoria. A lei referida no final do antigo § 5o do art. 40 referia-se ao teto salarial, que não pode ultrapassar o subsídio de um Ministro do STF, valendo a mesma premissa aos pensionistas, por força do antigo § 4º do mesmo artigo. Na redação atual, vigora a norma do § 8o do art. 40 da Constituição Federal, verbis:
§8o – Observado o disposto no art. 37, XI (grifamos), os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei
É certo que os valores do salientado benefício já foram corrigidos para se adequarem ao disposto na Carta Magna. No entanto, os valores inerentes às diferenças pretéritas não puderam ser analisados, em razão da súmula 271 estabelecer que o mandado de segurança não é instrumento jurídico idôneo para tal, motivo pelo qual a Autora ainda será obrigada a ajuizar uma ação de cobrança.
Finalizando, cabe aqui ponderar que é patente a litigância de má-fé do IPASEP, no pertinente à negativa da integralidade da pensão, porque o Órgão Previdenciário, sabendo muito bem que seus argumentos são totalmente improcedentes, continua interpondo infindáveis recursos às Instâncias Superiores, fazendo tabula rasa do Poder Judiciário, com o único intuito de procrastinar o pagamento da integralidade dos direitos que o legislador constitucional assegurou aos pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A nosso ver, além da patente procrastinação, há perda de tempo, papel e tinta…
Imperioso que esse Egrégio Tribunal de Justiça dê um basta a tantas manobras jurídicas perpetradas pela autarquia recorrente, apenas para retardar o reconhecimento do direito de pessoas que passaram a vida toda labutando em prol do Estado do Pará e que, no momento em que mais precisam, seu direito lhes é negado, porque o Órgão Previdenciário faz de tudo para não ver reconhecido, no Estado do Pará, esse direito constitucionalmente assegurado aos inativos e pensionistas.
Com efeito, o art. 17 do Código de Processo Civil, dispõe que:
” Art.17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso:
Ao lado dessa norma processual, a Jurisprudência Pátria, inclusive do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, é clara ao assentar que:
” É litigante de má-fé a parte que deduz pretensão contra fato incontroverso e altera a sua verdade, postergando o princípio da lealdade processual.” (RSTJ 88/83 e STJ-RTJE 157/225)
É evidente que a pretensão deduzida pelo IPASEP em centenas de casos similares e, em especial em mais este, demonstra a clara intenção de postergar o cumprimento de um direito assegurado no Texto Constitucional, e que seus argumentos, pretensamente jurídicos, caíram por terra em vários outros processos de Mandado de Segurança julgados pela Instância Máxima deste País, deixando as pensionistas do Estado do Pará à mercê de filigranas jurídicas incompatíveis com a nova ordem constitucional que vigora, aliás, desde o ano de 1988.
Na hipótese vertente, observa-se que este processo já tramita há mais de dois anos e três meses, e que a Impetrante tem a receber, ainda, diferenças referentes aos quase dez anos anteriores à impetração do Mandado, que serão reduzidos a cinco anos, por força do prazo prescricional, e que precisarão ainda ser pedidas através de uma Ação Ordinária.
Esta Procuradoria de Justiça pede, portanto, que essa Egrégia Corte aplique a multa específica, a ser fixada, pela nítida litigância de má-fé praticada pelo órgão previdenciário estadual, in casu, o IPASEP, porque, como demonstrado alhures, desde a promulgação do Texto Constitucional no ano de 1988 até a presente data, continua em seu firme propósito de não cumprir a Norma Maior.
Ex positis, este Órgão Ministerial se manifesta pelo conhecimento do recurso oficial e da Apelação, porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade, e no mérito, pelos seus improvimentos, com a integral manutenção do decisum de Primeiro Grau, que concedeu a segurança, devendo conseqüentemente XXXXXXXXX, beneficiária do ex-segurado XXXXXXXXXXXXX, receber pensão correspondente aos proventos integrais do “de cujus”, a partir da data do ajuizamento da Inicial, obedecida a Súmula 271, no pertinente aos efeitos patrimoniais em relação ao período pretérito, e ainda com a aplicação da pena pela litigância de má-fé, em quantum a ser determinado por esse Egrégio Tribunal.
É O PARECER.
Belém, setembro de 2.000.
* Professor de Direito Constitucional da Unama
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